Processo Flexional da Língua Portuguesa
Por joão cony | 08/05/2009 | EducaçãoAPRESENTAÇÃO
Este artigo acadêmico tem o objetivo de levantar questões e problematizá-las nas diversas análises do processo flexional da língua portuguesa. Ao considerar as divergências e observar a coerência na continuidade de uma análise, ou perceber que tal abordagem só é consistente até certo momento do assunto flexão gramatical, percebo que existe uma necessidade de estabelecer os pontos em que os autores incumbidos de normatizar o uso da língua não se unidirecionam, ao examinar as variações flexionais, e partindo dessas discordâncias, sugerirnovas possibilidades de visualizar a flexão gramatical, quer seja verbal ou nominal.
O distante relacionamento entre os tipos de gramáticas também será alvo de indagações, pois questões como uso x norma, sincronia x diacronia são de extrema relevância para o estabelecimento de idéias que possam colaborar com a tentativa de apresentar soluções para as distintas formas de tratar o assunto flexão gramatical na língua portuguesa.
O presente artigo não pretende, com os questionamentos, desconsiderar nenhuma abordagem ou análise; objetiva apenas proporcionar viáveis formas de solucionar as divergências, ou pelo menos apresentar essas soluções.
Espero que este trabalho "provoque" discussões sobre o assunto tratado, e que, com o debate, haja o aprimoramento necessário para aproximação teoria x prática, que é essencial para o coerente processo de análise da língua como estrutura viva e metamórfica.
INTRODUÇÃO
O processo flexional da língua portuguesa é examinado de maneira distinta pelos normatizadores da nossa língua. Há divergências entre os gramáticos tradicionais, que em alguns aspectos concordam com a análise do lingüista Joaquim Matoso Câmara Júnior. Os argumentos de Matoso Câmara, em suas análises, são pilares para o estabelecimento da estruturação justificada do processo flexional da língua por alguns gramáticos. Mas não há uma adesão total dos gramáticos aos argumentos do pioneiro da lingüística no Brasil.
Então, vamos estabelecer algumas divergências e algumas contradições geradas por autores em análises próprias e em comparação com outros autores, propondo soluções para as bifurcadas formas de visualização do complexo método de execução das variações flexionais do sistema lingüístico.
Serão comparadas gramáticas, e, principalmente, serão questionados os pontos de vista de cada análise, para que o artigo possa apresentar novas formas de visualização dos casos expostos.
PROCESSO FLEXIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA
Para iniciar o assunto, vou explicar os pontos de partida que serão utilizados pelo artigo acadêmico para as discussões referentes ao assunto em questão:
1)Matoso Câmara, em seus estudos, desenvolveu a idéia de diferenciar sexo de gênero gramatical.
Tal postura é adequada, pois existem palavras que não têm sexo, mas possuem gênero gramatical. Exemplo "lápis" que é substantivo masculino, mas não possui sexo, ou seja, não é macho de nenhuma espécie viva, como pode acontecer, individualmente, com as pessoas e os animais. Assim essa diferenciação é cabível, mas vejo um equívoco na opção de definir flexão de gênero gramatical como um processo diferente daquele pelo qual são estabelecidos os pares sexuais de uma espécie, pois palavras que não representam seres têm gêneros gramaticais definidos, mas não se flexionam nesse aspecto, por mais que se tente enxergar a flexão de gêneros nas palavras "barco" e "barca", não é possível fazê-la, pois são esses sim lexemas distintos, que se opõem em gênero assim como "o cabeça" e "a cabeça", que guardam parte de significação da palavra em comparação, mas nem por isso foram flexionadas em gênero, porque esses termos apesar de possuírem partes de significação em comum não são opostos na parte semântica que possibilitaria a flexão de gênero que é o sexo. Essa oposição no gênero será explicada mais a frente pelo artigo.
Matoso estabelece o par semântico para signos lingüísticos opostos no sexo e coincidentes em todas as outra partes de significação, mas diferenciados, morfologicamente, do processo de flexão regular simplificado, exemplo "pai" e "mãe". A idéia a princípio é bastante viável, mas no decorrer do artigo serão sugeridos aspectos contraditórios ou incompletos do ponto de vista desta análise.
2)Quando o assunto é flexão de número, há uma contradição, na análise de Matoso Câmara, com a abordagem sobre a flexão de gênero.
Bem, para introduzir essa discussão vou exemplificar: Matoso diz que o masculino é a forma não marcada, ou seja, quando na pluralidade há membros de gêneros distintos é usada a forma no masculino, para que os membros do gênero masculino não sejam excluídos, pois usando a forma feminina seria definido que todos os membros são do gênero feminino. Na prática: "as alunas" são apenas as estudantes (do sexo feminino), mas ao falarmos "os alunos" existe a possibilidade de termos estudantes dos sexos masculino e feminino. Então, uma palavra não flexionada em gênero (no masculino), mas flexionada em número (plural) deixa a possibilidade para que, na pluralidade, existam representações do gênero feminino. Logo, isso não deveria acontecer quando temos uma palavra sempre masculina e outra sempre feminina, mas acontece, exemplo "mãe" não é a forma marcada de "pai" no feminino, segundo Matoso, mas ao flexionarmos "pai" em número "pais", podemos fazer referência ao casal- pai e mãe- ou a uma pluralidade que pode abranger pais e mães.
