PROCESSOS ESPACIAIS: UM ESTUDO SOBRE DESCENTRALIZAÇÃO E COESÃO NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU

Por Júlio César Dias do Nascimento | 23/09/2015 | Geografia

PROCESSOS ESPACIAIS: UM ESTUDO SOBRE DESCENTRALIZAÇÃO E  COESÃO NA CIDADE DE NOVA IGUAÇU

 Júlio César Dias do Nascimento[1]

          O processo de descentralização é recente, sendo responsável pela formação dos núcleos secundários, também chamados de subcentros. Dentre muitos fatores que levam a ocorrência desse processo, pode-se citar a repulsa à área central que certas atividades e estabelecimentos passam ter. CORRÊA (1995:45) indica os seguintes fatores de repulsão que levam a descentralização e a formação dos núcleos secundários:

(a) aumento constante do preço da terra, impostos e aluguéis, afetando certas atividades que perdem a capacidade de se manterem localizadas na área central;

(b) congestionamento e alto custo do sistema de transporte e comunicações;

 (c) dificuldades de obtenção de espaço para expansão;

(d) restrições legais implicando a ausência de controle do espaço, limitando, portanto, a ação das firmas;

(e) ausência de perda de amenidades.

         Em virtude da descentralização, o espaço urbano torna-se mais dinâmico. Isso porque em vez de um centro principal, concentrando as atividades terciárias e as viagens intra-urbanas, surge uma variedade de núcleos secundários, desde núcleos hierarquizados como subcentros regionais ou de bairros, a núcleos especializados como Shopping centers, distritos médicos, ou distrito de diversões (CORRÊA, 1995).
           O processo de descentralização é extremamente complexo, estando diretamente ligado à ação dos agentes sociais que produzem o espaço. Sua ocorrência está atrelada ao processo de acumulação e reprodução do capital dentro espaço urbano.  Num período onde o capitalismo assume forma monopolista esse processo espacial torna-se um meio para se aumentar a taxa de lucro, cuja localização central não é mais tão capaz de fornecer. Nessa fase capitalista o setor terciário se intensifica, com destaque para as cadeias de lojas de supermercados, eletrodomésticos, confecções, drogarias, variedades e outros serviços, que se espalham pelo espaço urbano em busca de novos mercados, criando novas centralidades fora do núcleo central. (SANTOS, 1979). Assim, a descentralização e a subseqüente formação dos núcleos secundários trazem vantagens ao comércio, indústrias e serviços, à medida que essas atividades podem se manter sediadas na área central, mas comandando uma rede de negócios espalhadas por localidades não-centrais, estendendo o seu mercado consumidor.
         Para as indústrias o processo de descentralização envolve uma série de fatores, com destaque para diminuição no custo de produção, que passa pela redução das taxas de impostos, que são propiciadas pela troca de localidades, aonde é clara a valorização dos terrenos na área central. Sobre essa questão CORRÊA (1995:48) explica:

"Para o capital industrial, além das vantagens da nova localização, as operações de descentralização são acompanhadas da venda do terreno do antigo estabelecimento, onde se erguem edifícios comerciais ou residenciais. Isto permite grandes lucros, pois se trata de numa troca que envolve terrenos com grandes diferenças de preços. Lucro que será ainda maior se os custos da infra-estrutura da nova localização industrial forem socializadas através do Estado". 

            As indústrias descentralizadas procuram se localizar ao longo de vias férreas ou vias que conectem a cidade à hinterlândia regional ou nacional. As pequenas e médias indústrias passam a se distribuir por quase todos os espaços da cidade.
         A descentralização apresenta ótima oportunidade para os proprietários fundiários e promotores imobiliários. O primeiro se interessa pela formação dos subcentros em função da valorização de suas terras. Já o segundo vê a ocorrência desse processo espacial como uma oportunidade de grandes lucros, através da incorporação imobiliária, o financiamento para compra, o estudo técnico da área a ser comprada e construída, a construção, além da comercialização dos imóveis. A abertura de novos mercados como, por exemplo, os shopping centers, contribui para o aumento do poder e a lucratividade desses agentes sociais.
          O processo de descentralização é responsável por dinamizar o espaço urbano, levando para outras áreas, atividade que antes só eram encontradas no núcleo central. Desta forma, a formação dos núcleos secundários, que ao mesmo tempo dinamizam a rede de fluxos de trabalhadores, consumidores e de capital na cidade, criaram uma crescente necessidade de ampliação da infra-estrutura urbana para além da área central. Dentro desse aspecto, a atuação do Estado será importante, de modo que deverá dar condições para que os núcleos secundários possam receber um crescente fluxo de atividades e pessoas.
          A  descentralização, à medida que colabora para formação de novas centralidades  no espaço urbano, passa a ser um dos indutores pela proliferação de outros processos espaciais, dentre eles o processo de coesão, que leva a materialização nas cidades das áreas especializadas.  
         O processo de coesão ou economias de aglomeração é o processo espacial que leva aos conjuntos de atividades a se unirem espacialmente numa determinada área. Para Corrêa (1995:56) esse processo é definido como o movimento que induz as atividades a se localizarem juntas, tendo como consequência a criação das áreas especializadas, que para o autor se caracterizam da seguinte forma:

