Princípio do in dubio pro operario: A análise da aplicação da norma principiológica na valoração das provas no processo do trabalho
Por José Enéas barreto de Vilhena Frazão | 09/07/2012 | DireitoRESUMO
O presente trabalho monográfico visa investigar a possibilidade de aplicação do princípio do in dubio pro operario na apreciação do aparato probatório disponibilizado pelas partes no processo do trabalho. Analisar-se-á as espécies de provas cabíveis no âmbito do processo trabalhista, bem como a possibilidade de flexibilização da regra do ônus da prova no âmbito da justiça especializada, ante a impossibilidade material do trabalhador no que diz respeito à produção de provas que venham a corroborar suas pretensões. Após realizada uma análise doutrinária a respeito dos princípios protecionistas trabalhistas, apurar-se-á a possibilidade de aplicação da norma principiológica do in dubio pro operario na valoração das provas no processo do trabalho, no prisma teórico, face ao princípio da isonomia, bem como, utilizando-se de uma análise jurisprudencial no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho.
Palavras-chave: princípios jurídicos; in dubio pro operario; direito material do trabalho; direito processual do trabalho; isonomia; provas.
ABSTRACT
This monograph aims to investigate the possibility of applying the principle of in dubio pro operario apparatus for examination of evidence provided by the parts in the labor process. It will examine the kinds of evidence applicable in the labor process, as well as the possibility of easing the burden of proof rule in justice expert, compared the physical impossibility of the worker with respect to the production of evidence that may to corroborate his claims. After an analysis of the doctrinal principles about protectionist labor, it will investigate the possibility of implementing the principle in dubio pro operario in the assessment of the evidence in the labor process, the theoretical perspective, given the principle of equality and , using an analysis of case law under the Regional Labor Courts and the Superior Labor Court.
Keywords: legal principles, in dubio pro operario; substantive law of labor, labor procedural law; equality; evidence.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CPC Código de Processo Civil
CLT Consolidação das Leis do Trabalho
TRT Tribunal Regional do Trabalho
TST Tribunal Superior do Trabalho
1 INTRODUÇÃO
O direito material e o direito processual, qualquer que seja o ramo do conhecimento jurídico que venham a abranger, jamais podem vir a distanciar-se de tal modo que o segundo não mais venha a abarcar as finalidades do primeiro. O direito processual é, em verdade, um instrumento do direito material, e sem este não se justifica.
O direito processual, então, de acordo com o que ensinam processualistas do naipe de Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, seria exatamente o complexo de normas e mandamentos principiológicos que regem a função jurisdicional estatal face a um conflito de interesses entre as partes, qual sejam, autor e réu. Por sua vez, o direito material nada mais é que o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes aos bens da vida.
Não pode, então, o processo, ser considerado um fim em si mesmo, pois serve de instrumento para composição dos conflitos, visando garantir efetividade ao direito material ao qual se encontra conexo.
Em se tratando de direito do trabalho e de direito processual do trabalho, não é diferente. O segundo instrumenta o primeiro, e dele não poderá jamais manter distância tamanha que venha a ceifar essa função instrumental. Em outras palavras, a finalidade instrumental do direito processual do trabalho é a de tornar real e efetivo o direito material do trabalho, e, para tanto, deverá guardar adequação com os direitos que nele se controvertem.
O direito material do trabalho possui uma natureza diversa dos demais ramos do conhecimento jurídico, uma vez que não se resume a regular a realidade, constituindo normas que visem meramente o equilíbrio nas relações entre empregador e empregado. Mais que isso, este ramo jurídico em específico deve ser manejado visando sempre uma busca por transformação social, no sentido de garantir mais qualidade de vida e dignidade à classe obreira que, em geral, apresenta-se sob condições de hipossuficiencia face ao poderio econômico dos patrões.
Diante das peculiaridades do direito material do trabalho, é razoável pensar que o direito processual trabalhista deverá adequar-se a estas, instrumentalizando esta busca pelo progresso nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores. A partir deste ponto fulcral é que adentra-se a abordagem proposta neste desenvolvimento, onde tentar-se-á justificar, ainda que contra a opinião da maioria, uma aplicação do princípio do in dubio pro operario na apreciação do aparato probatório disponibilizado pelas partes no processo do trabalho.
A doutrina mais moderna, como por exemplo a de Wagner D. Giglio e a de Sergio Pinto Martins, tem reconhecido que o caráter tutelar do direito material do trabalho deve sim se transmitir e vigorar no direito processual do trabalho, o que implicaria no reconhecimento da aplicabilidade do princípio em questão à atividade do magistrado de apreciação e valoração de provas no processo.
Ora, nada poderia ser mais razoável, se o que se busca no processo é exatamente a isonomia, e a mesma se encontra invariavelmente comprometida nas lides trabalhistas diante da hipossuficiencia do obreiro face ao empregador, via de regra, detentor de poder econômico descomunal, e de meios mais eficientes para produção de provas que justifiquem seus interesses, restando prejudicados os direitos do trabalhador.
Alguns hão de considerar que nem sempre o empregador é detentor de poder econômico tão superior àquele do empregado, o que pode ser verificado pela existência dos micro e pequenos empresários, donos de pequenos estabelecimentos como padarias, ateliês de costura, dentre outros. O que ocorre é que ainda nestes casos, invariavelmente, o empregador estará em situação material mais confortável face ao obreiro.
Se muda o pólo da hipossuficiencia na relação jurídica estabelecida, voltando-se este para o tomador de serviços, se estará em face a uma relação de consumo, e não de uma relação de trabalho, o que afastaria a competência da justiça do trabalho para processar e atribuir uma solução ao conflito estabelecido.
O processo do trabalho deverá assegurar, então, uma certa “superioridade jurídica” ao empregado, face à sua inferioridade econômica, pois, de outro modo, este ramo processual não estaria plenamente adaptado à natureza da lide trabalhista.
Conforme já anteriormente mencionado, o empregador tem formas mais efetivas de obtenção de provas, podendo recrutar testemunhas entre os seus subordinados (que dificilmente se recusarão a prestar, em juízo, somente as informações que gerem ao patrão uma situação processual mais confortável), podendo suportar, sem qualquer sofrimento, a demora na tramitação do processo. O empregado, por sua vez, terá sempre maiores dificuldades para produzir provas e aguardar a morosidade judicial.
Todavia, para que se possa lograr completo entendimento a respeito do assunto em pauta, faz-se mister desenvolver, primeiramente, uma análise principiológica conceitual, que irá abarcar desde o conceito mesmo de princípio, até os princípios processuais e materiais trabalhistas que se mostrem pertinentes, para então esbarrar no princípio que constitui o âmago da questão, ou seja, o princípio do in dubio pro operario, destinando-se um dos capítulos deste desenvolvimento para o tratamento adequado a este último.
Ainda, na mesma ocasião, se buscará um entendimento mais firme a respeito do que se tem por isonomia, uma vez que a sua busca no processo do trabalho foi o que deu impulso ao presente estudo, tratando-se de peça fundamental da construção teórica almejada. Pode-se afirmar, sem ressalvas, que a isonomia é um princípio processual geral e inafastável, e, caso inobservada, restará prejudicado o intento maior do processo que não é outro senão apaziguamento social com justiça.
Superada esta etapa, se procederá a uma análise a respeito dos tipos de provas empregadas no processo do trabalho, levando em consideração as especificidades de cada uma delas, e ainda, de que forma contribuem para o convencimento do magistrado, qual o seu “valor real” no contexto processual. Para tanto, reservou-se parcela específica deste desenvolvimento.
Após concluída a análise conceitual necessária para afastar quaisquer nebulosidades sobre o assunto, adentrar-se-á efetivamente na análise do problema pricipal, buscando demonstrar a pertinência da aplicação do princípio do in dubio pro operario na atividade jurisdicional, por ocasião da apreciação das provas disponíveis nos autos processuais.
A norma principiológica supramencionada, modernamente, tem a reconhecida finalidade de fornecer proteção à parte mais frágil na relação trabalhista, a saber, o obreiro, possibilitando ao aplicador da lei que, ao se deparar com múltiplas interpretações viáveis acerca de determinada norma ou mesmo de diversas normas aplicáveis em determinado caso concreto, venha a empregar sempre aquelas mais favoráveis ao trabalhador, desde que, não seja afrontado o intento original do legislador.
Ora, a finalidade do princípio em questão busca fundamento no princípio maior do direito material do trabalho, aplicando-se, ainda, ao direito processual, que é exatamente o princípio da proteção ou princípio protetor. O princípio da proteção é peculiar ao processo do trabalho, e visa compensar a desigualdade econômica existente na relação entre empregado e empregador com uma desigualdade jurídica, na relação processual.
Há que se ressaltar que o macroprincípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, que é a de compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, ora litigantes em questão trabalhista. Baseando-se na aplicação deste princípio maior é que se visará estruturar toda a argumentação aqui exposta.
Em outras palavras, o princípio da proteção é, em verdade, a diretriz nuclear que inspira e fundamenta o direito do trabalho, que, conforme já falado, possui natureza diversa daquelas dos outros ramos jurídicos, por visar sempre uma progressão nas condições de trabalho e de vida da classe trabalhadora.
Muito embora se reconheça essa natureza diferenciada do direito do trabalho, que, por sua vez, repercute na seara processual, a aplicação do princípio do in dubio pro operario na apreciação das provas pelo magistrado desperta divergências entre os estudiosos, estes, dividindo-se em duas correntes principais: a primeira delas considera possível a sua aplicação, fundamentando-se naquilo que já foi aqui comentado (o caráter instrumental do direito do trabalho, a hipossuficiencia do empregado face ao empregador, e a dificuldade que enfrenta na produção de provas), nos casos em que houver autêntica dúvida a respeito da valoração do alcance e do significado de uma prova, mas nunca para suprir lacunas.
Para estes doutrinadores, a dúvida do aplicador da lei pode surgir tanto nos momentos de interpretação desta, como no momento de aplicação in concreto da norma jurídica, e até na valoração das provas trazidas aos autos, sendo que em todos estes momentos poderá se verificar a incidência do princípio do in dubio pro operario.
A segunda corrente alega que o princípio do in dubio pro operario é de natureza exclusivamente hermenêutica, empregado quando o aplicador da lei, ao se deparar com um texto legal em sentido dúbio, deverá adotar sempre a interpretação mais favorável ao trabalhador, face ao caráter protetivo das normas trabalhistas de natureza processual.
Portanto, não poderia o referido princípio ser empregado no que diz respeito à valoração do aparato probatório, uma vez que a apreciação de provas seria de natureza processual, e, neste campo, em nada se justificaria uma proteção ao trabalhador, uma vez que as normas de direito material já teriam garantido esta tutela. Para o que se filiam a esta corrente, a incidência da norma principiológica representaria uma lesão ao princípio processual da isonomia.
Esta segunda corrente, conforme se fará demonstrado posteriormente, é que não merece prosperar, diante de toda argumentação que já foi delineada aqui, e que será mais profundamente desenvolvida ao decorrer de todo o presente trabalho. A busca pela isonomia, conforme já foi objeto de apreciação, é o objetivo maior na relação processual, e esta se faria sim atacada, caso não se estenda a proteção do trabalhador garantida no direito material ao processo que lhe aparelha.
Vislumbremos a situação que segue. Ajuizado o processo, deverão as partes fazer alegações, e, pelos meios que tiverem, comprová-las, trazendo todo o arsenal probatório de que dispuserem para apreciação do magistrado.
Neste ponto torna-se ainda mais visível a desigualdade entre a classe obreira e os empregadores, já que estes últimos dispõem de mais recursos para produzir as provas que julguem relevantes na defesa de seus interesses. O trabalhador, por sua vez, não contará com as mesmas possibilidades, lhe sendo bem mais dificultoso comprovar as alegações feitas.
Diante desta constatação, caberia ao magistrado, sensível à realidade dos fatos, fazer uso do princípio protecionista do in dubio pro operario, em âmbito processual, para valorar todo o acervo probatório em atenção à maior dificuldade que tem o operário em disponibilizar provas que corroborem suas pretensões. Esta é uma das linhas de argumentação que servirão de norte a este trabalho.
Por fim, fazendo uso de uma análise jurisprudências no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho e do Tribunal Superior do Trabalho, se buscará verificar de que forma o princípio do in dubio pro operario vem sendo empregado na apreciação dos casos concretos com os quais tem se deparado os magistrados da Justiça do Trabalho. Como é sabido, de nenhuma forma se justifica a teoria se a esta não se puder atribuir uma finalidade prática, e, assim sendo, imprescindível verificar a forma como tem se resolvido os conflitos trabalhistas, quando por qualquer motivo, surgir dúvida em relação à valoração das provas.
As conclusões obtidas na análise jurisprudencial serão organizadas e expostas em momento oportuno, ao final da exposição teórica desenvolvida. A importância de tal análise reside exatamente na tentativa de vislumbrar se a norma principiológica do in dubio pro operario vem sendo ou não aceita e aplicada pelos magistrados na apreciação das provas no processo trabalhista, ou se esse entendimento, ao menos em âmbito nacional, ainda permanece restrito às discussões doutrinárias.
O reconhecimento da incidência do princípio do in dubio pro operario na análise das provas trazidas aos autos possui ainda uma significante relevância social. Aceitar o posicionamento a respeito da sua incidência representa o passo definitivo em busca de uma ordem processual que garanta ao obreiro a isonomia real, material. Implica em reconhecer que, no mundo dos fatos, o trabalhador invariavelmente se encontra em posição de desvantagem, e partido deste pressuposto, não outro meio haveria para se obter como resultado da tutela jurisdicional a efetiva justiça.
Em outras palavras, o reconhecimento da incidência da norma principiológica no processo trabalhista, mais especificamente no que tange à análise probatória, é medida necessária para garantir-se a tutela efetiva dos direitos da classe obreira, tão massacrada pelo sistema capitalista vigente, onde, muitas vezes, a busca pelo aumento nas margens de lucro implica em inobservância aos direitos mais básicos do ser humano.
Feitas todas as considerações introdutórias pertinentes, procede-se ao abordar do tema propriamente dito.
2. DO PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO OPERARIO E SUAS IMPLICAÇÕES NO PROCESSO DO TRABALHO E DA PRESERVAÇÃO DA ISONOMIA NOS CASOS CONCRETOS.
A este ponto, faz-se mister analisar todos os pormenores do princípio que constitui o cerne da questão abordada, ou seja, o princípio do in dubio pro operario. Porém, antes disso, não faz mal analisar o conceito de princípio jurídico propriamente dito, almejando o perfeito entendimento do assunto abordado.
Falar em princípios jurídicos significa tratar de comandos jurídicos cuja abrangência vai muito além daquela das normas jurídicas. Não seria temeroso afirmar que os princípios são o pilar fundamental de toda edificação jurídica, e que o sistema jurídico é construído com as diretrizes principiológicas que o norteiam.
Os princípios jurídicos têm ainda a função de orientar a compreensão do sistema jurídico, de modo que qualquer esforço hermenêutico resultante em contraposição a qualquer norma principiológica deve ser tido por impróprio, e, portanto, afastado. Deste modo, a coerência interna de um sistema jurídico depende diretamente de sua organização principiológica, seja esta coerência lógica, ou teleológica. Neste sentido, é o que ensina Carlos Henrique Bezerra Leite, senão vejamos:
A coerência interna de um sistema jurídico decorre dos princípios sobre os quais se organiza. Para operacionalizar o funcionamento desse sistema, torna-se necessária a subdivisão dos princípios jurídicos. Debruçando-nos, por exemplo, sobre o direito processual e o direito processual civil, verificamos que o direito processual possui seus princípios gerais, e o direito processual civil, que é um dos seus ramos, possui princípios especiais. A harmonização do sistema ocorre porque os princípios especiais ou estão de acordo com os princípios gerais ou funcionam como exceção. Nessa ordem, as normas, regras, princípios especiais e princípios gerais seguem a mesma linha de raciocínio, com coerência lógica entre si. (LEITE. 2011. p. 52).
Muito embora considere-se não haver hierarquia entre princípios, é inegável que as normas principiológicas constantes do corpo da Carta Magna se encontram em posição de superioridade, o que implica em ter-lhes redobrada observância, devido à sua posição privilegiada no sistema jurídico. O doutrinador mencionado supra considera que os princípios constitucionais fundamentais possuem três funções específicas, a saber: uma função informativa, uma função interpretativa, e, por fim, uma função normativa. (LEITE. 2011. p. 55-56).
A função informativa seria aquela destinada ao legislador, que deveria exercer a função legislativa sempre em sintonia com os princípios que norteiam o sistema jurídico em questão. Deverá atentar sempre aos valores políticos, éticos, sociais, e econômicos que permeiam o ordenamento, produzindo normas jurídicas em consonância com estes valores.
A função interpretativa, por sua vez, seria destinada ao aplicador do direito, que busca a compreensão do significado da norma a ser empregada na solução do caso concreto. Conforme já foi anteriormente comentado, qualquer esforço hermenêutico resultante em contraposição a uma norma principiológica deve ser afastado, por ser impróprio, podendo lesar a coerência do sistema e, pior, culminar em solução injusta aos conflitos postos à apreciação do jurista.
A terceira função seria a função normativa, pela qual os princípios poderiam, ainda, ser aplicados de forma direta, na solução de casos concretos, ou ainda de forma indireta, cumprindo com a função de integrar o sistema nas hipóteses de lacuna.
Enfim, pode-se aferir que o princípio jurídico possui importância superior àquela normalmente atribuída às normas jurídicas. O princípio também possui valor normativo, conforme já mencionado, mas a sua característica específica diz respeito ao fato de servir como diretriz a um sistema jurídico, que dela não poderá distanciar-se.
2.1 Do princípio da proteção no âmbito do Direito do Trabalho.
Dentro do contexto do direito processual e material do trabalho deparamo-nos com norma principiológica de grande relevância, que é o princípio da proteção ou princípio tutelar. Esta norma principiológica é aquela que busca a compensação das desigualdades fáticas entre empregador e empregado, propiciando a este último certa “superioridade” processual.
Conforme ensina Mauricio Godinho Delgado, o princípio da proteção visa reequilibrar juridicamente uma relação que é materialmente desigual, entre empregadores e empregados (DELGADO. 2001).
Já foi dito em momento anterior: o direito processual é instrumento do direito material ao qual e encontra conexo, e não pode permanecer alheio às suas peculiaridades[1]. Com o direito do trabalho não é diferente, e o protecionismo no âmbito do direito material deve efetivamente estender-se à seara processual. Segundo Luis Carlos Amorim Robortella, este protecionismo “dirige-se aos mais fracos economicamente, para restabelecer o equilíbrio na relação jurídica de trabalho” (ROBORTELLA. 1994. p. 27). Ainda, é o que ensinam Wagner D. Giglio e Claudia Giglio Veltri Correa[2], que tratam do assunto da forma seguinte:
O primeiro princípio concreto, de âmbito internacional, é o protecionista: o caráter tutelar do Direito Material do Trabalho se transmite e vigora também no direito processual do trabalho. E assim é porque, nas palavras de Coqueijo Costa, “o processo não é um fim em si mesmo, mas o instrumento de composição de lides, que garante a efetividade do direito material. E como este pode ter natureza diversa, o direito processual, por seu caráter instrumental, deve saber adaptar-se a essa natureza diversa. (GIGLIO; CORREA. 2007. p. 83-84).
