Processo de Bolonha e Cidadania

Por Rogério Duarte Fernandes dos Passos | 14/07/2012 | Educação

Processo de Bolonha e Cidadania

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

Versão final do trabalho apresentado no VII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento (2011), da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Linha de pesquisa: Ensino Superior (DEPRAC / DEPE)

Palavras-chaves: Processo de Bolonha. Ensino Superior. Cidadania europeia.

Keywords: Bologna Process. Higher education. European citizenship.

Resumo: Objetiva-se com o presente texto investigar em quê medida o Processo de Bolonha – verdadeira reforma ora em curso no ensino superior na Europa – pode colimar com a estruturação de uma cidadania europeia, nos moldes do que foi preconizado no Tratado de Maastricht, de 1992. Para tanto, revisitar-se-á os documentos oficiais do dito Processo, procedendo-se a análise dos últimos acontecimentos acerca do tema.

Abstract: The objective is to investigate with this text to what extent the Bologna Process –real reform now underway in higher education in Europemay collimated with the structuring of a European citizenship, along the lines of what was envisaged in the Maastricht Treaty of 1992. To this end, it will revisit the official documents of that process, proceeding to the analysis of the latest developments on the subject.

1. Introdução.

O Processo de Bolonha representa verdadeira dimensão de reforma do ensino superior na Europa.

Referencial importante para a introdução do tema é a Magna Charta Universitatum, subscrita por reitores de diversas universidades europeias em 18 de setembro de 1988 por ocasião do 900º aniversário da Universidade de Bolonha – a mais antiga da Europa –, onde se estabelece no nº 1 do documento que o próprio futuro da humanidade, no final do milênio, dependerá do conhecimento técnico, cultural e científico, representados nestas instituições.

Materializando um processo que já se encontrava em curso antes mesmo da Magna Charta Universitatum, é igualmente importante marco a reunião que se deu no ano de 1998 para celebrar os 800 anos da Sorbonne, e que contou com a presença de ministros da educação da Alemanha, França, Grã-Bretanha e Itália. Do encontro, dá-se a Declaração Conjunta sobre a Harmonização da Arquitetura do Sistema de Educação Superior Europeu, buscando mobilidade entre universidades para os estudantes e pugnando por maior empregabilidade no interior de um sistema que se alicerçava em reconhecimento de créditos e no estabelecimento de dois ciclos: graduação e pós-graduação.

Dentre os demais encontros e eventos que o marcaram e estruturaram, destacamos ainda a Declaração de Bolonha de 19 de junho de 1999, objetivando estabelecer um sistema de graus reconhecível e comparável – e para a transparência do mecanismo com um correspectivo suplemento ao diploma –, estabelecendo também o sistema de créditos, o European Credit Transfer and Accumulation System, ECTS) – já existente no European Region Action Scheme for the Mobility of University Students (Esquema de Ação Regional Europeia para a Mobilidade de Estudantes Universitários – Programa ERASMUS –), criado em 1987, reiterando a mobilidade – e a necessidade de remoção de barreiras à circulação – para docentes, estudantes, investigadores e pessoal administrativo, além da cooperação no tange à garantia da qualidade e incrementando uma “dimensão europeia” no ensino superior, com cursos e conteúdos que a promovam.

A própria Declaração de Bolonha elucida e sintetiza os objetivos perseguidos para concretização em um prazo de dez anos, portanto, realizáveis até 2010, quando se teria, então, a edificação de em Espaço Europeu de Ensino Superior (EEES):

Adoção de um sistema de graus de acessível leitura e comparação, também pela implementação do Suplemento ao Diploma, para promover entre os cidadãos europeus a empregabilidade e a competitividade internacional do sistema europeu do Ensino Superior;

Adoção de um sistema essencialmente baseado em dois ciclos principais, o graduado e o pós-graduado. O acesso ao segundo ciclo vai requerer o termo com êxito dos estudos do primeiro ciclo, com a duração mínima de três anos. O grau conferido, após o primeiro ciclo, será também relevante para o mercado europeu do trabalho como nível apropriado de qualificação. O segundo ciclo deverá conduzir aos graus de mestre e/ ou doutor como acontece em muitos países europeus;

