PROCESSO DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL NOS ANOS 2000: mito ou realidade?

Por Gustavo Costa | 13/06/2017 | Economia

INTRODUÇÃO

 

O fraco desempenho econômico após a abertura da economia brasileira nos anos 90 chamou a atenção para os possíveis efeitos que a combinação de juros elevados, câmbio sobrevalorizado e redução das tarifas de importações poderiam ter para o desenvolvimento econômico do país. Para alguns economistas, esses três fatores são responsáveis pela capacidade limitada de crescimento e também pela perda relativa do setor industrial. Para outros, no entanto, a indústria brasileira não apenas se reestruturou, em resposta à competição internacional, mas também se modernizou e se fortaleceu, excluindo do mercado apenas as empresas ineficientes, que operavam no país graças à proteção comercial (CAVALIERI; TORRES, 2015).

A manutenção desses três fatores nos anos 2000, em um cenário de avanço da demanda e dos preços internacionais de commodities trouxe novo ensejo às discussões relacionadas à perda de competitividade da indústria nacional, resultando em um amplo debate sobre desindustrialização. Tal debate é travado por economistas das mais diferentes vertentes teóricas, os quais lançam mão de diversos indicadores econômicos para tentar caracterizar as alterações sofridas pela indústria brasileira (CAVALIERI; TORRES, 2015).

Nesse sentido, existem duas posições claramente definidas. Por um lado, temos os assim chamados "novo-desenvolvimentistas" que defendem a tese de que a economia brasileira vem passando por um processo de desindustrialização nos últimos 20 anos, causado pela combinação entre abertura financeira, valorização dos termos de troca e câmbio apreciado. Por outro lado, temos os assim chamados "economistas ortodoxos" que afirmam que as transformações pelas quais a economia brasileira passou nas últimas décadas não geraram um efeito negativo sobre a indústria. Pelo contrário, a valorização do câmbio real resultante dessas reformas favoreceu a indústria, permitindo a importação de máquinas e equipamentos mais eficientes, o que possibilitou a modernização do parque industrial brasileiro e, consequentemente, a expansão da própria produção industrial (FEIJÓ; OREIRO, 2010).

 

IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE INDUSTRIALIZAÇÃO

 

Apesar de divergirem em vários aspectos, as principais correntes do pensamento econômico reconhecem a importância da indústria para o crescimento econômico. Para autores neoclássicos, que defedem o crescimento de longo prazo como resultado da acumulação de fatores de produção e do progresso tecnológico. A indústria apresenta papel de articulador e difusor de novas tecnologias. Já para os autores heterodoxos, a indústria é considerada o segmento líder do crescimento de longo prazo de economias capitalistas (FERNANDEZ, 2015).

Pode-se definir o desenvolvimento econômico como o aumento contínuo e sustentado do produto e do capital por trabalhador, gerando o aumento do bem-estar  material. Esse processo por sua vez é impulsionado pelo progresso técnico e deve ser acompanhado necessariamente de mudanças na estrutura produtiva e de demanda da economia (FURTADO apud FERNANDES, 2015). Sendo a invovação tecnológica o determinante desse movimento, visto que, é o progresso técnico que possibilita o crescimento de longo prazo . Assim sendo, como fruto desse progresso, observa-se um aumento do produto por trabalhador e uma homogeneização de suas estruturas produtivas (SUZIGAN; FURTADO apud FERNANDEZ, 2015).

Dado isto, o crescimento econômico pode ser alcaçado de duas formas, a primeira através do aumento da produtividade de todos os setores em conjunto e a segunda ocorre pela transferência de trabalhadores de setores menos produtivos para setores mais produtivos. Nesse sentido, a atividade industrial aparece como uma atividade fundamental por 3 motivos. Primeiro, porque a indústria possibilita os encadeamentos produtivos forward e backward, por necessitar de insumos para a sua produção e também por se posicionar como intermediária para outros setores e na própria indústria, criando um efeito dinamizador da econômia. Segundo, relaciona-se com o processo de inovação e difusão de tecnologia, isso ocorre porque a produtividade da indústria é uma função crescente da própria podução industrial, esse aumento de produtividade leva a ganhos de renda real. Terceiro, economias primario-exportadoras, tendem a crescer menos que a média mundial, dado que a elasticidade-renda de suas exportações tende a ser menor que a elasticidade-renda de suas importações (FERNANDEZ, 2015).