3) Matoso não estendeu a sua distinção, processo flexional morfológico x relação semântica, às outras variações.
Cabem aqui algumas indagações:
Não poderíamos, por analogia ao par semântico na flexão de gênero, entender que verbos derivados de radicais diferentes, historicamente, e que sincronicamente não seguem a regra de derivação verbal, são verbos defectivos, que podem até não ter a forma infinitiva, e que formam apenas uma seqüência semântica?
Assim sendo: o verbo "ir" não poderia ter como flexão "vou" (1ª pessoa do singular do presente do indicativo), pois o infinitivo "ir" deriva do radical latino "ire" e a forma flexionada deriva do radical latino "vadere". Estabelecendo um paralelo com os pares semânticos, parece-me bastante lúcida a tentativa de unificar ou criar um critério de inclusão ou exclusão das possibilidades de análise da flexão gramatical, para minimizar as divergências.
E o aumentativo e o diminutivo em português, por essa mesma analogia, também não possuem seus pares de "diminuição" e "aumento de intensidade"? Exemplo: criança e bezerro não seriam diminutivos semânticos de adulto e boi, respectivamente? Mas o artigo não abordará a questão da flexão de grau dos nomes.
Bem, para direcionarmos as abordagens vou tratar dos aspectos em tópicos, mas antes preciso explicitar os esquemas morfológicos dos verbos e dos nomes em português.
Esquema dos verbos - os verbos são morfologicamente formados assim:
RAD + V T V + DM T + DNP.
RAD-Radical;
VTV-Vogal Temática Verbal;
DMT-Desinência Modo Temporal;
DNP-Desinência Número Pessoal.
Esquema dos nomes:
RAD + VTN + DG + DN.
RAD-Radical;
VTN-Vogal Temática Nominal;
DG-Desinência de gênero;
DN-Desinência de Número.
Detalhes:
O TEMA - não é um morfema, é a junção dos morfemas "radical" e "vogal temática", seja essa vogal temática verbal ou nominal.
Radical - dos elementos mórficos citados, o único que não pode estar ausente é o radical, que é o núcleo do vocábulo onde repousa a significação. Os radicais dos verbos são, ou deveriam ser, derivados dos tempos primitivos, assim, quando conjugamos o verbo "manter" no futuro do subjuntivo, temos a forma "mantiver" (1ªpessoa do singular), em que o radical alomórfico deriva da forma irregular da 2ª pessoa do singular do pretérito perfeito sem a desinência STE (Tu mantiveste). Essa relação de derivação do radical, em que são estabelecidos tempos primitivos derivados, será utilizada para escorar uma visão que advirá da distinção entre derivação e flexão neste artigo.
Desinências - os demais morfemas poderão ausentar-se de acordo com a condição, ou, realmente, não existirem em certos vocábulos, mas para sabermos se um morfema está ausente, ou não participa de uma palavra, devemos usar um processo chamado comutação, que é a comparação dos morfemas caracterizada pela oposição. Exemplo em "aluno" temos: "ALUN" (radical) + "O" (vogal temática nominal) + zero (não há marca de gênero) + zero (não há marca de número). Logo, percebemos os zeros mórficos ao visualizarmos a forma flexionada "alunas", em que podemos opor "a" desinência de gênero feminino e "s" desinência de número plural" às lacunas para essas marcas em "aluno".
FLEXÃO DE NÚMERO
A flexão de número das palavras em português é, normalmente, marcada pelo acréscimo da desinência "s". Essa desinência se opõe ao morfema zero, marca morfológica que corresponde a não indicação de pluralidade nesse caso. Então, temos na palavra "menino": o radical "menin", a vogal temática nominal "o", o morfema zero para a indicação de gênero e outro morfema zero para indicação de número. Portanto, teoricamente, temos o processo flexional mais simples para a língua portuguesa, mas temos variações nas análises, exemplo: Matoso vê em "mar", e em outros nomes terminados em consoantes no singular, uma forma teórica, no caso específico "mare", explicando assim a forma plural "mares", considerando, somente, o "s" como desinência de número e o "e" vogal temática teórica. Visão que não é acompanhada por alguns gramáticos que consideram "es" desinência alomórfica. Abordagens diferentes que valorizam o uso da língua, mas dificultam a aprendizagem, e o processo de evolução da própria análise. Mas a maior dificuldade é a abrangência de variações desse processo que é tratado como mecânico e não é tão regular como deveria ser para que houvesse a mecanicidade anunciada, pois a flexão de número possui grandes variações de formas, dependendo da terminação, ou do uso do plural essa flexão mostra-se de forma diferente, exemplo: palavras terminadas em "ão" transformar-se-ão em terminadas em "ães", "ões" e poderão receber somente o "s", conforme o caso específico que é exemplificado na seqüência singular x plural entre parêntese (alemão-alemães/balão-balões / cristão-cristãos). Outras variações são notáveis no processo flexional que ratifica a variação de número na classe nominal dos vocábulos da língua portuguesa. Mas o artigo não verificará os casos individualmente nesse momento.