(a) Apesar de não manterem ligações entre si , como as lojas varejistas de uma mesma linha de  produtos, formam um conjunto funcional que cria um monopólio espacial atraindo consumidores, que têm assim a possibilidade de escolha entre vários tipos, marcas e preços [...];

(b) Mesmo sendo de natureza distinta, estão localizadas juntas umas das outras, formando um conjunto coeso que pode induzir o consumidor a comprar outros bens que não faziam parte de seus propósitos [...];

(c) São complementares entre si [...];

(d) Juntas criam economias de escala.  É o caso das pequenas indústrias que sozinhas não teriam escala suficiente para atraírem outros industriais, produtores, por exemplo [...];  

(e) Existem contato pessoais face a face.           

           As áreas especializadas podem ser originadas, simultaneamente, através dos processos de centralização e descentralização. Desta maneira, é possível perceber a formação dessas formas tanto no interior da área central como em áreas não-centrais. 
           Na área central as economias de aglomeração ocorrem através da formação de distritos varejistas especializados, tais como: ruas de pedestre contínuas compostas por lojas varejistas, áreas amplamente verticais que concentram uma diversidade de escritórios, bancos, sedes de empresas etc. Já nas áreas não-centrais emergem locais de grande concentração de atividades do setor de serviços, como consultórios médicos ou clínicas, comércio varejista, ruas especializadas em determinadas atividades, como automóveis e autopeças, e também distritos industriais especializados. 
          Para CORRÊA (1997) o processo de coesão e a consequente formação das áreas especializadas tornam o espaço urbano uma organização espacial ainda mais complexa. Para o autor não se pode desvincular esse processo a linha de acumulação capitalista, já que os empresários que buscam localizar seus estabelecimentos comerciais ou industriais nestas zonas de atividades coesas procuram uma redução na relação custo-benefício e maior lucratividade. Localizando seus estabelecimentos junto de possíveis concorrentes, esses empresários têm acesso a um mercado consumidor mais amplo que, possivelmente, nunca teriam se estivessem localizados num espaço isolado. Isso ocorre porque a coesão fornece garantias quanto ao número de consumidores, que podem variar no decorrer do ano, mais que jamais atingirá um nível insatisfatório.
         As economias de aglomeração elevam o dinamismo do espaço urbano, o que faz com que as áreas especializadas estejam num processo constante de transformação dentro de uma lógica espaço-temporal.
         A descentralização é um processo que repercute na organização do espaço intra-urbano, tendo um caráter espontâneo ou planejado, diminuindo a excessiva centralização urbana, originando as deseconomias de aglomeração e os núcleos secundários.  Esse processoem Nova Iguaçuestá associado ao crescimento econômico e demográfico da cidade, que estabeleceu maiores distâncias entre a área central e as áreas novasem expansão. Implica, portanto, em uma diminuição relativa da acessibilidade à área central, aumentando, em termos relativos, a acessibilidade a outros locais.
          A construção da Rodovia Presidente Dutra , em 1951, induziu o aumento do perímetro urbano iguaçuano determinando um grande aumento populacional na cidade, inclusive com a introdução de uma classe média e alta. A partir daí, Nova Iguaçu começou a apresentar aspectos de uma cidade populosa e em franco desenvolvimento. Porém, faltava-lhe certos elementos, como um comércio mais sofisticado, que contasse com grandes e luxuosas lojas, que refletisse seu crescimento, marcado pela presença de uma classe de elevado padrão de vida, que já habitava luxuosos apartamentos e condomínios próximos ao centro, que preferiam consumir em outros locais a frequentar o centro comercial da cidade, não gerando receita ao comércio local e, consequentemente, aos cofres do município. Esse problema perdurou até 1996, quando foi inaugurado o Iguaçu Top Shopping, que resolveu parte do problema, aumentando o quadro de consumo do comércio da cidade. O shopping em questão se localizou fora do Núcleo central da cidade, mas dentro da área central, na zona periférica do centro.
        Construído de forma planejada para que pudesse facilitar o acesso e atender a população iguaçuana e dos municípios vizinhos, essa luxuosa forma de comércio, foi um dos principais processos de descentralização ocorridos na cidade, já que pôs fim a necessidade constante do consumidor de se dirigir ao núcleo central para ter acesso ao comércio varejista, restaurantes e rede bancária.
