PRONATEC – A MATERIALIZAÇÃO DA HEGEMONIA DAS POLÍTICAS NEOLIBERAIS NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL.

Por PEDRO ALVES DA NÓBREGA JÚNIO | 22/02/2017 | Educação

PEDRO ALVES DA NÓBREGA JÚNIOR

Analista Ministerial do Ministério Público do Estado da Paraíba, Lotado na Promotoria de Justiça Cumulativa de Santa Luzia-PB. Especialista em Direito Processual Civil e Processo do Trabalho pela Universidade POTIGUAR e C&E (2002-2003). Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade POTIGUAR e C&E (2004-2005).

pn.junior@hotmail.com 

RESUMO: 

Este ensaio discute a evolução histórica da educação profissional no Brasil, especialmente, a construção da dualidade estrutural no sistema educacional entre ricos e pobres, e o atual modelo dominante de reestruturação do modelo educacional, após a crise do capital e o novo contexto neoliberal, com o prognóstico para o cenário nacional e propostas de rearticulação nas políticas educacionais. Trata-se de um estudo de caráter exploratório, sem forte preocupação com análises exaustivas dos documentos examinados ou mesmo dos contextos históricos que os delimitam.

A escolha deste tema se deve em parte as discussões sempre existentes na agenda nacional, acerca do tema das reformas das políticas educacionais que vem alterando, de modo alargado e profundo, desde os anos de 1990, a educação brasileira em todos os níveis, especialmente a profissional, demonstrando que, independentemente da ideologia do grupo político que se encontra no poder no Brasil, nosso país tem caminhado no sentido de uma agenda que propõe uma reforma estrutural do Estado, baseada na racionalidade da política neoliberal, ou o novo gerencialismo, que está na base das reformas do Estado e dos princípios mais gerais que pautam as reformas educacionais na contemporaneidade, a exemplo da reforma da educação profissional.

 

PALAVRAS CHAVES: Educação Profissional. Dualidade Estrutural. Capital. Neoliberalismo.

INTRODUÇÃO: 

No Brasil, segundo AZEVEDO (1996, p. 626) a predominância de uma mentalidade jurídico-profissional, voltada inteiramente para as carreiras liberais e para as letras, a política e a administração, relegou o ensino profissional a um plano secundário, que durou até quase a República.

De fato, no Brasil Colônia não havia a disponibilização da educação profissional, de forma que se aprendia praticando.

O marco inicial da educação profissional no Brasil sob a responsabilidade do Estado, segundo KUENZER (2005, p. 27) ocorre em 1909, após a instauração da República, quando Nilo Peçanha cria as escolas de aprendizes artífices, por meio do Decreto n. 7.566/09, as quais eram destinadas aos deserdados da fortuna, filhos das camadas mais pobres e não dava acesso ao ensino superior, enquanto a classe dirigente era formada nas escolas confessionais e academias militares.

Assim, para KUENZER (2005) surgia o fenômeno denominado de dualidade estrutural, ou seja, a uns era destinado o trabalho intelectual, enquanto para outros se destinava o trabalho braçal.

O contexto da industrialização e da revolução de 1930 destaca a relação entre trabalho e educação como problema fundamental. A Constituição de 1937, entretanto, ainda explicita claramente o dualismo escolar e a destinação do ensino profissional aos menos favorecidos, conforme se observa da leitura do parágrafo primeiro do art. 129, da Constituição de 1937[1]:

 

“O ensino pré-vocacional e profissional destinado às classes menos favorecidas é, em matéria de educação, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhe dar execução a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de iniciativa dos Estados, dos Municípios e dos indivíduos ou associações particulares e profissionais” (BRASIL, 1937).