 

DESINDUSTRIALIZAÇÃO

 

A desindustrialização, na definição clássica de Rowthorn e Wells, citados por Cavalieri e Torres (2015), é o processo permanete de redução da participação da indústria no emprego total de uma economia. Desta definição, ressalta-se o fato de que a desindustrialização é, portanto, uma medida relativa. Na definição de Tregenna (2009), citado por Cavalieri e Torres (2015) a desindustrialização é a redução da participação da indústria tanto no emprego quanto no produto interno bruto.

A primeira questão relevante a respeito do conceito ampliado de desindustrialização, é que o mesmo seja compatível com um crescimento (expressivo) da produção da indústria em termos físicos. Ou seja, não é pela queda ou estagnação da produção industrial que uma economia se desindustrializa e sim quando a produção industrial perde importância como fonte geradora de empregos e/ou de valor adicionado para uma determinada economia. Dessa forma, a simples expansão da produção industrial, em termos de quantidade, não pode ser considerada como prova da inexistência de desindustrialização (FEIJÓ; OREIRO, 2010).

Considerando-se, ainda, o conceito ampliado, outra observação deve ser feita: o aumento da produção industrial é compatível com a redução na participação da indústria no valor adicionado total da economia. Isso pode ocorrer, por exemplo, se houver mudança nos preços relativos dos produtos industriais em relação aos produtos de outros setores. E, da mesma forma que o emprego, o valor adicionado pela indústria pode crescer a uma taxa menor quando comparado com outros setores da economia, reduzindo, assim, sua participação relativa (CAVALIERI; TORRES, 2015).

Uma terceira observação é que a desindustrialização não está necessariamente associada a uma re-primarização da pauta de exportação. A participação da indústria no emprego e no valor adicionado pode se reduzir em função da transferência para o exterior das atividades manufatureiras mais intensivas em trabalho e/ou com menor valor adicionado. Se isso ocorrer, a desindustrialização pode acontecer paralelamente a um aumento da participação de produtos com maior conteúdo tecnológico e maior valor adicionado entres as  exportações. Nesse caso, a desindustrialização é classificada como positiva. No entanto, se a desindustrialização vier acompanhada de uma re-primarização da pauta de exportações, ou seja, por um processo de reversão da pauta exportadora na direção de commodities, produtos primários ou manufaturas com baixo valor adicionado e/ou baixo conteúdo tecnológico; então isso pode ser sintoma da ocorrência de “doença holandesa”, que ocorre quando há disponibilidade abundante de recursos naturais em um país e isso pode proporcionar vantagens comparativas, de forma que sua extração e exportação gera superavit comerciais crescentes, levando à apreciação cambial. Nesse caso, a desindustrialização é classificada como negativa, pois é o resultado de uma falha de mercado na qual a existência e/ou a descoberta de recursos naturais escassos, para os quais o preço de mercado é superior ao custo marginal social de produção, gera uma apreciação da taxa de câmbio real, produzindo assim uma externalidade negativa sobre o setor produtor de bens manufaturados (BRESSER;PEREIRA apud FEIJÓ; OREIRO, 2010).

