PROJETO DE LEI ORGÂNICA NACIONAL DAS POLÍCIAS CIVIS: PRINCÍPIOS INSTITUCIONAIS (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 13/09/2017 | Direito
"Projeto de Lei Orgânica Nacional das Polícias Civis e Seus Princípios Institucionais"
A hierarquia e a disciplina são os princípios máximos que devem constar dos diplomas jurídicos que regem as Polícias Civis, conforme exemplo do que ocorre nos arts. 6º e 7º do Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina- Lei n. 6.843/86.
Preservar esses princípios constitui-se um imperativo permanente, sob pena de se violar não só essas regras magnas, mas cometer-se infração disciplinar (ver art. 209, II, EPC/SC).
Celso Antonio Bandeira de Mello professa com maestria:
“(...) Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. 4. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a uma específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, como ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada (...)” (in Curso de Direito Administrativo Brasileiro, 12a ed., 2000, SP, Malheiros, págs. 747/748).
Na data de ontem um Delegado de Polícia de polícia da melhor estirpe foi chamado a um DRP (na minha presença) porque um magistrado local (bastante conhecido) estava possesso porque recebeu um ofício questionando uma ordem para que a PM cumprisse mandado de busca e apreensão. A autoridade policial, sem demonstrar constrangimento, recebeu meu apoio, reclamando que estava numa luta solitária. Argumentei que a resistência vai do micro ao macro, envolvendo cada um de nós até nossas lideranças (DRPs/DGPC/Adepol e etc.). Mas a questão posta neste espaço é que se não respeitamos princípios básicos internamente, que moral teremos para querer que outras instituições nos respeitem?
A Lei Orgânica se constitui a nossa grande tábua de salvação para se colocar ordem na Casa e dirimir questões subjacentes em nível institucional, não só como a questão dos princípios, mas sobre a estruturação e organização institucional, além de balizar as leis orgânicas estaduais.
Sobre os mencionados princípios, digno de registro histórico a posição radical adotada pelo Delegado Lauro Braga no Conselho Superior da Polícia Civil:
'Lauro Cezar Radke Braga, Delegado de Polícia Especial, membro eleito do Conselho Superior da Polícia Civil, considerando que a hierarquia e a disciplina, além de serem elementos basilares da Instituição Policial Civil, constituem-se em requisitos para uma corporação forte, como ocorre em outros órgãos, tais como a Magistratura, o Ministério Público e a Polícia Militar, em que os cargos de direção superior são ocupados pelos integrantes do último nível da carreira funcional e considerando que muitos cargos de direção superior na Polícia Civil estão sendo ocupados por Delegados de Polícia integrantes das entrâncias inferiores, requer o afastamento provisório deste Egrégio Conselho até o resgate pleno da hierarquia no meio policial civil'.
Nestes Termos,
Pede e Espera Deferimento
Florianópolis, 09 de março de 1999
Lauro Cezar Radtke Braga
Delegado de Polícia Especial
(DGPC, protocolado em 09.03.99)
Em vinte dois de maio de 1999, a pedido do Delegado-Geral (Evaldo Moretto), prestei informações sobre o anteprojeto de Lei Orgânica que encaminhou para análise jurídica. Nosso Chefe de Polícia tinha participado de um encontro nacional e me confidenciou que "agora a referida legislação iria decolar". Meio que desconfiado concordei em me manifestar sobre a matéria para que pudesse ser feito o encaminhamento à origem, conforme segue:
ESTADO DE SANTA CATARINA
SECRETARIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA
DELEGACIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL
Informação /GAB/DGPC/SSP/99
Interessado: Delegado-Geral da Polícia Civil
Assunto: Análise sobre anteprojeto de Lei Orgânica Nacional da Polícia Civil (Ofício n. 024/99, do Conselho Nacional de Chefes de Polícia Civil)
O anteprojeto em questão foi encaminhado pelo presidente do Conselho Nacional de Chefes de Polícia – Laerte Rodrigues de Bessa – Delegado-Geral da Polícia Civil do DF que solicita o seu máximo empenho na apreciação desse material, encarecendo que as sugestões a ele pertinentes sejam encaminhadas à sede em Brasília até o dia 16 do corrente mês.
Recebi o material no dia 16.05.99, ao final da tarde.