 

O Manifesto dos Pioneiros identifica a existência, no Brasil, de dois sistemas paralelos e divorciados de educação, fechados em compartimentos estanques e incomunicáveis:

 

“O sistema de ensino primário e profissional e o sistema de ensino secundário e superior teriam diferentes objetivos culturais e sociais, constituindo-se, por isso mesmo, em instrumentos de estratificação social. A escola primária e a profissional serviriam à classe popular, enquanto que a escola secundária e a superior à burguesia”. (Cunha, 1997, p. 13)

 

No final da década de 40 as Escolas de Aprendizes e Artífices transformam-se em Escolas Técnicas, mas não há o rompimento com a estrutura anterior, visto que, para continuar os estudos e almejar o ensino superior, a classe trabalhadora tinha que se submeter a um exame de adaptação, onde os saberes eram totalmente distintos (LIMA, 2012).

A partir de 1942 são baixadas por decreto-lei as conhecidas “leis orgânicas da educação nacional” para o ensino secundário, o ensino industrial, o ensino comercial, o ensino primário, o ensino normal e o ensino agrícola. A Constituição de 1937, propiciou a definição das Leis Orgânicas do Ensino Profissional e a criação de entidades especializadas como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac). Assim, a oferta de educação profissional não ficava restrita ao Estado, mas também ao sistema “S” (KUENZER, 2005).

Assevera a autora, que somente com a entrada em vigor da Lei nº 4.024/61 é que se busca uma equivalência entre a educação geral em nível secundário e a educação profissional, onde os técnicos poderiam candidatar-se ao ensino superior sem exames complementares, mas na prática, a restrição continuava em razão da falta de preparo dos técnicos para disciplinas de caráter geral.

Com o início da década de 70 e o desenvolvimento tardio da economia brasileira, buscou-se adaptar a legislação educacional às mudanças ocorridas com o modelo denominado fordismo/taylorismo, que se destaca pelas técnicas rígidas, movimentos calculados e planejamento separado da produção. Este modelo adaptou-se perfeitamente a nossa realidade de dualidade estrutural, reduzindo o operário a prática de atividades repetitivas e a educação profissional ao simples treinamento para produção em série (LIMA, 2012).

Como afirma o autor, o pós-segunda guerra e o escoamento de capitais para os países em desenvolvimento permitiu ao governo militar reformular a educação, buscando conter a pressão pelo ingresso nas universidades, com o preparo suficiente de técnicos. Mas a crise do fordismo deixou o Brasil de joelhos perante órgãos multilaterais credores de juros (como o BIRD), que adotando uma política neoliberal consideraram o ensino técnico caro e dispendioso, dando ênfase ao ensino elementar.

Com a queda da União Soviética, o Capital ocupou setores estratégicos, antes preenchidos pelo Estado, assumindo a vanguarda do crescimento econômico, com o surgimento da GLOBALIZAÇÃO, havendo o abandono pelo governo brasileiro, do projeto de Lei de Diretrizes para Educação – LDB, para implantar a Lei nº 9.394/96, que desarticulou o ensino médio do ensino técnico (GARCIA, 2010).

Para a autora, somente em 2004, o governo Lula, por meio do Decreto 5.154/2004, rearticula o ensino médio com o técnico, além de ampliar a rede federal, porém, manteve aspectos do decreto anterior que foram mascarados, como o favorecimento da expansão da formação profissional através de entidades privadas. Já no Governo Dilma Roussef, surge a Lei nº 12.513/2011 que cria o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC).

 

  1. A IMPOSIÇÃO PELO CAPITAL DO ATUAL MODELO DA POLÍTICA DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL BRASILEIRA.

 

As políticas públicas educacionais em vigor atualmente, tanto a do ensino propedêutico como a do ensino profissional, são fruto do movimento neoliberalista que vem permeando as políticas desenvolvidas pelos países da América Latina, nos últimos vinte anos, embasadas na colonização das políticas educativas pelos imperativos das políticas econômicas, baseadas em subjetividades cosmopolitas, sem pátria e sentimentos nacionalistas, onde cada um deve se preocupar em melhorar suas vidas e transformar sua sociedade, sendo a educação apenas o caminho para o emprego e a participação na sociedade (GARCIA, 2010).