Trata-se de princípio peculiar ao processo do trabalho, e deriva da própria razão de ser deste, que foi concebido para instrumentalizar do direito material do trabalho. Este último, por sua vez, tem constituído uma busca pela igualdade nas relações entre empregados e empregadores.
Importantes também são os ensinamentos de Renato Saraiva a respeito do assunto, para quem:
Pelo princípio da proteção, o caráter tutelar, protecionista, tão evidenciado no direito material do trabalho, também é aplicável no âmbito do processo do trabalho, o qual é permeado de normas, que, em verdade, objetivam proteger o trabalhador, parte hipossuficiente da relação jurídica laboral. Portanto, considerando a hipossuficiencia do obreiro também no plano processual, a própria legislação processual trabalhista contém normas que objetivem proteger o contratante mais fraco (empregado) [...]. (SARAIVA. 2011. p. 44-45).
O princípio da proteção manifesta-se sob diversas formas na legislação trabalhista. Um dos exemplos mais claros é, sem dúvida, o art. 844 da CLT. Este dispositivo legal estabelece que a ausência à audiência trabalhista, por parte do autor, implicará a este, como conseqüência, tão somente o arquivamento dos autos. Para o réu, no entanto, as conseqüências são mais graves, como a aplicação da revelia e suas conseqüências, além da confissão relativa à matéria de fato alegada. Transcreve-se aqui o referido dispositivo legal em sua íntegra:
Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
Há, ainda, outras manifestações da norma principiológica em questão. A título de exemplo aponta-se a obrigatoriedade do depósito recursal, exigência feita somente ao empregador, jamais ao empregado, e que se faz prevista no art. 899, §4º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Dentre os motivos para a aplicação do princípio da proteção ao processo trabalhista, a doutrina tem elencado, principalmente, “a desigualdade econômica, o desequilíbrio para produção de provas, a ausência de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural, e o desnível cultural entre empregado e empregador (LEITE. 2011. p. 82)”.
Mauro Schiavi lembra que no âmbito do direito do consumidor também se verificam manifestações do princípio protecionista, sempre com a mesma intenção, qual seja, a de propiciar uma vantagem em âmbito processual à parte hipossuficiente no processo. Segundo o autor:
Esta regra protetiva do processo também é aplicável no Direito do Consumidor, a fim de facilitar o acesso real à Justiça da parte vulnerável na relação jurídica de consumo, com regras de inversão do ônus da prova. Neste sentido é o art. 6º, VIII, da lei 8.078/90, in verbis: “A facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”. (SCHIAVI. 2011. p. 104).
O doutrinador mencionado elenca ainda, como outra manifestação do princípio da proteção na legislação trabalhista, o impulso oficial do juiz na execução, de acordo com o que determina o do art. 878 da CLT, assim: “A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex officio, pelo próprio juiz ou presidente do tribunal competente, nos termos do artigo anterior (SCHIAVI. 2011. p. 105)”.
Ainda, o mesmo autor, ao tratar do tema, considera que o princípio do protecionismo no âmbito processual trabalhista visa garantir, ao trabalhador:
[...] algumas prerrogativas processuais para compensar eventuais entraves que enfrenta ao procurar a justiça do trabalho, devido à sua hipossuficiência econômica e, muitas vezes, da dificuldade em provar suas alegações, pois, via de rega, os documentos da relação de emprego ficam na posse do empregador. No nosso sentir, este protecionismo não é suficiente para alterar o chamado princípio da paridade das armas do processo do trabalho. Diante deste princípio, as partes no processo do trabalho devem ter as mesmas oportunidades. (SCHIAVI. 2011. p. 105).
Concordamos com o posicionamento adotado pelo jurista, uma vez que não haveria que se falar de paridade de armas em uma perspectiva de igualdade processual absoluta entre empregados e empregadores. As desigualdades fáticas são tamanhas que inviabilizam uma igualdade processual plena. Conforme já foi dito, e, volta-se a frisar, os empregados, em geral, não contam com recursos bastantes para produzir as provas que justifiquem suas pretensões, bem como não podem suportar a morosidade judicial sem sacrifícios consideráveis.
Todas as desigualdades materiais entre a classe obreira e os patrões, sem dúvida, justificam certa vantagem processual a estes primeiros, para que, aí sim, se possa falar em “paridade de armas” no contexto de uma reclamação trabalhista.
Alguns autores, como é o caso do já citado Bezerra Leite, consideram que o princípio da proteção não deve confundir-se com outro princípio processual trabalhista de conceituação semelhante, a saber, o princípio da finalidade social. Este último resultaria em uma “quebra” do princípio da isonomia na relação processual, visando um favorecimento da parte hipossuficiente da relação de trabalho.
Ao tratar do princípio da finalidade social, o doutrinador faz os seguintes apontamentos:
A diferença básica entre o princípio da proteção e o princípio da finalidade social é que, no primeiro, a própria lei confere a desigualdade no plano processual; no segundo, permite-se que o juiz tenha uma atuação mais ativa, na medida em que auxilia o trabalhador, em busca de uma solução justa, até chegar o momento de proferir a sentença. (LEITE. 2011. p. 83)
Ambos os princípios da proteção e da finalidade social devem ser empregados de forma conjunta, harmônica. Caso o protecionismo legal não seja bastante para ceifar as desigualdades no caso concreto, pode-se ainda contar com um protecionismo na esfera jurisdicional, uma vez que o magistrado deverá sempre perseguir a “finalidade social” do direito processual e material do trabalho. Esta, de certo, será mais eficientemente alcançada com um combate às desigualdades materiais, naturais da relação empregado – patrão.
Faz-se necessário abrir aqui parêntese para lembrar que o magistrado poderá apreciar livremente as provas trazidas pelas partes, em decorrência do princípio do livre convencimento motivado[3], e, em decorrência deste fato, nada poderá impedir-lhe de valorar o aparato probatório em consonância com a norma principiológica protetiva. Traz-se interessante julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, cuja ementa é transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DE TRABALHO. PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO. LAUDO PERICIAL. DÚVIDA A RESPEITO DA CAUSA DA INCAPACIDADE DEFINITIVA PARA O TRABALHO. DECURSO DO TEMPO. IN DUBIO PRO OPERARIO.1. HAVENDO PROVAS SUFICIENTES NOS AUTOS PARA ATESTAR QUE A INCAPACIDADE PERMANENTE DA AUTORA DECORREU DE ACIDENTE DE TRABALHO, O MAGISTRADO NÃO FICA ADSTRITO AO LAUDO MÉDICO PERICIAL QUE, ISOLADAMENTE, CONCLUIU EM SENTIDO CONTRÁRIO, PODENDO APRECIAR LIVREMENTE A PROVA, EM RAZÃO DO PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.2. POR OUTRO LADO, SE PAIRAM DÚVIDAS A RESPEITO DO NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE O ACIDENTE DO TRABALHO E A INCAPACIDADE PERMANENTE PARA O TRABALHO, DEVE-SE DECIDIR EM FAVOR DO OPERÁRIO, EM RAZÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO, PRINCIPALMENTE QUANDO O PERITO APONTA SER ESSA A HIPÓTESE MAIS CONDIZENTE COM A REALIDADE.3. RECURSO NÃO PROVIDO. (TJDF - Apelação Cível: APL 574145020018070001. DF 0057414-50.2001.807.0001. Relator: CRUZ MACEDO, Data de Julgamento: 27/05/2009, 4ª Turma Cível, Data de Publicação: 24/06/2009, DJ-e Pág. 106).
Por fim, cabe frisar que a jurisprudência trabalhista pátria tem reconhecido de forma mais ou menos pacífica a incidência do princípio da proteção ao trabalhador no processo do trabalho, e não somente no direito material. Abaixo, se encontram transcritos alguns destes julgados a respeito desta norma principiológica, senão vejamos:
RECURSO DE REVISTA - HONORÁRIOS PERICIAIS - SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA - ÔNUS DO RECLAMADOO art. 21 do CPC não se aplica ao Processo do Trabalho, que não prevê a condenação proporcional em despesas processuais, dentre as quais, os honorários periciais, ante o princípio de proteção ao empregado. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido.21CPC. (1353166792004501 1353166-79.2004.5.01.0900, Relator: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 03/12/2008, 8ª Turma, Data de Publicação: DJ 05/12/2008) (destacou-se).
RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. DIFERENÇAS DE HORAS EXTRAS. ADICIONAL NORMATIVO. Hipótese na qual os adicionais normativos devem ser aplicados quando da apuração das diferenças de horas extras, porquanto decorrem de norma mais favorável ao trabalhador. Desdobramento do princípio da proteção, basilar no Direito do Trabalho. Recurso provido. (...) (460004120095040023 RS 0046000-41.2009.5.04.0023, Relator: DENIS MARCELO DE LIMA MOLARINHO, Data de Julgamento: 16/06/2011, 23ª Vara do Trabalho de Porto Alegre) (destacou-se).
RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO. ÔNUS DA PROVA. Admitida a prestação de serviços, presume-se de emprego a relação mantida entre as partes, sendo ônus da demandada infirmar tal presunção juris tantum. Trata-se de decorrência do disposto no artigo 333, II, do CPC e do Princípio da Proteção, norteador do Direito do Trabalho. (...)333IICPC (0 RS 1072100-34.2009.5.04.0211, Relator: ANA ROSA PEREIRA ZAGO SAGRILO, Data de Julgamento: 30/06/2011, Vara do Trabalho de Torres) (destacou-se).
ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO. DIFERENÇAS. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO. REGRA MAIS FAVORÁVEL. Se a norma coletiva prevê duas bases de cálculo distintas para o adicional por tempo de serviço e não é clara ao fazê-lo, a intepretação da cláusula normativa deve se dar da forma mais benéfica ao trabalhador (in dubio pro operario). Devidas as diferenças pleiteadas. (...) (860006920095040351 RS 0086000-69.2009.5.04.0351, Relator: MARÇAL HENRI DOS SANTOS FIGUEIREDO, Data de Julgamento: 13/07/2011, 1ª Vara do Trabalho de Gramado) (destacou-se).
RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. ARGUIÇÃO DE OFÍCIO. ARTIGO 219, § 5º, DO CPC. INCOMPATIBILIDADE COM O PROCESSO DO TRABALHO .219§ 5ºCPC. Esta Corte tem firmado o entendimento de que o pronunciamento da prescrição de ofício, nos termos do art. 219, § 5º, do CPC, é incompatível com os princípios que regem o Direito do Trabalho, essencialmente do princípio da proteção ao trabalhador. Precedentes. Recurso de revista a que se dá provimento. DOENÇA OCUPACIONAL. EPICONDILITE . A conclusão do Regional de que o laudo pericial foi taxativo ao negar o nexo de causalidade entre a enfermidade sofrida pelo reclamante e as suas atividades laborais, e que a prova testemunhal não se prestaria para demonstrar o contrário, está amparada na análise das provas dos autos, insuscetível de reexame, nos termos da Súmula nº 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece.219§ 5ºCPC (1090006620085120010 109000-66.2008.5.12.0010, Relator: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 01/06/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 10/06/2011) (destacou-se).
Com base em toda argumentação exposta, justifica-se o posicionamento adotado em favor da aplicação do princípio da proteção ao direito processual do trabalho. É esta norma principiológica que se desdobra e da origem ao princípio do in dubio pro operario, também incidente sobre questões processuais, muito embora hajam divergências a respeito de sua aplicação quando da valoração das provas disponibilizadas pelas partes. Antes de adentrar esta questão, no entanto, deve-se analisar mais profundamente a norma principiológica em si.
2.2. Da análise conceitual a respeito do princípio do in dubio pro operario.
Terminologicamente vem sendo definido como princípio do in dubio pro misero ou in dubio pro operario. Trata-se tão somente de diferença terminológica, que não implica em nenhuma diferença prática. Este princípio acarreta na adoção, em caso de dúvida sobre qual interpretação da norma empregar-se, daquela mais favorável à parte hipossuficiente da relação processual trabalhista, a saber, o trabalhador. José Salem Neto, ao conceituar esta norma principiológica, afirma que:
Consagrado pela expressão ou brocardo in dubio pro misero oi operario, significa que a lei protege sempre o empregado, mesmo contra a vontade dele. No caso de dúvida decide-se em favor do empregado. Esse princípio é ainda desdobrado no da condição mais favorável e da norma mais benéfica. (SALEM NETO. 1993. p. 33
Amauri Mascaro Nascimento reconhece esta conseqüência do caráter protecionista do Direito do Trabalho, e defende a aplicação sempre da norma mais favorável ao trabalhador:
As normas jurídicas devem ser dispostas segundo uma determinada ordem preferencial de aplicação nos casos concretos para cuja solução se destinam, de tal modo que havendo duas ou mais regras dispondo sobre a mesma matéria surge o problema de saber qual das diferentes normas é preferencial e deve ser aplicada. Cabe à constituição de cada país fixar os princípios fundamentais sobre a força das normas jurídicas trabalhistas. Porém, sob o prisma doutrinário, prevalece, como orientação predominante, a de que é sempre aplicável a norma mais favorável ao trabalhador. (NASCIMENTO. 1974. p. 37)
Conforme já foi dito, o princípio da proteção visa compensar as desigualdades existentes na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto. Ora, tratando-se de desdobramento do princípio da proteção, o princípio do in dúbio pro misero ou pro operário também se presta a esta mesma finalidade social.
Em relação à escolha da norma mais favorável ao trabalhador, alguns requisitos são fundamentais para a aplicação do princípio em questão, são estes; a) a presença de uma pluralidade de normas jurídicas aparentemente aplicáveis ao caso concreto; b) validade das normas jurídicas aparentemente aplicáveis; c) possibilidade de aplicação destas normas conflitantes ao caso concreto específico, e por fim; d) a presença de uma norma mais favorável ao trabalhador, dentre todas estas outras em confronto.
Autores como André Luís Paes de Almeida também mantém posicionamento no sentido de que a norma principiológica em comento destina-se à escolha da interpretação mais favorável ao obreiro (ALMEIDA. 2010).
A exegese da norma principiológica em comento é semelhante àquela do princípio do in dubio pro reo do processo penal, uma vez que o réu também se apresenta como a parte mais frágil, frente ao estado que o acusa. É o mesmo que ocorre com o trabalhador, hipossuficiente face ao poderio econômico do empregador.
2.3. Da aplicação da norma principiológica do in dubio pro operario à apreciação de provas no processo do trabalho: uma análise dos posicionamentos doutrinários existentes.
A questão primordial, no que diz respeito ao princípio do in dubio pro operario, reside exatamente na sua aplicabilidade, ou não, no que tange à valoração do aparato probatório disponibilidade pelas partes processuais. Neste ponto, a doutrina cinde em duas grandes correntes, a saber, uma positiva, e uma negativa, conforme ensina Mauro Schiavi, em seu Manual de Direito Processual do Trabalho (SCHIAVI. 2011. p. 600).
A corrente positiva, como sugere sua denominação, adota posicionamento favorável à aplicação do princípio do in dubio pro operario na apreciação do arsenal probatório pelo magistrado. Tem, como dois de seus principais expoentes Américo Plá Rodriguez e Carlos Henrique Bezerra Leite. O primeiro justifica a aplicação do princípio à análise dos fatos pelo magistrado com base nas dificuldades enfrentadas pela classe obreira para comprovar suas alegações em âmbito processual, uma vez que estes contam com recursos mais escassos para produção de provas, enquanto os empregadores as podem produzir com notável facilidade (RODRIGUEZ. 2002. p. 115).
A esta corrente nos filiamos, primeiramente, por entender que a finalidade fundamental do direito processual é aquela de servir de instrumento ao direito material. Já o afirmamos por mais de uma vez, e novamente enfatizamos este ponto argumentativo fulcral. Atente-se que o direito material do trabalho possui finalidade social mais marcante que os demais ramos jurídicos, pois, já se o disse, deve ser manejado visando sempre uma busca por transformação social, no sentido de garantir mais qualidade de vida e dignidade à classe obreira que, em geral, apresenta-se sob condições de hipossuficiencia face ao poderio econômico dos patrões.
Ainda, a vivência prática nos demonstra que, de fato, o obreiro passa por maiores transtornos ao buscar produzir provas que justifiquem suas pretensões. Não raro, observa-se indivíduos que por longos períodos trabalharam no âmbito de pequenas empresas ou comércios informais, sem que o empregador procedesse à anotação de sua Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, recebendo, por vezes, a título de remuneração pelos serviços prestados, quantias inferiores ao mínimo legal, sem receber contra-cheques ou mesmo sem sequer assinar um único recibo relativo aos valores salariais, recebendo pagamento em mãos, sem maiores formalidades.
Ainda que, juntamente com este trabalhador, laborem outros nas mesmas condições, estes dificilmente se prestarão a servir como testemunhas do obreiro em juízo, uma vez que poderão colocar em risco o emprego com o qual provêem seu sustendo bem como de seus familiares, ao voltar-se contra os interesses do empregador.
Nesta situação, o trabalhador dificilmente poderá comprovar que manteve vínculo empregatício com o empregador em questão, de modo que a mais frágil prova disponibilizada pelo obreiro deverá ser levada em conta pelo magistrado, atribuindo a esta valor considerável na formação de sua convicção que, conforme já dissemos, é de livre formação, em decorrência do princípio do livre convencimento motivado.
Em decorrência das maiores dificuldades enfrentadas pelo operário na produção de provas, qualquer dúvida que por ventura venha a surgir no espírito do julgador deverá sempre ser dirimida pro operario. Não importa se a dúvida teve origem na aplicação da lei, ou na valoração crítica da prova pelo magistrado, a sua conclusão deverá sempre a mesma, voltada à tutela dos direitos do trabalhador.
Falar em igualdade entre partes no contrato de trabalho é mera ficção. Esta desigualdade fática deve ser combatida com a instauração de uma certa “desigualdade” jurídica. O trabalhador deve ser juridicamente tutelado, tanto em âmbito material como em âmbito processual. O direito processual do trabalho deve ser utilizado como “instrumento”, neste caso, de nivelamento destas desigualdades.
A aplicação do in dubio pro operario em questões processuais, como é o caso da valoração de provas, atende perfeitamente à finalidade social do direito do trabalho, bem como ao bem comum, e propicia um julgamento mais justo por parte do magistrado. Ora, não outra é a finalidade geral do processo, senão a de servir de instrumento à resolução dos conflitos sociais com justiça.