Numa análise perfunctória do material e considerando precipuamente a exigüidade do tempo, apresento as seguintes sugestões que entendo mais substanciais:
1. Quanto à estruturação da carreira de Delegados de Polícia por classe (art. 26):
No nosso Estado, como é sabido, a carreira de Delegados de Polícia possui a mesma estrutura jurídica prevista às carreiras da Magistratura e Ministério Público, conforme Lei Complementar 55, de 29 de maio de 1992, com as alterações da LC 178/99. De acordo com a proposta que está sendo apresentada retornaríamos a situação anterior, isto é, voltaríamos à vala comum onde estão todos os servidores. Vale anotar que a adoção do sistema de entrâncias trouxe grandes avanços em termos de prerrogativas a nossos Delegados de Polícia, a começar pelo tratamento jurídico reconhecido à carreira e conquistas em termos de inamovibilidade, superando o estágio não muito remoto, quando nossos Delegados a qualquer momento podiam ser removidos por ‘conveniência’ dos interesses políticos internos ou externos, sem critérios estabelecidos em lei.
Pode-se dizer que a adoção do sistema de entrâncias se constituiu numa opção que fizemos onde se levou em conta fundamentalmente a máxima do que é bom para o Judiciário e Ministério Público, em termos de prerrogativa no exercício da carreira, também é bom para os Delegados de Polícia. Há que se lembrar que na oportunidade da tramitação da sobredita legislação tivemos a opção de buscar um estreitamento com os Oficiais da Polícia Militar (Delegado-Tenente, Delegado-Capitão, Delegado-Major...); ou, ainda, permanecer no sistema geral de classes, como queriam as Secretarias de Estado da Administração e Procuradoria Geral do Estado; ou, ainda, optar por um sistema híbrido, considerando futuramente o fator unificação das polícias: 1° Comandante, 2° Comandante, Delegado Especial, Delegado de Polícia 1a e 2a Classe e Comissário.
Para esse anteprojeto, consideramos que se constituiria um avanço bastante significativo se fossem instituídos dentro dos Grupos de Carreiras que integram às Polícias Civis, os Subgrupos: Delegado de Polícia, encimado pelo cargo isolado de Procurador de Polícia que substituiria os atuais Delegados de Polícia Especiais. Com isso, estaríamos prosseguindo - numa primeira etapa - a mesma situação que permeia o Judiciário onde o Juiz de Direito tem a possibilidade de ingressar – no final da carreira - numa segunda instância (Desembargador); como também os Promotores de Justiça que além de vislumbrarem a possibilidade de ingressarem no patamar isolado de Procurador de Justiça podem, ainda, serem promovidos ao cargo de Desembargador.
Como alternativa, considerando possíveis resistências de setores mais conservadores, vale observar que se a nova lei vier para impor retrocessos, preferentemente, propõe-se então que não se enverede no campo da estrutura jurídica das carreiras, especialmente, no que diz respeito aos Delegados de Polícia, deixando para cada unidade da Federação dispor livremente sobre o assunto, considerando, principalmente, a realidade de cada Estado e o estágio de desenvolvimento e complexidade de suas instituições, evitando-se, assim o nivelamento por baixo.
Finalmente, entendo se deva substituir em todos os dispositivos o termo ‘classe’ por ‘graduação’ em se tratando de definição de estrutura das carreiras policiais civis. Diante disso, propõe-se também se deixar cada Estado adotar a terminologia que melhor lhe convier, respeitando princípios jurídicos quanto ao instituto do provimento de cargos públicos e aplicáveis ao assunto.
2. Lei Especial de Promoções – LEP/PC (art. 27)
A Polícia Civil catarinense possui Lei Especial de Promoções (Lei Complementar n. 98, de 17 de novembro de 1993). Nela constam quatro modalidades de promoção: Merecimento, antigüidade, ato de bravura, e ‘post mortem’. A proposta de redação prevista para o art. 27 prevê apenas duas modalidades tradicionais de promoção.
