PROCEDIMENTO DE INCORPORAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Por Thais Rodrigues da Silva | 06/04/2016 | DireitoPROCEDIMENTO DE INCORPORAÇÃO DE NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO
Thais Rodrigues da Silva
O Direito Internacional Público disciplina normas da sociedade internacional, dos Estados autônomos e independentes, bem como das organizações internacionais. Desse modo, regulamenta as relações firmadas entre tais, com o objetivo de harmonizar a coexistência de vários estados, não sendo obrigatório a internalização destas no ordenamento jurídico pátrio. De acordo com Valerio Oliveira, nesse caso “o Direito vai deixando de somente regular questões internas para também disciplinar atividades que transcendem os limites físicos dos Estados, criando um conjunto de normas capazes de realizar esse mister”(2012,p.48)
No Brasil, por exemplo, a recepção dos tratados e convenções está sujeitos à apreciação do Congresso Nacional, embora seja competência do Presidente da República a celebração destes. Como dispõe os artigos 84 e 49 da Constituição Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;
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Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;
Valerio de Olievira Manzuolli expõe que apenas alguns procedimentos poderiam ser feitos sem apreciação do Poder Legislativo, em discussões acerca de Cdonstituições anteriores, tais como: acordos relacionados ao executivo, atos de funcionários competentes, os que representam apenas interpretação de outras normas já vigentes ou os que decorrem destes, bases de negociação, a prorrogação, e, as declarações de extradição (2012).
Ademais, o Supremo Tribunal Federal entende que, para que as normas internacionais sejam internalizadas no ordenamento jurídico brasileiro, deve-se considerar duas teorias: monista e dualista. A doutrina dualista apregoa que “as normas de Direito Internacional só tem eficácia no âmbito internacional, ao passo que as normas de Direito interno só tem eficácia na ordem jurídica interna” e, para que sejam incorporadas é necessário processo legislativo. (MANZUOLLI, 2012, p. 80). A monista, por sua vez, defende a existência de uma só ordem jurídica, e os tratados possuem eficácia imediata,podendo ser exigidos como compromisso jurídico no ordenamento interno. (MANZUOLLI, 2012)
Nesse sentido, o STF esclarece que o Brasil adota a teoria dualista, a qual exige apreciação do poder legislativo para incorporação de normas internacionais. Conforme anota jurisprudência a seguir:
E M E N T A: - AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - CONVENÇÃO Nº 158/OIT - PROTEÇÃO DO TRABALHADOR CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA - ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DOS ATOS QUE INCORPORARAM ESSA CONVENÇÃO INTERNACIONAL AO DIREITO POSITIVO INTERNO DO BRASIL (DECRETO LEGISLATIVO Nº 68/92 E DECRETO Nº 1.855/96) - POSSIBILIDADE DE CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS EM FACE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ALEGADA TRANSGRESSÃO AO ART. 7º, I, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E AO ART. 10, I DO ADCT/88 - REGULAMENTAÇÃO NORMATIVA DA PROTEÇÃO CONTRA A DESPEDIDA ARBITRÁRIA OU SEM JUSTA CAUSA, POSTA SOB RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR - CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DE TRATADO OU CONVENÇÃO INTERNACIONAL ATUAR COMO SUCEDÂNEO DA LEI COMPLEMENTAR EXIGIDA PELA CONSTITUIÇÃO (CF, ART. 7º, I) - CONSAGRAÇÃO CONSTITUCIONAL DA GARANTIA DE INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA COMO EXPRESSÃO DA REAÇÃO ESTATAL À DEMISSÃO ARBITRÁRIA DO TRABALHADOR (CF, ART. 7º, I, C/C O ART. 10, I DO ADCT/88) - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, CUJA APLICABILIDADE DEPENDE DA AÇÃO NORMATIVA DO LEGISLADOR INTERNO DE CADA PAÍS - POSSIBILIDADE DE ADEQUAÇÃO DAS DIRETRIZES CONSTANTES DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT ÀS EXIGÊNCIAS FORMAIS E MATERIAIS DO ESTATUTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR DEFERIDO, EM PARTE, MEDIANTE INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. PROCEDIMENTO CONSTITUCIONAL DE INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS OU CONVENÇÕES INTERNACIONAIS. - É na Constituição da República - e não na controvérsia doutrinária que antagoniza monistas e dualistas - que se deve buscar a solução normativa para a questão da incorporação dos atos internacionais ao sistema de direito positivo interno brasileiro. O exame da vigente Constituição Federal permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe - enquanto Chefe de Estado que é - da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. SUBORDINAÇÃO NORMATIVA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. - No sistema jurídico brasileiro, os tratados ou convenções internacionais estão hierarquicamente subordinados à autoridade normativa da Constituição da República. Em conseqüência, nenhum valor jurídico terão os tratados internacionais, que, incorporados ao sistema de direito positivo interno, transgredirem, formal ou materialmente, o texto da Carta Política. O exercício do treaty-making power, pelo Estado brasileiro - não obstante o polêmico art. 46 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (ainda em curso de tramitação perante o Congresso Nacional) -, está sujeito à necessária observância das limitações jurídicas impostas pelo texto constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE TRATADOS INTERNACIONAIS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO. - O Poder Judiciário - fundado na supremacia da Constituição da República - dispõe de