          O Top Shopping é uma das principais fontes de lazer da população iguaçuana, já que reúne em seu espaço uma diversidade de serviços. Os principais deles são: parque de diversão, cinema, praça de alimentação, que conta com restaurantes e bares, praça de eventos, que periodicamente recebe exposições de artes, eventos de dança, shows musicais, peças teatrais e outros eventos. Além disso, detém uma localização privilegiada, já que se encontra localizado nas imediações do núcleo Central e, principalmente, devido sua proximidade à área de concentração das classes mais favorecidas da cidade. Seu acesso é facilitado por estar fixado próximo a importantes vias de acesso à cidade, como a Rodovia Presidente Dutra (BR-116) e a Via Light (RJ- 081), sendo este um dos principais motivos de presença de consumidores de fora do município.
          Em Nova Iguaçua descentralização trouxe repercussões espaciais em todo município, não se limitando a um determinado ponto. Sua característica marcante foi o redimensionamento do urbano, de forma gradativa, para além da área central da cidade. Desta forma, algumas atividades, antes existentes somente nesta localidade, passaram a ser estabelecer em locais distantes, que acabaram se tornando enclaves de disseminação do tecido urbano, passando a se integrar ao núcleo central e a outros locais do Município através dos eixos rodoviários. Neste viés, alguns bairros periféricosem Nova Iguaçucomo, Vila de Cava, Posse, Cabuçu, Austin, Cerâmica, Santa Rita e Km 32 conseguiram adquirir aspectos urbanos, marcados pela presença de uma embrionária rede comercial e de serviço, contando com uma pequena rede de comércio varejista de roupas e utensílios domésticos, mercados e drogarias. Alguns desses bairros contam até com a presença de clínicas médicas privadas, consultórios dentários e casas lotéricas, atividades essas muito ligadas à área central. Todavia, de maneira geral, as atividades oferecidas nesses bairros são incipientes para população local, já que no caso dessa necessitar de serviços mais especializados, necessitam se dirigir aos subcentros do município ou ao núcleo central da cidade. É importante salientar que dependendo do grau de especialidade de alguns serviços, estes só serão encontrados no núcleo central de Nova Iguaçu.      
         O processo de descentralização acarretouem Nova Iguaçua formação de dois núcleos secundários, Miguel Couto e Comendador Soares, que se constituíram na periferia do município. Esses subcentros apesar de não oferecerem a quantidade e qualidade dos serviços e bens do núcleo central, são compostos por uma complexa rede de negócios, marcado por numerosos estabelecimentos de comércio varejista, dois ou mais bancos, clínicas médicas, além de outros serviços, como consultório dentário, cursos de informática e escolas particulares. A população desses núcleos só se desloca para núcleo central em busca de serviços mais especializados.
         O núcleo secundário de Miguel Couto conta com uma sólida rede comercial, contando com três bancos (Itaú, Bradesco e Santander), duas clínicas médicas, dois supermercados, três financeiras e uma considerável rede comercial varejista, que inclui lojas de vestuário, sapatarias, drogarias, papelarias e outros estabelecimentos comerciais. Esse subcentro recebe todos os dias um grande contingente de pessoas oriundas de bairros periféricos iguaçuanos localizados em suas proximidades, o que torna seu comércio bastante movimentado, sendo um dos bairros que mais arrecadam ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços) no municipio de Nova Iguaçu. 
         O núcleo secundário de Comendador Soares apresenta um comércio local pujante e que vem se expandindo nos últimos anos. Sua formação ocorreu, em parte, pela presença da estação ferroviária, que tornou essa localidade um pólo de convergência para os trens, atraindo fluxos de pessoas de diversos bairros vizinhos, contribuindo, assim, para a formação de um comercio local que foi se expandido até atingir a configuração atual. Atualmente, esse subcentro iguaçuano conta com quatro bancos (Itaú, Santander, Caixa Econômica e Bradesco), três clínicas médicas, quatro supermercados, quatro financeiras, uma delegacia de polícia, um cartório, além de uma considerável rede de comércio varejista. A maior parte dos seus estabelecimentos comerciais se localizam na Rua Tomás Fonseca. É importante salientar que parte dessa via é exclusivamente voltada para o pedestre, dedicada especialmente à atividade comercial, sendo conhecida por calçadão.
          O processo de descentralização ocorrido em Nova Iguaçu está intimamente ligado ao processo de crescimento demográfico e econômico da cidade, ocasionando o aumento da mancha urbana no município, levando à proliferação de outros processos e formas espaciais, como por exemplo, o processo de coesão.  
