PRINCÍPIOS DO PENSAMENTO POLÍTICO-DEMOCRÁTICO DE JACQUES MARITAN

Por JONH ELVIS COSTA MARTINS | 20/09/2015 | Filosofia

PRINCÍPIOS DO PENSAMENTO POLÍTICO-DEMOCRÁTICO DE JACQUES MARITAN

 RESUMO

O presente artigo detém-se na compreensão da dimensão política, uma das bases fundamentais para a vida social, no pensamento do filósofo e humanista, da linha neotomista, Jacques Maritain, ressaltando a perspectiva democrática e tornando clara a sua eficaz proposta como regime político a partir dos conceitos explorados pelo autor.

 1- A democracia da pessoa, Autoridade e Poder

 O teor do pensamento especificamente político de Jacques Maritain é de integrar em seu discurso sobre questões políticas a ideia de dignidade humana como ponto fulcral de sua análise e de suas proposições.  E no que tange à democracia, por sua vez, isto não apresenta diferenciações. Sobre esta ele afirma:

Há uma democracia além da democracia segundo Rousseau ou a democracia segundo Proudhon; ela é, segundo nós, a verdadeira substância que a ideologia rousseauísta ou proudhoniana parasitou; é a ela, à democracia da Pessoa e da obra comum que tende o movimento ascensional da história. (MARIATAIN 1945, p. 64)

Este conceito de democracia, embora apareça nas diferentes obras de Maritain, ora como uma forma de governo misto, ora, a partir da obra Humanismo Integral, como um regime de governo propriamente dito[1], este foi sempre norteado como uma crítica, especialmente, a Rousseau. Com efeito, faz-se necessário entender, antes de tudo, conceitos específicos desta temática.

No cenário democrático considera-se, antes de tudo, o que Maritain destaca como autoridade e poder para representar aquilo que revela um regime democrático, que é a “presença efetiva de partidos e eleições diretas e livres” (KINZO, 2003, p. 23), assim como o direito universal ao voto.

O princípio de autoridade, ou seja, “o direito de dirigir e de mandar, de ser ouvido ou obedecido por outrem” (MARITAIN. 1946, p. 52), considerado direito natural, é empregado “no sentido de que, de modo geral, é mister haver os que mandam e os que obedecem” (Idem, p. 67), não como autodeterminação daquele que o quiser, mas como “a obra e a participação criada de uma suprema Lei ordenadora ‘justificada em si mesma’ porque idêntica ao Bem comum” (Idem, 71).

Este princípio está em estrita harmonia de relação com poder, o qual corresponde “à força de que se dispõe e graças à qual se pode coagir alguém a ouvir e a obedecer” (Idem, 52).  “Autoridade e poder são coisas diferentes” (MARITAIN. 1956, p. 147), mas a harmonia que a relação destes princípios possui tem caráter de interdependência e integração, pois:

Qualquer autoridade, do momento em que toca na vida social, é levada a completar-se (por um modo qualquer e que não será, necessariamente, jurídico) com um poder será o que se arriscaria a ser vã e ineficaz entre os homens. É iníquo o poder que não seja expressão de uma autoridade. Praticamente é, pois, normal que a palavra autoridade implique poder e que poder implique autoridade. (MARITAIN. 1946, p. 52)

Na dimensão concreta da democracia, tais princípios são exemplificados como o direito ao voto universal, ao evento da participação política do povo nas eleições e, sobretudo, na representação do povo pelos governantes e parlamentares do regime democrático. Antes de prosseguir, vale considerar que, em Maritain, o conceito de autoridade “procede, a princípio, de Deus, e é em Deus que tem o fundamento imediato de seu valor para a consciência e de sua eficácia moral” (Idem, p. 71).

É partindo de Deus que “deriva, também, do povo no sentido de que passa por ele para ir residir em seus legítimos detentores” (Idem, p. 72). Desse modo, Maritain estabelece uma ordem social sobrenatural na relação entre autoridade e poder inseridos na regência da democracia, mais do que simplesmente natural.

