PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES SÃO PÚBLICOS OU SIGILOSOS? (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 01/03/2018 | Direito

Há, ainda,  que se enfrentar a questão relativa ao sigilo dos procedimentos administrativos disciplinares, isto é, a sindicância, o processo disciplinar e o ato punitivo serão sigilosos? Preliminarmente, à luz  da lei processual penal  os inquéritos policiais são sigilosos porque são, por excelência, procedimentos  inquisitoriais, conseguintemente, desprovidos do ‘due process law’.

Numa aplicação extensiva, sendo a sindicância deflagrada com vistas a apurar faltas disciplinares, uma vez não oportunizada a ampla defesa e o contraditório, não há dúvida que se transforma em procedimento rigorosamente sigiloso. Dois professores da PUC/SP, ouvidos pela Folha de São Paulo sobre o sigilo das punições disciplinares a magistrados discordaram da interpretação dada pelo Poder Judiciário daquele Estado que veda a publicação de procedimentos administrativos disciplinares envolvendo juízes de direito, de acordo com os ditames previstos na Lei Orgânica da Magistratura. Nesse sentido, “... Para ambos, é absolutamente  inconstitucional a não-divulgação plena do resultado dos procedimentos administrativos. A lei é de 1979 e foi sancionada pelo ex-presidente Ernesto Geisel. De acordo com os professores Celso Bastos (direito constitucional) e Carlos Ari Sundfeld (administrativo), a lei deve ser interpretada de acordo com a Constituição de 88, que prevê a publicidade de todos os processos. Sundfeld admite o sigilo dos procedimentos administrativos para evitar injustiças. Mas ressalta que, quando concluído, ele se torna público. ‘A punição tem de ser feita publicamente’, afirma. Na opinião de Dyrceu Cintra, presidente da Associação de Juízes para a Democracia e juiz do 2° Tribunal de Alçada Civil, existe interesse público em que as penalidades sejam divulgadas. A publicidade também é defendida pelo vice-presidente da Apamagis (Associação Paulista dos Magistrados), Artur Marques da Silva Filho. ‘A Apamagis, a Ordem dos Advogados do Brasil e o Ministério Público estão elaborando proposta para acabar com todas as sessões secretas’. O presidente do Tribunal de Justiça daquele Estado Bandeirante,  comentando as manifestações desses dois juristas,  concedeu entrevista à Folha que registrou o seguinte comentário: ‘...O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Dirceu de Mello, afirmou em entrevista à Folha que há restrições no acesso do público a processos criminais contra juízes. Segundo ele, os interessados devem fazer um requerimento à presidência apontando as razões. Nesse caso, não se trata de procedimentos administrativos, de caráter disciplinar. São processos contra juízes acusados de praticar crimes, como homicídio ou roubo. Os professores da PUC-SP Celso Bastos e Carlos Ari Sundfeld consideram a necessidade de requerimento ilegal e inconstitucional. Segundo os professores, a Constituição estabelece a publicidade de todos os processos judiciais. Os únicos casos em que a Constituição permite limitação do princípio são para a proteção da intimidade e da segurança nacional. Mello sustenta que a publicidade do processo é dada pelas audiências de julgamento do Órgão Especial do Tribunal, que são públicas. Quanto à consulta do processo fora das audiências, ele é claro: ‘Você tem o direito de ver o processo se vier credenciada como advogada de uma das partes’. Ou seja, o acesso é vedado ao público. ‘Estamos passando por uma fase de difícil aceitação pela magistratura, que se concedeu um estatuto privilegiado’, observa Bastos. Segundo Sundfeld, a consulta a processos criminais contra juízes pode ser feita por qualquer pessoa no balcão do cartório onde está o caso – como ocorre nas acusações contra cidadãos comuns’. E conclui o artigo, registrando que ‘... Mas o próprio corregedor de Justiça, Sérgio Nigro Conceição, responsável pelas questões  disciplinares, afirmou que os procedimentos  administrativos contra os juízes são sigilosos. O ‘Diário de Justiça do Estado’ é outra fonte que comprova que os julgamentos sigilosos continuam a ser praticados pelo TJ. Atos da própria presidência informam a pauta das ‘sessões administrativas reservadas’, ou seja secretas. Conceição diz que o sigilo é estabelecido pela Lei Orgânica da Magistratura, de 1979. ‘A lei estabelece que o processo é sigiloso. Se existe erro, está na lei’, diz o corregedor’ (Folha de São Paulo, Segunda-feira, 3 de maio de 1999, pág. 1-9).

Como conclusão, à exceção da sindicância disciplinar inquisitorial e que não resulta em qualquer sanção disciplinar, por mais que aflua o sentimento corporativista, entendemos piamente que o respeito à sociedade se impõe e isso passa, obrigatoriamente,  pela transparência e visibilidade institucional. Posto isso, via de regra, os atos processuais e punitivos disciplinares relativos aos policiais civis ou a qualquer outro servidor público devem ser públicos, podendo essa publicidade se verificar por meio de boletim interno ou no Diário Oficial do Estado. Entretanto, em qualquer caso, assegurado o acesso público às informações.

O art. 40, da Lei Federal n. 9.784, de 29.01.99 e que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, aplicada subsidiariamente (art. 24, incisos XI e XVI, CF/88), dispõe que: “Quando dados, atuações ou documentos solicitados ao interessado forem necessários à apreciação de pedido formulado, o não atendimento no prazo fixado pela Administração para a respectiva apresentação implicará arquivamento do processo”.

Também, o art. 69, dessa mesma legislação federal estabelece: “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”.

Celso Ribeiro Bastos sobre assunto e comentando o art. 5o, LV, CF/88, assim se manifesta: “De outra forma, nada obstante o fato de o procedimento administrativo disciplinar não ser guiado nos seus atos da mesma forma que o é o processo penal, algumas fases, contudo são inafastáveis. Por exemplo, a ciência inicial da imputação ao acusado, a sua audiência  e a produção de provas e contraprovas, dentre outras  (...)” (Comentários à Constituição do Brasil, Saraiva, 2o vol. , 1989, pág. 268).