Estabelecimento de um sistema de créditos – como, por exemplo, no sistema ECTS – como um correto meio para promover a mobilidade mais alargada dos estudantes. Os créditos podem também ser adquiridos em contextos de ensino não superior, incluindo a aprendizagem ao longo da vida, desde que sejam reconhecidos pelas respectivas Universidades de acolhimento;

Promoção da mobilidade, ultrapassando obstáculos ao efetivo exercício da livre mobilidade, com particular atenção: aos estudantes, no acesso às oportunidades de estudo e formação, bem como a serviços correlativos; aos professores, investigadores e pessoal administrativo, no reconhecimento e na valorização dos períodos passados num contexto europeu de investigação, de ensino e de formação, sem prejuízo dos seus direitos estatutários;

Promoção da cooperação europeia na avaliação da qualidade, com vista a desenvolver critérios e metodologias comparáveis;

Promoção das necessárias dimensões europeias do Ensino Superior, especialmente no que respeita ao desenvolvimento curricular, à cooperação interinstitucional, aos esquemas da mobilidade e aos programas integrados de estudo, de formação e de investigação. Comprometemo-nos, por este meio, a alcançar estes objetivos – no quadro das nossas competências institucionais, guardando um completo respeito pela diversidade de culturas, línguas, sistemas nacionais de educação e da autonomia universitária – para consolidar o espaço europeu do Ensino Superior. Com esse fim, prosseguiremos o rumo da cooperação intergovernamental, em conjunto com o das organizações europeias não governamentais com competência no Ensino Superior. Espera-se que as universidades, mais uma vez, respondam pronta e positivamente e que contribuam ativamente para o êxito das nossas diligências. Na convicção de que o estabelecimento do espaço europeu do Ensino Superior requer constante apoio, vigilância e adaptação às necessidades contínuas que se vão desenvolvendo, decidimos voltar a reunir dentro de dois anos para avaliar a progressão conseguida bem como os novos passos a dar.

Então, neste desenvolvimento, no que se convencionou denominar de “Processo de Bolonha”, têm-se verdadeira reforma do sistema educacional superior europeu, em mecanismos soft law, não-obrigatórios em sua ampla maioria, sem a adoção, portanto, dos elementos tradicionais do hard law do direito aplicável à espécie, notadamente o direito da integração, o direito comunitário e o direito internacional público.

Reitere-se – a exemplo do trecho citado supra – que a Declaração de Bolonha, em seu parágrafo final, já dispunha acerca da necessidade da realização de um periódico encontro bienal para avaliação e discussão e planejamento do processo, de maneira que tivemos reuniões de ministros da educação europeus em Praga, no ano de 2001, em Berlim, no ano de 2003, em Bergen, no ano de 2005, em Londres, no ano de 2007, em Lovaina, no ano de 2009, e em Budapeste e Viena, no ano de 2010.

Ao longo dessas reuniões, diversos atores das relações internacionais foram aderindo ao Processo de Bolonha, de maneira que aos 29 signatários iniciais da Declaração de Bolonha, somaram-se mais 17 até a reunião de Lovaina, totalizando, atualmente (a partir de 2010, com a entrada de mais 1), 47 deles, a saber: Albânia, Andorra, Alemanha, Armênia, Áustria, Azerbaijão, Bélgica (comunidades flamenga e francófona), Bósnia-Herzegovina, Bulgária, Chipre, Croácia, Dinamarca, Eslovênia, Espanha, Estônia, Finlândia, França, Geórgia, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, a ex-república iugoslava Macedônia, Malta, Moldávia, Montenegro, Noruega, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Eslovaca, República Tcheca, Romênia, Rússia, Sérvia, Suécia, Suíça, Turquia, Ucrânia, Vaticano, e, finalmente em 2010, aderindo o Cazaquistão, em uma arquitetura que não conta apenas com Estados-Membros da União Européia (UE).

Desta feita, a próxima reunião, em 2012, está agendada para Bucareste, na Romênia.