Em que pese toda a higidez da argumentação à qual se filia a corrente positiva, deve-se assumir que esta ainda não é adotada de forma majoritária pela doutrina em geral. Neste ponto, a corrente negativa, vinculada a posicionamentos mais tradicionais, ainda é mais facilmente aceita, o que gera, inclusive, reflexos nos julgados proferidos na justiça do trabalho em âmbito nacional. Com muita facilidade é possível encontrar precedentes contrários à aplicação do in dubio pro operario na apreciação das provas por parte do magistrado. Se faz necessário, então, apontar alguns exemplos:
PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO. ÔNUS DA PROVA. O princípio in dubio pro operario se traduz em critério de interpretação da norma trabalhista, quando comportar mais de uma interpretação viável. Não se presta a subverter o ônus da prova no processo do trabalho. Assim, não tendo a reclamante se desincumbido satisfatoriamente de seu ônus probatório quanto ao recebimento de prêmios "por fora" dos recibos mensais, impõe-se a manutenção do julgado de origem. (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD 925200501702004 SP 00925-2005-017-02-00-4, Relator: ADALBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 26/03/2009, 12ª TURMA, Data de Publicação: 03/04/2009).
1. AGRAVO DE INSTRUMENTO DIVERGÊNCIA. Demonstrada a divergência jurisprudencial específica com a decisão regional, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista.2. RECURSO DE REVISTA AUSÊNCIA DE PROVA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO . INAPLICABILIDADE. O princípio in dubio pro operario indica que se na norma jurídica há sentido dúbio, o julgador deverá adotar a interpretação mais benéfica ao operário, em observância ao princípio da proteção legal do hipossuficiente, sendo, pois, de todo inaplicável quando há insuficiência ou ausência de prova. Recurso de Revista que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RECURSO DE REVISTA: RR 264400720055070012 26440-07.2005.5.07.0012, Relator: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 12/08/2009, 5ª Turma,, Data de Publicação: 21/08/2009).
PROVA DIVIDIDA OU INCONCLUSIVA. NAO INCIDÊNCIA DA REGRA DO"IN DUBIO PRO OPERARIO" EM MATÉRIA PROBATÓRIA.A regra geral (CLT, art. 818)é no sentido de que o ônus da prova compete a quem alega. Se o trabalhador alegou trabalhar em determinada função, é dele o ônus da prova relativo a esta circunstância, já que a prova testemunhal se demonstra contraditória e inconclusiva. Não incidência da regra"in dubio pro operario", pois ineficaz em matéria probatória.Insuficiência de prova que gera manutenção pela improcedência do pedido.CLT818. (435200703002000 SP 00435-2007-030-02-00-0, Relator: DAVI FURTADO MEIRELLES, Data de Julgamento: 13/09/2007, 9ª TURMA, Data de Publicação: 05/10/2007)
PROVA DIVIDIDA OU INCONCLUSIVA. NAO INCIDÊNCIA DA REGRA DO"IN DUBIO PRO OPERARIO" EM MATÉRIA PROBATÓRIA.A regra geral (CLT, art. 818)é no sentido de que o ônus da prova compete a quem alega. Se o trabalhador alegou trabalhar em determinada função, é dele o ônus da prova relativo a esta circunstância, já que a prova testemunhal se demonstra contraditória e inconclusiva. Não incidência da regra"in dubio pro operario", pois ineficaz em matéria probatória.Insuficiência de prova que gera manutenção pela improcedência do pedido.CLT818 (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO: RECORD 435200703002000 SP 00435-2007-030-02-00-0, Relator: DAVI FURTADO MEIRELLES, Data de Julgamento: 13/09/2007, 9ª TURMA, Data de Publicação: 05/10/2007).
Os que adotam o posicionamento contrário à aplicação da norma principiológica no que tange à valoração das provas fundamentam seu posicionamento alegando que o ônus probatório deve recair sempre sobre aquele que formula a alegação, de modo que a atribuir maior valor ou peso às provas disponibilizadas por uma das partes, em detrimento das outras, acarretaria uma lesão ao princípio do ônus da prova[4], que se faz previsto no art. 333 do Código de Processo Civil e no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ainda que se reconheça esta suposta “lesão”, o fato é que a mais moderna doutrina tem verificado uma certa flexibilização destas normas, conforme lembra o multicitado Bezerra Leite, ao tratar das normas previstas no art. 333 C.P.C. e 818 C.L.T., senão vejamos:
[...] Modernamente, tem-se mitigado o rigor das normas acima transcritas, quando o juiz, diante do caso concreto, verificar a existência de dificuldades para o trabalhador de se desincumbir do ônus probandi. (LEITE. 2011. p. 75)
Deste modo, as normas legais relativas ao ônus da prova não devem ser tidas por absolutas, de modo que sua aplicação deve se dar de acordo com as diretrizes principiológicas pertinentes, afinal de contas, são os princípios jurídicos que garantem o norte de todo o sistema.
Os filiados à corrente negativa alegam, ainda, que o princípio do in dubio pro operario é de natureza exclusivamente hermenêutica, e deve ser empregado sempre que o aplicador da lei se deparar com dispositivo legal passível de múltiplas interpretações. Deverá, nestes casos, adotar a interpretação mais favorável ao trabalhador.
Afirmam, também, que a interpretação do arsenal probatório é atividade de natureza processual, e, neste campo, não se haveria de falar em proteção ao trabalhador.
Já o foi dito por diversas vezes, e, novamente, frisamos: o processo não é ramo que possui um fim em si mesmo, mas cumpre com uma finalidade instrumental, de aparelhar o direito material ao qual se encontra ligado. Deste modo, não pode permanecer alheio às peculiaridades do ramo jurídico conexo. No caso do direito do trabalho, a sua natureza tutelar deve sim estender-se ao direito processual, o que implica na incidência do princípio da proteção à seara processual, bem como do in dubio pro operario, por ser desdobramento do primeiro.
Por fim, a corrente negativa tem como fundamento primordial a conservação da isonomia na relação processual, que aparentemente se faria lesada caso se garantisse essa espécie de “vantagem” a uma das partes no processo. Trata-se de percepção superficial, que não leva em consideração a realidade fática nas relações entre empregados e empregadores. Este ponto nos remete ao conceito de isonomia, ou princípio processual constitucional da isonomia.
2.4. Uma breve análise acerca do princípio processual constitucional da isonomia.
Diz-se princípio constitucional, por se fazer presente no art. 5º, caput, da Constituição Federal, que determina que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”
A igualdade perante a lei traduz-se em igualdade processual. Todos deverão ter tratamento idêntico perante a lei, o que implica em tratar igualmente os iguais, e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades, em conformidade com a máxima aristotélica[5]. Deste modo, na esfera processual, para a preservação da isonomia, nem sempre se há de conferir tratamento idêntico às partes envolvidas.
Deste modo, toda e qualquer situação de desigualdade que venha a persistir face ao dispositivo constitucional deve ser considerada como não recepcionada, e, portanto, combatida, afastada.
Ao tratar do conceito de isonomia, mais especificamente de isonomia processual, Cintra, Grinover e Dinamarco lembram que:
A absoluta igualdade jurídica não pode, contudo eliminar a desigualdade econômica, por isso, do primitivo conceito de igualdade, formal e negativa (a lei não deve estabelecer qualquer diferença entre os indivíduos), clamou-se pela passagem à igualdade substancial. E hoje, na conceituação positiva de isonomia (iguais oportunidades para todos, a serem propiciadas pelo estado), realça-se o conceito realista, que pugna pela igualdade proporcional, a qual significa, em síntese, tratamento igual aos substancialmente iguais. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO. 2008. p. 60).
Deste modo, a concessão de benefícios, dentro ou fora do processo, à parte mais fraca da relação não representa efetivamente quebra do princípio da isonomia. Trata-se de prezar pela igualdade real e proporcional, que impõe tratamento desigual aos desiguais, exatamente com o intuito de supressão das diferenças, em prol da efetiva igualdade.
Nos processos cível e penal verifica-se múltiplos exemplos de “quebra” da igualdade formal, com vistas à obtenção de uma igualdade material entre as partes, e no processo do trabalho não é diferente, conforme os exemplos já citados quando tratou-se da aplicação do princípio da proteção ao processo trabalhista.
Somente com a busca pela igualdade material é que se estará prezando pelo mandamento constitucional constante do art. 5º caput, visto que não outra foi a intenção do constituinte senão a de estabelecer ima igualdade real, perante a lei, de todos os indivíduos, sendo constitucionalmente legítimas as vantagens conferidas aos hipossuficientes em qualquer relação, processual ou não. Neste mesmo sentido é o que ensina Alexandre de Moraes, para quem:
[...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta alcançada não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal. (MORAES. 2008. p. 36-37).
Diante deste entendimento, já consolidado pela doutrina nacional, não há que se falar em lesão ao princípio da isonomia por aplicação do in dubio pro operario no âmbito do processo do trabalho. A desigualdade material extrema entre empregados e empregadores repercute na seara processual, especialmente no que tange à produção de provas pelas partes, incumbência bem menos onerosa aos segundos.
Tratar a questão pelo prisma do ônus da prova representa exaltação da igualdade formal, em detrimento da igualdade substancial. Trata-se de posicionamento exclusivamente legalista e alheio ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
A concessão de uma certa “vantagem” processual ao obreiro, in casu, a solução de dúvidas manifestantes no espírito do julgador sempre em uma perspectiva pro operario, de maneira alguma fere a igualdade substancial almejada por todo sistema jurídico pátrio. Neste ponto, refuta-se mais um dos argumentos adotados pelos adeptos da corrente negativa.
2.5. Sistematização dos argumentos adotados pelas correntes doutrinárias no que tange à aplicação do princípio do in dubio pro operário à valoração das provas no processo trabalhista.
Objetivando uma forma mais didática de visualização da argumentação exposta até o momento, optou-se pela elaboração de um quadro sinótico, onde organizou-se, em cada uma das colunas, os principais argumentos de cada uma das correntes (positiva e negativa) já aqui tratadas, e, em uma terceira coluna, os contra-argumentos lançados contra a inaplicabilidade da norma principiológica à valoração de provas.
CORRENTE POSITIVA |
CORRENTE NEGATIVA |
CONTRA ARGUMENTOS |
Caráter instrumental do direito processual do trabalho. Este deve ser permeado pelo protecionismo oriundo do direito material do trabalho. |
A questão deve ser analisada sob o prisma do ônus da prova, que caberá à parte que fizer as alegações. Arts. 333 C.P.C. e 818 C.L.T. |
As normas legais referentes ao ônus da prova, segundo a mais moderna doutrina, merecem ser flexibilizadas, no sentido de desonerar a parte hipossuficiente. Um exemplo é a inversão do ônus da prova nas relações de consumo. |
Desigualdades materiais entre empregados e empregadores. Aos primeiros é muito mais dificultoso desonerar-se do ônus da prova. |
A atividade de análise de provas é de natureza processual, e, neste campo, não há que se falar em proteção ao trabalhador. |
O direito processual, enquanto instrumento do direito material, deve se adaptar às suas peculiaridades. O protecionismo do direito material estende-se sim ao direito processual. |
Preservação da isonomia substancial, e não meramente formal, uma vez que os desiguais devem ser tratados de forma desigual, o que justifica o protecionismo ao obreiro, hipossuficiente. |
Preservação da isonomia na relação processual. |
Este fundamento é raso, por levar em conta somente a igualdade formal, e não a igualdade substancial na relação processual. Atribuir vantagens à parte hipossuficiente na relação processual é medida necessária para preservar a igualdade real. |
Interesse social, bem comum, dignidade da pessoa humana, etc. Este posicionamento é defendido por autores como Américo Plá Rodrigues e Carlos Henrique Bezerra Leite. |
É a corrente adotada de forma majoritária pela jurisprudência pátria, conforme se poderá observar no capítulo três. Entre outros autores, André Luís Paes de Almeida defende que o in dubio pro operario é aplicável somente em âmbito hermenêutico.
|
A finalidade social do direito do trabalho requer uma igualdade real entre as partes processuais. |
Quadro 01. Argumentos – correntes positiva e negativa.
Conforme demonstrado, todo o caráter protecionista do direito material do trabalho, além das desigualdades materiais entre trabalhadores e empregadores justifica a aplicação do princípio do in dubio pro operário no direito do processual do trabalho, e, inclusive, na atividade de valoração das provas por parte do magistrado, sem que haja de se falar em lesão ao princípio da isonomia. Para coroar este posicionamento, imprescindíveis são os comentários de Bezerra Leite, que ao conceituar o princípio do in dubio pro misero, o faz da seguinte forma:
Consiste na possibilidade de o juiz, em caso de dúvida razoável, interpretar a prova em benefício do empregado, geralmente autor da ação trabalhista, afinal, o caráter instrumental do processo não se confunde com a sua forma. (LEITE. 2011. p. 585).
O autor mencionado supra traz ainda, em sua obra, interessantes julgados a respeito da aplicação do in dubio pro misero na valoração das provas, os quais são aqui transcritos na finalidade de ilustrar o entendimento exposto:
PROVA – CONVECÇÃO LIVRE DO JUIZ – PROVA EMPATADA – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO. Luiz de Pinho Pedreira da Silva anota na avaliação do princípio interpretativo do Direito do Trabalho, que a sua singularidade está em ‘que ele constitui a inversão de seu congênere do direito comum, pois enquanto neste o favor, em caso de dúvida, é pelo devedor e pelo réu”, no Direito especial do trabalho, conclui, “se faz na mesma situação, em benefício do empregado, que normalmente é credor e autor” havendo paridade de provas, ou ‘prova empatada”escreve Pinho Pedreira, pelas maiores dificuldades com que arca o empregado para produção de provas, numa situação como esta, a dúvida gerada no espírito do julgador há de ser dirimida pro operario. (Principiologia do Direito do Trabalho, LTr, 1999, p. 42/58). (TRT 2ª R – RO 19990472559 – (20000640624) – 8ª T. – Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca – DOESP 16.1.2011) (LEITE. 2011. p. 587).
RELAÇÃO DE EMPREGO – BOIAS FRIAS – EXISTÊNCIA. Presentes os pressupostos caracterizadores dos arts. 2º e 3º, consolidados, mister conhecer existência de vínculo empregatício entre as partes litigantes, já que, em se tratando de relação de trabalho, o importante é pesquisar a realidade fática. Há que prevalecer a essência em detrimento da forma, em virtude do princípio da primazia da realidade. Havendo dúvida quanto às repercussões sociais da decisão, impera a regra in dubio pro misero. (TRT 3ª R. – RO 7298/96 – 2ª T. – Rel. Juiz Michelangelo Liotti Raphael – DJMG 31.1.1997) (LEITE. 2011. p. 588).
Conforme é possível perceber na vivência prática, falar em igualdade absoluta na relação entre empregados e patrões é mera ficção, e não passa de artifício para preservação dos interesses das classes sociais dominantes que, conforme se sabe, detêm os bens de produção e submetem a classe obreira.
Esta desigualdade material inviabilizaria uma igualdade processual, caso não houvesse plena aplicabilidade do princípio da proteção ao trabalhador em matéria de processo trabalhista. A desigualdade processual não outro motivo tem senão de compensar a desigualdade material que é gritante.
Corre-se o risco de deparar-se com argumentação no sentido de que a decisão que acate a aplicação do princípio do in dubio pro misero na valoração de provas apresente demasiada fragilidade, e, portanto, alta susceptibilidade a recursos. Ante este fato, lembramos mais uma vez que o magistrado poderá decidir da forma como melhor lhe aprouver, em decorrência do princípio do livre convencimento motivado, conforme já comentou-se, e, além disso, os princípios, na hierarquia jurídica, se encontram em patamar superior em relação àquele ocupado pelas normas jurídicas.
Todos estes fundamentos são bastantes à justificação da aplicação dos princípios protecionistas de que se tem tratado à apreciação do aparato probatório disponibilizado pelas partes em uma reclamação trabalhista. Não há outra forma de maior eficiência para combater-se as desigualdades materiais, alcançando a finalidade maior do direito do trabalho, que é a busca pela transformação social, e o combate aos retrocessos.
Superada esta etapa, cabe proceder a uma análise dos tipos de provas cabíveis no processo do trabalho, sempre traçando um paralelo com a questão das dificuldades enfrentadas pela classe obreira em produzir provas que satisfaçam suas alegações.
3. DOS TIPOS DE PROVAS CABÍVEIS NO PROCESSO DO TRABALHO E DAS IMPOSSIBILIDADES MATERIAIS DO TRABAHADOR NO QUE TANGE À PRODUÇÃO DE PROVAS. DA FLEXIBILIZAÇÃO DA REGRA DO ÔNUS DA PROVA.
Nesta parcela do desenvolvimento nos voltaremos à análise dos tipos de provas cabíveis em sede de processo do trabalho, analisando cada um dos meios que têm as partes para comprovação de suas pretensões. Para além disso, dar-se-á continuidade à análise anterior, visando demonstrar todas as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores no que diz respeito à produção de provas, do que brotaria, por fim, uma necessidade de flexibilização da regra do ônus da prova, da qual tratou-se no capítulo passado.
Conforme ensina Renato Saraiva, “o vocábulo prova provém do latim, proba, de probare, no sentido de demonstrar a veracidade de uma proposição ou realidade de um fato” (SARAIVA. 2011. p. 333). Trata-se de elemento indispensável para formação do convencimento do magistrado a respeito dos fatos controvertidos, no processo de cognição.
Mauro Schiavi, ao citar Nelson Nery Júnior, lembra que as provas nada mai são que “os meios processuais ou materiais considerados idôneos pelo ordenamento jurídico para demonstrar a verdade, ou não, da existência e verificação de um fato jurídico” (SCHIAVI. 2011. p. 560). Lembra ainda o autor mencionado que os meios de prova não se confundem com as “fontes da prova”. Enquanto os primeiros são os instrumentos admitidos em direito para comprovar as alegações feitas em juízo, estas últimas são os fatos naturais ou humanos que tenham relevância na esfera jurídica.
Então, nos parece que o conceito mais acertado de prova seria exatamente aquele de “meio” lícito utilizado para, em âmbito processual, comprovar a veracidade das alegações feitas e dos fatos controvertidos. “Provar” significa formar a convicção do magistrado a respeito de fatos processuais relevantes. As provas são colhidas na fase de instrução processual, e serão apreciadas pro ocasião da sentença.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, não é unívoco o conceito de prova, seja este em âmbito jurídico ou filosófico. Para o autor, prova, em sentido filosófico, seria tudo aquilo que venha a servir para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração, dando a idéia de ensaio, experiência, provação. Ao tratar do conceito jurídico de prova, tece os comentários aqui transcritos:
Nos domínios da ciência jurídica processual, a palavra “prova” também pode ser empregada com diversas acepções. Às vezes, concerne à atuação das partes no processo com o objetivo de evidenciar a existência do fato que pretendem demonstrar em juízo. Neste sentido, utiliza-se a expressão “produzir a prova”. O vocábulo “prova” também pode ser empregado no sentido de “meio de prova”, ou seja, o modo pelo qual a parte intenta evidenciar os fatos que deseja demonstrar em juízo. A prova documental, por exemplo, é o meio pelo qual a parte pretende demonstrar documentalmente a existência de um fato. Finalmente, prova também pode ser utilizada como “convencimento do juiz”, de acordo com os elementos constantes nos autos do processo. Nesse sentido, fala-se, por exemplo, que determinado fato restou provado em função do convencimento sobre a sua existência pelo juiz. (LEITE. 2011. p. 573).