3. Remoção – Delegados de Polícia (art. 28):
Novamente temos aqui um choque com as disposições que constam na nossa legislação. Isto é, a movimentação funcional dos integrantes da carreira de Delegado de Polícia segue as mesmas diretrizes previstas para a Magistratura e Ministério Público. Assim, a remoção de Delegados de Polícia verifica-se nos casos de concurso de remoção horizontal que antecede as promoções (que podem ser feitas sempre que houver cargo em vacância). Como excepcionalidade, há também a possibilidade de remoção ‘ex officio’ de autoridade policial que será sempre motivada e desde que respaldada em critérios fixados em lei, como por exemplo, compatibilidade com a graduação da comarca. Isso ocorre em razão de que os Delegados de Polícia não possuem inamovibilidade plena e submetem-se, invariavelmente, às ingerências políticas.
4. Funções da Polícia Civil (art. 1°):
Consta da proposta de art. 1° que:
‘As policiais civis dos Estados são instituições permanentes, estruturadas em carreiras, essenciais à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio no âmbito das respectivas atribuições, organizando-se basicamente nos termos desta Lei’.
Propõe-se a seguinte redação:
'As polícias civis dos Estados são instituições permanentes, estruturadas em carreiras, essenciais à Justiça Criminal e à preservação da ordem pública no âmbito de suas respectivas funções, com estrutura e organização básica prevista nesta Lei’.
Comentário:
a) As funções de polícia judiciária e científica são condições essenciais à prestação jurisdicional;
b) A locução ‘preservação da ordem pública’ esgota em si mesma os termos ‘incolumidade das pessoas, do patrimônio’. E como ficam os outros delitos, ‘verbi gratia’: contra o meio ambiente, ordem tributária, meio ambiente, informática...?
c) A locução ‘atribuições’ deve ser evitada (significa poderes, prerrogativas que dizem respeito a autoridades investidas dessas contingências). Mais adequado e técnico nessa situação é se utilizar a expressão ‘de suas respectivas funções’ que diz respeito diretamente a órgão e a preposição ‘da’ deve ser alterada para ‘de’, em razão da falta de definição de quais sejam.
5. Funções da Polícia Civil (art. 2°):
As normas que constam da Carta Fundamental Política de nosso Estado definem como funções da Polícia Civil:
a) Apuração de infrações penais;
b) Polícia judiciária
c) Polícia científica
d) Polícia administrativa (funções administrativas de trânsito; controle e fiscalização no âmbito estadual de: jogos e diversões públicas; produtos controlados; e vigilância patrimonial).
Propõe-se nova redação ao art. 2°:
‘As polícias civis possuem privativamente, ressalvada a competência da União, as seguintes funções básicas:
I – apuração das infrações penais, exceto as militares;
II – polícia judiciária;
III – polícia científica.
Parágrafo primeiro. As competências constitucionais das polícias civis são indelegáveis.
6. Nova redação ao art. 4° que passa a se constituir parágrafo segundo do art. 2°, do anteprojeto:
Parágrafo segundo. Às polícias civis, também na sua função de auxiliar a Justiça, é assegurado independência funcional na defesa da ordem jurídica, respeito à dignidade humana a partir da observância dos direitos e das garantias individuais.
Parágrafo terceiro. As instituições policiais civis são integradas operacionalmente aos demais órgãos que compõem o sistema de segurança pública em níveis federal e estadual, sob o controle do titular responsável pela pasta política, de maneira a garantir a eficiência de todo o sistema.
Comentário:
A função auxiliar da Justiça é um ‘plus' que decorre das próprias funções básicas da Polícia Civil. Sendo essa condição elementar impõe-se na melhor redação a especificação direta dessa condição meio, sem parâmetros àquelas preconizadas institucionalmente nos dispositivos anteriores.
7. Nova redação ao art. 6°:
‘As polícias civis são administradas por Procurador-Geral de Polícia, nomeado dentre autoridades policiais em atividade, desde que integrantes do subgrupo: Delegado de Polícia, em último patamar da carreira, de livre escolha do Chefe do Poder Executivo, mediante indicação do conselho superior da instituição, em lista tríplice’.
Parágrafo único. Os critérios de escolha dos integrantes da lista de que trata este artigo e de exoneração do Procurador-Geral de Polícia serão estabelecidos em legislação complementar no âmbito dos Estados’.
Comentário:
O termo ‘administradas’ é bem mais abrangente do que ‘dirigidas’. Propõe que o subgrupo: Delegado de Polícia seja estruturado por três níveis: a) inicial; integrado pelos cargos de Delegados Substitutos estáveis ou não. b) estáveis; integrado pelos Delegados de Entrâncias: 1. Inicial; 2. Intermediária; 3. Final. c) Procuradores de Polícia.