Destaque-se que da reunião de Berlim, de 2003, o sistema de dois ciclos de estudo e formação é ampliado, estabelecendo-se um terceiro de doutoramento, buscando o aumento da mobilidade até mesmo em pós-doutoramento, e na reunião de Bergen, em 2005, buscou-se afirmar mais estreitos vínculos entre o Espaço Europeu de Ensino Superior e o Espaço Europeu de Investigação e ao próprio doutoramento.

Em resumo, como foi afirmado em outro trabalho (Passos & Pereira, 2011):

Estruturalmente, representando uma verdadeira reforma global no ensino superior da União Europeia, pelas diretrizes do Processo de Bolonha se estabelece uma estrutura e itinerário de formação em que, através da mobilidade dentre as diferentes universidades europeias participantes do programa, há um primeiro ciclo responsável pela formação básica – chamado de licenciatura –, capaz de permitir ao egresso acesso ao mercado de trabalho, com a opção de se cursar uma especialização no segundo ciclo – o mestrado –, em áreas idênticas ou diferentes de sua licenciatura, com diplomas reconhecidos no interior dos atuais países participantes, além da continuidade do segundo ciclo de pós-graduação em um terceiro ciclo formativo ou período de estudos equivalente a um doutorado.

No Comunicado de Lovaina, de 2009, assentou-se que o Processo de Bolonha – após os dez anos que constituiriam o Espaço Europeu de Ensino Superior –, continuará a ser construído, mirando-se o ano de 2020, onde foram estabelecidas prioridades relacionadas ao oferecimento de oportunidades iguais para a educação com qualidade, para o aumento da participação ao longo da vida, à promoção da empregabilidade, ao desenvolvimento de resultados de aprendizagem centrados no estudante, na articulação entre educação, investigação e inovação, na abertura das instituições de ensino superior aos fóruns internacionais, no aumento das oportunidades para a mobilidade e respectiva qualidade, na melhora da coleta de dados, ao desenvolvimento de mecanismos de transparência multidimensionais e à identificação de soluções para complementar o financiamento público.

No entanto, a trajetória desse processo esteve longe de ser tranquila. Vários protestos de estudantes e docentes aconteceram ao longo dos anos, notadamente os dos estudantes gregos em dezembro de 2008 (Passos & Pereira, 2011), constituindo-se

em importante indício que as ditas promessas do projeto de prosperidade e paz europeia estão instáveis, trazendo questionamentos que se encaixam às promessas do Processo de Bolonha na tentativa de construção da alardeada e proclamada sociedade tolerante e democrática, com repercussões significativas no arcabouço social e, conseguintemente,  ao arcabouço educacional (Passos & Pereira, 2011).

No que tange ao discurso oficial, o ideal de edificação da educação superior europeia – tendo como pilares a mobilidade, a transparência e a aprendizagem centrada no estudante e ao longo da vida, e, também, no reconhecimento de uma economia do conhecimento e construção da alteridade, além da necessidade de um suplemento ao diploma que o faça legível em toda a Europa – não visa apenas realizar algo já estabelecido pelo mercado comum, mas consolidar um projeto europeu na área de educação, muito embora, haja a leitura de concebê-lo ora como oportunidade para a reforma do sistema europeu de ensino superior (Azevedo, 2002), ora como instrumento de mera realização do modelo neoliberal supranacional de educação (Antunes, 2009), consubstanciado na mundialização do capital, mercadorização da educação, precarização do trabalho docente e de supressão de instâncias democráticas nacionais de discussão acerca de políticas e rumos educacionais.