A flexão de número causa divergência entre gramáticos e contradições em abordagens individuais, como a de Matoso Câmara, que vê no plural da forma não marcada de gênero a possibilidade da inclusão da forma marcada de gênero feminino, O que acontece em "alunos", que pode referir-se a as estudantes (sexo feminino) e os estudantes (sexo masculino), mas há um problema óbvio nessa análise, pois ao flexionarmos em número palavras que não se flexionam em gênero, como acontece com a palavra "pai", que para Matoso é sempre masculina, vemos a inclusão do que ele considera outro lexema, que a palavra "mãe", pois o vocábulo "pais" pode representar o casal, "pai" e "mãe", um grupo em que haja "mães", também, ou somente "pais" (do sexo masculino). Essa "não combinação" entre as abordagens das flexões de número e de gênero, na análise de Matoso Câmara, será tratada novamente pelo artigo.
FLEXÃO DE GÊNERO
A flexão de gênero na língua portuguesa é a mais "polêmica", pois as gramáticas abordam-na de formas bastante distintas.
O princípio básico das divergências é a diferenciação da sistematização do processo flexional. As gramáticas tradicionais têm formas bifurcadas de visualizar a análise desse processo, e o lingüista Matoso Câmara, com seus estudos, é peça fundamental para o estabelecimento dessas divergências. As distinções precisas entre gênero e sexo; e entre palavras flexionadas em gênero e palavras semanticamente correspondentes, mas de sexo oposto são os pontos principais para a introdução dos questionamentos sobre a flexão de gênero.
Bem, a princípio, pesa contra as gramáticas de Celso Cunha (Nova Gramática do Português Contemporâneo) e Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa) a distinção feita por Matoso e acompanhada por Rocha Lima, em "Gramática Normativa da Língua Portuguesa", de sexo e gênero gramatical, pois se trata o gênero gramatical de uma distribuição em classes mórficas, como diz Matoso.
O gênero não pode ser somente associado à idéia de sexo. Matoso argumenta de forma bem explicitada e com exemplos bastante convincentes, pois todos os exemplos a princípio quebram o paradigma da flexão de gênero tradicional. A bem executada forma de diferenciar gênero gramatical de sexo fez com que fosse revista a flexão de gênero, pois ao argumentar que não poderíamos ver idéia de sexo ao falarmos que o substantivo "lápis" era do gênero masculino, e que isso não deveria acontecer nem por meio de metáforas à maneira de um pansexualismo freudiano, como diz o próprio Matoso, em "Estrutura da língua portuguesa", Matoso consegue segregar sexo do gênero gramatical. O que tornou fácil a visualização da diferença entre o par menino x menina e o par homem x mulher, tratam-se, para Matoso, o 1º de uma flexão de gênero do vocábulo menino que aparece marcado com a desinência "a" em "menina" indicando o gênero feminino nesse caso; o segundo é, para Matoso, um par semântico, pois não há a inclusão de desinências como de praxe na flexão de gênero, além disso, o radical não é o mesmo, logo o que há é uma relação semântica entre vocábulos que são sempre masculino e feminino respectivamente.
Como é vista a relação dos vocábulos homem x mulher por outros estudiosos da língua?A relação semântica é privilegiada em detrimento do processo mais regular de flexão, visto que é aceita a flexão de gênero heteronímica, feita com palavras de radicais diferentes.
Temos a divergência par semântico x flexão heteronímica.
Bem, para melhor entendimento da visão dicotômica vamos analisar a função da flexão de gênero e para isso, primeiro vamos entender o que é flexão.
Segundo Matoso Câmara em "Dicionário de Lingüística e Gramática":
Flexão é processo de fazer variar um vocábulo para nele expressar dadas categorias. A flexão consiste, portanto em aplicar ao vocábulo um morfema – a) aditivo (flexão externa), b) subtrativo, alternativo, reduplicativo (flexão interna), ficando – a) fora ou- b) dentro do radical.
Então isso é flexão? Modificar uma palavra para que ela participe de uma outra distribuição mórfica da gramática. Para quê? Convenhamos, quando flexionamos no dia-a-dia uma palavra, pensamos em redistribuir em classes mórficas, ou dar uma nova condição àquele vocábulo? É óbvio que a flexão existe para que as associações semânticas tenham proximidade, exemplo, ao descobrirmos uma nova espécie de animal, não colocaremos um nome na fêmea e um outro no macho, pois isso só ocorre diacronicamente. Exemplo "rapaz" tem como forma feminina em Portugal "rapariga", mas no Brasil usa-se "moça" como feminino de "rapaz", porque "rapariga" adquiriu sentido pejorativo na região nordeste do Brasil. Causando aos poucos o desaparecimento da palavra "moço", pois já se tem suprida a relação flexional "moço x moça" com o as palavras "rapaz x moça". A flexão serve à semântica, assim como a escrita serve à fala; visualizar flexão de gênero como um processo de troca de desinências para reenquadramento de classe mórfica é ignorar ou no mínimo inverter essas relações de servidão, e mais, já que foi feita essa tentativa de mecanizar a flexão de gênero, justificando-a com os argumentos expostos, porque não estender aos outros processos flexionais a mesma análise? Exemplo, verbos anômalos derivam, historicamente, de radicais distintos e sincronicamente não obedecem à regra de derivação verbal. Então por analogia aos pares semânticos não seriam esses verbos seqüências semânticas? O professor Evanildo Bechara chama de "suplementação nos elementos mórficos" o concurso de radicais distintos nas flexões dos verbos anômalos. O que significa que radicais diferentes que mantenham a significação adequada e suplementem a posição flexional, podem tratar-se de flexão e não de derivação ou de palavras somente com vínculos semânticos como os "pares semânticos", propostos por Matoso. Análise que parece-me de acordo com a idéia de que o par "homem x mulher" é uma flexão, pois a flexão não é um processo de trocas de desinências somente, e existe um posicionamento semanticamente justificado para esse processo, o que permite que a flexão seja feita de forma regular, com a troca de desinências, ou por heteronímia, que pode ser enquadrada na suplementação nos elementos mórficos ou vice-versa.
