PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES - CERCEAMENTO DE DEFESA - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO "DUE PROCESS OF LAW" - JURISPRUDÊNCIA (Felipe Genovez)
Por Felipe Genovez | 26/02/2018 | DireitoConstitui-se princípio assente em nossa Carta Fundamental Política que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, inciso LV, CF).
Portanto o devido processo legal exige a observância do contraditório e a ampla defesa, o que importa inferir na necessidade obrigatória do direito à prestação jurisdicional ou a julgamentos administrativos disciplinares, como resultado da observância de um complexo de normas constitucionais, processuais, penais, estatutárias ou baseadas em leis extravagantes adequadas, de maneira que se oportunize a defesa judicial ou administrativa disciplinar de direitos e interesses dos acusados.
No plano federal, em se tratando de procedimentos administrativos disciplinares, a Lei 8.112/90 dispõe em seu art. 156 dispõe que: “É assegurado ao servidor o direito de acompanhar o processo pessoalmente ou por intermédio de procurador, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de prova pericial”.
Para concluir:
“(...) Então como corolário inteiramente procedente, verificamos que, da existência do direito de punir, decorre ao concretização da pena, que, porém, não pode ser arbitrária, não pode ser exagerada e não pode, também estar de desacordo com a infração devidamente tipificada e concluidamente provada (...). Em decorrência deste princípio, não pode, em absoluto, haver outra pena qualquer que não esteja rigorosamente prevista em lei. O princípio que rege a cominação da pena na esfera administrativa é, notadamente, o da exata previsão legal” (Egberto Maia Luz, in Direito Administrativo Disciplinar – Teoria e Prática – 3a ed., SP, RT, 1994, págs. 157/163).
SÚMULAS DO STF:
“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” (Súmula Vinculante 14)
“A falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição.” (Súmula Vinculante 5)
JURISPRUDÊNCIA:
Ampla defesa e o Contraditório:
“(...) 1. A Constituição Federal garante aos ‘litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral’ o direito à ampla defesa e ao contraditório (art. 5°, LV). Conceito de ‘acusado’ é amplo, compreendendo todo aquele sujeito a sanção que resulte em restrição a um direito seu por ato dependente de ser provado. 2. A inscrição do nome do fornecedor de produto ou de serviço no cadastro do Procon ou de qualquer outro órgão público de defesa do consumidor (CDC, art. 44) somente será lícita se precedida de processo administrativo, assegurados a ampla defesa e o contraditório (Decreto n. 2.181/97)” (Apel. Civil em MS n. 97.006599-0, Capital, DJ 9.987, de 09.06.98, p. 28).
“Para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais (essentialia delicti) que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. Em matéria de responsabilidade penal, não se registra, no modelo constitucional brasileiro, qualquer possibilidade de o Judiciário, por simples presunção ou com fundamento em meras suspeitas, reconhecer a culpa do réu. Os princípios democráticos que informam o sistema jurídico nacional repelem qualquer ato estatal que transgrida o dogma de que não haverá culpa penal por presunção nem responsabilidade criminal por mera suspeita.” (HC 84.580, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 25-8-09, 2ª Turma, DJE de 18-9-09)
Jurisprudência - Paraná - Comissão de sindicância – requisito de ordem legal:
“Funcionário público. Punição administrativa. Omissão de constituição de comissão de sindicância para apuração do fato a ser punido é cerceamento de defesa. Segurança concedida, em parte, para anular o ato punitivo, cancelar as anotações respectivas na ficha funcional do impetrante e determinar a retificação da portaria que lhe aplicou a pena e sua publicação no diário oficial do Estado. – Para a imposição de pena a funcionário público, impõe-se a constituição de Comissão de Sindicância (art. 306, da Lei Estadual n. 6.174/70) a garantir-lhe o direito de defesa, previsto tanto na Lei Estadual, como no ordenamento constitucional (art. 5o, LV, da CF)” (TJ/PR – MS n. 0018096-1 – Comarca de Curitiba, DJPR, 24.04.92, págs. 9/10).