O termo ‘Chefe de Polícia’ possuí raízes históricas fortíssimas, tendo sido criado a partir da entrada em vigor do Código Criminal do Império (1832), sendo ocupado, via de regra, nas fases das províncias e primeira República Federativa por Desembargadores e Juizes de Direito. A expressão Procuradoria Geral de Polícia vem ao encontro de uma nova ordem jurídica e policial que se pretende engendrar às polícias estaduais, a partir de reformas em escala macro e que pretende-se servirão para contribuir à unificação dos comandos das polícias estaduais e fortalecimento do todo em busca de melhor qualidade dos serviços à toda sociedade.
8. Modificação da redação do art. 9°:
O Colégio Superior da Magistratura é integrado por Desembargadores; do Ministério Público por Procuradores de Justiça; da Polícia Militar por Coronéis. Nota-se aqui outro retrocesso. Em Santa Catarina o Conselho Superior é integrado tão-somente por Delegados de Polícia. A composição eclética traz uma série de dificuldades, especialmente, no que diz respeito a quebra de hierarquia que o próprio projeto parece pretende consolidar. Como o Conselho deverá tratar acerca de recursos, processos administrativos disciplinares e tantas outras deliberações que dizem respeito também aos que comandam a instituição, pergunta-se: Em sendo o órgão deliberativo, como é que vai se impedir que policiais de outras carreiras venham a se manifestar sobre pleitos que envolvam seus superiores?
Propõe-se, alternativamente, que a composição dos conselhos superiores fiquem afetas a cada unidade da federação.
Por fim, deixo de tecer maiores considerações ao anteprojeto em razão principalmente do prazo previsto para estudos e manifestação e que já se encontra esgotado. No entanto, observo que essas sugestões acima propostas servem como contribuição e enriquecimento à futura lei orgânica, especialmente, no sentido de se evitar futuros e irremediáveis retrocessos a nossa instituição.
Florianópolis, 22 de maio de 1999
Felipe Genovez
Delegado de Polícia de Entrância Especial
Ilustríssimo Senhor Dr. Evaldo Moretto – DD Presidente do Conselho Superior da Polícia Civil
SUPREMACIA DO PRINCÍPIO DA "LEGALIDADE"
Não devemos olvidar que o primeiro princípio que deveria nortear a Polícia Civil seria o da "LEGALIDADE". Digo isso, não porque, diferentemente, da "hierarquia e disciplina", consta da Constituição Federal/88, conforme dicção do art. 37, caput (com a nova redação da EC 19/98):
“A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)”.
Um dos maiores filósofo e jurista do século XX, Norberto Bobbio, ensina que o princípio da "legalidade" deveria ser o primeiro a figurar na lista do nosso ordenamento jurídico policial civil:
“À medida que se avança de cima para baixo na pirâmide, o poder normativo é sempre mais circunscrito (...). Os limites com que o poder superior restringe e regula o poder inferior são de dois tipos diferentes: a) relativos ao conteúdo; b) relativos à forma. Por isso fala-se de limites materiais e de limites formais. O primeiro tipo de limite refere-se ao conteúdo da norma que o inferior está autorizado a emanar; o segundo refere-se à forma, isto é, ao modo ou ao processo pelo qual a norma inferior deve ser emanada. Se nos colocarmos do ponto de vista do inferior, observaremos que ele recebe um poder limitado, seja com relação a quem pode mandar ou proibir, seja com relação a como se pode mandar ou proibir (...). A observação desses limites é importante, porque eles delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os limites materiais, isto é, que regule uma matéria diversa da que lhe foi atribuída ou de maneira diferente daquela que lhe foi prescrita, ou que exceda os limites formais, isto é, não siga o procedimento estabelecido, está sujeita a ser declarada ilegítima e a ser expulsa do sistema. Na passagem de norma constitucional a norma ordinária, são freqüentes e evidentes tanto os limites materiais quanto os formais” (in Teoria do Ordenamento Jurídico. Editora Polis-UNB, 1989, DF, págs. 53/54).