Ainda no assunto flexão de gênero, Matoso, para mostrar a diferença entre sexo e gênero, usa bons exemplos como a palavra "cobra" que é do gênero feminino e que ao representar o sexo masculino não muda de gênero (a cobra macho).
É notório que não houve mudança de gênero, mas ao analisarmos bem, nós percebemos que também não houve mudança de sexo no vocábulo cobra, pois em "a cobra macho" a parte semântica que introduz a idéia de sexo está em "macho" não em cobra, o que me parece significar que é o sintagma que possui idéia de sexo, não a palavra cobra, tanto que fazendo a inversão determinado x determinante, mudamos sim o gênero do sintagma "o macho da cobra", fato percebido pela alteração do gênero do determinante do 1º sintagma "a cobra" x "o macho", mas a palavra "cobra" continua sendo do gênero feminino e sem sema sexual. Diante do exposto, vemos que a flexão de gênero só pode ocorre com a mudança de sexo, pois palavras que não possuem o sema de sexo, não se flexionam em gênero, como já visto.
Agora, será que uma alteração morfológica pode distanciar-se das alterações semânticas?
Bem, para responder tal indagação, vamos entender a relação significante x significado, que compõe o signo lingüístico. O significado é a representação psíquica da "coisa", que é, obviamente, individual, e não é a "coisa"; por exemplo, quando pensamos em avião formamos uma imagem psíquica, exemplo, "veículo aéreo com asas" essa imagem, que é subjetivamente formado é o significado e não o avião (objeto); já o significante é a representação no campo da expressão, exemplo na palavra "avião" a palavra é a representação gráfica, isto é, a representação no campo expressional da escrita, e, finalmente, o signo lingüístico é a junção do significante e do significado, que segundo Ferdinand de Saussure são indissociáveis, ou seja, só podem existir, se coexistirem. Partindo desse princípio da coexistência do significante e do significado, tentemos visualizar uma alteração em um deles, exemplo: ao avançarmos tecnologicamente e produzirmos vários tipos de aviões, temos uma alteração no significado da palavra "avião", que agora é mais abrangente e possuidora de uma história, pois conseguimos visualizar tanto um "air bus" moderníssimo, ou um avião totalmente inseguro e ultrapassado como os usados na 2ª guerra mundial e muitas outras variedades e variações. Mas, se repararmos bem, a explicação da diferenciação da formação psíquica da palavra "avião", da imagem mental que a palavra gera, é desnecessária, pois o significante por si só traz consigo toda modificação no contexto significativo da palavra "avião". O vocábulo "avião" sofre junto com seu significado as mudanças advindas da variação da relação do homem com seu invento e contínuos aperfeiçoamentos, isso tudo acontece sem que haja variação na escrita do vocábulo. Então, por que devemos interferir no significante, impondo-lhes, no caso do significante lingüístico, flexões? A resposta expõe bem a confusão feita ao darmos autonomia completa à morfologia. O significante serve, seguindo regras ou não, ao signo relatando o significado, ou seja, precisamos, para a comunicação, externar a imagem mental que criamos da coisa e usamos para isso o significante que dispomos ou conhecemos, se não conhecemos a forma adequada para externar uma mudança que não redefine aquele significado, como acontece quando não sabemos que a fêmea do peixe-boi é o peixe-mulher e acabamos equivocadamente "pensando" que a fêmea da espécie é o "peixe-vaca" por analogia ao par "boi" x "vaca" . Então, usamos as flexões gramaticais regulares, porque são elas as formas mais simples e comuns de modificar com segurança partes semânticas de uma palavra para indicar as situações que se apresentam.
Para entender melhor, vamos pensar da seguinte forma: uma criança, que não sabe que o macho da abelha é o zangão, tenta fazer o processo inverso da flexão de gênero, por analogia a muitos outros modelos existentes e disponíveis no, ainda pequeno, acervo lexical de que a criança dispõe, e logo, acredita que o macho da abelha é o "abelho", que talvez fosse se não existisse uma forma heteronímica para o masculino, mas fica evidenciado que a flexão regular, de gênero no caso específico, é preterida quando temos a condição necessária para externar uma variante do significado que é normalmente emergida num processo flexional regular. Em suma, se temos dois significantes diferentes para fazer referência a significados que têm uma parte semântica distinta entre si, no caso o sexo, para que utilizarmos a flexão, se é mais forte a imagem quando distinguimos tão bem os seres que desenvolvemos significantes distintos para o macho e para a fêmea. Isso mostra que, ou temos uma relação íntima de conhecimento daquele ser, ou a diferença entre macho e fêmea e maior que a oposição sexual somente.