Fatos novos no curso do processo:
“Não há ilegalidade na ampliação da acusação a servidor público, se durante o processo administrativo forem apurados fatos novos que constituam infração disciplinar. O princípio do contraditório e da ampla defesa deve ser rigorosamente observado. É permitido ao agente administrativo, para complementar suas razões, encampar os termos de parecer exarado por autoridade de menor hierarquia. A autoridade julgadora não está vinculada às conclusões da comissão processante. Precedentes: [MS n. 23.201, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 19.08.2005 e MS n. 21.280, Relator o Ministro Octavio Gallotti, DJ de 20.03.92]. Não houve, no presente caso, ofensa ao art. 28 da lei n. 9.784/98, eis que os ora recorrentes tiveram pleno conhecimento da publicação oficial do ato que determinou suas demissões em tempo hábil para utilizar os recursos administrativos cabíveis. Não há preceito legal que imponha a intimação pessoal dos acusados, ou permita a impugnação do relatório da comissão processante, devendo os autos serem imediatamente remetidos à autoridade competente para julgamento [arts. 165 e 166 da Lei n. 8.112/90]. Precedente: [MS n. 23.268, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 07.06.2002].” (RMS 24.526, Rel. Min Eros Grau, julgamento em 3-6-08, 1ª Turma, DJE de 15-8-08)
Portaria - falta de capitulação ao fato:
"Funcionário Público. Mandado de Segurança. Demissão resultante de inquérito administrativo. Alegação improcedente de cerceamento de defesa, de falta de capitulação específica da acusação. Ordem denegada. O amplo direito de defesa de que fala a CF (art. 153, §15) e o ESP/SC (art. 250), fica assegurado com a comunicação circunstanciada ao indiciado da instalação dos trabalhos da comissão, com data e local do início da inquirição das testemunhas, interrogatório, além da citação específica para apresentar defesa no prazo legal. A remessa ao indiciado de xerox completo de todas as peças do inquérito para facilitar e propiciar a defesa supre falta de elaboração de resumo sucinto, mencionado no art. 254 do aludido Estatuto (...)" (JC 35, p. 82, Rel. Des. Ernani Ribeiro). (Obs.: o referido acórdão é anterior a Carta Política/88, conseguintemente, a meu ver, não pode prosperar, merecendo ser dissentido, eis que atualmente viola princípios da ampla defesa e do contraditório.
Portaria nula – demissão de servidor:
“(...) Constatando-se que a portaria instauradora do procedimento administrativo que ensejou a demissão do servidor, deixa de especificar os atos e fatos a apurar e de indicar os dispositivos legais tidos por desrespeitados pelo impetrante, com inobservância de expressa disposição da lei orgânica do município, tem-se como caracterizado a nulidade, pois a circunstância apontada implicou em cerceamento de defesa” (Apel. Civil em MS 96.009199-8, Chapecó, Rel. Des. Nelson Schaefer Martins, DJ 9.811, de 16.9.97, p. 8)
“(...) não se há de considerar nula a portaria deflagradora de processo disciplinar, se a defesa do acusado ocorrer de forma ampla, tanto mais se o apelante não aponta objetivamente, como forma de caracterizar o alegado cerceamento, qualquer forma de prejuízo” (Apel. Civil 888.070407-6, da Capital, Rel. Des. Eládio Torret Rocha, DJ 9.828, de 9.10.97, p. 10).
Excesso de prazo:
“Constitucional. Administrativo. Servidor público. Demissão. Cerceamento de defesa. Lei 8.112/90. Sindicância: não instauração. Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo: inocorrência de nulidade. I – Processo administrativo disciplinar conduzido por comissão regularmente constituída (Lei 8.112/90, artigo 149). Portaria publicada no boletim interno: regularidade (Lei 8.112/90, art. 151, I). II – Sindicância e procedimento administrativo disciplinar: distinção, certo que aquela é, de regra, medida preparatória deste (Lei 8.112/90), artigos 143, 145 154). Desnecessidade da instauração da sindicância, se já está confirmada a ocorrência de irregularidade no serviço público e o seu autor (Lei 8.112/90, artigos 143/144). III – Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo (Lei 8.112/90, art. 169, par. 1º). IV – Inocorrência do alegado cerceamento de defesa, dado que aos acusados, ao contrário do alegado, foi assegurada ampla defesa. V – Mandado de segurança indeferido” (MS 22.055/RS, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, DJU de 18.10.96).