Vale lembrar: não se deve confundir prova com instrução probatória. Esta última é a fase processual destinada à coleta das primeiras, conforme já foi apontado anteriormente. As primeiras, por sua vez, seriam o meio lícito para demonstrar a veracidade dos fatos alegados, ou refutá-los. Trata-se de componente indispensável ao debate jurídico dentro do processo.
Os fatos a serem provados são tão somente aqueles relevantes e pertinentes ao esclarecimento do processo, ou seja, que possam contribuir à formação da convicção do juiz, e, ainda, os fatos sobre os quais haja controvérsia (SCHIAVI. 2011. p. 561). É este o objeto da prova, tão somente os fatos relevantes, pertinentes e controvertidos (alegados por uma parte e pela outra negados). Via de regra, somente fatos devem ser comprovados, uma vez que não há necessidade de comprovar o direto, já que há presunção legal de que o juiz o conhece (jura novit curia).
Como exceção à regra supracitada, não pode-se deixar de mencionar o art. 337 do Código de Processo Civil Brasileiro, que determina que a parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, deverá comprovar-lhe o teor e a vigência, se assim determinar o magistrado.
Deve-se lembrar, ainda, conforme ensina Bezerra leite, que existem fatos que não dependem de prova alguma, são estes os fatos; a) notórios; b) afirmados por uma das partes e confessados pela parte contrária; c) admitidos, no processo, como incontroversos; e d) em cujo favor milita presunção legal de veracidade ou existência, tudo de acordo com o que determina o art. 334 do Código de Processo Civil Brasileiro (LEITE. 2011.p.592).
Via de regra, o ônus da prova recai sobre aquele que alega. Em matéria de direito do trabalho, os dispositivos legais atinentes ao assunto são somente o art. 818 da C.L.T., e, também, o art. 333 do C.P.C., que é aplicado de forma subsidiária, conforme posicionamento doutrinário pacífico. Segundo a norma trabalhista, o ônus recai ao autor, em se tratando de fatos constitutivos de seu direito, e, em se tratando de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos deste, o ônus recairá sobre o réu.
No entanto, conforme já se o disse em outro momento, as normas relativas ao ônus da prova têm sofrido, por parte da doutrina mais avançada, flexibilização no sentido de favorecer a parte hipossuficiente da relação processual. No caso do direito do trabalho, de certo, trata-se do trabalhador.
Fala-se, inclusive, em inversão do ônus da prova, conforme leciona Renato Saraiva, para quem “doutrina e jurisprudência vêm, paulatinamente, admitindo, em alguns casos, a denominada inversão do ônus da prova, transferindo a prova que, inicialmente seria do obreiro, para a empresa, com o claro intuito de proteger a parte hipossuficiente da relação trabalhista[6]” (SARAIVA. 2011. p. 340). Há casos específicos nos quais a jurisprudência vem admitindo a inversão do ônus da prova, um deles é o registro de horários para fins de comprovação de horas extras (LEITE. 2011. p. 599).
Muro Schiavi também mantém posicionamento favorável à inversão do ônus da prova no processo do trabalho, afirmando que neste“ tem grande pertinência a regra da inversão do ônus da prova, pois, muitas vezes, o estado de hipossuficiência do empregado reclamante o impede de produzir a comprovação de suas alegações em juízo” (SCHIAVI. 2011. p. 587).
Nada mais natural, uma vez que se deve levar em consideração que o processo do trabalho se encontra impregnado pelo princípio maior da proteção ao trabalhador, e as normas relativas ao ônus da prova vigentes e aplicáveis em âmbito de processo trabalhista nem sempre se coadunam com o mandamento principiológico.
A própria aplicação do princípio do in dubio pro misero na valoração das provas representa flexibilização do ônus probatório, uma vez que se estará relativizando o valor desta ou daquela prova trazida aos autos, buscando atribuir maior peso àquelas que se prestem a fundamentar as alegações feitas pelo trabalhador, uma vez que este não possui as mesmas condições de reunir aparato probatório de maior eficiência, como ocorre normalmente com os empregadores. Significa que em caso de insuficiência de provas ou de “prova empatada”, o juiz deverá julgar sempre pro operario.
3.1. Da análise acerca dos princípios que norteiam a prova no processo do trabalho.
A temática probatória é norteada por alguns princípios, o que gera a necessidade de se fazer alguns comentários a respeito desta ou daquela norma principiológica que se mostre pertinente a este estudo. Dentre os princípios mais amplamente reconhecidos pela doutrina, deve-se apontar; a) princípio do contraditório e da ampla defesa; b) princípio da necessidade da prova; c) princípio da unidade da prova; d) princípio da proibição da prova obtida ilicitamente; e) princípio do livre convencimento ou persuasão racional; f) princípio da oralidade; g) princípio da imediação; h) princípio da aquisição processual; i) princípio do in dubio pro misero, e por fim; j) princípio da busca da verdade real.
Dentre todos estes princípios, os mais relevantes e que merecem comentários, diante da natureza deste estudo são, sem dúvida, o princípio do livre convencimento ou persuasão racional e, como não poderia deixar de ser, o princípio do in dubio pro misero, ao qual já garantiu-se tratamento pormenorizado no capítulo anterior, motivo pelo qual se deverá retomar tão somente alguns pontos mais necessários.
O princípio do livre convencimento do juiz refere-se à atividade do magistrado no que diz respeito à aferição das provas trazidas pelas partes. Opõe-se diretamente ao sistema da certeza legal, no qual o magistrado se encontrava extremamente vinculado a um valor previamente estabelecido para esta ou aquela prova. No sistema do livre convencimento, por sua vez, o magistrado poderá apreciar livremente as provas disponibilizadas, atribuindo-lhes o valor que julgar adequado.
Esta norma principiológica foi consagrada no ordenamento jurídico pátrio, e se faz presente no art. 131 do Código de Processo Civil, que determina que “o juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento”. Ao tratar do princípio em comento, Mauro Schiavi tece os seguintes comentários:
O juiz, como destinatário da prova, tem ampla liberdade para valorá-las, segundo o princípio da persuasão racional, ou livre convencimento motivado, que vigora em sede processual civil, ex vi do art. 131 do CPC [...]. Diante do que dispõe o referido dispositivo legal, o juiz pode formar sua convicção com qualquer elemento de prova constante dos autos, ainda que não alegado na inicial ou na contestação. Por isso, qualquer prova constante dos autos é apta a firmar a convicção do juiz. (SCHIAVI. 2011. p. 596).
Se ao magistrado caberá atribuir o valor que julgar adequado a cada uma das provas postas à sua apreciação, nada impedirá que as avalie de acordo com os princípios protecionistas trabalhistas, sempre tendo em mente que ao empregado é mais dificultoso obter provas que justifiquem suas pretensões.
A respeito do princípio do livre convencimento motivado, interessante se faz a análise de alguns julgados proferidos pela Justiça do Trabalho, para que se possa entender de que forma vem sendo aplicada a norma principiológica pelos órgãos jurisdicionais pátrios. Conforme se poderá verificar, o magistrado não se encontra vinculado sequer a laudo emitido por perito, podendo proferir decisão com base em outras provas que, de acordo com seu livre convencimento, indiquem a realidade dos fatos. Traz-se alguns bons exemplos abaixo:
17199892 - ANÁLISE DA PROVA. LIVRE CONVENCIMENTO DO JUÍZO. Vigora no sistema processual brasileiro o princípio do livre convencimento motivado ou da persuasão racional, consubstanciado no art. 131, do CPC, de aplicação subsidiária na esfera trabalhista, consoante o art. 769, da Lei consolidada, através do qual ao juízo cabe valorar livremente a prova dos autos, bastando que exponha as razões de seu convencimento de forma fundamentada indubitável que o julgador tem ampla liberdade na apreciação da prova, pois lhe é assegurado, pelo princípio universal do livre conhecimento, formar uma convicção, fazendo prevalecer os meios probantes que, no confronto de elementos ou fatos constantes dos autos, forem mais idôneos e mais consentâneos com o objeto da lide. Na espécie, o critério adotado na valoração da prova atendeu o princípio da razoabilidade, quanto às normas da experiência comum, subministradas pelo que normalmente acontece (artigo 335/CPC), bem como aliadas à lógica jurídica e experiência do julgado. (TRT 3ª R.; RO 353-30.2011.5.03.0104; Quarta Turma; Rel. Des. Júlio Bernardo do Carmo; DJEMG 17/10/2011; Pág. 64. Exclusividade Magister: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
33022140 - EXAME PERICIAL. NÃO VINCULAÇÃO DO JUIZ AO LAUDO. Com fundamento nos princípios da persuasão racional do juiz, do livre convencimento motivado e da não vinculação do juiz ao laudo pericial (arts. 131 c/c 436 do CPC e art. 93, IX, da CF), é possível deixar de firmar convicção na prova pericial para decidir a querela valorando as demais provas, bem como os indícios de provas colacionadas aos autos apontando para causa diversa daquela constante do laudo. Recurso ordinário conhecido e não provido. (TRT 16ª R.; RO 184500-02.2009.5.16.0008; Rel. Des. Luiz Cosmo da Silva Júnior; DEJTMA 17/10/2011; Pág. 18. Exclusividade Magister: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
22557881 - PROVA TESTEMUNHAL. VALORAÇÃO. O julgador é livre para formar seu convencimento, desde que devidamente motivado e circunscrito ao conjunto probatório, não configurando desigualdade de tratamento das partes a devida valoração de prova convincente produzida pelo autor que favorece a tese da inicial. (TRT 4ª R.; RO 0000822-41.2010.5.04.0021; Sexta Turma; Relª Desª Beatriz Renck; Julg. 05/10/2011; DEJTRS 14/10/2011; Pág. 135. Exclusividade Magister: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
17199785 - CERCEAMENTO DE DEFESA. PRODUÇÃO DE PROVAS. NÃO CONFIGURAÇÃO. No processo do trabalho, a prova constitui o meio, o instrumento, pelo qual o juízo pode aferir as alegações de cada parte, formando seu convencimento a respeito de matérias controvertidas no processo, pelo sistema da persuasão racional ou livre convencimento motivado, adotado em nosso ordenamento jurídico e preconizado no art. 131 do CPC subsidiário, podendo ainda indeferir as diligências inúteis ou meramente protelatórias, quando já formado seu convencimento (art. 130, CPC). (TRT 3ª R.; RO 827-42.2010.5.03.0037; Turma Recursal; Rel. Juiz Conv. Carlos Roberto Barbosa; DJEMG 14/10/2011; Pág. 259. Exclusividade Magister: Repositório autorizado On-Line do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
O outro princípio relevante é o in dubio pro mísero ou por operário, que já foi objeto do capítulo anterior deste desenvolvimento. Conforme já foi amplamente demonstrado, a sua aplicação ao processo trabalhista não é aceita de forma pacífica, seja em âmbito doutrinário ou em âmbito jurisprudencial, havendo uma cisão na doutrina entre aqueles que defendem a sua aplicação, e aqueles que a refutam (neste ponto, remetemos à tabela 01, capítulo primeiro, onde esquematizou-se todos os principais argumentos adotados por uma e outra corrente).
Existem ainda autores, como é o caso do multicitado Mauro Schiavi, que defendem um posicionamento mais neutro, afirmando que o critério para valoração das provas deve ser “discricionariamente avaliado pelo juiz, não podendo a doutrina ou a jurisprudência tarifar um critério para o juiz se nortear quando estiver diante de dúvida” O autor reconhece a existência de duas correntes a respeito da aplicação do princípio do in dubio pro operario no processo trabalhista, uma contra, e outra a favor da aplicação (conforme apresentou-se a questão no capítulo anterior) (SCHIAVI. 20011. p. 600), e firma ainda a existência de uma terceira corrente, que se inclina à aplicação pura e simples do princípio da persuasão racional.
Reitera-se a opção, no âmbito do presente trabalho, pela corrente positiva, concordando com Américo Plá Rodrigues, Carlos Henrique Bezerra Leite, dentre outros. Em caso de dúvida razoável, deverá o magistrado interpretar a prova sempre a favor do empregado, uma vez que a parte hipossuficiente da relação processual deverá sempre ser objeto de tutela jurídica.
3.2. Dos meios de prova cabíveis no processo do trabalho.
Após as considerações introdutórias a respeito do conceito fundamental de prova e dos princípios que regem a atividade probatória pertinentes ao assunto em epígrafe, cabe analisar cada um dos meios de prova cabíveis em sede de processo trabalhista.
3.2.1. Do depoimento pessoal e do interrogatório.
As primeiras espécies de provas que merecem tratamento são o depoimento pessoal e o interrogatório. De acordo com as lições de Mauri Schiavi, o interrogatório é “um instrumento legal de prova por meio do qual a parte esclarece ao juiz os fatos da causa” (SCHIAVI. 2011. p. 613).
Há quem afirme que o interrogatório não é propriamente uma modalidade de prova, mas sim uma forma de se firmar a convicção do juiz sobre os fatos processuais relevantes. Muito embora o interrogatório se assemelhe ao depoimento pessoal no sentido de que ambos objetivam a obtenção de esclarecimentos sobre os fatos da causa, estes apresentam algumas diferenças fundamentais que merecem ser aqui tratadas, conforme ensina Renato Saraiva (SARAIVA. 2007. p. 347)
A primeira delas diz respeito ao fato de que o interrogatório é sempre determinado de ofício pelo magistrado, conforme determina o art. 342[7] do Código de Processo Civil. por sua vez, o depoimento pessoal comporta a possibilidade de requisição pela parte contrária (art. 343[8], caput, do Código de Processo Civil).
O interrogatório poderá ser determinado pelo magistrado em qualquer momento do processo, enquanto o depoimento pessoal deverá ser necessariamente colhido na audiência de instrução e julgamento. O depoimento pessoal, portanto, é único, diferindo do interrogatório na medida em que este pode vir a repetir-se por várias vezes.
Por fim, o interrogatório tem sempre em vista a obtenção de certos esclarecimentos sobre os fatos, enquanto o depoimento pessoal tem por objetivo principal a confissão, embora também se preste à obtenção de esclarecimentos da parte depoente. Ocorrerá a confissão sempre que a parte admite a verdade de um fato alegado pela parte contrária, ou seja contrário ao seu interesse e favorável ao interesse do adversário. Poderá ser espontânea ou motivada, neste último caso, se obtida por meio de depoimento pessoal.
Em relação ao depoimento pessoal e ao interrogatório, não há o que se falar em dificuldade do obreiro em se desincumbir do ônus probatório, visto consistirem em provas produzidas pessoalmente pela parte, em juízo, bastando que esta narre os fatos exatamente da forma como ocorreram, sem faltar com a verdade, sob pena de incidir no tipo penal previsto no artigo 342[9] do Código Penal Brasileiro.
3.2.2. Das provas documentais.
De forma diferente ocorre com as espécies de provas tratadas em seguida, a saber, as provas documentais. Conforme será demonstrado posteriormente, na grande maioria dos casos o obreiro arca com maiores dificuldades em desincumbir-se do ônus da prova quando deve apresentar documentos que atestem os fatos alegados. De outro modo, o empregador apresenta notável facilidade de desincumbir-se de tal ônus, uma vez que tem a possibilidade de reter os documentos relativos ao contrato de trabalho, ou mesmo forjá-los, produzindo-os unilateralmente.
Antes de adentrar questões tais, importante delimitar o conceito de prova documental. Ora, documento nada mais é que uma coisa capaz de representar um fato. Não há conceito legalmente definido de documento, tendo a doutrina dedicado-se a o definir. Tomamos por exemplo a definição estabelecida por Renato Saraiva, para quem documento pode ser conceituado como “o meio idôneo utilizado como prova material da existência de um fato, abrangendo não somente os escritos, mas também os gráficos, as fotografias, os desenhos, reproduções cinematográficas etc.” (SARAIVA. 2007. p. 364).
Para ser admitido como prova, o documento deverá ser apresentado na via original ou cópia autenticada (acompanhando a petição inicial ou a contestação, se apresentados pelo reclamante ou pelo reclamado), a qual poderá ser conferida perante o juiz ou tribunal. A autenticidade poderá ser declarada pelo próprio advogado, sendo responsabilizado em caso de fraude.
Os documentos poderão ser públicos ou particulares. Públicos são aqueles que gozam de fé pública, por terem sido lavrados perante autoridade pública. Há, deste modo, para os documentos públicos, presunção de autenticidade. Por sua vez, os documentos particulares são emitidos sem a participação de um oficial público, restando prejudicada, portanto, a sua força probante. Ainda assim, no entanto, são admitidos como meios de prova.
A incidência dos princípios do acesso à justiça, da ampla possibilidade probatória e do avanço tecnológico, o conceito de documento tem sido amplo para abranger todo objeto real corpóreo ou incorpóreo. Pode ser tido por documento desde uma fotografia até a farda utilizada pelo obreiro durante a vigência do contrato de trabalho.
Por vezes à prova documental é atribuído valor maior que aquele atribuído às provas orais, como é o caso das provas testemunhais, no entanto, não há que se falar em hierarquia entre as provas, já que de acordo com o princípio do livre convencimento motivado, o juiz poderá apreciar livremente as provas trazidas pelas partes aos autos, conforme já verificou-se anteriormente.
Com certa facilidade, provas documentais podem ser produzidas pelo empregador para resguardar os seus interesses, face a esta situação, estas provas devem ser analisadas sempre com alguma reserva, em conjunto com todo o contexto probatório apresentado. Um exemplo de falsidade documental por vezes verificada no processo do trabalho é a apresentação, pelo empregador, de recibos de pagamento contendo assinatura falsificada do empregado.
Em sede de processo trabalhista, confirme lembra Schiavi, dificilmente o empregado possui algum documento referente à relação de emprego, pois, via de regra, os documentos ficam em posse do empregador[10] (SCHIAVI. 2011. p. 623). Não raro verifica-se em casos concretos situações onde o empregador sequer fornecia contracheques ou mesmo recibos de pagamento aos empregados. Muito mais grave que isso, não é difícil verificar casos em que ao obreiro sequer foi garantido o direito à assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Nestes casos, dificilmente o obreiro poderá comprovar documentalmente que prestou serviços ao empregador em questão, do que se verifica neste ponto a grande dificuldade enfrentada pelos empregados para gerar substrato probatório favorável às suas alegações, o que gera a oportunidade de mais uma vez reafirmar não somente a possibilidade, mas também a necessidade da aplicação do princípio do in dubio pro operario quando da apreciação das provas no processo trabalhista, conforme já o foi justificado em momento anterior.