competência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exame de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incorporados ao sistema de direito positivo interno. Doutrina e Jurisprudência. PARIDADE NORMATIVA ENTRE ATOS INTERNACIONAIS E NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS DE DIREITO INTERNO. - Os tratados ou convenções internacionais, uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias, havendo, em conseqüência, entre estas e os atos de direito internacional público, mera relação de paridade normativa. Precedentes. No sistema jurídico brasileiro, os atos internacionais não dispõem de primazia hierárquica sobre as normas de direito interno. A eventual precedência dos tratados ou convenções internacionais sobre as regras infraconstitucionais de direito interno somente se justificará quando a situação de antinomia com o ordenamento doméstico impuser, para a solução do conflito, a aplicação alternativa do critério cronológico ("lex posterior derogat priori") ou, quando cabível, do critério da especialidade. Precedentes. TRATADO INTERNACIONAL E RESERVA CONSTITUCIONAL DE LEI COMPLEMENTAR. - O primado da Constituição, no sistema jurídico brasileiro, é oponível ao princípio pacta sunt servanda, inexistindo, por isso mesmo, no direito positivo nacional, o problema da concorrência entre tratados internacionais e a Lei Fundamental da República, cuja suprema autoridade normativa deverá sempre prevalecer sobre os atos de direito internacional público. Os tratados internacionais celebrados pelo Brasil - ou aos quais o Brasil venha a aderir - não podem, em conseqüência, versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. É que, em tal situação, a própria Carta Política subordina o tratamento legislativo de determinado tema ao exclusivo domínio normativo da lei complementar, que não pode ser substituída por qualquer outra espécie normativa infraconstitucional, inclusive pelos atos internacionais já incorporados ao direito positivo interno. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA CONVENÇÃO Nº 158/OIT, DESDE QUE OBSERVADA A INTERPRETAÇÃO CONFORME FIXADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. - A Convenção nº 158/OIT, além de depender de necessária e ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico, configurando, sob tal aspecto, mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno, não consagrou, como única conseqüência derivada da ruptura abusiva ou arbitrária do contrato de trabalho, o dever de os Estados-Partes, como o Brasil, instituírem, em sua legislação nacional, apenas a garantia da reintegração no emprego. Pelo contrário, a Convenção nº 158/OIT expressamente permite a cada Estado-Parte (Artigo 10), que, em função de seu próprio ordenamento positivo interno, opte pela solução normativa que se revelar mais consentânea e compatível com a legislação e a prática nacionais, adotando, em conseqüência, sempre com estrita observância do estatuto fundamental de cada País (a Constituição brasileira, no caso), a fórmula da reintegração no emprego e/ou da indenização compensatória. Análise de cada um dos Artigos impugnados da Convenção nº 158/OIT (Artigos 4º a 10).
(ADI 1480 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213)
Assim, para que ocorra a internalização das normas internacionais ao ordenamento jurídico pátrio é necessário que se tenha procedimento, já afirmara STF em jurisprudência acima citada:
procedimental de incorporação dos tratados internacionais - superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado - conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno.
Vale ressaltar que os casos de dispensa de apreciação do Congresso Nacional não configuram pauta de discussões na nova Constituição, em particular o caso dos funcionários públicos, que agiam em defesa de interesse local ou importância restrita. Desse modo, todos os tratados e convenções serão submetidos ao poder legislativo para incorporação no ordenamento jurídico brasileiro.
É mister expor,outrossim,exemplos de incorporação:
- Decreto Legislativo nº 803/2010, cuja Ementa aprova o Acordo de Admissão de Títulos, Certificados e Diplomas para o Exercício da Docência no Ensino do Espanhol e do Português como Línguas Estrangeiras nos Estados Partes, celebrado em Assunção, em 20 de junho de 2005, retificado pela Fé de Erratas de 28 de junho de 2007. (BRASIL).
- Decreto Legislativo nº 979/2009, cuja Ementa aprova Aprova o texto do Acordo-Quadro sobre Complementação Energética Regional entre os Estados Partes do Mercosul e Estados Associados, protocolizado ao amparo do Tratado de Montevidéu de 1980 como Acordo de Alcance Parcial de Promoção do Comércio nº 19 (AAP.PC nº19), celebrado durante a Cúpula do MERCOSUL em Montevidéu, no dia 9 de dezembro de 2005, entre a República Federativa do Brasil, a República Argentina, a República do Paraguai, a República Oriental do Uruguai, a República da Colômbia, a República do Chile, a República do Equador e a República Bolivariana da Venezuela. (BRASIL).
REFERÊNCIAS
BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil. Presidência da República Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em mar 2016.
_______.Acordos internacionais ratificados pelo Brasil — Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em:<http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-mistas/cpcms/normativas/decretos-legislativos-relativos-ao-mercosul>. Acesso em mar 2016.
MANZUOLLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 6 ed.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
STF, ADI 1480 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001 PP-00429 EMENT VOL-02031-02 PP-00213.