Nosso Tribunal de Justiça já decidiu sobre a observância das normas constitucionais, no presente caso, em se tratando da sub-rogação dos demais princípios aos ditames da Carta Fundamental Política, vejamos:
“(...) Roberto Barroso, em se tratando do princípio da efetividade das normas constitucionais, escreve: “O princípio da efetividade, embora de desenvolvimento relativamente recente no direito constitucional, traduz a mais notável preocupação do constitucionalismo dos últimos anos. Ele está ligado ao fenômeno da juridicização da Constituição e ao reconhecimento de sua força normativa. As normas constitucionais são dotadas de imperatividade e sua inobservância deve deflagrar os mecanismos próprios de cumprimento forçado. A efetividade é a realização concreta, no mundo dos fatos, dos comandos abstratos contidos na norma” (MS 99.008941-0, Capital, Rel. Des. Carlos Prudêncio, DJ 10.234, de 16.06.99, pág. 2).
No mesmo passo e de forma mais ampla a Lei Federal n. 9.784, de 29.01.99 e que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, aplicada subsidiariamente (art. 24, incisos XI e XVI, CF/88) dispõe:
"O art. 2o“. A Administração Pública obedecerá dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência”.
Afinal, perguntamos por que o nosso legislador dispôs expressamente que a Polícia Civil de Santa Catarina (Lei n. 6.843/86 - EPC/SC) possui apenas esses dois princípios:
"Art. 6°. A atividade policial, por suas características e finalidades, fundamenta-se nos princípios da hierarquia e disciplina".
Mais, ainda, por que corromperam a essência do princípio da hierarquia utilizando o mecanismo da supremacia do exercício da função sobre a antiguidade, cuja distorção se traduz um legado do passado não muito distante onde prevalecia as ingerências políticas nas indicações para cargos de confiança, sistema ainda hoje vigente na nossa velha Polícia Civil, o que denota interesses de governos em manter a instituição no atraso que ainda se encontra:
"Art. 7º. A hierarquia policial civil alicerça-se na ordenação da autoridade, nos diferentes níveis que compõem o organismo da Polícia Civil, entendendo-se que a classe superior tem precedência hierárquica sobre a classe inferior e entre funcionários da mesma classe, o mais antigo precede o mais moderno.
Parágrafo único. A hierarquia da função prevalece sobre a hierarquia do cargo".
A "antiguidade" se traduz princípio geral, mas a exceção é que a hierarquia da função tem prevalência (leia-se: cargos comissionados), resultado do confronto entre os arts. 6º e 7º, EPC/SC.
Também, a hierarquia da função entra em choque com o disposto no art. 81, III, EPC/SC que assegura aos policiais civis o "desempenho de cargo em função correspondente a condição hierárquica", querendo o legislador referir-se à graduação na carreira e não à função de confiança.
Como escreveu "Shakespeare": O diabo mora nos detalhes".
Para se entender a hierarquia da função, vale registrar que a estrutura jurídica por entrâncias para a carreira de Delegado de Polícia, vigente a partir da festeja LC 55/92 teve como pretensão por fim ao "velho sistema feudal no preenchimento de cargos na Polícia Civil" (a exemplo das designações/nomeações de "Delegados calças-curtas" que vigorou até 1992, remoções horizontais, promoções verticais, inamovibilidade e etc.), onde os políticos e o governo é quem determinam quem seriam os nossos novos dirigentes regionais e estadual.
A partir da vigência da LC 55/92, passou-se derradeiramente a uma "nova ordem", havendo necessidade de equalização dos cargos de Delegado de Polícia em termos lotacionais às graduações das comarcas, com validação não só para o preenchimento dos cargos efetivos, mas, também, para o provimento das funções de comissão.
Entendi conveniente trazer à colação algumas considerações sobre a questão da ética dos princípios e a ética do comportamento:
“(...) imagine agora que uma pessoa bate à sua porta, em desespero, pedindo que você a esconda, porque um criminoso deseja matá-la. Você a acolhe. Minutos depois, batem de novo: Um homem, com uma arma na mão. Ele pergunta: ‘Fulano está aqui?’ Pela ética dos princípios, você seria obrigado a dizer a verdade: ‘Sim, está’. Você preservaria sua integridade ética, mas aquele que se escondera em sua casa perderia a vida. Mas há outra ética que diz que acima dos princípios está a bondade - o correto seria mentir, porque por meio da mentira uma vida seria protegida. Se houvesse princípios absolutos, válidos para todas as situações, a vida seria muito simples: bastaria que tivéssemos uma lista dos atos eticamente aprovados e estaríamos liberados da terrível necessidade de tomar decisões. De um ponto de vista psicológico, a ética de princípios nos liberta da responsabilidade, pois a decisão já foi feita por uma outra instância, seja a razão, a igreja ou Deus. O reverso da medalha é: quem controla os princípios controla o comportamento das pessoas (...)” (in Rubens Alves - doutor em Filosofia pela Universidade de Princeton - EUA, Escritor e Psicanalista. Folha de São Paulo. O novo exposto. Opinião - I-3, domingo, 28.9.97).