Já se o disse, aos empregados é muito mais dificultosa a desoneração do ônus probatório, motivo pelo qual o magistrado deverá atribuir maior peso às provas por estes apresentadas. Como comprovar a existência de relação de emprego sem a assinatura da CTPS, que é o documento por excelência da prova de tais fatos? Até o mais rudimentar recibo de pagamento de salários, devidamente assinado, deverá ser levado em consideração pelo juiz para fins de formação de sua convicção, sempre visando a tutela dos direitos da parte hipossuficiente, ou seja, o empregado.
Não obstante sejam extremamente importantes as anotações efetuadas na Carteira de Trabalho, a prova do contrato de trabalho poderá ser feita por qualquer meio admitido em direito, uma vez que deve-se atentar ao princípio da primazia da realidade, segundo o qual no processo do trabalho o juiz deverá estar em busca da verdade real, mais do que aquilo que as partes tenham pactuado de forma mais ou menos solene.
Além dos casos em que o obreiro necessitar de provas documentais para fundamentar suas pretensões, enfrentará ainda dificuldades sempre que precisar valer-se de provas testemunhais.
3.2.3. Das provas testemunhais.
Segundo Renato Saraiva, testemunha é “a pessoa chamada a juízo para depor sobre fatos constantes do litígio, atestando ou não a veracidade dos mesmos ou ainda prestando esclarecimentos sobre fatos indagados pelo magistrado” (SARAIVA. 2007. p. 353) e, segundo Schiavi, “é a pessoa física capaz, estranha e isenta com relação às partes, que vem a juízo trazer as suas percepções sensoriais a respeito de um fato relevante para o processo do qual tem conhecimento próprio” (SCHIAVI. 2011. p. 638).
Portanto, tem-se que a testemunha necessariamente deve ser uma pessoa física, estranha às partes, que tenha conhecimento do fato litigioso, e, por fim, deve ser pessoa capaz, apta a depor. É tida como colaboradora da justiça, prestadora de serviço público relevante.
Atualmente, esta espécie de prova não tem gozado de grande prestígio, de certo pelo fato de serem forjados diversos testemunhos, com a finalidade de provar fatos que não vieram efetivamente a ocorrer. É tida como um meio de prova falível, por depender diretamente das percepções sensoriais do ser humano.
Muito embora se reconheça que esta prova tem perdido seu valor, na prática ainda é um dos meios probatórios mais empregados na justiça do trabalho. Por vezes, é o único meio de prova disponível pelo reclamante. Em se tratando de procedimento ordinário, cada parte poderá se valer de até 03 (três) testemunhas, e em se tratando de inquérito para apuração de falta grave, este número poderá chegar a 06 (seis) testemunhas. Nos casos de procedimento sumaríssimo, o limite será de apenas 02 (duas) testemunhas.
As testemunhas podem ser instrumentárias ou judiciais. As primeiras são aquelas convocadas para assistir a lavratura e assinatura de um instrumento escrito, seja este público ou particular, devendo estas assinar o referido documento. As testemunhas judiciais, por sua vez, são aquelas pessoas chamadas a juízo para depor de fatos atinentes ao litígio. As testemunhas judiciais podem ser oculares e auriculares (se presenciaram ou tiveram notícia do fato, nesta ordem), originárias e referidas (conforme indicadas pelas partes ou mencionadas por outras testemunhas, respectivamente).
As testemunhas judiciais podem ainda ser tido por inidôneas, se afetadas por algum vício de credibilidade. São estas as testemunhas suspeitas, impedidas, escusadas de depor, dentre outras.
Se ao trabalhador não é fácil dispor de documentos que atestem a veracidade de suas alegações, imagine-se, então, quando trata-se de provas testemunhais. Dificilmente o obreiro poderá contar com o testemunho de colegas de trabalho, que não ousarão por em risco o emprego com o qual provêem seu sustento, contrapondo-se aos interesses do patrão.
Mais uma vez, o reclamante se encontra em situação desfavorável face ao empregador, pois este poderá disponibilizar testemunhas dentre aquelas que ainda lhe prestam serviços que, pela condição de subordinação, dificilmente atestarão a existência de fatos que acarretem prejuízos às pretensões patronais, enquanto o obreiro dificilmente poderá contar com a colaboração de outros empregados que com ele laboravam, a menos que estes também já tenham sido dispensados.
Fica explícita mais uma manifestação da gritante desigualdade material existente entre empregados e empregadores, no momento da produção das provas a serem levadas a juízo, o que, mais uma vez é aqui afirmado, inviabiliza uma igualdade processual plena. Deve ser, portanto, instalada uma certa “desigualdade” processual, para balancear a relação em questão, atribuindo certas vantagens, no processo, aos trabalhadores, inclusive no que diz respeito à valoração do aparato probatório, o que justifica, mais uma vez, a aplicação do princípio do in dubio pro operario.
Além disso, conforme muito já se afirmou, o direito processual é instrumento a serviço do direito material ao qual s encontra conexo, não podendo deste se distanciar a ponto de ficar ás margens de suas peculiaridades. Deste modo, o caráter protecionista do direito material do trabalho deve sim estender-se à seara processual, especialmente no que tange à matéria probatória, pois na ocasião em que necessita o obreiro deste ônus, é quando as desigualdades materiais entre este e o empregador se tornam mais gritantes.
Se o objetivo do direito processual trabalhista é garantir a efetividade do direito material ao qual se encontra conexo, então, deverá permanecer atento às dificuldades enfrentadas pela classe obreira, no que diz respeito à produção do substrato probatório de que necessita para fundamentar seus pedidos.
Imagine-se a situação que segue. Comparecendo as partes à audiência, trazem consigo, reclamante e reclamado, as testemunhas que têm disponíveis e, não raro, aquelas trazidas pelo empregador tratam de apresentar os fatos de forma totalmente contrária aos interesses do reclamante, inclusive, de forma diversa daquela como foram apresentados pelas testemunhas do obreiro. Nestes casos, nos quais o magistrado depara-se com situações de prova empatada ou mesmo de um contexto probatório desfavorável ao obreiro, deverá atentar para a condição de hipossuficiência do trabalhador, especialmente no que diz respeito à produção de provas.
Poderá então, o magistrado, aplicar nestes casos, o princípio do in dubio pro operario, sem que haja de se falar em lesão ao princípio constitucional processual da isonomia (questão esta que foi objeto de análise pormenorizada no capítulo anterior).
3.2.4. Da prova pericial.
Outra espécie de prova que merece análise a este ponto, já tendo sido mencionada em momentos outros, é a prova pericial. A necessidade da prova pericial para o processo reside no fato de que o magistrado, não obstante seja um técnico em direito, não possui conhecimentos técnicos que abarquem todos os campos do conhecimento humano. Por diversas vezes, as controvérsias processuais necessitam da análise de questões que fogem à seara jurídica, do que surge a necessidade de recorrer a outros profissionais especializados na matéria em questão.
Renato Saraiva conceitua a prova pericial como “a espécie de prova que objetiva fornecer esclarecimentos ao juiz a respeito de questões técnicas, que extrapolam o conhecimento científico do julgador” (SARAIVA. 2007. p. 373). A citar Humberto Theodoro Júnior, Mauro Schiavi considera que, de certa forma, a prova pericial é meio de prova que se aproxima da prova testemunhal, tendo sido os peritos considerados, do direito antigo, como testemunhas. (SCHIAVO. 2011. p. 659).
Deste modo, conforme determina o art. 145 do Código de Processo Civil, sempre que a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, este escolhido entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente. O perito deverá comprovar sua especialidade na matéria sobre a qual deverão opinar, mediante uma certidão do órgão profissional no qual estão inscritos.
A nomeação do perito é realizada pelo magistrado, que o poderá escolher livremente, nos locais onde não houver órgão de classe. Regra geral, no entanto, deverá haver correlação entre a especialidade do profissional e a natureza do exame, inspeção ou vistoria a ser realizada, podendo as partes, no prazo de 05 (cinco) dias, nomear assistentes técnicos, se assim julgarem pertinente.
A jurisprudência pátria é mansa no sentido de que o perito deve necessariamente ser um especialista na área em que deverá opinar, pois de outro modo não poderá emitir laudo pericial de qualidade bastante para servir como meio de prova. A única exceção à regra se verifica nas localidades em que não houverem profissionais qualificados que preencham os requisitos legais. Somente nestes casos é que poderá o magistrado nomear o perito livremente. Não faz mal observar alguns julgados neste sentido:
48293083 - PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SERVIÇO MÉDICO. HOSPITALAR. FALHA. ALEGAÇÃO. PERÍCIA MÉDICA. INDISPENSABILIDADE. PERITO. ESPECIALIZAÇÃO. DESCONFORMIDADE COM A MATÉRIA A SER ELUCIDADA. INSUBSISTÊNCIA DA NOMEAÇÃO. INDICAÇÃO DE NOVO EXPERTO. NECESSIDADE. 1. O legislador processual, com pragmatismo e com o nítido propósito de velar pela qualidade da prova técnica e pela sua destinação teleológica, preceitua que os peritos serão escolhidos entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, deverão comprovar sua especialidade na matéria sobre a qual deverão opinar e somente nas localidades em que não houver profissionais qualificados que preencham aludidos requisitos é que a indicação do experto será de livre escolha do juiz (CPC, art. 145, §§ 1º, 2º e 3º). 2. Emergindo da regulação normativa a constatação de que a perícia deve ser consumada por médico com especialidade na matéria que será elucidada, não estando o juiz municiado de discricionariedade para confiar sua consumação a detentor de especialização diversa quando no Distrito Federal efetivamente atuam profissionais providos da especialização requerida, o preceituado pelo legislador deve sobejar e o juízo perante o qual flui a ação envidar diligência destinada ao cadastramento de expertos devidamente habilitados de conformidade com a matéria a ser examinada. 3. O fato de não subsistir nos quadros de peritos do juízo perante o qual flui a ação e da corregedoria de justiça experto detentor da habilidade exigida previamente cadastrado não legitima a desconsideração do legalmente emoldurado, ensejando a insubsistência de profissional especialista previamente arrolado a efetuação de diligência destinada ao cadastramento de especialistas aptos a efetivarem a prova pericial, e não a relegação da exigência legal que, inclusive, poderá repercutir na qualidade da prova reputada indispensável à elucidação da matéria controversa. 4. Agravo conhecido e provido. Unânime. (TJDF; Rec. 2010.00.2.001237-5; Ac. 414.262; Quarta Turma Cível; Rel. Des. Teófilo Caetano; DJDFTE 07/04/2010; Pág. 121. Exclusividade Magister: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
54678620 - PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ENTIDADE FILANTRÓPICA. JUSTIÇA GRATUITA. INDEFERIMENTO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA ALEGADA HIPOSSUFICIÊNCIA. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. CABIMENTO. SUBSTITUIÇÃO DE PERITO EM RAZÃO DA ESPECIALIDADE. ART. 145, § 2º DO CPC. POSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. É entendimento majoritário do STJ e deste tribunal que para ter direito à Assistência Judiciária Gratuita, a pessoa jurídica, mesmo sendo entidade sem fins lucrativos, deve comprovar não ter condições de suportar os encargos do processo. - O artigo 14 § 4º do CDC prevê a responsabilidade pessoal do profissional médico por culpa, que pode ser aferida na lide secundária a teor do art. 70, III, do CPC, não se admitindo a denunciação da lide, conforme prevê o art. 88 do CDC, somente nas hipóteses do art. 13 e de seu parágrafo único. - Em que pese ser o juiz o destinatário da prova, detendo poderes inclusive para nomear o perito, ele não se deve olvidar de que a prova pericial tem a finalidade de esclarecer questões técnicas e científicas, sendo necessária a observância da especialidade do expert na matéria em discussão, conforme determinação do art. 145, § 2º, CPC. - Recurso conhecido e provido em parte. (TJMG; AGIN 1.0625.09.087358-3/0011; São João Del-rei; Décima Sétima Câmara Cível; Relª Desª Marcia de Paoli Balbino; Julg. 10/06/2009; DJEMG 01/07/2009. Exclusividade Magister: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009) (destacou-se).
48198945 - APELAÇÃO CÍVEL. AGRAVO RETIDO. PERÍCIA TÉCNICA. SUBSTITUIÇÃO DE PERITO. AUSÊNCIA DE NOMEAÇÃO. CAPACIDADE TÉCNICA NÃO COMPROVADA. CERCEAMENTO DE DEFESA. LAUDOS CONTRADITÓRIOS. NECESSIDADE DE 2ª PERÍCIA. I - O profissional de qualquer área, para atuar em juízo na qualidade de perito, deve ser escolhido entre aqueles de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, devendo comprovar sua especialidade na matéria. II - O perito substituto, assim como aquele que foi substituído, deve ser oficialmente nomeado, verificando-se a sua qualificação e nível de conhecimento, em estrita observância legal, para que às partes seja dada a oportunidade de impugnar sua atuação, sob pena de cerceamento de defesa. III - Deferida a prova pericial e sendo os laudos e esclarecimentos apresentados por peritos diversos, havendo contradição nos mesmos e podendo esta causar sérios prejuízos a qualquer dos litigantes, a realização de uma segunda perícia é medida que se impõe. lV - Agravo retido provido, para cassar a sentença. Prejudicada a apelação. (TJDF; AC 2000.01.1.067205-4; Ac. 281735; Primeira Turma Cível; Rel. Des. Nívio Geraldo Gonçalves; DJU 20/09/2007; Pág. 84)
Deverá o perito cumprir o ofício no prazo que lhe determina a lei, o fazendo com diligência, nos termos do art. 146 do Código de Processo Civil Brasileiro. Poderá ainda, conforme o mesmo dispositivo legal, ante motivo legítimo, escusar-se do encargo. Deverá apresentar a escusa no período de 05 (cinco) dias, contados a partir da intimação ou do impedimento superveniente, sob pena de reputar-se renunciado o direito a alegá-la.
A prova pericial, conforme dispõe o artigo 420 do CPC, consistirá em exame, vistoria ou avaliação. Há autores que adicional a esta classificação ainda outra modalidade de prova pericial, qual seja, o arbitramento, que ocorrerá sempre que por meio de perícia se necessite verificar o valor, quantidade ou qualidade do objeto litigioso.
O exame é a inspeção sobre a pessoa, coisas ou semoventes, com o intuito de verificar os fatos relevantes para a causa. Como exemplos de exame no processo do trabalho pode-se citar as perícias médicas para apuração de doença ocupacional (visando garantir a estabilidade empregatícia), ou mesmo a perícia grafotécnica, que visará verificar a autenticidade de documento, tal como a assinatura do obreiro em recibo de pagamento de salários.
A vistoria é a inspeção sobre determinados locais ou imóveis (no caso da justiça do trabalho, entenda-se, local de trabalho, onde o obreiro desempenha suas funções). Visa apurar a insalubridade ou periculosidade do ambiente de trabalho. Valentin Carrion lembra que a perícia é obrigatória para verificação de insalubridade, conforme determina a Orientação Jurisprudencial n° 278 da SDI-1 do TST. Afirma ainda que a verificação do agente insalubre no ambiente de trabalho, com a conseqüente condenação do pagamento do referido adicional, não pode decorrer da “simples presunção da existência do agente nocivo no local de trabalho do empregado” (CARRION. 2010. p. 218-219).
Por fim, a avaliação é o exame que presta-se à estimação do valor de determinadas coisas, bens ou obrigações. Via de regra, é a investigação do preço de mercado de determinado bem.
No que tange à prova pericial, entende-se ser mais sutil a manifestação da hipossuficiência da parte obreira na relação processual. É certo que, na maior parte dos casos, o trabalhador também não detém conhecimentos técnicos na área em que se fará realizada a perícia, porém, tal fato pouco terá influência na relação processual, uma vez que os peritos serão nomeados pelo juízo, e, estando a parte assistida por advogado diligente, o mesmo tratará de indicar os assistentes técnicos, se assim entender necessário.
3.2.5. Da inspeção judicial.
A última espécie de prova à qual se dedicará alguns comentários neste desenvolvimento é a inspeção judicial. Trata-se do meio probatório no qual o magistrado emprega suas percepções sensoriais diretamente sobre qualidades ou circunstâncias corpóreas de pessoas ou coisas relacionadas ao litígio (SCHIAVI. 2011. p. 670).
Trata-se de faculdade do juiz, ou seja, somente será empregada se o mesmo entender necessária para formação de sua convicção. Em se tratando de meio de prova legalmente previsto, necessitará se dar em observância ao princípio do contraditório, caso contrário, estará eivada de vício ensejador de nulidade.
A inspeção judicial poderá ocorrer na sede do juízo ou no local onde se encontra a pessoa ou coisa. Deverá ser no local específico sempre que a coisa não puder ser trazida a juízo sem graves dificuldades ou consideráveis despesas, ou ainda quando assim requer a reconstituição dos fatos. Após determinada a inspeção, o juiz deverá determinar o dia, hora e local da mesma, intimando as partes para, caso assim desejarem, acompanhá-la, prestando esclarecimentos e fazendo as observações interessantes à causa.
Com a conclusão da diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado, onde constarão todas as informações que considerar relevantes ao julgamento do feito, incluindo fotografias, desenhos, dentre outros. Interessante lembrar que as partes devem necessariamente ser notificadas a respeito da inspeção judicial, ou seja, devem ser intimadas do dia, local e hora da diligência, caso contrário não se estaria garantindo observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Não de outra forma tem se posicionado a jurisprudência pátria:
29013895 - INSPEÇÃO JUDICIAL. REALIZADA SEM O CONHECIMENTO DAS PARTES. NÃO OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. NULIDADE DA DECISÃO. A inspeção judicial pressupõe a observância do devido processo legal, razão pela qual têm as partes o direito de assisti-la, de prestarem esclarecimentos e de fazerem as observações que reputem de interesse da causa (art. 442, parágrafo único, CPC). Magistrada que após o encerramento da instrução processual, sem reabri-la e sem dar ciência às partes, resolve, de forma inusitada, instalar-se como hóspede comum no hotel que se encontra no pólo passivo da ação, para colher informações sobre a rotina dos garçons que ali trabalham (função exercida pelo reclamante), utilizando tais informações para fundamentar sua decisão, infringe os princípios do contraditório e da ampla defesa. Como preleciona Antonio Carlos de Araújo Cintra, citando Gildo dos Santos "sem prévia intimação das partes, a inspeção é nula, transformando o juiz em testemunha e levando-o a usar do seu conhecimento privado para o julgamento da causa" (Comentários ao CPC - Editora Forense - 1ª Edição - Volume IV, pág. 238). Preliminar de nulidade da sentença acolhida. (TRT 15ª R.; RO 3321-2005-145-15-00-6; Ac. 29804/07; Décima Câmara; Rel. Des. Fernando da Silva Borges; DOESP 29/06/2007; Pág. 100. Exclusividade Magister: Repositório autorizado do STF nº 41/2009, do STJ nº 67/2008 e do TST nº 35/2009).
