Projeto educacional moderno: identidade terminal?
Por Amanda Noronha Fernandes | 05/08/2013 | EducaçãoResenha do texto: SILVA, Tomaz Tadeu da. Projeto educacional moderno: identidade terminal? In: Identidades terminais: as transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996, cap. XV.
A escola é, segundo Silva (1996), a instituição moderna por excelência e também sintetiza os ideais iluministas. É esta instituição que se encontra em meio a ataques centrais a suas fundações: de um lado o “questionamento pós-modernista e pós-estruturalista aos pressupostos modernos da educação pública e institucionalizada” (p. 251) e de outro lado, o que o autor chama de assalto neoliberal que desloca a educação da esfera pública para a esfera privada. Neste contexto, o autor procura pensar o posicionamento da Esquerda em relação às ideias modernas sobre educação.
O questionamento pós-modernista e pós-estruturalista da educação demonstra a construção do sujeito moderno através do discurso (apud Focault e Derrida), a utilização da linguagem como elemento de constituição da “verdade”, ruindo assim, o domínio das grandes narrativas, tentativas de ordenar, classificar a organização e interação social. Entretanto, segundo a contestação pós-modernista, acabam por oprimir, suprimir. O “sujeito moderno” é uma construção histórica da linguagem. Ele é capaz de autonomia e independência, se educado corretamente, mas não é mais livre, é mais governável, pois é auto-governável. Ao contestar o sujeito moderno, automaticamente questiona a educação moderna, que é não só uma representação da modernidade, mas a principal responsável por sua propagação. Com isso, demonstram-se as relações de poder, na medida em que se observa que o saber é movido por uma “vontade de poder” (p. 256).
Outro aspecto que tem sido destacado pelo questionamento pós-modernista e pós-estruturalista é que a educação é a instituição disciplinar por excelência nos dois aspectos da palavra: por ter disciplinas e por ser responsável pela disciplina.
Por fim, o autor coloca que as perspectivas pós-modernistas e pós-estruturalistas, questionam as narrativas privilegiadas e com isso, desalojam o intelectual em seu papel privilegiado, não o absolvendo de sua cumplicidade com as relações de poder. Segundo Silva (1996), esses desenvolvimentos apresentam um golpe mortal ao projeto educacional moderno e que o projeto neoliberal contribui para que isso ocorra efetivamente.
O projeto neoliberal, por sua vez, parte da construção de um novo senso comum e de uma nova sensibilidade popular, que tem como foco realinhar os objetivos do estado e da política aos do capital. Segundo Silva (1996), no centro desta reestruturação está o corte de gastos sociais, dentre os quais a educação é alvo prioritário. Desloca-se, assim, a educação para a esfera privada, orientada para atender às necessidades do capital. Trata-se, portanto, da construção de uma nova hegemonia (apud Gramsci).
Para tanto, instaura-se um sistema linguístico próprio e de uma descrição catastrofista do atual sistema de educação. Desta forma, “o sujeito humanista e altruísta da educação moderna é substituído pelo consumidor aquisitivo e competidor darwinista da visão neoliberal da sociedade. A educação deixa de ser um direito (...) para ser um bem de consumo, obtido em níveis compatíveis com o poder de compra dos “clientes” (p. 261, 262).”
Tal projeto afirma o papel do expert em gerência, tendendo a instituir novas formas de controle e regulação sobre o trabalho do docente. O autor considera que os objetivos “pragmáticos” deste projeto neoliberal ocultam, na verdade, “sua dimensão de regulação e controle moral e sua função como estratégia de resolução dos problemas de governamentabilidade (...)” (p. 263).
Por fim, o autor se inclina a argumentar que os questionamentos pós-modernistas e pós-estruturalistas representam uma oportunidade de renovação da perspectiva crítica da educação. Para ele, alguns efeitos deste questionamento já podem ser notados, como por exemplo, “uma ampliação da compreensão dos elementos de poder envolvidos na distribuição do conhecimento educacional e até mesmo uma transformação dos currículos existentes. (p. 265)”
Silva (1996) também acredita que é possível argumentar que a ênfase no discurso e na linguagem pelos pós-modernistas e pós-estruturalistas permite uma crítica mais ancorada na luta política constituída precisamente na definição de campos discursivos movidos por relação de poder, ou seja, o que está em jogo são as relações de poder que definem o que é “real”.
Além disso, esse questionamento apontado permite que compreendamos a dupla identidade da educação moderna: de um lado, projeto emancipador, de outro, estratégia de governo. Para o autor, o que o projeto crítico da educação deve entender, a partir da interrogação pós modernista/ pós- estruturalista, é a inevitabilidade das relações de poder e sua dependência de práticas discursivas. Por isso, o “assalto neoliberal” deve sim ser combatido, mas deve ser julgado por seus efeitos discursivos e de poder, sem, entretanto, reforçar os aspectos opressivos da educação moderna. O papel da teoria crítica, portanto, seria de contestação e questionamento constantes a partir do interior das relações de poder e do questionamento de seu próprio envolvimento de hierarquias.
O texto é bastante pertinente para a reflexão a respeito da educação no presente contexto, ao apontar o deslocamento dessa instituição do público para o privado, levando cada vez mais ao atendimento das necessidades do mercado por mão-de-obra. Neste sentido, podemos abordar as reflexões que tem se desenvolvido durante o semestre na disciplina Tópicos de Ciências Sociais Aplicadas à Educação, uma vez que este deslocamento contribui para que a educação pública seja vista como dádiva e não direito, colaborando para o sentimento de “gratidão” que cala as pessoas de lutarem por uma educação de qualidade. Este sistema é bastante conveniente para a classe dominante, pois perpetua as diferenças sociais, já que mantém a raridade dos diplomas, uma vez que quem tem acesso à educação de “qualidade” é sempre a mesma parcela da população. Além disso, este sistema é “vantajoso”, pois produz uma massa “conformada” para atender às demandas do capital.
Trata-se, portanto, de um projeto contraditório, o que demonstra as inevitáveis relações de poder envolvidas na educação. O autor coloca então, os questionamentos pós-modernistas para a compreensão dessas contradições, com o objetivo de que a crítica ao projeto neoliberal não se torne irônica a ponto de evocarmos a escola moderna em seus “pretensos potenciais emancipadores” (p. 266), como se não houvesse interesses por trás dela. Com isso pretende desconstruir uma possível hipocrisia da Esquerda e refletir com os pés calcados no chão as possibilidades de crítica, concluindo que é de extrema importância o questionamento constante que não paira no ar, mas parte do próprio interior das relações de poder. Cabe, por fim, ressaltar que a escola é um espaço de disputa de hegemonia e que assim como o projeto neoliberal se vale disso, a Esquerda pode fazer o mesmo.