2. Base teórica.

A base teórica do trabalho está alicerçada fundamentalmente nos textos que mais recentemente vem estruturando o Processo de Bolonha, notadamente, a saber: 1) Magna Charta Universitatum, de 18 de setembro de 1988; 2) Declaração da Sorbonne, de 25 de Maio de 1998; 3) Declaração de Bolonha de 19 de junho de 1999 (Declaração Conjunta dos Ministros da Educação Europeus); 4) Comunicado de Praga de 19 de maio de 2001; 5) Comunicado de Berlim de 19 de setembro de 2003; 6) Comunicado de Bergen de 19 e 20 de maio de 2005; 7) Comunicado de Londres de 18 de maio de 2007; 8) Comunicado de Lovaina de 28 e 29 de abril de 2009; 9) Declaração de Budapeste-Viena de 12 de março de 2010 sobre o Espaço Europeu do Ensino Superior; 10) Convenção Cultural Europeia, assinada em 19 de dezembro de 1954 aos auspícios do Conselho da Europa; 11) A Convenção sobre o Reconhecimento das Qualificações Relativas ao Ensino Superior na Região Europa (igualmente chamada de Convenção de Reconhecimento de Lisboa ou Convenção de Lisboa, convenção conjunta do Conselho da Europa/ UNESCO sobre reconhecimento de qualificações de ensino superior na região Europa), e; 13) O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), trazido à baila pelo Tratado de Lisboa de 2007, que emendou o Tratado de Maastricht – o Tratado da União Europeia (TUE) –, de 1992, e o Tratado de Roma – que instituiu a Comunidade Europeia (TCE) –, de 1957, renomeado então como TFUE, que em seu artigo 165º (ex artigo 181º), nº 1, estabelece que a União e os Estados-Membros coordenarão a sua ação em matéria de investigação e de desenvolvimento tecnológico, de forma a assegurar a coerência recíproca das políticas nacionais e da política da União.

O estudo desses documentos e o contexto onde os mesmos foram produzidos – especialmente nas reuniões conjuntas de ministros da educação e gestores do Processo de Bolonha –, possivelmente acompanhados de técnicas de análise de discurso e de conteúdo, poderão ser relevantemente esclarecedores. Não obstante, não raro, o trabalho pode guindar por rumos um tanto que distintos daqueles delineados no projeto de pesquisa e nas intenções iniciais da investigação, especialmente pelo contato com abordagens fenomenológico-hermenêuticas e crítico dialéticas contidas em outros textos, nos moldes das lições enunciadas por Gamboa (2008:114).

3. Campo de pesquisa.

O campo de pesquisa – incluindo-se, por óbvio as fontes escritas e os diversos documentos disponíveis a respeito do Processo de Bolonha – se materializa de forma ampla e lato sensu, no espaço não apenas da União Europeia e de seus Estados-Membros, mas do próprio Continente Europeu e seus sistemas de ensino superior, bem como dos atuais 47 atores das relações internacionais integrantes do Processo de Bolonha. Obviamente que as contribuições dos comentadores e autores da área do direito da integração/ direito comunitário europeu e, sobretudo, da educação – brasileiros e estrangeiros –, não deverão ser negligenciadas.

Dessa forma, o locus da pesquisa igualmente se materializa na dimensão de verdadeira reforma que se impõe ao ensino superior dessa região, bem como as contribuições desse nível de ensino para o estabelecimento do ideal de uma cidadania europeia, como preconizado originalmente pelo Tratado de Maastricht, que criou a cidadania da União, bem como do Tratado de Amsterdã, de 1997, que consolidando pontos do tratado anterior, dispôs que essa cidadania será atribuída a qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado-Membro da União, não substituindo a cidadania nacional e sendo complementar a ela (Passos, 2010:210).

4. Resultados esperados e/ ou obtidos.

Lembra Garben que os Estados-Membros da União Europeia comprometeram-se a uma força de trabalho móvel, aduzindo a criação do conceito de “cidadão europeu”, que pode circular e permanecer livremente em seu território, buscando especificamente promover a mobilidade estudantil e docente, como previsto no artigo 165º do TFUE (Garben, 2010:136).

No entanto, o processo não se afigura absolutamente linear, e, por diversas razões, mesmo podendo ser visto como a tentativa de estabelecer um viés educacional para o projeto da União Europeia, há igualmente fortes razões para entendê-lo como distante dela – ainda que lhe seja paralelo –, como pode ser observado na adoção dos já mencionados mecanismos soft law. Urge, portanto, investigar e confirmar – em especial tendo como referencial e ferramenta os documentos que alicerçam o sistema de educação superior europeu – se a trajetória de Bolonha, de alguma forma, auxiliará o estabelecimento ou consolidação dessa cidadania europeia, em um modelo que vá além da mera cidadania concebida como manifestação de exercício de direitos políticos e de residência (como se vê nos Tratados de Maastricht e de Amsterdã) (Passos, 2010:210), e que alcance não apenas inovações no tema, mas que se desdobre em perspectivas outras de indivíduos autônomos e sujeitos de sua própria história que possam ser construídos nos espaços das diversas universidades européias, e tendo elas enquanto locus de realização social.