Neste ponto, diverge Mauro Schiavi do entendimento acima posto, ao afirmar que:
[...] embora o CPC diga que as partes têm direito de assistir à diligência, poderá o juiz do trabalho, considerando os princípios da efetividade processual e busca da verdade real (arts. 765, da CLT e 130 do CPC), postergar o contraditório para a fase posterior ao término da diligência, pois a realidade tem demonstrado que, no âmbito trabalhista, dificilmente a inspeção judicial terá eficácia se as partes, e principalmente determinada empresa, forem previamente avisadas da inspeção judicial. Não se está com isso desconsiderando o contraditório, mas alterando o seu momento, uma vez que já está sedimentado na doutrina que, em determinados casos, o contraditório não precisa ser prévio, podendo juiz, à luz dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e efetividade, avaliar o custo-benefício e postergá-lo. (SCHIAVI 2011. p. 671).
A este ponto, já conferiu-se o devido tratamento a todas as espécies de provas consideradas pela maior parte da doutrina, apontando em quais destas espécies encontrará o obreiro maiores dificuldades quando necessário for desincumbir-se do ônus probatório que lhe é imposto ante às alegações feitas no curso do processo. Tratou-se, então, das provas documentais, testemunhais, periciais, da inspeção judicial e, ainda, do interrogatório e do depoimento pessoal. Conforme já se o disse antes, as primeiras duas espécies de provas mencionadas são aquelas nas quais o obreiro efetivamente enfrentará dificuldades relevantes, nestes casos teremos manifestações mais nítidas da hipossuficiência de que tanto se fala.
Nos casos das provas documentais, estas dificuldades provêm do fato de que o empregador em muitos casos retém a documentação relativa ao contrato de trabalho (até mesmo a CTPS, não obstante a sua retenção indevida – por período superior ao legalmente previsto, enseje indenização por danos morais e multa diária), ou mesmo vem a produzir documentos unilateralmente, como recibos falsos, dentre outros.
Por sua vez, e conforme já afirmou-se, as provas testemunhais também dificilmente poderão ser produzidas pelo obreiro, uma vez que os demais empregados que ainda se encontram prestando serviços ao empregador (reclamado) dificilmente se disporão a prestar depoimentos em juízo que contrariem as pretensões do patrão, pois estarão colocando em risco o emprego que lhes provê o sustento. Por outro lado, o empregador disporá destes mesmos empregados para lhe ceder o testemunho dos fatos, estando estes manipulados ou não de forma a serem apresentados ao juiz da forma que lhe confirmem todas as alegações.
Face a esta situação de hipossuficiencia material do empregado face ao empregador é que justifica-se a incidência dos princípios protecionistas no âmbito processual trabalhista, conforme já apontado no capítulo anterior. Exatamente a incidência de tais princípios que gera a existência de algumas prerrogativas processuais em favor do obreiro que, via de regra, encontra dificuldades em provar suas alegações. Somente desta forma se poderia cogitar de uma perspectiva em que reclamante e reclamado se encontrem em situação de paridade de armas.
Tamanhas as desigualdades materiais entre a classe obreira e os empregadores que não se poderia deixar de justificar uma certa vantagem aos primeiros no contexto de uma reclamação trabalhista, por meio da incidência do princípio maior da proteção e, como conseqüência, do seu desdobramento, o in dubio pro operario. Ao falar-se da incidência deste princípio na seara processual trabalhista, afirma-se, ainda, da sua aplicabilidade no que tange à valoração do aparato probatório disponibilizado pelas partes processuais.
Conforme afirmou-se outrora, a doutrina divide-se em duas grandes correntes no que diz respeito à aplicação ou não do in dubio pro operario à valoração das provas, a primeira delas a favor, e a segunda contrária à aplicação da norma principiológica. Ambas as correntes tiveram seus principais argumentos dissecados e expostos na tabela 01, no primeiro capítulo, à qual se remete.
Optou-se pela corrente positiva por acreditar-se que esta atende perfeitamente à finalidade social dos direitos material e processual do trabalho, que é exatamente a de combater as desigualdades entre a classe trabalhadora e os empregadores, dirimindo os conflitos em uma perspectiva de igualdade entre as partes. Ademais, não deve-se negar que o direito processual possui um caráter instrumental, que acarreta a invasão deste pelo protecionismo oriundo do direito material do trabalho.
Ainda, reitera-se, com a aplicação do referido princípio se está a prezar pela manutenção de uma isonomia substancial, e não meramente formal. Significa tratar de forma desigual os desiguais, na medida de suas desigualdades.
Em resumo, trata-se do posicionamento defendido durante todo este desenvolvimento, com base no substrato teórico já apresentado até então. A partir deste momento, este estudo passa a cumprir com outra finalidade, qual seja, aquela de analisar de que forma têm se posicionado os magistrados dos Tribunais Regionais do Trabalho do país, além do próprio Tribunal Superior do Trabalho, a respeito do tema.
4. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO OPERÁRIO: UMA ANÁLISE DE COMO VEM SENDO APLICADA A NORMA PRINCIPIOLÓGICA NO ÂMBITO DOS TRIBUNAIS REGIONAIS DO TRABALHO E DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO
A partir deste ponto do presente desenvolvimento se passa à análise do objeto principal ao qual dedica-se o trabalho proposto. Já desenvolveu-se, em outro momento, análise teórica a respeito dos princípios protecionistas justrabalhistas, mais especificamente do princípio do in dubio pro operario, visando justificar a sua aplicabilidade ao processo do trabalho, transpondo os limites do direito material conexo.
Justificada a adoção de posicionamento favorável à aplicabilidade da referida norma principiológica ao processo trabalhista e, ainda, à própria análise das provas pelo magistrado, por todo o exposto alhures, passa-se a uma análise a respeito de como vem sendo aplicado o princípio em questão pelos tribunais pátrios.
Conforme já demonstrado, em âmbito doutrinário verifica-se uma cisão; de um lado, aqueles que entendem pela aplicabilidade do princípio protecionista no processo do trabalho, e de outro aqueles que são contrários a esta aplicação, geralmente vinculados a posicionamentos mais conservadores.
Para realização deste intento, se procederá a uma análise jurisprudencial, consistente em pesquisa realizada para coleta de julgados que tratem do assunto em tela. Realizada a coleta e seleção dos julgados pertinentes, estes serão analisados a fim de construir-se uma visão geral a respeito da aplicação prática da norma principiológica pela justiça especializada trabalhista.
Escolheu-se realizar a pesquisa no âmbito de todos os Tribunais Regionais do Trabalho do país, bem como do Tribunal Superior do Trabalho, isso porque, em verdade, os julgados a respeito do assunto, que tratam da norma principiológica do in dubio pro operario de forma mais explícita são um tanto escassos, e restringir a análise ao âmbito de um tribunal específico poderia inviabilizar a pesquisa pela não obtenção de material bastante para desenvolver-se uma análise científica segura a respeito do assunto, e bastante para satisfazer a natureza do presente desenvolvimento.
Pertinente, então, antes de expor os resultados da pesquisa realizada, fazer uma breve análise a respeito do objeto ao qual volta-se esta, qual seja, a jurisprudência.
4.1 Do conceito de jurisprudência e suas finalidades.
Conforme as lições do Professor Leib Soilbeman, no direito anglo-americano, o vocábulo “jurisprudence” pode ter várias acepções, sendo empregado para designar as decisões dos tribunais, a ciência do direito, a filosofia do direito, o estudo dos princípios jurídicos fundamentais, estudo dos institutos jurídicos, dentre outros. No âmbito do direito pátrio, segundo o mesmo autor, a jurisprudência tem designado o “conjunto das decisões dos tribunais sobre as questões de direito.” (SOILBEMAN. 1978. p. 210).
Por sua vez, ensina o jurista José Náufel em sua obra que, entre os antigos romanos, a jurisprudência representava “o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto, na definição de Ulpiano.” Consistia, segundo o autor, na própria ciência do direito. Atualmente, continua, representa exatamente na interpretação que os tribunais dão à lei, faca aos casos concretos que são postos em análise (NÁUFEL. 1976. p. 107).
A importância da jurisprudência consiste no fato desta representar o principal mecanismo de dinamização da lei escrita. Sabe-se que o fato social não é estático, a sociedade permanece em constante mutação, o que implica no surgimento de novos valores e no abandono de outros já tidos por antiquados. A norma reguladora não pode permanecer alheia a estas mudanças, muito embora muitas vezes isso acabe ocorrendo.
Verificando-se que a lei não mais se encaixa perfeitamente ao fato social, acabando por ocasionar injustiças nos casos concretos quando de sua aplicação literal, cabem aos aplicadores da lei atribuir-lhe sentido conforme os anseios mais modernos da sociedade. É essa a função da jurisprudência, atribuir interpretação cabível à letra da lei, à luz dos novos valores sociais e dos princípios gerais e específicos de direito.
Segundo Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos de Araújo Cintra, ainda gera controvérsias a inclusão ou não da jurisprudência entre as fontes do direito, exatamente pelo fato de que há aqueles que defendem posicionamento no sentido de que os juízes e tribunais devem apenas julgar de acordo com o direito já expresso por outras fontes, enquanto outros defendem que os magistrados, por meio das suas decisões, dão expressão às normas jurídicas (CINTRA. 2008. p. 98). O segundo posicionamento demonstrado é mais razoável, exatamente pelos motivos já apontados: o magistrado não pode aplicar literalmente a lei, quando esta já não mais satisfaz os novos anseios sociais. O conceito mesmo de justiça não é estático, sofre mutações ao decorrer do tempo.
A análise jurisprudencial é muito importante quando se busca entender qual o entendimento adotado pelos tribunais pátrios acerca de determinado tema específico, no caso do presente trabalho, exatamente a possibilidade de aplicação do in dubio pro operario no âmbito do direito processual do trabalho.
Delimitada a importância da jurisprudência enquanto ferramenta de dinamização do direito, e justificada a relevância da análise jurisprudencial para o entendimento da aplicação prática de quaisquer institutos jurídicos que se tenha por objeto de estudo, procede-se a uma análise dos julgados selecionados para, ao fim, tentar-se entender qual o entendimento geral da justiça especial trabalhista a respeito da aplicabilidade da norma principiológica do in dubio pro operario.
4.2. Da análise jurisprudencial: exposição de alguns julgados obtidos em pesquisa.
A Justiça do Trabalho Brasileira é composta pelos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT), conjuntamente com as Varas do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), sendo este último o órgão maior da organização judiciária trabalhista, ao qual se encontram vinculados os Tribunais Regionais. Atualmente, a Justiça do Trabalho brasileira conta com 24 (vinte e quatro) Tribunais Regionais do Trabalho espalhados por todo o país.
Deve-se ressaltar que, no caso do estado de São Paulo, este conta com dois Tribunais Regionais do Trabalho, quais sejam, o Tribunal Regional da Segunda Região, que abrange a capital do estado e o Tribunal Regional do Trabalho da décima quinta região, que abrange os demais municípios do estado.
Os Tribunais regionais se encontram dispostos no território nacional da seguinte forma; TRT da 1ª Região com jurisdição no estado do Rio de Janeiro, TRT da 2ª Região com jurisdição na Grande São Paulo e na Baixada Santista, TRT da 3ª Região com jurisdição em Minas Gerais, TRT da 4ª Região, com jurisdição no Rio Grande do Sul, TRT da 5ª Região, com jurisdição no estado da Bahia, TRT da 6ª, 7ª e 8ª Regiões, com jurisdição nos estados do Pernambuco, Ceará, Pará e Amapá respectivamente (o último mencionado abrangendo os dois últimos estados), TRT da 9ª Região abrangendo o estado do Paraná, TRT da 10ª Região abrangendo o Distrito Federal e o estado do Tocantins, TRT da 11ª Região, abrangendo os estados do Amazonas e Roraima, 12ª, 13ª e 14ª Regiões, que abrangem, respectivamente, Santa Catarina, Paraíba e o último os estados do Acre e Rondônia, 15ª Região com jurisdição nos municípios do estado de São Paulo, com exceção da capital e Baixada Santista, 16ª Região, com jurisdição no estado do Maranhão.
Por fim, há ainda os TRT das 17ª, 18ª, 19ª, 20ª, 21ª, 22ª, 23ª e 24ª Regiões, estes com jurisdição nos estados do Espírito Santo, Goiás, Alagoas, Sergipe, Rio Grande do Norte, Piauí, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, respectivamente.
O presente capítulo, conforme já mencionado outrora, se destina ao desenvolvimento de uma análise jurisprudencial que abrange os tribunais regionais do trabalho em todo o território nacional e o tribunal superior do trabalho. Importante ressaltar que os julgados encontrados apresentam em cada uma das fontes onde obtidos formatação diferenciada, bem como são referenciados de formas diversas, em estilo próprio adotado por cada tribunal, motivo pelo qual foram organizados de modo a seguirem neste desenvolvimento uma formatação uniforme.
Deve-se ressaltar que a busca por julgados que contenham menção à norma principiológica em comento não é tarefa das mais simples. Em sua maioria, os julgados encontrados não fazem referência direta ao princípio que se visa analisar, motivo pelo qual somente se trouxe para o presente estudo os julgados que tratassem do tema de forma mais explícita. Como método de pesquisa, utilizou-se os mecanismos de busca disponibilizados nos portais dos órgãos jurisdicionais, isso por tratar-se de método mais célere e eficiente para os fins almejados.
O procedimento adotado foi o de análise de todos os julgados encontrados, trazendo-se para exposição, no entanto, tão somente aqueles mais hábeis a ilustrar a temática em análise.
É claro que a seleção de alguns julgados não se presta a traduzir o posicionamento definitivo de qualquer tribunal sobre determinada questão, porém serve para estabelecer um entendimento a respeito de como tem sido encarado, de forma geral pelo órgão jurisdicional, o objeto de estudo delimitado. O que se visa, então, é tentar entender de que modo tem sido aplicado a norma principiológica do in dubio pro operario e do mesmo modo, o entendimento corriqueiro dos tribunais sobre a questão do ônus da prova.
É necessário ressaltar ainda que, ante os resultados obtidos na pesquisa realizada, não houve necessidade de trazer julgados de cada um dos Tribunais Regionais do Trabalho pesquisados, visto que o posicionamento majoritário encontrado em cada um deles mostrou-se bastante semelhante, pelo que a exposição de todos os julgados obtidos acabaria por tornar-se enfadonha, repetitiva. Por este motivo, a exposição feita tratou somente dos julgados mais interessantes, como já foi colocado.
A primeira constatação decorrente de uma análise jurisprudencial a respeito da aplicação do princípio do in dubio pro operario quando da apreciação de provas no processo do trabalho é que, em primeiro lugar, tem entendido os tribunais pátrios que a referida norma principiológica aplicar-se-ia somente nos casos de dúvida em relação à interpretação da norma aplicável ao caso concreto, devendo esta, nestes casos, ser interpretada sempre em favor do trabalhador.
Esse tem sido o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (por exemplo, no julgamento do recurso ordinário: RO 1362920105040351 RS 0000136-29.2010.5.04.0351. Relator: MARIA MADALENA TELESCA, Data de Julgamento: 16/06/2011, 1ª Vara do Trabalho de Gramado), assim como tem defendido esse posicionamento o próprio Tribunal Superior do Trabalho (em julgamento de recurso de revista: 264400720055070012 26440-07.2005.5.07.0012, Relator: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 12/08/2009, 5ª Turma,, Data de Publicação: 21/08/2009 – remete-se à página 26, onde já colacionou-se a ementa).
Ainda, tem-se verificado julgados nesse mesmo sentido no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, remetendo-se aqui a alguns julgados já trazidos no capítulo primeiro (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD 925200501702004 SP 00925-2005-017-02-00-4, Relator: ADALBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 26/03/2009, 12ª TURMA, Data de Publicação: 03/04/2009 – página 26) e (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO EM RITO SUMARÍSSIMO: RECORD 435200703002000 SP 00435-2007-030-02-00-0, Relator: DAVI FURTADO MEIRELLES, Data de Julgamento: 13/09/2007, 9ª TURMA, Data de Publicação: 05/10/2007).
É possível perceber que estes órgãos jurisdicionais ainda encontram-se vinculados a um posicionamento mais tradicional, pautado na regra “absoluta” do ônus probatório esculpida no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho. Desse modo, traduzem a idéia de que as alegações devem ser comprovadas pela parte que as fizer, sem levar em consideração os aspectos fáticos atinentes à hipossuficiência da classe trabalhadora.
Afirma-se que o princípio do in dubio pro operario não se presta a subverter o ônus da prova, porém, conforme demonstrou-se alhures, a própria regra do ônus da prova já tem sido relativizada. Conforme demonstrado em momento anterior, tem sido reconhecida a possibilidade de o juiz, em caso de dúvida razoável, interpretar a prova em benefício do empregado, geralmente parte hipossuficiente na relação de trabalho, e que não conta com os mesmos recursos para produção do aparato probatório necessário. O argumento primordial que justifica esse posicionamento é o caráter instrumental do processo, que não pode permanecer alheio às peculiaridades do direito material. Se o processo é instrumento do direito material, a lei processual não pode conter disposições que inviabilizem ou dificultem a concretização dos princípios que permeiam o direito material.
Alguns julgados tem exteriorizado posicionamento contrário, inclusive, à aplicação do princípio da proteção ao direito processual trabalhista, refutando, conseqüentemente, a aplicação do princípio do in dubio pro operario, que é corolário do primeiro. Um exemplo que serve para ilustrar tal situação é o julgado trazido abaixo:
Período sem registro. Prova. Princípio de proteção. Inaplicabilidade.O princípio in dúbio pro operário é de natureza exclusivamente hermenêutica, e é utilizado pelo juiz apenas nos casos de lacuna legal ou aparente antinomia entre normas materiais. No âmbito processual o que prevalece são as regras de divisão do ônus da prova. Recurso do autor a que se nega provimento. (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD 2119200805602006 SP 02119-2008-056-02-00-6, Relator: EDUARDO DE AZEVEDO SILVA, Data de Julgamento: 09/02/2010, 11ª TURMA, Data de Publicação: 23/02/2010)
Conforme pode-se observar, trata-se de mais um julgado oriundo do TRT da 2ª Região, fortificando-se os indícios de que o referido tribunal apresenta posicionamento conservador e desfavorável à aplicação da norma princípiológica ao processo trabalhista. No julgado acima, é refutada a aplicação do princípio da proteção ao âmbito processual, e restringe-se a aplicação do in dubio pro operario à seara hermenêutica, nos casos de lacuna na norma ou conflito de normas.
Em que pese haverem julgados que refutem a incidência do princípio protetor, no tópico 1.1 já demonstrou-se que há posicionamento contrário vigente em âmbito jurisprudencial, sendo possível encontrar, com pouca dificuldade, julgados que votaram pela aplicabilidade da referida norma principiológica.
Trazendo a análise para o âmbito dos órgãos jurisdicionais trabalhistas locais, escolheu-se alguns julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região que tratam da questão do ônus da prova no processo trabalhista, dos quais pôde-se observar que o referido tribunal ainda se encontra vinculado à regra do ônus da prova sem possibilidade de relativização.
