PROPOSTA DE UNIFICAÇÃO DOS COMANDOS DAS POLÍCIAS - CRIAÇÃO DA PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA NO ESTADO DE SANTA CATARINA – GOVERNO ESPERIDIÃO AMIM – 1998/2002 - PARTE LI: “RABOS DE  CAVALO E O SISTEMA PRISIONAL” (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 26/03/2018 | História

Data: 07.10.98, horário: 14:20 horas, “De    Corpo e Alma”: 

Jorge ao telefone:

  • Alô, Felipe.
  • Sim.
  • Eu aguardei que tu me desse um retorno?
  • Pois é, eu ia te ligar, consegui falar com o Júlio.
  • Conseguiste?
  • Sim.

(...)

E relatei meus dois últimos contatos com Tereza (e do porquê da impressão que ela o teria atendido mal na última oportunidade, na verdade ela estava muito sentida com a situação do Júlio, a quem estava se dedicado integralmente, além disso considerando tantas cabeças povoando o gabinete):

  • Olha Jorge, a Tereza tem estado lá de corpo e alma, não naquele sentido...
  • Sim, eu entendo.
  • É porque a gente falando assim da impressão que...
  • Não. Eu entendo.

(...)

Falei também do conteúdo da conversa com o Júlio e Jorge me perguntou se ele ainda naquele dia estaria em Rio do Sul. Respondi que não sabia e enfatizei sobre a importância de Gilmar estar no jantar da próxima semana, conforme já tinha sido conversado. Jorge mencionou que o nosso “Plano” não estava ainda morto, isto é, enquanto Júlio Teixeira estivesse vivo o “Plano” também existiria e fez um relato sobre sua última conversa nesse sentido com o parlamentar. Finalmente, falei do projeto de dois mil e dois e que começaria agora, caso nosso “Plano” não viesse a vingar no Governo Amin, inclusive, mencionei o “Projeto Garcez” para atuar na DRP de São José para buscar espaços políticos, da preparação de “Cesinha” para buscar uma candidatura a vereador nessa mesma cidade...

Jorge Xavier solicitou que eu fosse com ele por volta das dezesseis horas na sede do comitê de campanha do Governador Amin que foi transformado em “Sede de Plano de Governo” Havia conversado anteriormente com Backes que estava licenciado e   pretendia marcar uma reunião com todo o grupo para amanhã. Segundo Jorge Xavier era hora de se fazer presente para não dar a impressão de que estávamos de fora, no que concordei.

Horário: 16:00 horas, “Conversa com o Coronel Backes”:

Encontrei-me com Jorge Xavier na frente do comitê  de campanha do Governador  Amin, no prédio localizado na frente da Praça Getúlio Vargas e do Comando-Geral da Polícia Militar – Centro de Florianópolis. Soube que Jorge Xavier tinha acabado de conversar com o Coronel Walmor Backes que estava de saída, entretanto, pediu  para que aguardássemos um pouco porque havia retornado. Passados alguns instantes Backes veia até nós com o “Plano do Governo Amin” nas mãos e fez a entrega para Jorge Xavier. Cumprimentei Backes que disse que já estava de licença e iniciou o levantamento de dados na Polícia Militar para efeito de constatação da realidade atual, conforme recomendação do Celestino Secco, responsável por esse trabalho. Backes solicitou que nós fizéssemos o mesmo com relação à Segurança Pública e Jorge Xavier ponderou que é inativo, porém que eu poderia cumprir essa missão levando em conta que estava na atividade. De imediato solicitei para que reconsiderasse esse pedido porque em se tratando de várias facções existentes na Polícia Civil e, ainda, considerando a eleição do Delegado João Rosa, isso fez com que houvesse a necessidade de credenciamento e eu não poderia me apresentar na Secretaria de Segurança Pública sem que estivesse credenciado, ficaria muito difícil ser atendido naquelas circunstâncias. Jorge Xavier concordou e ficou aquele impressão que  Backes não havia entendido muito bem a minha justificativa, achava que mesmo assim deveríamos ir atrás daquelas informações, no que eu disse que a sua situação era diferente porque ele era unanimidade com representante da Policia Militar junto ao Governador eleito, já conosco a situação era bem diferente, existiam várias facções concorrendo.

Quando pensei que Backes iria embora, retornou para a sede do comitê e Jorge Xavier me convidou para visitar Celestino Secco, no que eu pedi que ele primeiro verificasse se o mesmo se encontrava no local. Pelo meu celular Jorge Xavier certificou-se que aquele político já tinha saído do comitê. Resolvemos ir no carro de Jorge Xavier até a Assembléia Legislativa pegar o espelho de votação do TRE com a Tereza, antes deixei o meu carro estacionado na Trompowski e fomos de Apollo, em cujo trajeto aproveitei para fazer o seguinte comentário:

“(...)

