Professora, nós são... e daí?

Por Elisabeth Amorim | 07/04/2015 | Crônicas

Talvez essa frase tenha me empurrado para esse labirinto literário. Onde me perco e quando penso que me encontrei, sou de novo jogada contra a parede...  para o mundo das regras, etiquetas, das gramáticas  e do politicamente correto.

Nunca fui de quebrar  nenhum acordo. Respeito as leis, não sonego imposto,  não invado sinal. Aprendi desde cedo apreciar tudo que me rodeia, seja as coisas bonitas ou feias. As bonitas me dão prazer de compartilhar, aprendo com elas. Enquanto as atitudes feias me enchem de orgulho por não praticá-las. Assim, gosto de buscar o lado bom da vida.  Mesmo quando essa vida  me apresenta algumas rasteiras, joga-me no chão.   E  a cada queda,  brindo a literatura com um texto. Não porque cair, isso faz parte, porque  me levantei. E isso é o que vale a pena contar.

      Eis que chega transferida de cidade/escola aquela criança negra, ( no registro diz ser parda), 10 anos, pobre,  magra, acompanhada de sua irmã, 12 anos. Lugar pequeno  é assim, antes de chegarem na sala, as duas alunas novatas  eram o assunto do momento. E as expectativas aumentam e a recepção da professora foi surpreendente.  Professora parecia uma atriz global. Loira, alta e muito maquiada.  O olhar para uma e para outra com desdém, avaliando o valor daquela “novidade”. E pergunta o óbvio:

-Vocês são irmãs?

A mais nova, diz de forma tímida:

_São.

Pronto, foi o suficiente para que o circo armado cair o pano. Houve uma propagação tão grande em torno do “são”  que parecia que a criança havia cometido um crime brutal do que uma simples concordância  inadequada. E o valor logo fora estipulado no primeiro dia de aula:

_A mais nova, coitada, não sabe nem falar! Também, vindo daquela cidade...

Talvez,  aquela professora tivesse razão! O que é saber falar? O que é saber escrever? Como a mais nova nunca aprendeu a falar e nem escrever essa língua enrolada, faz da sua incapacidade a sua potência em desmontar, desconstruir  o uso da língua, sair do habitual, do lugar comum, para brincar com a imaginação do leitor, afinal o que está posto poderá conforme o olhar, ser deposto, reposto e até arrisco um indisposto...Os signos são arbitrários e criados, podem e devem ser modificáveis, recriados. E nós escritores, assumidos ou não, somos gigolôs das palavras.

Com isso,  ao ser obrigada  a escrever cem vezes “ eu sou, tu és, ele é,  nós...”   Será que nós somos?

Queria  ser professora, não para repetir aquela feiura, mas para se orgulhar de desmontar os cenários e fazer a diferença.  Ah,  professora, nós são arretados, sim! Agora se a senhora quer o “somos” precisa praticar a inclusão e respeitar as diferenças linguísticas, dialetais, sociais, étnicas e econômicas de cada um.

                                   Elisabeth Amorim