Os julgados trazidos abaixo foram obtidos em consulta ao portal eletrônico do referido órgão jurisdicional, e, embora não tratem diretamente da norma principiológica em comento, demonstram que ainda há uma exacerbada rigidez na aplicação da norma do ônus da prova esculpida no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho. Seguem três dos julgados obtidos na pesquisa, que se prestam a ilustrar a situação apontada:
NÚMERO ÚNICO: 00907-2005-001-16-00-0-RO (49187)
DES(A). RELATOR(A): ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO
DES(A). REVISOR(A): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DES(A). PROLATOR DO ACÓRDÃO(A): ILKA ESDRA SILVA ARAÚJO
DATA DE JULGAMENTO: 12/12/2006 - DATA DE PUBLICAÇÃO: 24/01/2007
EMENTA: RELAÇÃO EMPREGATÍCIA. AUSÊNCIA DE PROVA NOS AUTOS. IMPROCEDÊNCIA DA INICIAL. Compete à parte reclamante o ônus de demonstrar o fato constitutivo do seu direito, a teor do disposto no art. 818 da CLT c/c o art. 333, I, do CPC. Não se desincumbe do seu onus probandi o(a) autor(a) que deixar de trazer aos autos prova hábil a demonstrar a vinculação empregatícia alegada, devendo, nessa hipótese, ser julgado improcedente o pleito da inicial. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO em que são partes MARIA DE FÁTIMA DINIZ (recorrente) e COMPANHIA ENERGÉTICA DO MARANHÃO-CEMAR (recorrida) (destacou-se)
NÚMERO ÚNICO: 00322-2009-002-16-00-0-RO (90723)
DES(A). RELATOR(A): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DES(A). PROLATOR DO ACÓRDÃO(A): LUIZ COSMO DA SILVA JÚNIOR
DATA DE JULGAMENTO: 01/06/2011 - DATA DE PUBLICAÇÃO: 09/06/2011
EMENTA: VÍNCULO EMPREGATÍCIO. ÔNUS DA PROVA. Na esteira das regras insculpidas nos artigos 333, I do CPC e 818 da CLT, o ônus de provar a relação de emprego, quando negada pelo empregador, é do empregado, por se tratar de fato constitutivo do direito deste. Se o autor desse mister não se desincumbiu, não pode ter o provimento jurisdicional favorável à sua tese. Recurso conhecido e não provido (destacou-se).
NÚMERO ÚNICO: 01709-2003-004-16-00-1-RO (65009)
DES(A). RELATOR(A): AMÉRICO BEDÊ FREIRE
DES(A). REVISOR(A): JOSÉ EVANDRO DE SOUZA
DES(A). PROLATOR DO ACÓRDÃO(A): AMÉRICO BEDÊ FREIRE
DATA DE JULGAMENTO: 13/05/2008 - DATA DE PUBLICAÇÃO: 28/05/2008
EMENTA: VÍNCULO EMPREGATÍCIO. INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS CARACTERIZADORES DA RELAÇÃO. ARTIGO. 3º, DA CLT. Não restou evidenciada nos autos a existência do vínculo empregatício entre as partes, ante a ausência de provas dos elementos caracterizadores na relação laboral, nos termos do artigo 3º, da CLT, razão pela qual mantém-se a sentença que julgou improcedente a reclamação trabalhista.Recurso conhecido e improvido (destacou-se);
Conforme é verificável nos julgados acima postos, tratam-se de casos nos quais o reclamante pleiteia o reconhecimento do vínculo de emprego e tem o pleito negado por falta de provas. Tais julgados fundamentam-se tão somente na regra do ônus da prova esculpida no art. 818 Consolidado, sem atentar para o fato de que, dada a hipossuficiência do trabalhador e a sua constante impossibilidade material de produção de provas, na grande maioria dos casos concretos o obreiro não logrará aparato probatório bastante para satisfazer o magistrado e auxiliá-lo efetivamente na formação de sua convicção.
Não trata-se de conceder direito a alguém que não forneça qualquer prova do que alega, trata-se, na verdade, de garantir maior lastro às provas trazidas pelo obreiro, isso porque o empregador terá maior facilidade em produzir provas que tragam fundamento aos fatos desconstitutivos do direito do operario. Conforme já afirmou-se em outro momento, tal não representa uma quebra na isonomia da relação processual, mas sim o favorecimento de uma isonomia real, material, efetiva.
É possível observar na prática trabalhista que, em geral, predominam as relações de emprego informais, em detrimento daquelas que se processam de acordo com a legislação vigente. Inúmeros são os casos nos quais o empregado, desolado, procura assistência jurídica alegando que aceitou emprego que lhe foi ofertado sem assinatura da Carteira de Trabalho e Previdência Social, pois o empregador alegava que não poderia arcar com os encargos trabalhistas em geral, dentre eles os depósitos fundiários e previdenciários, ou sequer poderia pagar o valor total do salário mínimo vigente. Nessa situação, anos se passam sem que o obreiro tenha recebido qualquer documentação que comprove ou ao menos represente indício do vínculo empregatício.
É no mínimo cruel que se exija provas cabais de um trabalhador que sequer possui qualificação para entender os direitos trabalhistas que lhe cabem, ou exigir que este entenda que não deveria ter aceitado trabalhar nessas condições, considerando-se a situação geral de desemprego que se instalou já de muito no país.
A verdade é que o trabalhador desempregado não pode deixar de aceitar proposta de emprego, ainda que em condições informais, sem quaisquer garantias, pois na pior das hipóteses irá obter, enquanto perdurar a relação de emprego, sustento para si e para seus familiares.
Como poderá comprovar, então, a relação de emprego previamente existente, se não possui registro de vínculo empregatício na CTPS, jamais tendo recebido recibos ou contracheques que discriminem os salários pagos, e ainda ante a grande dificuldade de apresentar provas testemunhais, visto que os demais trabalhadores nas mesmas condições dificilmente se prestarão a contrariar os interesses do empregador, pondo em risco, assim, a sua relação de emprego. O empregador, por sua vez, poderá disponibilizar testemunhas dentre aquelas que ainda se encontram a ele submetidas, e, nessas condições, dificilmente atestarão a existência de fatos que acarretem prejuízos às pretensões patronais.
Nestes casos, se deverá atentar para o princípio justrabalhista da primazia da realidade, segundo o qual deve-se observar os fatos reais, aquilo que realmente ocorreu no âmbito do pacto laboral, em detrimento do que tenham as partes firmado (ou não) em documentos formais. Em outras palavras, o que gera direito em âmbito trabalhista são os fatos, e não documentos envoltos em formalidades.
O posicionamento exposto nos julgados trazidos à análise traduz, de forma geral, o que se encontrou em todos os demais julgados obtidos. No âmbito do TRT da 16ª Região, nenhum dos julgados encontrados tratou, de forma explícita, do princípio do in dubio pro operario, mas demonstraram, conforme já foi dito, que o tribunal local ainda encontra-se vinculado a posicionamento em favor da regra do ônus probatório das partes, sem qualquer possibilidade de relativização.
De outro modo, no caso do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo – SP), os julgados encontrados trataram de forma bastante específica da norma principiológica em estudo, e demonstraram, que, também no caso deste órgão jurisdicional, não é reconhecida a aplicabilidade do in dubio pro operario à apreciação das provas no processo trabalhista.
Com mais facilidade, neste caso, pode-se encontrar julgados pertinentes sobre o tema, ao contrário dos órgãos jurisdicionais analisados anteriormente. Alguns dos julgados mais interessantes encontrados são os que seguem:
EMENTA. PROVA TESTEMUNHAL INCONSISTENTE. ÔNUS DE PROVA. NÃO APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO. Com razão o julgado. Ao contrário do que afirma o Autor, o princípio in dubio pro operario não tem aplicação, em nosso entendimento, na apreciação da prova. Neste momento, é imperioso observar a quem foi distribuído o ônus. Na matéria em análise, como dito, o ônus cabia ao Reclamante. Sua testemunha, frágil, não foi apta a afastar a presunção de veracidade das declarações constantes da Carteira Profissional. As diferenças apontadas no depoimento das testemunhas e o quanto afirmado pelo Autor são muito grandes e a distância temporal entre os acontecimentos e o depoimento de apenas um ano. Não há razão para justificar esta grandeza de desvio. (TIPO: RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 04/08/2011. RELATOR(A): FRANCISCO FERREIRA JORGE NETO. REVISOR(A): BENEDITO VALENTINI. ACÓRDÃO Nº: 20110980527. PROCESSO Nº: 01712000320095020027 ANO: 2011. TURMA: 12ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 12/08/2011. PARTES: RECORRENTE(S): JOSE GOMES BARBOSA. RECORRIDO(S): TNT MERCURIO CARGAS ENCOM EXPRESSAS S/A. Rapidão Cometa Logistica e Transporte AS. .Exclusiva Agenciamento e Terceiriz LTDA) (destacou-se).
EMENTA. RECURSO ORDINÁRIO. ÔNUS DA PROVA. PROVA ORAL DIVIDIDA. A prova oral restou dividida, pelo que se torna forçoso concluir que o autor não se desincumbiu efetivamente do ônus de comprovar fato constitutivo do seu direito, em conformidade com o disposto no artigo 818 da CLT c/c artigo 333, I, da CLT, bem como, em observância ao princípio da persuasão racional, já que afastada, em matéria probatória, a aplicação do princípio in dubio pro operario. (TIPO: RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 25/11/2010. RELATOR(A): MARCELO FREIRE GONÇALVES. REVISOR(A): IARA RAMIRES DA SILVA DE CASTRO. ACÓRDÃO Nº: 20101236179. PROCESSO Nº: 01016006620095020067 (01016200906702003). ANO: 2009 TURMA: 12ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 10/12/2010. PARTES: RECORRENTE(S): Rinaldo José da Silva. RECORRIDO(S): Prosegur Brasil S/A Transp de Valores e) (destacou-se).
EMENTA. Horas extras. Prova. Princípio de proteção. Inaplicabilidade. O princípio in dubio pro operario é do campo da hermenêutica, utilizado nos casos de lacuna legal ou de aparente antinomia entre normas materiais. No âmbito do processo, prevalecem as regras de distribuição do ônus da prova. Recurso do autor a que se nega provimento. TIPO: RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 20/04/2010. RELATOR(A): EDUARDO DE AZEVEDO SILVA. REVISOR(A): ROSA MARIA VILLA. ACÓRDÃO Nº: 20100335351. PROCESSO Nº: 01347-2007-391-02-00-0 ANO: 2009. TURMA: 11ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 27/04/2010. PARTES: RECORRENTE(S): Anderson João da Silva RECORRIDO(S): Tinturaria e Estamparia de Tecidos LTDA Jato Serviços Temporários LTDA (destacou-se).
EMENTA. PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO. ÔNUS DA PROVA. O princípio in dubio pro operario se traduz em critério de interpretação da norma trabalhista, quando comportar mais de uma interpretação viável. Não se presta a subverter o ônus da prova no processo do trabalho. Assim, não tendo a reclamante se desincumbido satisfatoriamente de seu ônus probatório quanto ao recebimento de prêmios "por fora" dos recibos mensais, impõe-se a manutenção do julgado de origem. (TIPO: RECURSO ORDINÁRIO. DATA DE JULGAMENTO: 26/03/2009. RELATOR(A): ADALBERTO MARTINS. REVISOR(A): VANIA PARANHOS. ACÓRDÃO Nº: 20090224595. PROCESSO Nº: 00925-2005-017-02-00-4 ANO: 2007 TURMA: 12ª. DATA DE PUBLICAÇÃO: 03/04/2009. PARTES: RECORRENTE(S): ZÉLIA APARECIDA DOS SANTOS. RECORRIDO(S): SOC AGOSTINIANA DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA). (destacou-se).
Conforme pode-se aferir da simples leitura dos julgados acima, no âmbito do TRT da segunda Região tem sido reconhecida a aplicação do princípio do in dubio pro operario, como corolário do princípio da proteção, tão somente no âmbito material e não processual, somente sendo utilizado em casos de lacuna nas normas trabalhistas, em aplicação semelhante àquela da norma principiológica análoga do direito penal.
Mais uma vez, o que se verifica é uma extrema rigidez em relação à aplicação da regra do ônus da prova, sem levar em consideração as situações fáticas tuteladas pelo direito material do trabalho, do qual é instrumento o direito processual conexo, sempre em busca da realização das suas finalidades primordiais, entre elas, equilibrar as relações desiguais entre empregados e empregadores.
Apesar de que quase totalidade dos julgados encontrados na pesquisa realizada expõem o posicionamento acima, já demonstrou-se, em momento anterior (vide p. 30), que o referido tribunal também produz julgados que defendem o posicionamento contrário, a exemplo do TRT 2ª R – RO 19990472559 – (20000640624) – 8ª T. – Rel. Juiz José Carlos da Silva Arouca – DOESP 16.1.2011), trazido por Carlos Henrique Bezerra Leite em sua obra, já referenciada oportunamente.
Um dentre os julgados colacionados acima traz situação interessante, que diz respeito à situação de prova empatada, que ocorre nos casos em que empregado e empregador trazem aos autos matéria probatória equivalente, em sentidos contrapostos, o que coloca o magistrado em situação delicada quando da análise destas para formular o seu livre convencimento. No caso específico em comento, verifica-se que a prova oral restou dividida.
Nesses casos de prova empatada, ressalta-se que o próprio Tribunal Superior do Trabalho tem adotado o mesmo posicionamento, no sentido de que o princípio do in dubio pro operario não se aplica em seara processual. Neste sendo, é o acórdão do julgamento do Recurso de Revista n° TST-RR-1168/2003-008-18-00.6, em que é Recorrente Marco Benedito Teixeira de Almeida e Recorrido Banco Bradesco S.A, do qual são trazidos alguns trechos para enriquecer essa análise:
“A C Ó R D Ã O
8ª Turma
DMC/Gs/nc/ep
RECURSO DE REVISTA. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. A teor da Orientação Jurisprudencial nº 115 da SBDI-1 do TST, só é admissível o conhecimento do recurso quanto à preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional por violação dos artigos 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da Constituição Federal. Dessarte, como a parte não fundamenta seu inconformismo em nenhum desses dispositivos, o conhecimento do recurso encontra-se inviabilizado, por ausência de fundamentação. Recurso não conhecido. PROVA DIVIDIDA. HORAS EXTRAS. ÔNUS DA PROVA. A regra da distribuição do ônus da prova, nos termos do artigo 333 do CPC, é a de que cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, e ao réu, o da existência do fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Ademais, a teor do art. 818 da CLT, a prova das alegações incumbe à parte que as fizer. Em tal contexto, o princípio in dubio pro misero não pode ser aplicado no presente caso, pois, ao alegar a invalidade dos registros de ponto, porque não era permitido o registro da real jornada laborada, o reclamante efetivamente atraiu para si o ônus de provar tal alegação, do qual não se desincumbiu, já que a prova testemunhal por ele apresentada foi contraditória com a que foi produzida pelo reclamado. Recurso de revista conhecido e não provido.” [...] (Obtido em consulta ao portal Jusbrasil) (PROC. Nº TST-RR-1168/2003-008-18-00.6. Data: 29.04.2009. Ministra Relatora: Dona Maria da Costa). (destacou-se).
Em que pese a maciça jurisprudência apresentada e analisada até o momento mostrar-se desfavorável ao posicionamento que ora se defende, mais uma vez se ressalta que, nos casos concretos, verificando-se a desigualdade material entre as partes figurantes no processo do trabalho, não é salutar que se atribua à regra do ônus da prova rigidez tão exagerada.
Também no Tribunal Regional do Trabalho da terceira região, que abarca o estado de Minas Gerais, não foi possível encontrar facilmente, durante a pesquisa realizada, julgado a favor da aplicação do princípio em comento à apreciação de provas. O que se reconhece, em geral, é a sua aplicação hermenêutica, atribuindo-se à norma, em caso de lacunas ou conflitos, a interpretação que se demonstre mais favorável à tutela dos direitos do empregado.
Lembra-se, mais uma vez, que os resultados da pesquisa não refletem o posicionamento definitivo do tribunal acerca do tema analisado, mas servem tão somente para apontar qual tem sido o posicionamento mais comumente adotado, por perceber-se a facilidade de encontrar-se julgados que defendem o posicionamento específico. Há notícias de julgados do referido órgão jurisdicional que adotaram o posicionamento favorável à aplicação do in dubio pro operario à apreciação de provas, como foi o caso do julgado já exposto na página 30 deste desenvolvimento, trazido por Bezerra Leite em sua obra, oportunamente referenciada: (TRT 3ª R. – RO 7298/96 – 2ª T. – Rel. Juiz Michelangelo Liotti Raphael – DJMG 31.1.1997).
Traz-se, então, alguns dos julgados do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, primeiramente, um julgado pela não aplicação da norma principiológica à apreciação probatória e, em seguia, um julgado que demonstra a sua aplicação à interpretação das normas a favor do trabalhador.
EMENTA: ÔNUS DA PROVA - INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO OPERARIO. Para efeito de apreciação da prova produzida não se aplica o princípio in dubio pro operario ou in dubio pro misero. Tal princípio somente tem espaço quando, comportando determinada norma de direito material mais de uma interpretação, deve prevalecer aquela mais benéfica ao trabalhador.(0000136-43.2011.5.03.0053 RO (00136-2011-053-03-00-0 RO) Data de Publicação: 06/02/2012 Órgão Julgador: Quinta Turma, Relator: Lucilde D'Ajuda Lyra de Almeida. Revisor: Convocado Helder Vasconcelos Guimaraes. Tema: PRINCÍPIO IN DUBIO PRO MISERO – APLICABILIDADE. Divulgação: 03/02/2012. DEJT. Página 122. Boletim: Sim) (destacou-se).
EMENTA: VENDAS A PRAZO - BASE DE CÁLCULO - DIFERENÇAS DE COMISSÕES. Ante a ausência de pactuação expressa sobre a base de cálculo das comissões em relação às vendas a prazo e não havendo na legislação que rege a matéria tal previsão, deve ser seguida a orientação do Princípio do "in dubio pro operario", no sentido da interpretação mais benéfica ao trabalhador. Assim, a comissão pactuada deve incidir sobre a base de cálculo que leva em conta toda a vantagem auferida, ou seja, sobre o valor total da venda. (0000103-90.2010.5.03.0052 RO (00103-2010-052-03-00-2 RO). Data de Publicação: 08/09/2010. Órgão Julgador: Turma Recursal de Juiz de Fora. Relator: Fernando Antonio Viegas Peixoto. Revisor: Jose Miguel de Campos. Tema: COMISSÃO - BASE DE CÁLCULO. Divulgação: 06/09/2010. DEJT. Página 240. Boletim: Sim) (destacou-se)
Dando continuidade aos resultados obtidos pela pesquisa, em análise aos julgados obtidos em pesquisa no âmbito do Tribunal Regional do Trabalho da quarta Região, que conforme já foi observado, abrange o estado do Rio Grande do Sul, o resultado obtido foi no sentido de que o subprincípio do in dubio pro operario possui, segundo o posicionamento exposto, aplicação nos casos de conflitos entre normas, devendo ser aplicada sempre a mais favorável ao obreiro
Como exemplos, temos o posicionamento exposto nos julgados dos processos n° 0000136-29.2010.5.04.0351 (em julgamento de Recurso Ordinário, datado de 16.06.2011) com origem na primeira Vara do Trabalho de Gramado, e n° 0000437-11.2011.5.04.0522 (em julgamento de Embargos Declaratórios, datado de 28.02.2012). Multiplicam-se, conforme é possível perceber, os julgados que refutam a aplicação ampla do princípio em questão, prevalecendo um posicionamento por uma aplicação extremamente restrita, somente no âmbito hermenêutico.