  • Pois é Jorge, tu tens uma maneira bem diferente de lidar com as coisas, tu te colocas no meio dos fatos e os vivencia intensamente, já eu procuro sempre estar no centro dos acontecimentos e ao mesmo tempo fora deles para poder interpretá-los e evitar esses desgastes emocionais em excesso.
  • É bem assim Felipe, eu vivencio as coisas intensamente, respiro tudo isso, vou fundo...
  • Mas isso tem um preço muito alto. Eu já procuro desenvolver mecanismos de defesa, procuro me blindar para me preservar, minha família...
  • Eu não sei ser assim.

(...)”.

Os meganhas

Próximo da Assembleia Legislativa Jorge Xavier tentou infrutiferamente deixar pela segunda vez o seu “Apollo” no estacionamento do Tribunal de Justiça, porém, não teve sucesso e teve que dar a volta irritado, com este desabafo:

  • Esses meganhas não gostam da gente mesmo..., sabem que somos Delegados...
  • Será Jorge?
  • Sim, pelo menos o segundo me conhece.

Resolvido esse impasse, já transitando nas imediações da Assembleia Legislativa (conseguimos estacionar na rua que dava acesso ao Sesc, em cujo local achamos uma vaga,  bem em frente) Jorge Xavier passou pelo Policial Militar que controlava a entrada, estampando ares imponentes que denotavam estar ali uma autoridade,  paletó, gravata e aquele seu ar que misturava um misto de aristocracia e atividade senatorial, o que lhe rendeu franca passagem. Entretanto, quando chegou a minha vez, imaginei que o tratamento seria bem diferente, isso porque estava trajando calças jeans, bem à vontade, sem qualquer ostentação, mas para minha surpresa o gentil policial militar não criou qualquer empecilho. Já no corredor Jorge Xavier fez o seguinte comentário: 

  • É, acho que o soldado não nos barrou pensando que somos funcionários da Assembleia, essa entrada aí é exclusiva para deputados e servidores...
  • Eu sei Jorge, prefiro seguir os canais normais, pra que se incomodar?

(...)".

“PROCURADORIA-GERAL DE POLÍCIA E SISTEMA PRISIONAL: Entre ‘Eestoicos’ e ‘Rabos de Cavalos’”:  

E mais adiante encontrei o Deputado Jaime Mantelli que estava sendo cumprimentado por duas pessoas (não tinha como não lembrar do Coronel Sidney Pacheco... nessas horas. Mas o que me surpreendeu foi que o Subtenente Mantelli não ostentava mais o seu já tradicional “rabo de cavalo” que mexia tanto com os “brios especialmente do oficialato”, muito pelo contrário, estava vestido elegantemente, com um sorriso virtuoso. Como estávamos de passagem, fui ao seu encontro para cumprimentá-lo e felicitá-lo:

  • Mantelli, torcemos pela reeleição do amigo, parabéns!
  • Obrigado. Muito obrigado!