Como então entender as variações de gênero e de sexo dos substantivos epicenos, sobrecomuns e comuns de dois gêneros?
Bem, os substantivos epicenos e sobrecomuns não variam em gênero, pois sempre são antecedidos pelo mesmo artigo seja representando o indivíduo do sexo masculino ou do sexo feminino. Exemplo o tigre (epiceno) e a pessoa (sobrecomum) podem referir-se a ambos os sexos, é só subordinar a eles um determinante adequado; assim temos as variações "o tigre macho" x "o tigre fêmea" e "a pessoa do sexo masculino" x "a pessoa do sexo feminino", não há, contudo, variação do sexo no interior dos vocábulos "tigre" e "pessoa", porque, como já foi visto no exemplo do substantivo epiceno "cobra", palavras que não têm o sema- parte mínima do significado- sexual não se flexionam em gênero, pois a flexão de gênero "existe" para formar os pares sexuais, para redefinir o sexo representado. Portanto a idéia de sexo pertence ao sintagma, à sintaxe, e não à morfologia. Os substantivos comuns de dois gêneros podem ser distribuídos pelos dois gêneros gramaticais, como já diz o próprio nome, são determinados sexualmente com a distribuição mórfica em gênero sem que haja, necessariamente, determinantes possuidores de semas sexuais a ele subordinado, ou alteração morfológica. O que há na significação dos substantivos comuns de dois gêneros é um sema "unissex" que é definido pelo gênero determinado sintaticamente. Exemplo "o artista" x "a artista" o lexema artista não possui idéia definida de sexo, o que só é indicado na redistribuição mórfica da palavra que tem essa possibilidade de ser determinada de acordo com a necessidade semântica, ou seja, essa classe de substantivo é distribuída no gênero masculino ou no feminino de acordo com o sexo que quer representar, e para essa distribuição ser visualizada é só subordinar ao substantivo um determinante.
DERIVAÇÃO X FLEXÃO.
Essa diferenciação, a princípio, é bem simples, pois derivação é o processo pelo qual são formados "novos" vocábulos de um radical com a colocação de afixos (prefixos e sufixos), e a flexão é o processo pelo qual a um mesmo vocábulo são acrescentadas ou retiradas partes semânticas secundárias por meio de desinências. O Gramático latino Varrão (116 aC – 26 aC) fez a distinção entre o processo de derivatio voluntária, que cria novas palavras, e a derivatio naturalis, para indicar modalidades específicas de uma nova palavra. A "tal voluntariedade" é a tendência da derivação de ser um processo em que a palavra se "voluntaria", escolhe, como vai se formar, mostrando um caráter fortuito e desconexo. Exemplo: de "vaca" deriva "vaqueiro", mas de "polícia" deriva "policial", que expõe essa seleção da "palavra" para o afixo; na flexão, apesar das variações, as palavras não escolhem as desinências, pois ao flexionarmos um verbo na 1ª pessoa do futuro do presente do indicativo, acrescentaremos ao tema do infinitivo a desinência "rei", cantarei, venderei, etc. (exceções: fazer, dizer e trazer); demonstrando a mecanicidade do processo, que é tratado por Varrão como "natural", inevitável. Bem, ao transferirmos essas definições diretamente para derivação e flexão, cometemos um equívoco, pois a flexão é, realmente, um processo delimitado e que as variações são tratadas como casos de exceção, justificando a classificação de naturalis, mas a derivação não pode ser chamada de voluntária, pois derivar é forma mais dependente, precisa e pontual de extrair-se (formar) um vocábulo de outro, e além disso, na flexão também acontece a derivação, exemplo: os verbos, tempos primitivos e derivados, que por mais que se pense que não há na variação- conjugação, flexão- transcendênciados vocábulos flexionados, alguns verbos são palavras que derivam de outra, há, em muitos casos, radicais distintos dentro da flexão de um verbo, exemplo o verbo "ser". Em suma, a voluntariedade vocabular não é presente na flexão, nem na derivação, é presente e notória na AFIXAÇÃO.
A derivação é a criação de um vocábulo por meio de um outro a ele primitivo, a flexão é a mudança de um vocábulo, isso parece-me inquestionável. Então, visualizemos esses pares: "lápis x lapiseira", "conde x condessa". No primeiro par, não há necessidade de termos as palavras em gêneros opostos, pois a palavra "lapiseira" é um tipo de lápis ou um objeto que tem função igual à do lápis, mas não é fêmea do lápis e o gênero em nada "incomodaria" sua significação; já no segundo par, condessa é "um conde mulher", ou seja, trocamos o gênero porque ele é, nesse caso, um "determinante" do sexo, e fazemos isso acrescentando uma terminação que, inicialmente, seria derivacional, mas não forma uma nova palavra, visto que, o conde em sua significação necessita de um par a ele oposto sexualmente. Não é criada a palavra condessa partindo da palavra conde, condessa já existe em oposição sexual a conde por lógica semântica.