O que é, afinal, a ética? O termo vem do grego ‘ethos’, que designa a morada humana, Atualmente, a ética é encarada como uma reflexão crítica sobre a moralidade. Mas ela não é puramente teoria. A ética é um conjunto de princípios e disposições voltadas para ação, historicamente produzidos, cujo objetivo é balizar as ações humanas. Existe como uma referência para os seres humanos em sociedade, de modo tal que a sociedade possa se tornar cada vez mais humana. A ética pode e deve ser incorporada pelos indivíduos, sob a forma de uma atitude diante da vida cotidiana, capaz de julgar criticamente os apelos acríticos da moral vigente. Mas, tanto quanto a moral, não é um conjunto de verdades fixas, imutávies. A ética se move, historicamente, se amplia e se adensa. Assim, basta a lembrança de que, historicamente a escravidão foi considerada natural. Ela não se confunde com a moral, que é a regulação dos valores e comportamentos considerados legítimos por uma determinada sociedade, um povo, uma religião, uma certa tradição cultural. Assim, há morais específicas, também, em grupos sociais mais restritos: uma instituição, um partido político. Há, portanto, mais e diversas morais. Isto significa dizer que uma moral é um fenômeno social particular, que não tem compromisso com a universalidade, isto é, com o que é válido e de direito para todos os homens. Entre a moral e a ética há uma tensão permanente: a ação moral busca uma compreensão e uma justificação crítica universal, e a ética, por sua vez, exerce uma permanente vigilância crítica sobre a moral, para reforçá-la ou transformá-la. Na área profissional, a ética procura guiar o indivíduo na tomada de decisões que sejam corretas do ponto de vista predominante na sociedade, num determinado espaço de tempo. Muitas profissões têm códigos de ética, já consolidados (advogados, médicos, contabilistas, jornalistas, etc), que normalmente acompanham a regulamentação da profissão. Em casos extremos, estes códigos possibllitam até a proibição do exercício profissional quando houver violações éticas graves” (Fontes: Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, site Consultor Jurídico, ‘Prevenção de Infrações Éticas’, do Conselho Regional de Odontologia – CRO-SC”).
Hely Lopes Meirelles ensina que "no uso do poder disciplinar ela controla o desempenho dessas funções e a conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas" (in Direito Administrativo Brasileiro, ibidem, págs. 100 e 103).
Nosso Tribunal de Justiça já enfrentou a questão da hierarquia, conforme o seguinte julgado:
“(...) considera-se a hierarquia, in concreto, como uma série contínua de degraus, deve a antigüidade ou tempo de serviço referir-se, sem dúvida alguma, à quantidade de tempo decorrido num lugar, na categoria imediatamente inferior àquela em que ocorre a vaga a ser preenchida por meio da promoção (José Cretella Junior, in ‘Direito Administrativo no Brasil, 2a edição, RT, 1964, Vol. II, p. 363)”(Proc. Adm. 840, de Trombudo Central, Rel. Des. Wilson Guarany, DJ n. 9.332, de 04.10.95).
A prevalência da hierarquia da função sobre a antiguidade na carreira, da forma como está posta no Estatuto da Polícia Civil de Santa Catarina, viola flagrantemente o princípio da "legalidade" e o espírito da LC 55/92, em especial, pelos seguintes motivos:
a) não existe eleição direta para provimento das funções de confiança na Polícia Civil, como ocorre com o cargo de Procurador-Geral de Justiça no Ministério Público (único caso passível de um servidor menos graduado comandar a instituição/MP - segundo consta os membros do "Parquet" querem eleição direta);
b) no sistema atual, todos os cargos de confiança deveriam ser providos por Delegados de Polícia de Entrância Especial (nas DRPs, desde que compatíveis com a graduação da comarca ou mais graduados), conforme preconizado na LC 55/92 e no Decreto 4.196/94 (regulamento que tratou da "Divisão Territorial de Polícia Judiciária);
c) quanto aos Delegados de Polícia que já entraram na terceira idade e que são relegados a um segundo ou terceiro plano no âmbito da instituição em termos de ocuparem postos de comando, cujo tratamento vai na contramão do que dispõe a LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003, vejamos:
"Art. 1o É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
"Art. 4o Nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
Art. 5o A inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade à pessoa física ou jurídica nos termos da lei.