2- O corpo político e o Estado

Na obra O homem e o Estado, Maritain aplica e desenvolve de forma mais exemplificada esses conceitos, enfatizando a relação existente entre o povo e os governantes no Estado. Além disso, corpo político ou sociedade política e Estado são conceitos fundamentais para a compreensão e interpretação de seu pensamento democrático na relação citada anteriormente.

O corpo político não é nada mais do que uma exigência da natureza, a qual se realiza pela razão. “É a mais perfeita das sociedades temporais. É uma realidade humana total e concreta, tendendo a um bem humano concreto e total – o bem comum.” (MARITAIN, 1956. p. 19). Para melhor esclarecer ele continua:

É uma obra da razão nascida dos esforços obscuros da razão desvencilhada do instinto, e implicando essencialmente uma ordem racional... O corpo político tem carne e sangue, tem instintos, paixões, reflexos, estruturas psicológicas inconscientes e dinamismo, - tudo isso sujeito, se necessário sob coação legal, ao comando de uma ideia e de decisões racionais. (Idem)

Existe, entretanto, uma falsa sinonímia entre tal conceito e Estado, mas o autor esclarece que essas entidades diferem entre si “como uma parte difere do todo” (Idem). O Estado, então, é “unicamente a parte do corpo político (o todo) que se refere especialmente à manutenção da lei, ao fomento do bem comum e da ordem pública e à administração dos negócios públicos” (Idem, p. 22).

Para sintetizar, o corpo político corresponde à sociedade de pessoas em geral – o povo – e o Estado ao organismo institucional que garanta a estas a manutenção na vida ordinária. Estes são conceitos que Maritain se preocupa em esclarecer já no início do itinerário de O homem e o Estado para ajudar na posterior interpretação de suas colocações, facilitando a compreensão de seu pensamento.

Tais conceitos não são inertes ou estáticos quanto à dinamicidade que a realidade social exige que eles possuam. 

“Uma sociedade de homens livres implica certos princípios primordiais que estão no âmago de sua própria existência. Uma democracia genuína implica uma concordância fundamental entre espíritos e vontades com relação às bases da vida em comum.” (MARITAIN, 1956 p. 129).

CONCLUSÃO

O pensamento maritainiano democrático perpassa, portanto, princípios que ele identificou em democracias de diversas sociedades e que, pela sua reflexão, sabe que é possível uma efetivação, posto que estes não estão distantes do que a democracia é, ou pelo menos tenta ser nas sociedades, ao longo do tempo e também na democracia brasileira. A democracia apresentada por Maritain é um ideal histórico concreto. Justamente, por isso, “ela está na linha das aspirações da natureza racional visando sua perfeita realização... contanto que a não estraguem, de antemão, com utilizações partidárias ou contrafacções” (Idem, p. 64-65). Esta, portanto, é a via privilegiada para alcançar o que a filosofia política humanista tem por objetivo: a pessoa humana.

REFERÊNCIAS

DAGNINO, Evelina. Sociedade civil, participação e cidadania: de que estamos falando? In: MATO, D (2004). Políticas de ciudadania y sociedad civil en tiempos de globalización. Caracas: Faces - Universidade Central de Venezuela.

KINZO, Maria D’Alva G. (2004) Partidos, eleições e democracia no Brasil pós-1985. RBCS, São Paulo, v. 19, n.54.

MARITAIN, Jacques. (1956) O homem e o Estado. Rio de Janeiro: Agir.

_________________ (1999) Por um humanismo cristão. São Paulo: Paulus.

_________________ (1946) Princípios de uma política humanista. Rio de Janeiro: Agir.

_________________ (1967) Sobre a filosofia da história. Trad. Edgar de Godoi da Mata Machado. São Paulo: Herder.

MOISÉS, José Alvaro. (1989) Dilemas da consolidação democrática no Brasil. Lua Nova, São Paulo, n.16.

POZZEBON, Paulo Moacir Godoy (1998). Fundamentos do pensamento democrático de Jacques Maritain. Londrina: UEL.

SUNG, Jung Mo; SILVA, J. C (1995). Conversando sobre ética e sociedade. Petrópolis: Vozes.

 



[1] Esta ideia Maritain não pormenoriza; não aborda conceitos e problemáticas referentes a ela. Isto ele faz em um momento posterior, em outra obra.

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