OS TIPOS DE GRAMÁTICA
No que diz respeito à flexão gramatical, artigo agora abrirá espaço para uma discussão, que envolve o assunto de forma indireta, mas ressalta-se sua importância notória na confecção das divergências entre os teóricos da nossa língua.
Os tipos de gramáticas são ramificações, de contexto diferentes dos lineares redeadores dos argumentos de estudo e análise da língua, o que permite que cada tipo de gramática tenha um campo pré-estabelecido para orientação dos seus estudos; vejamos alguns casos: A gramática normativa é refém de uma sincronia falsa, pois a língua padrão é um pseudoconsenso de quem tem com ela reciprocidade de privilégio. Observando o uso da língua e examinando a norma, temos que concluir que, ou não somos coletivamente capazes de atingir o nível culminante de fluidez e domínio do idioma, ou não se sabe adequar as regras ao uso com a simultaneidade requerida pela língua. Já a gramática histórica é, normalmente, pouco mais que uma curiosidade lingüística. E os outros tipos de gramática são, tanto quanto os primeiros, incompletos na função de governar o uso e manter a unidade do idioma.
Não há um tipo de gramática que sirva como guia para o uso, principalmente, para o entendimento da língua, porque as questões, que delimitam os tipos de gramáticas, fazem dessas correntes de elos partidos, pois tendo em mente que não há como uma gramática ser totalmente sincrônica, ou tentar argumentar sempre escorando se no sincronismo, porque os fatos históricos estão presentes na formação da nossa e de qualquer língua natural, assim como o uso somente não pode ser descrito como tendência revolucionária sempre, momentos lingüísticos vão sem deixar legados e não devemos cair no erro de achar que a língua é desprovida de inércia, pois, se assim fosse não teríamos como entender "hoje" o que foi dito "ontem". Outros argumentos como o diacrônico também não podem sozinhos justificar o uso da língua.
As gramáticas lingüística, histórica, normativa, gerativa sejam didáticas, teóricas, registros normativos, ou estruturalmente presente no idioma, nenhuma deve usar somente os argumentos do seu eixo principal, deve ter, entranhado em suatendência, espaço para os argumentos advindos dos outros tipos de gramática, já que só por meio dessa interdiciplinaridade poderemos ter base para montar, ou tentar montar o "heterogêneo" "quebra cabeça" que é o sistema lingüístico.
Que fique claro que, até agora, individualmente não foram citadas gramáticas e que a "crítica" foi voltada para o distanciamento entre os tipos de gramáticas.
Bem, mas algumas evoluções históricas da morfologia foram preteridas em explicações confusas. Como, por exemplo, Matos Câmara, em "Estrutura da Língua Portuguesa", que diz:
"O mais que podemos dizer, porém em referência ao gênero, do ponto de vista semântico, é que o masculino é uma forma não marcada é uma forma geral, não-marcada,e o feminino indica uma especialização qualquer (jarra é uma espécie de <<jarro>>, barca um tipo especial de <<barco>>, como ursa é a fêmea do animal chamado urso)".
Nessa explicação, Matoso, privilegiando o argumento sincrônico, deixou de lado o único fato coerente que explica a relação das palavras opostas em gênero e que não possuem o sema sexual.
O artigo explicará essa questão agora brevemente.
No latim, os substantivos eram divididos em cinco declinações, e ainda havia uma subdivisão na 3ª declinação. Essas divisões eram necessárias para os substantivos desempenharem funções sintáticas de acordo com as terminações do caso em que se declinavam, visto que o latim era uma língua sintética, não possuindo ordem para os elementos sintáticos. Veja o quadro sinóptico das cinco declinações:
SINGULAR
CASOS |
F |
M-F-N |
M-F-N |
M-F-N |
M/F-N |
F |
Nominativo |
A |
US,ER,UM |
VÁRIAS |
VÁRIAS |
US, U |
ES |
Vocativo |
A |
E, ER, UM |
VÁRIAS |
VÁRIAS |
US, U |
ES |
Acusativo |
AM |
UM |
EM,VÁRIAS |
EM,VÁRIAS |
UM, U |
EM |
Genitivo |
AE |
I |
IS |
IS |
US |
EI |
Ablativo |
A |
O |
E |
E,I |
U |
EI |
Dativo |
A |
O |
I |
I |
UI |
E |
PLURAL
CASOS |
F |
M/F/ N |
M/F-N |
M/F-N |
M/F-N |
F |
Nominativo |
AE |
I, I,A |
ES,A |
ES,IA |
US,UA |
ES |
Vocativo |
AE |
I,I,A |
ES,A |
ES,IA |
US,UA |
ES |
Acusativo |
AS |
OS,OS,A |
ES,A |
ES,IA |
US,UA |
ES |
Genitivo |
ARUM |
ORUM |
UM |
IUM |
UUM |
ERUM |
Ablativo |
IS |
IS |
IBUS |
IBUS |
IBUS |
EBUS |
Dativo |
IS |
IS |
IBUS |
IBUS |
IBUS |
EBUS |