5. Considerações.

A investigação dessa outra dimensão europeia da cidadania, tem como viés o campo educacional, e, em especial, o da educação superior. Lembre-se que o viés econômico da Europa da economia e dos bancos vem enfrentando uma profunda crise – que culminou com a renúncia em 09-11-2011 de Georges Papandreou, primeiro-ministro grego, e em 12-11-2011, de Silvio Berlusconi, primeiro-ministro italiano –, apresentando ainda contornos e desdobramentos pouco previsíveis. O alarme, porém, é o marco de sua continuidade, uma vez que países como a Grécia, apresentam importantes reivindicações sociais, e como já dito supra, especialmente iniciadas pelos estudantes desde dezembro de 2008 (Passos & Pereira, 2011).

Lembre-se que esse é um quadro presente igualmente ao próprio processo de integração europeu, que sofreu reveses com a não aprovação da Constituição Europeia de 2004 pelos eleitores holandeses e franceses em 2005, além do próprio TFUE, herdeiro do projeto de Constituição Europeia e trazido à tona pelo Tratado de Lisboa de 2007 – que emendou o Tratado de Maastricht de 1992 –, que rejeitado pelos irlandeses em junho de 2008, somente foi aprovado em nova votação em 03 de outubro de 2009 (Passos & Pereira, 2011).

A própria Declaração de Sorbonne já advertia que a Europa que nós construímos não é apenas a Europa do euro, dos bancos e da economia, deverá também ser uma Europa do saber, no que se acrescenta que

embora o ideal do crescimento econômico seja importante condicionante na produção do conhecimento, não se pode perder de vista que essa não é a única dimensão da avaliação do progresso humano, no que se faz necessário o cotejo dos contextos em conflito e da contradição/ mediação, capazes de contemplar os movimentos históricos e sociais, as totalidades e unidades do contrário, além das diferentes dimensões histórico-filosóficas e materiais/ concretas em jogo, considerando as teses e antíteses, sendo a consolidação do debate democrático o locus da aceitação / negação do velho pelo novo ou, ainda, rejeição do próprio novo. Assim supõe-se que deve ser na construção e compreensão da União Europeia: não apenas na política externa ou macroeconômica comum, mas na edificação de um espaço de conhecimento que responda ao projeto político e social europeu (Passos & Pereira, 2011).

A diversidade europeia é a sua grande riqueza no campo da educação superior, muito embora estejam subjacentes a essa integração e reforma do ensino superior europeu as questões acerca de modelos de desenvolvimento – influenciados por propostas neoliberais e de redução do Estado –, bem como questões atinentes às soberanias nacionais, à economia, à política e as relacionadas às próprias universidades e à sua autonomia, fortemente marcadas pelas novas tecnologias e um paradigma – no caso europeu – de um modelo emergente baseado na certificação e na centralidade da aprendizagem tendo como foco o aluno, que, em última análise, coloca em discussão o papel das próprias universidades no contexto do atual concerto continental.

O ideal de integração europeia foi algo bastante presente no decorrer do Século XX, ainda que nele tenhamos um longo histórico de tragédias, crises e conflitos armados na região. Resgate-se que já em 1929, Aristide Briand (1862-1932), primeiro-ministro francês então agraciado com o Prêmio Nobel da Paz de 1926, em discurso proferido na data de 05 de setembro de 1929 ante a Assembleia da extinta Sociedade das Nações, em Genebra (Ocaña, s/d), nos expunha:

Penso que entre os povos que se encontram geograficamente agrupados como povos da Europa deve existir uma espécie de vínculo federal; estes povos devem, em qualquer altura, ter a possibilidade de entrar em contato, de discutir os seus interesses, de adotar resoluções comuns, de estabelecer entre si laços de solidariedade que lhes permita, nos momentos considerados oportunos, enfrentar circunstâncias graves, quando elas surgirem (...) Evidentemente, a associação incidirá sobre todos os domínios econômicos. É essa a questão mais importante... (Ocaña, s/d).

