Prisões Cautelares e o Direito ao Voto dos Presos Provisórios

Por Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho | 23/10/2008 | Direito

Prisões cautelares e o direito ao voto dos presos provisórios 

Nourmirio Bittencourt Tesseroli Filho (Advogado e Professor de Direito Constitucional Positivo e de Direitos Fundamentais da Pontifícia Universidade Católica do Paraná)

Introdução

O inciso LXI, do art. 5º, da Constituição Federal de 1988, estabelece que "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

Extrai-se, pois, que a privação de liberdade tem respaldo constitucional nas hipóteses de flagrante delito e em havendo ordem judicial escrita e devidamente fundamentada. Embora não por meio de um decreto jurisdicional, as prisões militares disciplinares e em razão de delitos propriamente militares também têm previsão constitucional, cabendo ao Judiciário aferir a legalidade do aprisionamento sempre que provocado, reprovando e refutando as medidas arbitrárias e ilegais, contrárias ao Direito pátrio.

Não há dúvida, portanto, que o texto constitucional concentrou nas mãos das autoridades judiciárias a competência para decretar distintas prisões - exceto quando se trate de prisão em flagrante ou em virtude de transgressões disciplinares militares.

Conforme prescreve nosso Código de Processo Penal, em seu art. 301, "qualquer do povo poderá e as autoridades e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito".

Por conseguinte, a obrigatoriedade da referida medida constritiva diz respeito apenas aos servidores públicos: autoridades policiais e seus agentes; os demais indivíduos, pessoas do povo, têm por faculdade o exercício da prisão em flagrante, obviamente, vislumbradas as hipóteses previstas no art. 302 do Código de Processo Penal.

No que tange às prisões militares, estritamente disciplinares, a decretação é efetuada na seara administrativa (processo administrativo disciplinar), pela autoridade militar competente - hierarquicamente superior ao agente infrator. Isso não significa que o aprisionamento está imune ao controle jurisdicional, ou seja, o militar preso sob a acusação de ter cometido uma transgressão disciplinar poderá, caso tenha havido excesso de poder ou arbitrariedade, impetrar "habeas corpus", cujo pedido é de liberdade.

Não obstante a ordem constitucional (art. 142, § 2º) vede a impetração de "habeas corpus" em relação a punições disciplinares militares, é mister reconhecer que os militares também são legítimos titulares de direitos fundamentais, os quais não podem ser preteridos sob o argumento de que os servidores castrenses são submetidos a regras próprias de conduta e aos princípios da hierarquia e da disciplina.

Frise-se, com relação ao 'mérito' das punições disciplinares militares não há dúvida – não há respaldo constitucional quanto ao ajuizamento do "habeas corpus". Mas é preciso entender que a Carta Republicana de 88 não obsta a impetração do remédio constitucional quando a sanção adotada na seara castrense foi fixada por autoridade incompetente e/ou com preterição de procedimentos contemplados no regulamento militar.

Conquanto tenhamos diversas espécies de prisões legais no Estado brasileiro, é importante memorizar que prisão, hoje em dia, é exceção, não é regra. A atuação da autoridade competente ao expedir a ordem de prisão deve estar pautada na lei ou em dispositivo ou preceito constitucional, caso contrário, padecerá de regularidade e licitude, dando ensejo à propositura de uma ação judicial (habeas corpus), visando a garantir o direito individual de locomoção, assegurado constitucionalmente a qualquer pessoa humana, nacional (nato ou naturalizado) ou estrangeira.


Prisões cautelares no ordenamento jurídico brasileiro


Como já ressaltado, prisões no Brasil somente de forma excepcional, porquanto o direito à liberdade é assegurado constitucionalmente a todos (art. 5º, "caput"), devendo ser rigorosamente observado e respeitado pelas autoridades públicas competentes.

Não há como criar, sem base legal, novas hipóteses de prisão no País. Inexistindo previsão legal ou constitucional, a privação de liberdade será abusiva e extremamente arbitrária, tornando necessário o controle jurisdicional, objetivando afastar a inventada medida constritiva.

De se notar, no entanto, que inexistindo trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o aprisionamento torna-se temerário, malgrado nosso vigente ordenamento jurídico contemple as famigeradas prisões cautelares.

Registre-se, nada contra as referidas prisões provisórias – denominadas, também, pela doutrina pátria, de prisões processuais, muito embora cabíveis mesmo antes da instauração do processo propriamente dito. Todas elas têm previsão no ordenamento jurídico e mostram-se imprescindíveis quando a liberdade da pessoa humana passa a comprometer sobremaneira o regular desenvolvimento e a eficácia da atividade processual.

Entretanto, é preciso observar que muitas das prisões denominadas "provisórias" estão sendo decretadas não a título de cautela, e sim de forma precipitada e imprudente, sem justificação, como regra e não em caráter excepcional.