CAUSAS DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO

 

Segundo Rowthorn e Ramaswany, citados por Feijó e Oreiro (2010), a desindustrialização pode ser causada por fatores internos e externos a uma determinada economia. Os principais fatores internos seriam a mudança na relação entre a elasticidade renda da demanda por produtos manufaturados e serviços e o crescimento relativamente mais rápido da produtividade na indústria que no setor de serviços. Assim, seria uma consequência natural do processo de desenvolvimento econômico de todas as economias, uma desindustrialização a partir de um certo nível de renda per capita. Isso porque a elasticidade renda da demanda de serviços tende a crescer com o desenvolvimento econômico, tornando-se maior do que a elasticidade renda da demanda por manufaturados. Dessa forma, a continuidade do desenvolvimento econômico levaria a um aumento da participação dos serviços no PIB e, a partir de um certo nível de renda per capita, a uma queda da participação da indústria no PIB. Além disso, o crescimento da produtividade do trabalho ocorre de forma mais rápida na indústria que no setor de serviços, o que resultaria na redução da participação do emprego industrial antes que ocorresse a redução da participação da indústria no valor adicionado.

Já os fatores externos estão relacionados ao grau de integração comercial e produtiva das economias. Nesse contexto, os diferentes países podem se especializar na produção de manufaturados ou na produção de serviços. Além disso, alguns países podem se especializar na produção de manufaturados intensivos em trabalho qualificado, ao passo que outros podem se especializar na produção de manufaturados intensivos em trabalho não qualificado. Esse padrão de desenvolvimento gera uma redução do emprego industrial (em termos relativos) no primeiro grupo e um aumento do emprego industrial no segundo grupo (FEIJÓ; OREIRO, 2010).

 

DESINDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL

Novo-desenvolvimentistas

 

Para os chamados novo-desenvolvimentistas, varios estudos apontam para um processo de desindustrialização no Brasil. Segundo dados apresentados por Marquetti, citado por Feijó e Oreiro (2010), para a indústria de transformação  a economia brasileira teria passado por um processo de desindustrialização nas décadas de 1980 e 1990 tanto em termos da participação do emprego como da participação no valor adicionado. A desindustrialização ocorrida nesse período teria sido consequência do baixo nível de  investimento realizado na economia brasileira, particularmente na indústria. Seguindo nessa linha, o processo de desindustrialização ocorrido nesse período seria essencialmente negativo sobre os prospectos de crescimento da economia brasileira, dado  que estaria associado à transferência de recursos e de trabalho da indústria para setores com menor produtividade do trabalho, gerando assim um menor crescimento do produto potencial no longo prazo.

Para  Almeida, citado por Feijó e Oreiro (2010) a participação da indústria no PIB apresentou queda de 1985 até 1998, foi parcialmente revertida de 1999, com a mudança do regime cambial brasileiro, até pelo menos 2005.  Levando em conta esse e outros trabalhos da literatura brasileira, os autores afirmam que sobre o período de 1986 a 1998 praticamente não restam dúvidas a respeito do processo de desindustrialização no Brasil. Porém, a respeito do período 2004-2008, ortodoxos e novo-desenvolvimentistas divergem quanto à desindustrialização no Brasil.

Feijó e Oreiro (2010), citam a mudança de metodologia do IBGE no cálculo do PIB, no primeiro trimestre de 2007, como a causa geradora de se avaliar a continuidade ou não do processo de desindustrialização no período porsterior à mudança do regime cambial brasileiro. Nesse sentido, os autores propõem analisar a perda de importância relativa da indústria no PIB através de evidências indiretas que contornem a dificuldade de se comparar diretamente a evolução da participação percentual do valor adicionado a preços correntes dos setores no total da economia.

Analisando as taxas de crescimento da indústria e do PIB, bem como a taxa real efetiva de câmbio, no período 1996-2008, Feijó e Oreiro (2010) apontam que em apenas três anos a taxa de crescimento da indústria superou a da economia, em 2000, 2003 e 2004. Nos demais anos, o PIB cresceu à frente do valor adicionado da indústria de transformação, revelando assim continuidade da perda de dinamismo da indústria no período posterior a 1995. Verifica-se também que a forte apreciação da taxa real efetiva de câmbio no período 2004-2008 foi acompanhada pela perda de dinamismo da indústria de transformação com respeito ao resto da economia brasileira. De fato, entre 2005 e 2008 a taxa de crescimento do valor adicionado da indústria de transformação ficou sistematicamente abaixo da taxa de crescimento do PIB.