Para a autora, ao invés de formar cidadãos, a educação está se resumindo ao rendimento escolar, ou à performatividade, estimulando competições entre as escolas e os professores. Privilegia-se o atendimento de uma carência de mão de obra do mercado, ao invés de preocupar-se com o desenvolvimento nacional, a formação de cidadãos e a redução das desigualdades sociais.

Programas como o PRONATEC evidenciam esta escolha. O modelo imposto é exógeno – vem de fora para dentro, de forma padronizada e atendendo a interesses cosmopolitas, que procuram impor seu modelo para todos, beneficiados pelo fenômeno da globalização. Basta analisar os modelos impostos pela UNESCO e pelo Banco Mundial (GARCIA, 2010).

A regulamentação para o ensino superior estabelecida por estes órgãos multilaterais, flexibiliza o ensino profissional, permitindo o avanço do setor privado, seja no aligeiramento da formação, seja na redução de custos que cursos organizados em módulos menores podem acarretar. Assim, deu-se continuidade à política de precarização e adaptação da formação técnica secundária a interesses do capital. (LIMA, 2012)

Com a implantação do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) pelo atual governo, percebe-se na prática a materialização das recomendações da UNESCO, de que os governos da América Latina deveriam utilizar o modelo do sistema “S”, para formação profissional.

Com efeito, com esse programa do governo brasileiro completa-se o ciclo da privatização, precarização e aligeiramento da formação técnica de nível médio, tornando a educação um processo de transferência de recursos públicos para a iniciativa privada, na tentativa de contenção da crise estrutural do capital (LIMA, 2012).

Essas afirmações podem ser perfeitamente deduzidas através da leitura dos artigos 1º[2], 3º[3] e 6º[4] da Lei nº 12.513/2011, em que se percebe o protagonismo do sistema “S” na política de educação profissional.

A precarização é percebida não apenas com a formação aligeirada dos técnicos, mas com a contratação dos profissionais que irão ministrar os cursos, cuja atuação não configura vínculo e os valores recebidos a título de bolsa, não configuram remuneração, conforme se observa do artigo 9º, § 3º, da Lei nº 12.413/2011[5].

Da mesma forma que o programa federal denominado PROUNI, o PRONATEC distribui bolsas de caráter individual, através do FIES, seja para financiamento estudantil, seja para trabalhadores que já estejam empregados (LIMA, 2012).

Segundo o autor, um perfeito exemplo desta precarização ocorre quando uma empresa privada desejar implantar um programa, neste caso, ela pode contar com financiamento público para precarizar e superexplorar seus trabalhadores.

 

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS.

 

A escola é o ambiente onde se transfere e se obtém o conhecimento. A partir dela o conhecimento é difundido, mas também ela é um local de articulação entre o saber e o poder. É neste ambiente que se busca o alcance dos objetivos constitucionais da educação – pleno desenvolvimento da pessoa, preparação para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho.

Analisando o desenvolvimento histórico do processo de educação profissional no Brasil, percebe-se que este sistema sempre esteve atrelado a um dualismo escolar, um verdadeiro apartamento entre a educação profissional e a educação regular, direcionando o ensino propedêutico e de qualidade para as camadas ricas da sociedade, enquanto o ensino técnico-profissional é destinado para as camadas mais pobres.

Esta dicotomia ainda hoje permeia nosso sistema, agravado pela crise estrutural do capitalismo e pelo contexto de hegemonia das políticas neoliberais, que se afinam na redução do papel do Estado, submetendo a educação profissional à cultura do mercado, na formação do cidadão produtivo.

No entanto, é primordial que ocorra uma ampla reforma nas políticas educacionais de nosso país, especialmente a educação profissional. Este debate deve sair do campo da política e ser elaborado com a sociedade, especialmente as classes empresarial e trabalhadora, refletindo os anseios nacionais, harmonizando-se com os objetivos previstos na Constituição Federal, como a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional e promova o bem de todos.