Depois disso, lembrei a última conversa que tive com o Coronel Freitas no Shopping Beira Mar Norte, considerando que tinha acabado de encontrar o deputado que não era mais “Rabo de Cavalo” (seria uma vergonha para a PM aquele seu visual provocativo ou uma afronta aos “caserneiros”?) e sua reeleição havia revelado uma verdade irretocável: foi o único representante da Polícia Militar que conseguiu se eleger, uma resposta a muita gente que procurou humilhá-lo ou a desconsiderá-lo. Lembrei a entrevista que tinha feito no ano de 1996 com o Coronel Sidney Pacheco, tendo o mesmo se reportado ao Deputado “Rabo de Cavalo”, o que interpretei que poderia considerar aquilo uma “vergonha” (o hilário era pensar que Mantelli foi um importante cabo eleitoral de Pacheco na sua primeira campanha eleitoral no ano de 1987, cuja atuação eu próprio testemunhei na região de Rio do Sul). Nunca concordei com aquelas críticas, até porque meu irmão (médico) durante certo tempo também usou esse mesmo visual que eu particularmente não aprovava, mas isso por uma questão de estética, porém, jamais por considerar vergonhoso. Registre-se que até então não tinha conhecimento da informação que o ex-Deputado Federal Dércio Knopp (Presidente Estadual do PDT) havia me repassado anos depois desse encontro, quando me confidenciou que parte do dinheiro da campanha de um deputado estadual do PDT foi resultado de “caixa 2”, cujos recursos vieram da Secretaria de Justiça, por meio de uma licitação tipo “faz de conta” (da qual tinha conhecimento), mas que recebeu uma “rasteira” já que a sua parte no “esquema” (seiscentos mil), apesar de ser uma promessa, não lhe foi repassada, o que acabou comprometendo sua reeleição à Câmara Federal. O fato é que consegui com essa informação resolver um enigma, ou seja, a “negociata” no andar de cima acabou sobrando para a Penitenciária de Florianópolis, justamente na minha gestão (1995 e 1997), considerando que fui responsável por provocar essa licitação junto a Secretaria de Justiça, cujo órgão estava na cota do Partido do PDT (que apoiava o Governo Paulo Afonso - PMDB). Em razão disso, se a situação já era caótica porque tinha que administrar o caos, piorou consideravelmente porque os tais “medicamentos” nunca chegaram, principalmente, para os aidéticos. Nesse cenário, meu irmão, policial civil e médico, também com seu “Rabo de Cavalo”, que estava à frente dos serviços médicos aos presos (havia conseguido a sua disposição por meio do nosso amigo e Delegado-Geral Ewaldo Moreto) continuou a reclamar com mais contundência, juntamente com a Gerente de Saúde Rosa Maria Bittencourt (eleitora do Deputado Mantelli, esposa do Presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar e indicada politicamente o referido cargo em comissão) e mais o enfermeiro que atendia os presos doentes à noite (Cassol), sem ter muito o que fazer, só me restou cobrar explicações de meus superiores, porém, sem qualquer retorno. Moral da história: continuei a ter que tirar dinheiro do meu bolso para comprar “analgésicos” para amenizar a situação junto à Gerência de Saúde daquele estabelecimento, totalmente desprovida de remédios, a fim de evitar que presos gritando de dor durante as madrugadas não servissem de gatilho para que o explosivo "barril de pólvora" fosse acionado... No  final das contas, diante desse tratamento e de outras situações adversas, em especial, por descaso do governo para com o sistema prisional como um todo, a solução poderia ser rápida e fácil, isto é: uma “rebelião” premeditada (negociada com lideranças negativas encarceradas e servidores corruptos), só que deveria se achar um “bode expiatório”, neste caso quem? Bom, cairia bem se fosse um diretor que estivesse criando sérios problemas para seus superiores, complicando as coisas...). Acredito que meu estoicismo de não pactuar com determinadas situações dentro do “sistema prisional” e, também, o fato de estar desde o início batendo de frente com os fortes que estavam no comando do sistema prisional,  na tentativa de mudar àquela realidade e, também, procurando mobilizar os servidores para organizarem um órgão classista para defender seus interesses e melhorias para o sistema contra ingerências políticas, acabaram desaguando na rebelião de maio de 1997 que invariavelmente não despertou o interesse de investigação, apenas ganhou força midiática e suas fontes fáceis e duvidosas de informações, além do sensacionalismo barato, o discurso do “do velho e do novo”, a derrocada dos que tentaram resistir. Enfim, após àquela rebelião tudo ficou pacificado e qualquer ameaça aos interesses políticos (ou ocultos) foi rechaçada com vigor, energia e eficácia: “O Diretor caiu!”. No nosso “Plano” o sistema prisional não ficaria isolado, muito pelo contrário, integraria a Procuradoria-Geral de Polícia, submetidoa uma administração estruturada e presente em todos os níveis em razão do comando único de natureza policial.

“Viva Mantelli”:  

Até porque a Rosa Maria, que trabalhou comigo na Penitenciária de Florianópolis, comentou que o Deputado Mantelli usou aquele seu cabelo porque sempre havia sido muito reprimido, tanto na família como na própria vida militar e essa era uma forma de realizar um sonho de liberdade. Lembrei como são retratados vultos da história como:  “Deus”, “Jesus Cristo”, “Leonardo da Vinci”, “Tiradentes”, “Descartes”..., sem contar os gênios da música, Einstein e tantos outros, todos retratados com cabelos compridos, rebeldes, barbas.... Aliás, registre-se que só não aparecem assim os seus algozes que foram responsáveis por prender, torturar e conduzir a morte alguns desses personagens, todos retratados com seus uniformes, vestimentas impecáveis que denotavam exemplos de disciplina, compleição física e apresentação excelentes, doutrina militar...: Mas, estariam a serviço de quem? Diante dessas considerações, sem comentários: “Viva Mantelli!”