Então, os substantivos exerciam função sintática de acordo com o caso em que se declinavam: nominativo (sujeito) -puer; acusativo (objeto direto) – puerum, etc. O que fazia das terminações essências sintáticas do latim, mas com a inclinação das línguas românicas ao analitismo, que era a tendência de por meio de preposições criar relações sintáticas, houve a diluição dos casos em, basicamente, nominativo e, principalmente, acusativo. Somando-se a esse fato sintático, ainda temos, no latim vulgar, a diluição das cinco declinações em apenas três, fato que provavelmente ocorreu por ser o sistema de declinações muito abstrato para os não letrados da época. Ocorreu, provavelmente, por serem confundidas as 2ª e 4ª declinações, e terem nas 1ª e 5ª declinações muitos heteróclitos, que eram substantivos que podiam ser declinados em ambas as declinações. Formando três declinações apenas 1ª, 2ª e 3ª. Mas as mudanças não pararam por aí, pois os substantivos, no latim clássico, eram distribuídos em gênero de acordo com a sua significação interna, nesse caso dentro do radical, independente das terminações, mas com apenas três declinações, duas tiveram seus gêneros bem definidos, 1ª feminino, que era composta, juntamente com a 5ª, praticamente, só com vocábulos desse gênero; e 2ª masculino, pois nessa declinação a quase totalidade de suas palavras era desse gênero, assim como os 4ª, que talvez, também, por isso tenham se diluído. E, como é fácil perceber, estabeleceram-se com terminações bem definidas pelo acusativo, que era o caso mais usado no latim vulgar, as terminações acabaram marcando o gênero no português. Ficamos na língua portuguesa com "UM" para o masculino, que por alteração fonológica regular transformou-se em "O" ; e "AM" para o feminino, que do mesmo modo transformou-se em "A". Na 3ª declinação, por ausência dessa marca tomada no português como determinante de gênero, as palavras flutuaram na definição de gênero, como é visto no neutro latino "mare", que em espanhol e francês é feminino, e no português ainda carrega essa marca nos compostos "prea-mar e baixa-mar".
Até aqui, vimos, superficialmente, a aparição das desinências de gênero, mas a formação de palavras de gêneros opostos que não foram flexionadas nesse aspecto, pois foram formadas e chegaram ao português já com essa diferenciação, será explicada com o exposto a seguir: O fato é que os neutros latinos no plural do acusativo terminavam em "A",independente da declinação, o que provocou os pares (acto/acta) ato e ata, (lignu /ligna) lenho e lenha, (ovu /ova) ovo e ova, que eram plurais neutros, mas que tornaram palavras de gêneros diferentes em português por força de suas terminações tomadas em nosso idioma por marcas de gênero. Algumas dessas palavras, como "ova", ainda conservam uma idéia de plural, o que com certeza existiu em todas essas formações no português arcaico e/ou no latim vulgar. É importante perceber que essas palavras não se flexionaram em gênero no português, pois essas palavras já chegaram ao português formadas e definidas em gêneros diferentes. Outras palavras, como sapato/sapata, barco/barca, jarro /jarra, etc, não têm esse fato histórico, mas foram formadas por analogia aos casos anteriores.
A semântica, depois de definido as terminações indicativas de gênero, requereu para as palavras que tinham sema, parte mínima de significação, sexual a redistribuição mórfica pra modificação da indicação do sema sexual, ou seja, foram criadas palavras como senhora, que é o feminino de senhor, que era invariável no latim. Daí então, as palavras passaram a flexionarem-se em gênero, com esse intuito de causar a modificação, por oposição ao sema sexual, isto é, precisava uma palavra do gênero masculino, ao representar o sexo feminino, mudar a desinência, que agora a marcava a palavra com essa classe. Antes, isso não ocorria, pois, as palavras não tinham marca de gênero, e tratava-se o gênero de uma parte da significação "externa" da palavra (radical).
Essa questão da significação da desinência é simples, pois no latim o gênero era "explicado", motivado, pela significação do próprio radical, pois não havia marcas de significação nesse aspecto fora do radical, com a determinação de desinências que indicavam o gênero, passou-se a, por mudança dessa terminação, mudar-se o gênero da palavra. Mas essa mudança no gênero só se fez necessário quando se queria indicar o sexo oposto, pois as distribuições, de gênero e de sexo, tinham denominações iguais, masculino e feminino, então, a classe mórfica "gênero" tornava-se um "incômodo" quando uma palavra tinha um determinado gênero, e referia-se ao um ser de sexo diferente. Dessa maneira, tendo um determinante do gênero e tendo uma marca oposta a essa determinante, desinência, era só fazer a mudança dessa determinante para "enquadrar" o gênero ao sexo.
Entendemos então que: a tomada das desinências como marca indicativa de gênero foi, de certa forma, uma expulsão da significação, que "justificava" o gênero, do radical para a desinência. Agora, ainda nessa questão de significação dentro e fora do radical, o professor Evanildo Bechara diz em "Moderna Gramática Portuguesa" que no radical encontra-se a significação externa do vocábulo, referente a noções do nosso mundo (ações, estados, qualidades, ofícios, seres em geral, etc.); e que nas desinências encontra-se a significação interna (puramente gramatical). O que pode nos levar a pensar que o gênero é uma distribuição, unicamente, morfológica, pois a desinência que o indica é a marca da significação gramatical. Mas, como já foi visto, o gênero é, e foi, um inconveniente a semântica quando indicava um gênero oposto ao sexo. Assim, vamos visualizar uma forma de entendermos a flexão de gênero e a indicação de sexo.