Assim, as políticas públicas para a educação profissional devem ser elaboradas, inicialmente, em uma dimensão horizontal e não vertical, privilegiando-se o debate entre as classes trabalhadoras e o setor patronal, com a participação de sindicatos, buscando assim, a formação de cidadãos e não apenas de trabalhadores para suprir uma necessidade do mercado em determinada área. Após essa ampla discussão, aí sim, toma-se uma dimensão vertical, mas de baixo para cima, no sentido dos gestores concretizarem em forma de políticas públicas, os anseios da sociedade.

A adoção dessa forma de política pública contribui decisivamente para a redução da histórica dualidade estrutural da educação brasileira, contribuindo para um projeto nacional de desenvolvimento. 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

AFONSO, Almerindo J. Estado, globalização e políticas educacionais: Elementos para uma agenda de investigação. Revista Brasileira de Educação. Jan/Fev/Mar/Abr 2003 n. 22.

AZEVEDO, F. A. Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura do Brasil. 6. ed. Rio de Janeiro/Brasília: Editora da UFRJ/Editora da UnB, 1996.

BRASIL, Lei n.º 12.513/2012 - PRONATEC - Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. Disponível em: . Acesso em 29 de dezembro de 2014.

BRASIL, Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: . Acesso em 29 de dezembro de 2014.

CUNHA, Luiz Antonio. Política educacional no Brasil: a profissionalização no ensino médio. 2 . ed . Rio de Janeiro: Eldorado, 1977.

___________________.Educação para a democracia: uma lição de política prática. In: TEIXEIRA, A. (Orgs.). Educação para a Democracia: introdução à administração educacional. 2.ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1997.

GARCIA, Maria Manuela Alves. Políticas educacionais contemporâneas: tecnologias, imaginários e regimes éticos. Revista Brasileira de Educação. v. 15 n. 45 set./dez. 2010.

KUENZER, Acácia Zeneida. A reforma do ensino técnico no Brasil e suas consequências. In: FERRETTI, Celso; SILVA JR, João dos Reis; OLIVEIRA, Maria Rita N.S. (orgs.). Trabalho, formação e currículo. São Paulo – SP: Xamã, 1999 (p.121 – 139).

LIMA, Marcos Ricardo de. PRONATEC-Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego: Uma Crítica na Perspectiva Marxista. Revista Estudos do Trabalho, Ano VI, Número 11, Marilia, UNESP, 2012. Disponível em: . Acesso em 29 de dezembro de 2014.

 

 

[1] Publicada no DOU no dia 10.11.1937, republicada em 11.11.1937, republicada 18.11.1937 e republicada 19.11.1937

[2]Art. 1o É instituído o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), a ser executado pela União, com a finalidade de ampliar a oferta de educação profissional e tecnológica, por meio de programas, projetos e ações de assistência técnica e financeira.

[3]Art. 3o O Pronatec cumprirá suas finalidades e objetivos em regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com a participação voluntária dos serviços nacionais de aprendizagem, de instituições privadas e públicas de ensino superior, de instituições de educação profissional e tecnológica e de fundações públicas de direito privado precipuamente dedicadas à educação profissional e tecnológica, habilitadas nos termos desta Lei. (Redação dada pela Lei nº 12.816, de 2013)

[4]Art. 6o-A. A execução do Pronatec poderá ser realizada por meio da concessão das bolsas-formação de que trata a alínea a do inciso IV do caput do art. 4o aos estudantes matriculados em instituições privadas de ensino superior e de educação profissional técnica de nível médio, nas formas e modalidades definidas em ato do Ministro de Estado da Educação. (Incluído pela Lei nº 12.816, de 2013)

[5]Art. 9o São as instituições de educação profissional e tecnológica das redes públicas autorizadas a conceder bolsas aos profissionais envolvidos nas atividades do Pronatec.

3As atividades exercidas pelos profissionais no âmbito do Pronatec não caracterizam vínculo empregatício e os valores recebidos a título de bolsa não se incorporam, para qualquer efeito, ao vencimento, salário, remuneração ou proventos recebidos.