As circunstâncias graves que mencionava em 1929 parecem estar presentes no atual momento europeu, como evidencia a presente crise econômica e financeira do continente. Qual é, então, a vertente que se tem no interior do Processo de Bolonha? Uma vertente de união para superação de crise? Ou um reflexo dela? E ainda: o Processo de Bolonha poderá ser um elemento de aprofundamento da integração ou da crise ora em curso?

Por certo, o estudo do Processo de Bolonha oportunamente poderá contribuir para a uma reflexão do contexto universitário brasileiro e latino-americano, especialmente em suas propostas de atuação conjunta em ensino, extensão e investigação.

6. Fecho.

Em guisa de fechamento, destacamos a oportunidade de reflexão, compartilhamento e troca de experiências proporcionadas pelos debates e conferências do VII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento, promovido pela Associação de Pós-Graduandos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e que contou com o apoio da própria Faculdade de Educação da UNICAMP. A chamada dos trabalhos do evento, quase que como uma “provocação”, menciona excerto do professor Maurício Tragtenberg (1929-1998), onde no trabalho “A delinquência acadêmica”, de 1978, diz ele que

A política de ‘panelas’ acadêmicas de corredor universitário e a publicação a qualquer preço de um texto qualquer se constituem no metro para medir o sucesso universitário. Nesse universo não cabe uma simples pergunta: o conhecimento a quem e para que serve?

Ademais, na Carta do VII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento, em seu primeiro parágrafo enunciou-se que

Os pós-graduandos da Faculdade de Educação da UNICAMP, reunidos no VII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento, realizado entre os dias 08 e 10 de novembro de 2011, reafirmam seu posicionamento contrário às políticas e práticas institucionais que fomentam e reproduzem o produtivismo acadêmico. Produtivismo este que se traduz na lógica de produzir por produzir, de fazer prevalecer critérios de avaliação quantitativos em detrimento de princípios qualitativos, de favorecer posturas concorrenciais e fragmentadoras dentre os docentes e discentes, de perda da relevância social e política dos conhecimentos produzidos no âmbito dos grupos de pesquisa e no programa de pós-graduação como um todo.

Diante disso, somos instigados não apenas a refletir sobre as nossas pesquisas, mas também invitados a refletir sobre a “pesquisa da pesquisa” e sobre os padrões quantitativos e qualitativos de nossos trabalhos, agregando-lhes a reflexão acerca do conteúdo geral e dos rumos do conhecimento produzido por pesquisadores, professores, discentes e pós-graduandos.

7. Referências.

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ASSOCIAÇÃO de Pós-Graduandos da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (2011). Carta do VII Seminário de Teses e Dissertações em Andamento. VII Seminário de teses e dissertações em andamento. Campinas, 10 de novembro.    

AZEVEDO, Sebastião Feyo (2002). Notas para a Reflexão sobre o Tema BolonhaOportunidade Imperdível para a Reforma do Ensino Superior. In: Universidade do Porto, XIV Congresso, 27-29 de junho de 2002. Porto/ Coimbra, passível de acesso na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico <http://paginas.fe.up.pt/~sfeyo/Textos_Welcome/SFA_OP_20020628_BP_OE_Congresso.pdf>. Acesso em 21-10-2011.

GAMBOA, Silvio Sánchez (2008). Pesquisa em educação: métodos e epistemologias. Chapecó: Argos, 193 p.

GARBEN, Sacha (2011). EU Higher Education Law: The Bologna Process and Harmonization by Stealth. Alphen aan den Rijn: Kluwer Law International BV, 274 p.

OCAÑA, Juan Carlos (s/d). A União Europeia: o Processo de Integracão e a Cidadania Europeia. Os antecedentes 1918-1939. In: Historia Siglo 20. Trad. de Ana Lucas, Manuela Lamy e Joaquim Raminhos. Disponível na rede mundial de computadores (Internet) no endereço eletrônico: <http://www.historiasiglo20.org/europortug/ante1.htm>. Aceso em 13-11-2011.

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