Nesse contexto, é mister salientar que o princípio da presunção de inocência (art. 5º, inc. LVII, da CF/88) não conflita com as diversas espécies de prisões cautelares, entre elas, prisão em flagrante delito, temporária, preventiva e prisão por sentença penal condenatória recorrível.

O que macula o instituto das prisões cautelares é o fato da banalização das decretações pelo órgão competente. Ao invés de um juízo de periculosidade, temos visto muitos magistrados adotarem um juízo de culpabilidade – o que não condiz com a cautelaridade da medida constritiva.

"Os juízes abusam do emprego das prisões cautelares", afirmou o ministro da Suprema Corte da Argentina, Eugenio Zaffaroni.
No tocante ao tema, nossa Excelsa Corte já proclamou: "A prerrogativa jurídica da liberdade ___ que possui extração constitucional (CF, art. 5º, LXI e LXV) ___ não pode ser ofendida por atos arbitrários do Poder Público, mesmo que se trate de pessoa acusada da suposta prática de crime hediondo, eis que, até que sobrevenha sentença condenatória irrecorrível (CF, art. 5º, LVII), não se revela possível presumir a culpabilidade do réu, qualquer que seja a natureza da infração penal que lhe tenha sido imputada" (HC 80.379/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 25/05/01).

Lamentavelmente, a restrição de liberdade por meio de prisões de natureza cautelar está se tornando regra no Brasil, e muitos brasileiros estão sendo irrestritamente cerceados de seus direitos fundamentais, submetidos, não raras vezes, a julgamentos antecipados, não só pelas respectivas autoridades públicas, mas também pelos seus pares, constantemente induzidos ao erro pelos diversos meios de comunicação sensacionalistas: é um verdadeiro espetáculo público!

A propósito, vale lembrar que o princípio da presunção de inocência tem por objetivo proteger a liberdade do indivíduo, cabendo ao Estado demonstrar a sua culpabilidade.

Estabelece o art. 5º, inc. LVII, da CF/88, que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória". Sem dúvida, uma sensata normativa, todavia, nos últimos tempos, não tem sido respeitada pelo Poder Público.

Entrementes, muito embora as errôneas interpretações de algumas autoridades a respeito das famigeradas prisões cautelares, não se pode negar a imprescindibilidade destas quando a liberdade do indivíduo passa a comprometer sobremodo o regular desenvolvimento e a eficácia da atividade processual.

É preciso entender que quando a autoridade judiciária competente condena em sede de sentença penal, por exemplo, está apenas "presumindo a culpa" do indivíduo, e não o considerando culpado. Ou seja, não se está, anteriormente ao trânsito em julgado da sentença-crime condenatória, reputando culpado o acusado - que poderá recorrer da decisão judicial, visando à reforma do dispositivo sentencial.

Registre-se, a referida prisão por sentença penal condenatória recorrível é espécie do gênero prisão provisória (cautelar). E o aprisionamento decorrente de condenação recorrível não afasta a sua legitimidade - consoante orientação do Supremo Tribunal Federal.

Tal aprisionamento é legítimo uma vez que se dá tão-somente a título de cautela, sem que se esteja considerando o indivíduo verdadeiramente culpado, previamente ao trânsito em julgado da sentença.

Presunção de culpa é diferente de certeza de culpa!

Ao absolver em sede de sentença, o magistrado presume a inocência do indivíduo; ao condenar, presume a culpa do acusado - presunção esta relativa, que poderá ser derrubada caso a instância superior dê provimento ao recurso interposto em face da decisão penal condenatória.

Enfim, como já ressaltado, as famosas prisões provisórias têm fundamento somente a título de cautela, sem qualquer prévio juízo de culpabilidade, notadamente no que tange à prisão preventiva.

Em virtude da "presunção de culpa", que difere sobremaneira da "certeza de culpa", não há qualquer contradição entre as prisões cautelares e o princípio do estado de inocência, assegurado constitucionalmente e considerado uma garantia processual penal.

Presos provisórios


Presos provisórios são aqueles indivíduos submetidos às prisões provisórias, também denominadas de prisões cautelares, decretadas pelo Judiciário (exceto, em flagrante delito) tão-somente a título de precaução ou cautela, muito embora, como já dito, atualmente haja um desvirtuamento quanto ao preenchimento dos requisitos que autorizam as diversas prisões processuais.

Urge assentar que a prisão cautelar ou provisória divide-se em várias espécies no ordenamento jurídico: prisão temporária, em flagrante, preventiva, decorrente de pronúncia e oriunda de sentença penal condenatória recorrível (não definitiva).

Tais prisões têm caráter excepcional - somente quando existe absoluta ou extrema necessidade é que o magistrado poderá decretá-las.