Em uma outra analíse comparativa, de Feijó e Oreiro (2010), que relaciona valor adicionado da indústria de transformação com o PIB a preços de 1995, isolando o efeito da variação dos preços na evolução da participação da indústria no total, permite uma melhor qualificação de perda de importância da indústria no Brasil. Os autores destacam que sem o efeito da variação dos preços, a queda na indústria de transformação foi ainda maior. Sendo a maior participação registrada a preços constantes em 1996 com 18,3% e mesmo o maior dinamismo relativo da indústria no biênio 2003-2004 não foi capaz de recuperar o peso da indústria na segunda metade dos anos 90. O que reforçaria a indicação do efeito negativo da apreciação do câmbio sobre o setor manufatureiro.

 

AS MUDANÇAS NA ESTRUTURA INTERNA DA INDÚSTRIA  E NO PADRÃO DE ESPECIALIZAÇÃO DA ECONOMIA BRASILEIRA

 

Por outro lado, numa visão mais otimista, ou ortodoxa,  como aponta Cavalieri e Torres (2015), os resultados obtidos por Nassif (2008), Puga (2007) e Barros e Pereira (2008) que levam em conta os valores absolutos da produção e exportação industriais, mostram geralmente que, embora a indústria brasileira tenha passado por mudanças estruturais desde o final da década de 80, essas não teriam sido negativas, dado que a produção e a exportação manufatureiras brasileiras têm se expandido em termos absolutos, inclusive em alguns segmentos intensivos em tecnologia.

Para Nassif (2008) é fundamental, antes de se falar em desindustrialização, avaliar o comportamento da produtividade no Brasil, por diferentes metodologias e fontes de dados. A produtividade do trabalho pode ser calculada de duas formas: pela razão entre produção física e pessoal ocupado; e pela razão valor adicionado e pessoal ocupado. No entanto, o autor ressalta, que  na primeira metodologia, o valor da produção física é uma medida provisória para o cálculo do PIB, cujo valor definitivo só é divulgado após apurados os valores adicionados em cada setor pelas Contas Nacionais.

A forma mais adequada de estimação da produtividade do trabalho é a razão entre o valor agregado e o pessoal ocupado. Porém, o uso da primeira metodologia é muito disseminado nos meios acadêmicos e empresariais (BRUNO apud NASSIF, 2008). Utilizando a primeira metologia para analíse do comportamento da produtividade do trabalho

na indústria brasileira, distinguem-se dois grandes períodos: em um primeiro período, forte retração a partir da segunda metade da década de 1980; e posteriormente, uma expressiva recuperação a partir do início da década de 1990. Em linhas gerais,  na segunda metade da década de 1980, a retração da produtividade é explicada por um aumento do emprego mais que proporcional ao incremento da produção física; e a partir da década seguinte os elevados ganhos de produtividade da indústria são explicados principalmente pelos índices crescentes de expansão da produção física, os quais foram acompanhados, no entanto, ora por um ritmo mais lento de aumento, ora por forte retração do emprego industrial ( NASSIF, 2008).

É importante, também, verificar os resultados de estimação da evolução da produtividade do trabalho com  na razão entre o valor agregado industrial e o pessoal ocupado, conceito amplamente aceito  pela teoria econômica, e que seria o mais apropriado para a estimação do referido indicador. Neste caso os resultados obtidos mostraram, diferentemente dos obtidos na primeira metodologia, que houve tendência de retração dos índices de produtividade do trabalho a partir da segunda metade da década de 1990, sobretudo no período posterior a 1999, quando o indicador passou a apresentar taxas negativas de variação. No período 1996-2004, a variação média anual da produtividade do trabalho da indústria de transformação brasileira foi da ordem de –2,6%. Um sinal de reversão dessa tendência só ocorre em 2004, quando a produtividade do trabalho registrou acréscimo de 1% (NASSIF, 2008).