Art. 26. O idoso tem direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
Muitos questionamentos podem ser coligidos a respeito desse velho sistema que mais lembra "o cabresto", já que a máquina pública está mais a serviço dos governos/políticos de que à sociedade. Nesse sentido, trago algumas considerações:
a) Diferentemente da Justiça, Ministério Público, Forças Armadas e da própria Polícia Militar, os governos e políticos não querem abrir mão de indicar os Delegados de Polícia para dirigir a instituição, daí que a "lista tríplice" ou "eleição direta" para o cargo de Delegado-Geral, apesar de permear discursos, a bem da verdade está mais para quimera;
b) Delegados mais novos são fáceis de se cooptar para servir a políticos e aos governos, razão porque tem a preferência nas nomeações para postos de confiança na Polícia Civil;
c) Delegados de Polícia mais graduados hierarquicamente possuem menos plasticidade em termos de agirem politicamente de acordo com os interesses políticos locais e no âmbito do Estado;
d) Com algumas exceções os Delegados de Polícia mais antigos são mais experientes, além de comprometidos com a instituição, isto sim, menos "envolvidos" com políticos e governos, especialmente, se forem observados princípios e prerrogativas institucionais a partir de legislações que promovam alterações legislativas e normativas adequadas;
e) Delegados de Polícia mais novos, em muitos casos, são mais suscetíveis de cumprirem "ordens" superiores, mesmo quando em dissonância com princípios institucionais, impondo a velha máxima: "Forte com os fracos (leia-se: subalternos) e fraco com os fortes (leia-se: superiores/governos/políticos)";
f) Delegados de Polícia mais novos (exceto alguns), via de regra, são mais vulneráveis e certamente farão de tudo para bem servir aos governos/políticos e assim se perpetuarem nas funções de confiança e de serem lembrados como no caso de "promoções" na carreira ou no remanejamento de funções;
g) Delegados de Polícia mais antigos, via de regra, são suportados e muitas vezes tratados como criadores de problemas, acomodados, superados e, por isso, são de forma velada, em alguns casos até humilhados, rejeitados, evitados, ironizados, ridicularizados, recusados (por colegas mais novos ou mesmo antigos que estão no poder) ou "obrigados a irem embora" (aposentadoria).
Disso isso, foi por esse motivo que o legislador tratou de assegurar a lotação dos Delegados de Polícia de Entrância Especial na Delegacia-Geral (art. 41, par. 3o, LC 098/93), cujo preceptivo foi alterado pela LC 453/2009 que extinguiu o cargo de Delegado de Polícia Especial e criou a graduação de Delegado de Polícia de Entrância Especial. Infelizmente, esperava-se que com o sistema de entrâncias os próprios destinatários dessas conquistas, a partir dessa nova ordem, se transformassem em ferrenhos defensores da legalidade, o que de fato até o momento não veio a ocorrer.
Ao que parece, falou mais alto os interesses pessoais de visibilidade de poder, promoção pessoal por meio de funções de confiança e vantagens pessoais (promoções, lotação, designações e etc.).
Porém, alguns Delegados de Polícia mais jovens e de visão mais ampla, dão sinais de resistência, a partir da negação à sedução do poder infundindo novas esperanças considerando que compreendem a importância dessas transformações e o que elas representam à Polícia Civil e à sociedade, em se tratando de criar mecanismos que protejam o exercício da atividade policial de pressões e ingerências políticas deletérias. Espera-se que aos poucos Delegados de Polícia (e todos os policiais civis) mais idealismo e um movimento classista sério que resgate esses princípios no devido espaço e tempo, aproveitando os novos "ventos das mudanças" que esperamos sejam irreversíveis e para corrigir erros do passado e presente