Em havendo a ordem judicial de prisão provisória, surgem os denominados "presos provisórios", os quais têm a sua liberdade cerceada apenas a título de cautela, tanto nas hipóteses disciplinadas no pertinente ordenamento legal quanto nas hipóteses assentadas na Constituição atual.

Anote-se, a quantidade de prisões no Brasil aumentou nas últimas décadas. Porém, isso não implicou numa redução da criminalidade – o que é desastroso.

Não há dúvida que ocorre punição em demasia no Estado brasileiro, e isso é fruto da banalização das famigeradas prisões cautelares.

"Governar é prender", disse certa feita o jurista mineiro Francisco Campos, Ministro da Justiça durante o Estado Novo, autor da Carta de 1937 (Constituição "Polaca") e servidor da ditadura.

Ora, não vivemos mais numa ferrenha ditadura, num regime escandaloso, com supressão de direitos fundamentais.

O excesso de punição, muitas vezes conseqüência da precipitação das autoridades públicas, não minora a criminalidade, tampouco recupera o indivíduo; o excesso de prisões cautelares não raras vezes restringe direitos fundamentais da pessoa humana - não só o direito à liberdade, mas também os direitos políticos do nacional alistado.

Embora o ordenamento jurídico não retire dos presos provisórios o direito ao voto, visto que não têm seus direitos políticos suspensos, é cediço que na prática eles não exercem o sufrágio.

Ou seja, uma prisão provisória, oriunda de um entendimento jurisdicional afobado ou precipitado, pode causar sérios danos à pessoa humana.

Malgrado alguns cidadãos menosprezem o exercício da cidadania, melhor dizendo, o ato de votar, muitas vezes em decorrência do desajuste político no país, da conduta dos corruptos e dos corruptores, o fato é que devemos ser justos: não podemos restringir direitos de forma desarrazoada e sem permissão legal.

Somente os presos com decreto condenatório definitivo que são impossibilitados de exercitar o sufrágio, visto que têm seus direitos políticos suspensos, consoante prescreve a Carta Magna.
A Constituição de 88, denominada "Cidadã", assegura o direito de voto ao preso provisório. Tal direito foi instituído, também, por Resoluções do Tribunal Superior Eleitoral, muito embora haja condicionamento do voto à possibilidade de levar urnas aos locais de detenção.

Não obstante, o preso provisório precisa requerer, também, a transferência eleitoral.

Enfim, lamentavelmente, direitos fundamentais da pessoa humana têm sido preteridos antes mesmo do trânsito em julgado da sentença penal condenatória – o que reflete o desdém das autoridades brasileiras ao princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade.

Os custos e a segurança não podem ser usados como justificativa para a preterição do exercício dos direitos políticos pelos detentos provisórios. Tantos os custos quanto a segurança pública devem ser arcados pelo Estado, que, aliás, também é titular de direitos fundamentais.

Nesse contexto, é importante perceber que na hipótese de serem preteridos os direitos fundamentais do Estado, certamente ele não ficará de "braços cruzados" à espera de um milagre. Sem pálio de dúvida, buscará instrumentos de proteção de seus direitos, levando a referida questão às últimas conseqüências.

Ora, se é de suma importância para o Estado poder usar e gozar dos direitos fundamentais que lhes são assegurados constitucionalmente, não há justificativa para que ele, Estado, não garanta, custe o que custar, os direitos políticos dos presos provisórios, muitos deles condenados antecipadamente pelo Poder Público sem qualquer respaldo legal.

Enfim, é necessário que as autoridades públicas tenham boa vontade de fazer acontecer; é necessário o primeiro passo em todas as entidades federadas, abrangendo todas as espécies de eleições.

É preciso efetivar o direito de voto aos presos provisórios do Estado. O fato de estarem os detentos em constante trânsito dificulta, sem dúvida, a efetividade do exercício do sufrágio, no entanto, não pode ser usado como eterna justificativa.

Independentemente do que você, caro leitor, pense a respeito dos encarcerados provisórios, o fato é que amanhã ou depois, em razão de um juízo atrevido e precipitado, a sua liberdade poderá ser restringida, e isso certamente trar-lhe-á tristeza e desolação, abalando toda a sua estrutura profissional, social e familiar. De uma hora pra outra, seus direitos serão preteridos, e a sociedade o julgará como qualquer outro condenado definitivo; de uma hora pra outra, você deixará de ser um cidadão, mesmo sem o devido processo legal, e sua pena será antecipada. "Safado!!!", exclamarão os seus pares, e seu nome constará injustamente no "rol dos culpados" da madrasta e impiedosa mídia sensacionalista.

Enfim, façamos acontecer... antes que seja tarde para efetivas mudanças.