Para  Palma, citado por Nassif (2008), o Brasil teria sido contagiado pela “nova doença holandesa”, devido a combinação de medidas liberais  e políticas macroeconômicas que deixaram a moeda brasileira fortemente apreciada em relação ao dólar em termos reais, modificando o padrão de especialização internacional, com maior concentração na pauta de exportações de produtos primários.

No entanto, para que a hipótese de desindustrialização manifestada pela  “nova doença holandesa” seja válida para o caso brasileiro, uma parte expressiva dos segmentos que constituem as indústrias com tecnologia intensiva em escala, diferenciada e baseada em ciência deverá mostrar, simultaneamente, perda de participação no valor adicionado e nas exportações totais da indústria (NASSIF, 2008).

Nesse sentido, Nassif (2008) afirma que o diagnóstico de Palma (2005), de que teria havido desindustrialização merece cautela em virtude das seguintes evidências: o segmento de refino de petróleo explica, isoladamente, a quase totalidade do aumento da participação do grupo no valor adicionado industrial total; ou seja, o avanço deste segmento na estrutura industrial brasileira, longe de apontar para um processo de desindustrialização, apenas reflete o progresso tecnológico de um ramo produtivo no Brasil que, embora aproveite a abundante disponibilidade de matéria-prima básica como sua principal âncora de competitividade, mobiliza elevado montante de capital por unidade de produto gerado; a participação do grupo com tecnologias intensivas em trabalho no total do valor adicionado industrial diminuiu em igual período, o que contraria os novos focos de desindustrialização por doença holandesa, pelos quais seria de se esperar uma maior alocação de recursos para os fatores abundantes no país; e os setores industriais com tecnologias intensivas em escala e baseadas em ciência mantiveram em 2004 praticamente a mesma participação no valor adicionado total que detinham em 1996.

Nassif (2008), reconhece que as alterações observadas nas participações das exportações de cada setor no total das vendas externas de produtos industrializados confirmam uma leve mudança do padrão de especialização internacional. De fato, enquanto o conjunto dos setores com tecnologias baseadas em recursos naturais e intensivas em trabalho representavam 50% do total exportado em 1989, essa participação avançou para 53,3% em 2005. Em contrapartida, a participação conjunta dos três últimos grupos por categorias tecnológicas reduziu-se de 49,9% para 46,7% no mesmo período.

No entanto, Nassif (2008) afirma ser prematuro identificar tais mudanças como sintomas de desindustrialização no Brasil, dado que  no período 1989-2005 houve aumento dos setores com tecnologias diferenciadas e baseadas em ciência e  no grupo de setores com tecnologias baseadas em recursos naturais, constatou-se o avanço da participação das vendas externas do segmento de extração de petróleo e gás, resultando em um efeito estatístico no crescimento das exportações de um produto que, até 1999, praticamente não era exportado.

Posto isso, Nassif (2008), em relação ao padrão de especialização internacional, aponta que as alterações nas participações das vendas externas de produtos primários e manufaturados em relação ao total das exportações foram pouco expressivas. As vendas externas de manufaturados representavam 85% do total das exportações brasileiras em 2005, contra 88% em 1989.

Além disso, a análise das mudanças ocorridas na estrutura interna das exportações de bens manufaturados nos período 1989-2005 permite descartar a hipótese de que o Brasil teria retrocedido a um padrão de especialização “ricardiano rico em recursos”, já que: a participação conjunta das vendas externas de produtos primários, manufaturados intensivos em recursos naturais e manufaturados de baixa tecnologia teve um decréscimo de 72% para 67%; o aumento da participação das exportações de manufaturados intensivos em recursos naturais foi pouco significativo para remeter a uma desindustrialização gerada por uma nova doença holandesa; com a perda expressiva do peso relativo das exportações de manufaturados de baixa tecnologia, a participação conjunta deste grupo e do de manufaturados intensivos em recursos naturais recuou de 61% para 53% no mesmo período;  tanto o grupo de manufaturados de média como o de alta tecnologia conseguiu ampliar, ainda que não expressivamente, suas respectivas participações no total exportado; e com isso, a soma das participações das vendas externas destes dois grupos no total das exportações brasileiras teve um acréscimo de 5 pontos percentuais,de 27% para 32%, no mesmo período (NASSIF, 2008).