Palavras que têm o sema sexual na significação externa, radical, precisam flexionar-se em gêneros por heterônimos, pois só com a mudança do/ou no radical oporíamos a representação sexual, já que nesse tipo de palavra não há marcas puramente gramaticais, desinências, para mudarmos, exemplo, Homem x mulher. Agora, palavras que têm o sema sexual na significação interna, desinência, para mudar a indicação do sexo, e o sema sexual, é só mudarmos a desinência que indica o gênero e que traz o sema sexual, exemplo, menino X menina. E quando não temos o sema sexual é só acrescentarmos por meio de um determinante, exemplo, "cobra macho" que não tem sema sexual, mas por ser um animal possuí sexo, que pode ser feminino ou masculino, e para essa indicação do sexo do animal não nos adianta mudar o radical, pois a significação externa não traz a determinação do sexo; também não se justifica mudar a terminação da palavra, pois não há significação interna, já que o "a", em que a palavra termina, não é desinência e não tem significação relevante com relação ao sexo.
CONCLUSÃO
A redistribuição mórfica em gênero só é possível quando a palavra permite a possibilidade de por meio desse reenquadramento se opor em sexo, modificando o sema sexual. A significação sexual é alterada pela redistribuição em gênero, e esse reposicionamento em classes mórficas é feito para mudar o sema sexual que é flexionável, ou seja, toda vez que temos uma palavra e nela há a indicação do sexo, temos que perceber que essa parte da significação é mutável, no mesmo vocábulo, sem que se crie uma nova palavra para que se faça essa determinação. As palavras que não têm o sema sexual e representam seres possuidores de sexo serão, se necessário, determinadas por palavras a elas subordinadas, que tragam para ao sintagma a idéia do sexo(epicenos e sobre comuns). Os substantivos comuns de dois gêneros são exceções, pois são determinados sexualmente com a própria distribuição mórfica em gênero sem que haja, necessariamente, determinantes possuidores de semas sexuais a ele subordinado, ou alteração morfológica. O que há na significação dos substantivos comuns de dois gêneros é um sema "unissex", que é definido pelo gênero determinado sintaticamente. A flexão de gênero só é viável quando os seres designados formam pares (macho x fêmea), pois saindo disso teremos apenas lexemas de gêneros distintos que possuem parte significativa em comum, mas que não se flexionam em gênero por não possuírem sexos distintos. São eles termos que têm partes da semântica coincidente e partes de significação distinta que não se caracterizam como oposição sexual, logo não poderiam ser utilizadas para que houvesse a flexão de gênero, então essas palavras têm gêneros diferentes, porque são palavras diferentes, e não porque são opostas entre si no gênero, fato que, como já dito,só pode ocorrer quando há a oposição de sexo de indivíduos (feminino e masculino).O masculino é a forma neutra, não marcada, pois vemos o feminino como uma variação do sema sexual masculino.
A "afixação", "equivocadamente" chamada de derivação, forma novos vocábulos; e a flexão altera um sema flexionável do vocábulo sem criar uma outra palavra.
Devo explicitar que esse Artigo Acadêmico não é um trabalho lingüístico, nem filológico, nem semiológico, nem crítico, e muito menos tem intenções normativas. O presente artigo é um trabalho de língua portuguesa, pois não há nas observações preferências por argumentos advindos de ramificações de estudos que analisam a língua, e sim, a tendência a observar o uso em um registro mais comum, partindo das análises existentes. O trabalho tentou mostrar que algumas soluções, observações e análises aceitas e consagradas podem e devem, sempre que possível, ser questionadas e que as tentativas de colaboração do artigo apesar de precoces não devem sofrer preconceitos, pois foram obtidas através de observações e conclusões expostas no artigo e que não estão isentas de críticas, questionamentos, e indagações.
Para ratificar o meu trabalho de conclusão de curso, não posso deixar de esclarecer a motivação acadêmica que me fez necessitar tanto de expor nesse trabalho as minhas idéias de forma tão individualizada e indo de encontro a tantas observações feitas por autores tão ilustres, nomeados e respeitados como o professor Joaquim Matoso Câmara Júnior.
Bem, na verdade, não é o professor o dono do conhecimento fechado e definido, não é o professor o distante ser que traz o conhecimento até os alunos e, principalmente, o professor não tem a função de mostrar ao aluno o que sabe para o educando apenas saber, pois isso seria, no máximo, um processo de clonagem. É professor aquele que ensina e que, principalmente, de alguma maneira transmite a vontade de aprender. E é essa a relação que eu tenho com os ensinamentos de Matoso, a gratidão em ter querido entender mais do que ele ensinou, mais do que ele escreveu, em suma, mais do que eu aprenderia se nunca o tivesse lido e admirado. E por isso ter podido entender a função abstrata e desfigurada, até então, do professor pra mim, a de mestre que em muito se diferencia da função de pastor.