           O processo de coesão se destaca em Nova Iguaçu através da formação de três principais áreas especializadas, a saber: Pólo Automotivo Iguaçuano, Rua da Lama e o Eixo das Avenidas Carlos Marques Rolo - Getúlio de Moura - Plínio Casado.  Esses três conjuntos coesos detêm uma localização privilegiada no espaço iguaçuano, se fixando próximos de importantes eixos rodoviários, como a Rodovia Presidente Dutra (BR 116) e Via Light (RJ- 081), se caracterizando pelo fácil acesso.                                                                 .                                         O Pólo Automotivo iguaçuano, segundo a CÂMARA MUNICIPAL de Nova Iguaçu (2011) é o maior shopping a céu aberto de autopeças do Estado do Rio de Janeiro, com cerca de 110 lojas que oferecem 1,7 mil empregos diretos, tendo chegado a essa condição após a decadência do comércio de autopeças no bairro carioca de São Cristóvão. Os estabelecimentos desse conjunto coeso estão concentrados, em sua maioria, na Avenida Nilo Peçanha, mas também existem alguns deles localizados nas ruas Dr. Luís Guimarães e Otávio Tarquino. Essa área especializada na venda de autopeças e serviços de veículos atende a um amplo mercado consumidor, que supera os limites municipais, atraindo consumidores de todas as partes do estado do Rio de janeiro.                            .                                                                  Também se destaca em Nova Iguaçu como área especializada o trecho final da Avenida Coronel Francisco Soares e arredores, mais conhecido como “Rua da Lama”. Essa parte da cidade apresenta uma grande concentração de bares, restaurantes e danceterias, que funcionam principalmente na parte da noite, sendo o principal ponto de aglomeração de jovens da cidade. Esse conjunto coeso é considerado o centro noturno iguaçuano e por vezes é escolhido pela prefeitura, promotores de festas e empresários para realização de grandes eventos e shows. Vale frisar que nessa área especializada de Nova Iguaçu se localiza a casa de Shows Rio Sampa, uma das mais antigas e tradicionais da Baixada Fluminense, que toda semana reúne milhares de pessoas. Por estar bem localizado, próximo a Via light e as margens da Rodovia Presidente Dutra, a Rua da Lama atrai pessoas oriundas das mais diversas localidades da região Metropolitana do Rio de Janeiro.                                          .                                                             Destaca-se, ainda, na cidade de Nova Iguaçu, o eixo formado pelas Avenidas Calos Marques Rolo - Getúlio Moura - Plínio Casado, referência em venda e revenda de veículos automotivos. Essa área especializada é marcada pela coesão de um grande número de agências e concessionárias de automóveis e motocicletas, sendo realizado, todos os dias, um volumoso número de negociações, tendo como destaque três concessionárias: Mavesa (GM), Auto Iguaçú (volksvagem) e Itavema (Fiat), que representam três das grandes multinacionais de veículos estabelecidas no Brasil. Também destaca-se neste conjunto coeso as concessionárias de motocicletas da Honda e da Suzuki.                         .                                                                                   As áreas especializadas de Nova Iguaçu são pólos de atração populacional de outros municípios. Tal fato contribui para maior arrecadação de receitas de impostos aos cofres municipais, assim como também eleva o número de trabalhadores e de consumidores na cidade. Juntos, os estabelecimentos localizados em cada um dos conjuntos coesos iguaçuanos ganham impulso e crescem concomitantemente com a cidade. Isso ocorre devido à potencialidade e força que cada uma dessas áreas especializadas detém.               .                                                                                             O processo de coesão presente no espaço urbano iguaçuano está vinculado ao processo de descentralização, que fez com que as áreas especializadas se localizassem fora do núcleo central da cidade. A integração existente entre esses dois processos é consequência da dinâmica urbana e econômica de Nova Iguaçu, que além da coesão e da descentralização é responsável pela proliferação de outros processos espaciais.

REFERÊNCIAS 

CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA IGUAÇU. Nova Iguaçu: Força vital (pólos). Nova Iguaçu: Câmara municipal, 2011. Disponível em: <http://www.cmni.rj.gov.br> . Acesso em mar. 2011.   

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. 3. ed. São Paulo: Ática, 1995.

________ . Trajetórias Geográficas.  Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.

SANTOS, Milton. Espaço e sociedade. São Paulo: Nobel, 1979.



[1] Especialista em Geografia do Brasil e Planejamento Urbano e Educação Ambiental. Professor da rede municipal do Rio de Janeiro e do Estado. Email: jdiasnascimento@uol.com.br