Publicidade – boletim interno da instituição – desnecessidade de sindicância – excesso de prazo:
“Constitucional. Administrativo. Servidor público. Demissão (...) I – Processo administrativo disciplinar conduzido por comissão regularmente constituída (Lei 8.112/90, artigo 149). Portaria publicada no boletim interno: regularidade (Lei 8.112/90, art. 151, I). II – Sindicância e procedimento administrativo disciplinar: distinção, certo que aquela é, de regra, medida preparatória deste (Lei 8.112/90), artigos 143, 145 154). Desnecessidade da instauração da sindicância, se já está confirmada a ocorrência de irregularidade no serviço público e o seu autor (Lei 8.112/90, artigos 143/144). III – Procedimento administrativo disciplinar julgado com excesso de prazo (Lei 8.112/90, art. 169, par. 1º). IV – Inocorrência do alegado cerceamento de defesa, dado que aos acusados, ao contrário do alegado, foi assegurada ampla defesa. V – Mandado de segurança indeferido” (MS 22.055/RS, Tribunal Pleno, Min. Carlos Velloso, DJU de 18.10.96).
Portaria instauradora – autoridade com poder delegado:
“Administrativo. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Prescrição. Nulidades. Inocorrência. Instauração. Cerceamento de defesa. Demissão. Proporcionalidade. IV – Inocorrência de nulidade quanto à portaria de instauração do processo disciplinar, seja porque fora proferida por autoridade no exercício de poder delegado, seja porque fez referências genéricas aos fatos imputados ao servidor, deixando de expô-los, minuciosamente – exigência esta a ser observada apenas na fase de indiciamento, após a instauração - Segurança denegada” (MS 7.081/DF, Rel. Min. Felix Ficher, in DJ 04.06.2001).
Negativa de acesso aos autos – procedimento investigativo:
“Não está caracterizado cerceamento de defesa decorrente da negativa de acesso aos autos suplementares, porque a própria redação da Súmula Vinculante nº 14/STF, prevê que o advogado poderá ter acesso aos autos do procedimento investigatório sigiloso somente após a documentação das diligências realizadas. Ademais, a defesa teve acesso ao procedimento suplementar tão-logo foram encerradas as diligências e encaminhados os documentos ao Magistrado respectivo.” (HC 96.511, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 28-4-09, 1ª Turma, DJE de 29-5-09).
“Acesso dos acusados a procedimento investigativo sigiloso. Possibilidade sob pena de ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa. Prerrogativa profissional dos advogados. Art. 7, XIV, da lei 8.906/94 (…). O acesso aos autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores, configura direito dos investigados. A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que lhe assegura a assistência técnica do advogado. Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de ‘examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos’. Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal.” (HC 94.387, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 18-11-08, 1ª Turma, DJE de 6-2-09).
Falta de inquirição de testemunhas de defesa:
“Mandado de segurança. Servidor público. Demissão. Processo disciplinar. Falta de inquirição de testemunha de defesa. Cerceamento de defesa caracterizado. Desídia não configurada. A testemunha-chave, devidamente apresentada pelo impetrante, deixou de ser ouvida, entendendo a administração que se trataria de medida protelatória do impetrante, sem maiores argumentações, o que caracteriza, plenamente, o cerceamento de defesa (...)” (MS 6900/DF, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 04.06.01).
Delimitação dos fatos a serem apurados:
“(...) 1. Não há que falar em cerceamento de defesa se a resolução inaugural do processo administrativo disciplinar aponta os fatos a serem apurados, delimitando a atuação da defesa, restando satisfeito o contraditório, eis que não demonstrado o prejuízo sofrido, porquanto aquele ato fez expressa menção ao número do protocolo relativo ao auto de prisão em flagrante lavrado contra o recorrente. 2. Recurso ordinário improvido” (STJ, Sexta Turma, Rec. Ordinário em MS n. 7.375, PR, data da dec.: 06.0600).
Cojur – reinterpretação das provas – demissão:
“Quanto ao mérito, cabe frisar que a alegação de cerceamento da defesa está baseada no fato de que a autoridade julgadora o puniu com demissão, acatando o parecer da consultoria jurídica, que reinterpretou as provas dos autos; a comissão processante havia - também fundamentadamente - recomendado a punição com advertência ou suspensão. No entanto, não procede a pretensão de que a alteração da capitulação legal obrigue a abertura de nova defesa, já que o indiciado se defende dos fatos, e não dos enquadramentos legais. Precedente: MS 14.045/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJe 29.4.2010.” (STJ, MS 15810/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 29/02/2012, DJe 30/03/2012).