"Duendes e a fadas":

E, sem parar quase que um instante para não interromper a sua conversa e comentando que Mantelli havia me reconhecido, fomos nos distanciando, ficando no ar os sorrisos do parlamentar e de Jorge Xavier que acompanhou tudo atentamente e mais à frente observou:

  • Interessante, eu não consigo dizer essas coisas que tu dizes.
  • O quê Jorge?
  • O que tu falaste para o Mantelli “torci pelo amigo”,  não consigo!
  • Mas é verdade Jorge, eu tenho um bom relacionamento com ele e tenho amigos que trabalharam para ele, conseguimos votos...

No gabinete de Júlio Teixeira encontramos várias pessoas, dentre elas os policiais civis Moretto (aquele da festa e que dirigiu o Ford Escort conversível levando Júlio Teixeira) e Clésio Moreira (o microfone da festa), ambos ligados ao Delegado  Wanderley Redondo e que deveriam estar fazendo plantão no local ou fazendo não sei o quê mais, além do policial Müller, Joazinho – “o duende” (sogro de Júlio) e Tereza – uma espécie de “fada”.

Nos dias em que estive no local pude notar que o ambiente estava carregado com a presença daqueles super pesados, não era mais o mesmo, antes havia equilíbrio,  agora o ar parecia que ficou bem mais carregado, tumultuado e Tereza parece que se adequar àquela realidade circundante e, assim, sobreviver...:

  • Felipe está aqui o relatório do TRE, só está faltando a relação de algumas pequenas cidades que não veio a informação, mas é bem pouca coisa. (Tereza)
  • Ah, sim, essa relação foi a fornecida pelo TRE?
  • Não. Essa veio lá do Pedrinho Bittencourt, a gente consegue lá, eles estão imprimindo.
  • Certo, porque eu notei que falta o timbre, mas obrigado Tereza.

Em seguida me dirigi até o gabinete de Júlio Teixeira em cujo local encontrei João Luiz junto a janela fumando um cigarro. Resolvi ir direto matar a minha curiosidade:

  • Oi João, deixa eu te cumprimentar. (Felipe)
  • Me cumprimentar? Por quê?

E percebi que ele me fitou nos olhos a espera de uma resposta, talvez face a minha introdução que parecia mais provocante do que impactante:

  • Cumprimentá-lo pelos pêsames!
  • Ah, bom!

E passamos a fazer uma avaliação sobre o resultado do pleito de Júlio Teixeira.

  • Olha Felipe, estamos muito abalados, foi duro, mas o Júlio fez uma campanha com trinta mil reais, o que tu queres?
  • Pois é João, agora me explica como é que o Júlio Garcia conseguiu fazer vinte e sete mil votos?
  • É fácil, bota quinhentos mil na minha mão para ver?
  • É mesmo, ele é daqueles que recebeu também os quinhentos mil que estão falando por aí?
  • O Júlio fez uma campanha sem dinheiro!

Nisso chegou Jorge Xavier que se juntou para participar da nossa conversa:

  • Mas João a que tu creditas a não reeleição do Júlio? (Felipe)
  • Principalmente ao grande número de candidatos lá no Vale. (João)
  • E como é que o Heitor fez quase trinta mil votos? (Felipe)
  • O Heitor começou a campanha dele em outubro do ano passado, eu falei isso para o Júlio e ele disse que enquanto o Heitor estava fazendo a campanha ele estava aqui na Assembleia trabalhando e daí vem a diferença. O Júlio chegou a dizer que na primeira eleição dele fez a mesma coisa, enquanto os “neguinhos” estavam aqui na Assembleia trabalhando, ele estava fazendo política direto na região dele. (João)
  • Na verdade o Amin vai ter que costurar um acerto para acomodar todo o pessoal, seja Heitor, João Rosa e até o próprio Júlio que fez vinte mil votos... (João)
  • Sim. E ainda tem mais um que é o Pacheco. (Jorge)
  • Mas houve algum problema com o Pacheco? (Felipe)
  • Não. O Pacheco fez esquema com vários candidatos, por exemplo, lá em Tubarão ele acertou com o Ponticelli do PPB na sexta feira. No sábado rodaram quarenta e cinco mil panfletos de propaganda do Pacheco passando os votos dele para o Ponticelli, imagina o que tem de polícia naquela região, saíram tudo doido e ele fez vinte e sete mil votos. O Pacheco também fechou com a Marli aqui em São José, só que ela não entrou, fechou com o Heitor e com o Júlio, esteve aqui aquele Coronel Cesar. (João)
  • Bom, então agora eu entendo porque que o Pacheco é também candidato a Secretário de Segurança. (Jorge)

(...)”.