Segundo Nassif (2008), as evidências não confirmam um retorno a um padrão generalizado de especialização exportadora baseada em produtos primários e/ou intensivos em recursos naturais, dentre essas evidências duas são preocupantes.

A primeira diz respeito à queda expressiva do peso relativo dos produtos industrializados intensivos em trabalho no total do valor adicionado e das exportações brasileiras. Essa não seria tão preocupante caso houvesse a compensação de forma significativa, pelo avanço dos setores com tecnologias intensivas em escala, diferenciadas ou baseadas em ciências, que possuem grande potencial para gerar externalidades tecnológicas para o restante da economia (NASSIF, 2008).

A segunda está relacionada à tendência de sobrevalorização real da moeda brasileira em relação ao dólar. Como sugere a literatura teórica e empírica sobre regimes cambiais, os prováveis benefícios de curto prazo decorrentes da apreciação das moedas nacionais por períodos prolongados de tempo, como a possibilidade de barateamento de importações de máquinas e equipamentos e redução das pressões inflacionárias não compensam os enormes custos micro e macroeconômicos no longo prazo, principalmente a desestruturação do setor exportador de manufaturados e a vulnerabilidade a ataques especulativos e a crises do balanço de pagamentos (NASSIF, 2008).

 

CONCLUSÃO

 

Existem duas vertentes bem definidas a respeito das transformações ocorridas na economia brasileira, causada pela abertura financeira, valorização dos termos de troca e apreciação do câmbio. A primeira, dos chamados novo-desenvolvimentistas, defende a tese de que a economia brasileira está em processo de desindustrialização desde o início da década de 1990. E a segunda, dos chamados economistas ortodoxos, afirma que essas transformações trouxeram benefícios à economia brasileira, permitindo a aquisição, por parte da indústria brasileira, de máquinas e equipamentos mais avançados tecnologicamente, o que possbilitou a modernização da cadeia produtiva industrial.

Outro ponto de divergência entre esses dois grupos, ocorre na definição de desindustrialização. Enquanto o primeiro grupo foca, apenas no conceito clássico de desindustrialização, como a redução do emprego e do produto gerado na indútria em relação à totalidade. O segundo grupo, aprofunda a discussão, buscando demonstrar que o país passa por uma reestruturação do setor industrial e que a redução da industria  na participação do valor agregado é infíma, e não pode ser considerada um processo de desindustrialização. Assim, cada grupo parte de um conceito diferente de desindustrialização, levando a análises distintas sobre a existência desse processo no Brasil.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

CAVALIERI, Henrique; TORRES, Ricardo Lobato. Uma crítica aos indicadores usuais de desindustrialização no Brasil.Scielo, São Paulo, 2015. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572015v35n04a10>. Acesso em 23 nov. 2015. 

FEIJÓ, Carmem A.; OREIRO, José Luis. Desindustrialização: conceituação, causas, efeitos e o caso brasileiro. Scielo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572010000200003>. Acesso em: 24 nov. 2015. 

FERNANDEZ, Marwil Jhonatan Dávila. Desindustrialização e o investimento em infraestrutura como instrumento conciliador de uma política industrial base no Brasil.Scielo, São Paulo, 2015. Disponível em:

<http://dx.doi.org/10.1590/0101-31572015v35n03a11>. Acesso em 20 nov. 2015. 

NASSIF, André. Há evidências de desindustrialização no Brasil?.Scielo, São Paulo, 2008. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572008000100004>. Acesso em: 24 nov. 2015.