Interessantes são os trechos trazidos abaixo, constantes do acórdão do processo n° 0111700-64.2009.5.04.0701 em julgamento de Recurso Ordinário, que traduzem, ao menos parcialmente, o entendimento que tem sido cultivado no âmbito daquele tribunal:
Acórdão do processo 0111700-64.2009.5.04.0701 (RO)
Redator: MILTON VARELA DUTRA
Participam: DENISE PACHECO, FERNANDO LUIZ DE MOURA CASSAL
Data: 14/07/2011 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria.
[...]
1. PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO OPERARIO.
Conforme relatado, o recorrente postula, sob o título “Do princípio do in dubio pro operario” (fls. 230/231), que a prova dos autos seja examinada em seu benefício, com a reforma da sentença quanto ao acúmulo de funções, vale-alimentação e auxílio-transporte, pedidos que foram indeferidos ao fundamento de que o recorrente não se desincumbiu do ônus de demonstrar o fato constitutivo do direito alegado.
[...]
De toda sorte, o princípio do in dubio pro operario não possui a amplitude defendida no recurso. Segundo concepção assente na doutrina e na jurisprudência, dito princípio tem espaço quando há dúvida entre uma ou mais normas aplicáveis ao caso concreto, caso em que, por força do citado princípio, deve o julgador optar por aquela que mais beneficia o empregado. [...] (destacou-se)
De forma geral, o posicionamento acima exposto é o mesmo dos demais julgados encontrados, de modo que não se faz necessário colacionar outros julgados produzidos pelo Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Também nesse sentido foram os julgados encontrados no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, com jurisdição o estado da Bahia.
No caso deste último, todos os julgados analisados trouxeram o posicionamento de que o in dubio pro operario possui tão somente caráter hermenêutico, restringindo-se, portanto, a sua aplicação à análise das normas jurídicas aplicáveis em cada caso.
Em análise aos julgados obtidos no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, não obteve-se também julgado favorável à aplicação do in dubio pro operario à apreciação do aparato probatório. Trata-se de mais um caso no qual verifica-se a vinculação do órgão jurisdicional, de modo geral, à regra do ônus probatório, sem que se tenha logrado êxito na obtenção de qualquer julgado que tenha admitido a sua relativização. A título de exemplo, traz-se o teor de um dos acórdão obtidos:
EMENTA. Alegado o abandono, incumbia à demandante comprovar a sua permanência e o motivo do desligamento. Não o fazendo, correta a sentença que, amparada no depoimento de uma testemunha, acolheu a tese do abandono. Recurso conhecido, mas improvido.
VOTO. ADMISSIBILIDADE O recurso supera as exigências para sua cognoscibilidade, razão pela qual dele eu conheço. MÉRITO Não há motivos jurídicos para introduzir a mais mínima modificação na decisão recorrida. Incumbia à demandante comprovar a sua permanência no trabalho, desfazendo a tese da demandada de que abandonara o emprego. Uma só testemunha é bastante para corroborar a tese do abandono, uma vez que a demandante nada conseguiu provar. Daí não ser possível adotar o lema "in dubio pro operario". A sentença está correta. DISPOSITIVO Ante o exposto, conheço do recurso, mas para lhe negar provimento. DECISÃO. por unanimidade, conhecer do recurso mas lhe negar provimento. (Processo n° 0086400-11.2002.5.07.0007(086400/2002-007-07-00-4): RECURSO ORDINÁRIO. Relator: José Ronald Cavalcante Soares. Turma: Pleno do Tribunal. Data de Julgamento: 25.06.2003. Data de Publicação: 21.07.2003. Fonte: DOJT 7ª Região).
A tese defendida, até o presente ponto, pelos julgados acima postos e pela maioria dos demais encontrados, conforme pode-se observar, é a de que a norma principiológica ora estudada não encontra aplicação viável quando da apreciação do aparato probatório. Tal foi o posicionamento encontrado em todas as demais fontes pesquisadas, o que leva a crer que, embora existam posicionamentos a favor da aplicação do in dubio pro operario à apreciação do aparato probatório, este ainda é um posicionamento que se manifesta de forma muito tímida nos órgãos jurisdicionais pátrios.
Em face a esta constatação, surge a necessidade de expor o resultado final da pesquisa realizada, o que se faz logo no tópico seguinte, que trará algumas últimas considerações sobre a pesquisa feita.
4.3 Do resultado final da análise jurisprudencial realizada. Constatações a respeito do entendimento geral dos Tribunais pátrios a respeito da aplicação da norma principiológica do in dubio pro operario.
O posicionamento julgado mais viável e defendido nos dois primeiros capítulos deste desenvolvimento, fundamentados na vasta argumentação já exposta, foi aquele no sentido da viabilidade da aplicação da norma principiológica em estudo à análise do aparato probatório pelo magistrado, adotando-se, no caso de dúvida, sempre posicionamento favorável ao obreiro e à tutela dos seus interesses.
Muito embora seja este o entendimento adotado, admite-se, ante aos resultados obtidos pela análise jurisprudencial que, admiti-lo de forma absoluta seria o mesmo que, na prática, “remar contra a corrente”. Sem dúvida, a esmagadora parcela dos magistrados, em âmbito pátrio, não reconhece a aplicação da norma principiológica tutelar aqui tratada na apreciação das provas no processo do trabalho.
Tal constatação inviabiliza a aplicação prática do posicionamento defendido, uma vez que a tese ainda não tem sido amplamente admitida pelos órgãos julgadores, porém, não há impedimento para que a mesma seja posta em discussão em âmbito doutrinário, já que numerosos são os argumentos que a justificam.
Em primeiro lugar, deve-se considerar o caráter instrumental inerente ao direito processual. O processo não é fim em si mesmo, pelo contrário, em instrumento a ser utilizado na busca pelos fins do direito material ao qual se encontra ligado. Por este motivo, o Direito Processual do Trabalho deve ser tomado pelo caráter protecionista do direito material, para que, ao final, possa lograr o seu objetivo de fornecer às partes processuais uma tutela jurídica justa.
Ainda, é necessário considerar que as desigualdades materiais existentes entre empregados e empregadores inviabilizam que se estabeleça uma relação processual isonômica ante a mera aplicação das normas legais atinentes à distribuição do ônus da prova, isso porque ao trabalhador é bem mais difícil desonerar-se desse ônus, enquanto para o empregador a produção de provas é bem mais simples.
A aplicação do princípio tratado à análise do aparato probatório é dar passo à frente na tutela dos interesses da classe obreira, pela preservação da isonomia material e não somente formal, que é, conforme já demonstrado alhures, a isonomia constitucionalmente tutelada. Além desta, outros valores constitucionais também se fariam resguardados, tais como a dignidade da pessoa humana, o bem comum e o próprio interesse social.
No entanto, conforme demonstrado, tal não é o entendimento dos órgãos jurisdicionais pátrios, pois na grande maioria dos julgados encontrados (e na totalidade daqueles trazidos para ilustrar tal situação) o que se pôde observar foi exatamente o posicionamento inverso.
Em geral, os tribunais pátrios tem admitido a aplicação do in dubio pro operario tão somente em questões hermenêuticas. Significa dizer que, de acordo com o entendimento jurisprudencial majoritário que tem sido produzido atualmente, o referido princípio somente se aplica nos casos de lacunas de normas jurídicas ou conflitos de normas, jamais aplicando-se em matéria fático-probatória.
Tal implica em uma super rigidez atribuída à regra do ônus da prova, legalmente prevista nos artigos 333 do Código de Processo Civil e 818 da Consolidação das Leis Trabalhistas, posicionamento que não deveria prevalecer, pois conforme já demonstrado em outro momento, as normas legais referentes ao ônus da prova já tem admitido relativização em face à existência de parte hipossuficiente na relação processual, tal como nos casos de relações de consumo.
Face ao posicionamento jurisprudencial verificado, seria temeroso apontar a viabilidade plena da aplicação da norma principiológica estudada à apreciação das provas em qualquer contexto, pelo que se faz necessário adotar um posicionamento por uma aplicação mitigada do referido princípio protecionista, que consistiria, então na aplicação do referido princípio nas hipóteses de prova empatada, da forma que se passa a relatar no tópico seguinte.
4.4 Da aplicação mitigada do princípio do in dubio pro operario quando da análise do aparato probatório trazido pelas partes.
Conforme já apontado, o posicionamento defendido é baseado na corrente positiva, que aponta pela aplicação do principio do in dubio pro operario ao Processo do Trabalho quando da apreciação das provas. Não é, no entanto, de todo passível de aplicabilidade plena, isso porque ainda não tem sido admitido amplamente pelos tribunais da justiça do trabalho nacional.
Então, apontar a aplicação plena do princípio estudado em tais casos é temeroso, visto que a defesa de posicionamento contrário àquele que se mostra majoritário deve ser revestida de inúmeras cautelas. Deste modo, resta apresentar alternativa viável para a aplicação da referida norma principiológica na valoração de provas.
Tal é a aplicação mitigada do princípio em questão nas hipóteses estudadas, somente nos casos em que verificar-se a prova empatada, ou seja, quando ambas as partes disponibilizarem aparato probatório equivalente para formação da livre convicção do magistrado.
Em casos tais, quando encontrar-se o magistrado em situação de paridade de provas ou prova empatada, quaisquer dúvidas surgidas em seu âmago deverão ser dirimidas pro operario. De forma majoritária, os julgados encontrados não se posicionam a favor da aplicabilidade da norma principiológica em qualquer hipótese relacionada à apreciação de provas e, em especial, no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, conforme já demonstrado, tal posicionamento é sem dúvida o mais amplamente adotado.
No entanto, foi exatamente no âmbito desse órgão jurisdicional que se encontrou julgado no sentido de que é sim possível a aplicação do princípio nos casos específicos de prova empatada, ou seja, não em todo e qualquer caso de apreciação probatória. O julgado encontrado foi o que se traz em seguida:
PROVA EMPATADA. APLICAÇAO DO PRINCÍPIO "IN DUBIO PRO MISERO". "Luiz de Pinho Pedreira da Silva anota na avaliação do princípio interpretativo do Direito do Trabalho, que sua singularidade está em "que ele constitui a inversão de seu congênere do direito comum, pois enquanto neste o favor,em caso de dúvida, é pelo devedor e pelo réu", no Direito especial do trabalho, conclui, "se faz na mesma situação,em benefício do empregado, que normalmente é credor e autor". Havendo paridade de provas, ou "prova empatada"escreve Pinho Pedreira, pelas maiores dificuldades com que arca o empregado para a produção de provas, numa situação como esta, a dúvida gerada no espírito do julgador há de ser dirimida pro operário" (Principiologia do Direito do Trabalho, LTr, 1999, págs. 42/58). (TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RECORD 19990540260 SP 19990540260, Relator: JOSE CARLOS DA SILVA AROUCA, Data de Julgamento: 20/11/2000, 8ª TURMA, Data de Publicação: 13/02/2001) (destacou-se).
Portanto, é mais viável apontar-se a aplicação do princípio do in dubio pro operario nessas hipóteses específicas, visto que, não bastasse o abismo material que separa o obreiro do seu empregador, incumbi-lo do ônus de “desempatar” a situação processual dividida seria o mesmo que virar as costas à função primordial do Direito do Trabalho, que é a de atenuar as desigualdades sociais e tutelar os direitos legítimos da classe obreira.
No capítulo primeiro citou-se Carlos Henrique Bezerra Leite, em passagem no qual o mesmo afirma que o princípio do in dubio pro operario consiste na hipótese de, em caso de dúvida razoável, poder o juiz interpretar a prova de forma a beneficiar o empregado (LEITE. 2011). Ora, não se pode imaginar situação de dúvida mais razoável que nos casos de prova empatada, situações nas quais deverá o magistrado fundamentar sua livre decisão não somente nas provas, mas também em aspectos alheios ao aparato probatório, pois da análise do mesmo resultará dividida a sua convicção.
Ante a impossibilidade de afrontamento do entendimento jurisprudencial majoritário, adota-se o posicionamento em favor da aplicação do in dubio pro operario sempre que o juiz deparar-se com as situações de prova empatada, que são mais raras, e justificam uma quebra da isonomia formal em favor da parte hipossuficiente.
É mais amena a situação apontada, e de mais tranqüila sustentação, uma vez que nestes casos, não deixou o obreiro de fornecer provas em favor de suas pretensões. Efetivamente o que acontece é que as provas fornecidas pelo trabalhador batem de frente, e na mesma medida, com as provas fornecidas pelo empregador, que ante à maior possibilidade de produção de provas, deverá ter que arcar com a aplicação da norma principiológica em debate para atribuir às provas fornecidas pelo obreiro maior lastro.
Chegando ao estágio final do trabalho desenvolvido, torna-se a repetir, ainda mais uma vez, que falar em igualdade absoluta na relação entre empregados e empregadores é mera ficção, que serve unicamente para tutelar os interesses do capital, e não da classe trabalhadora. Não existe isonomia material nesta relação, pelo que se deve buscar estabelecê-la, para que se possa vislumbrar, no panorama processual, uma paridade de armas entre reclamante e reclamado.
Aplicar o in dubio pro operario na apreciação de provas no processo trabalhista não implica em quebra na isonomia processual, conforme defendem o adeptos da teoria negativa, amplamente aceita em âmbito jurisprudencial. Representa, em verdade, procedimento necessário para preservar a isonomia real, que é o que busca tutelar a Carta Constitucional de 1988. Tem sido reconhecido amplamente na doutrina, e, nesse sentido, são as Lições de Sérgio Pinto Martins, que devem ser adotados meios para compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, atribuindo a este último uma superioridade jurídica (MARTINS. 2005).
A aplicação mitigada do princípio em questão, tão somente nas hipóteses de prova empatada, conforme defendido aqui, representa um passo à frente na tutela dos interesses do trabalhador e, mais importante que isso, um avanço viável, justificável, possível de ser aplicado sem que se acabe por afrontar diretamente o posicionamento majoritário já demonstrado, segundo o qual o princípio seria aplicável somente à interpretação de normas jurídicas ou em caso de lacunas nas mesmas.
Com isso, encerra-se o presente capítulo optando por um posicionamento mais ameno, que ao valer-se dos mesmos argumentos apresentados ao longo de todo o trabalho, aponta para a possibilidade de aplicação do in dubio pro operario sempre que o magistrado deparar-se com situações de prova dividida, visto que, se a presente norma principiológica presta-se a dirimir dúvidas quanto a qual interpretação da norma seria a mais correta ou qual a melhor forma de suprir uma lacuna, é salutar que se preste ainda a constituir método de “desempate” probatório, sempre em favor da parte hipossuficiente.
O objetivo primordial de todo este desenvolvimento jamais foi atribuir qualquer vantagem ou desvantagem indevida a quaisquer das partes processuais, mas sim exatamente o contrário, de promover um estudo em busca de alternativas para assegurar a preservação da isonomia material já tanto mencionada. Na busca por esse objetivo, valendo-se, como instrumento, do princípio do in dubio pro operario, acredita-se que a aplicação mitigada do mesmo, nos casos de empate probatório é a alternativa viável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após toda a exposição de argumentação em prol da aplicabilidade da norma principiológica do in dubio pro operario quando da analise das provas no processo trabalhista, verificou-se que, embora hajam numerosos argumentos que fundamentem a aplicação da referida norma, ainda não pode-se falar em uma aplicação prática do referido posicionamento, visto que os Tribunais Regionais do Trabalho e o próprio Tribunal Superior do Trabalho ainda não tem admitido, de forma pacífica este entendimento.
Conforme pode-se verificar, o posicionamento majoritário em âmbito jurisprudencial ainda é pela não aplicabilidade da referida norma principiológica, e a adoção de posicionamento em confronto ao que tem sido amplamente adotado jurisprudencialmente necessita de maior cautela. Por isso, necessário foi encontrar solução intermediária, que justificasse a aplicação do referido princípio sem atentar diretamente contra o posicionamento reinante.Tal, foi a aplicação do in dubio pro operario tão somente nos casos de prova empatada.
Em tais casos, o que se observa é que o obreiro lançou mão de todos os meios de prova que possuía, e ainda assim encontra em situação processual delicada pois o empregador também disponibilizou aparato probatório equivalente, o que despertará, de certo, dúvida no espírito do julgador. É para esses casos específicos que a aplicação do princípio do in dubio pro operario pode apresentar a saída viável na busca pela devida tutela jurisdicional.
Tal entendimento foi construído ao longo de todo o presente desenvolvimento ao verificar-se que, primeiramente, é possível a aplicação da norma principiológica estudada à apreciação do aparato probatório pelo magistrado, buscando sempre a realização do objetivo maior do direito material trabalhista, que é exatamente o de diminuir o abismo material existente na relação empregador-empregado, viabilizando a defesa dos direitos do último.
No entanto, conforme foi possível verificar pela pesquisa realizada, os Tribunais Regionais do Trabalho em todo o território nacional tem mantido, via de regra, um entendimento a favor da aplicação do princípio do in dubio pro operario tão somente nos casos de dúvida quanto à aplicação da norma legal em cada caso, motivo pelo qual não tornou-se viável a defesa da aplicação da norma principiológica à apreciação das provas de forma plena, mas tão somente da forma mitigada já exposta.
A defesa dos direitos do trabalhador é o objetivo primordial de todo o sistema jurídico laboral, e representa a linha de frente na luta pela construção de uma sociedade mas justa e próspera, onde se poderá concretizar melhorias na qualidade de vida da classe obreira e, em última análise, um impulso no próprio desenvolvimento nacional. Valorizar, respeitar e promover meios de tutela dos direitos do trabalhador é, sem dúvida, a chave para o desenvolvimento social pleno.
Importar frisar, por uma última vez, que os objetivos do presente trabalho não são o de tentar promover vantagem processual indevida a quaisquer dos envolvidos, mas tão somente o de viabilizar uma isonomia factual, real, material, que propicie ao trabalhador ligeira vantagem quando do sopesar das provas pelo magistrado, em face da grandiosa vantagem que tem o empregador em produzir as provas necessárias para resguardar seus direitos e interesses.
Admitida a aplicação do princípio do in dubio pro operario à apreciação de provas no processo do trabalho, se está reconhecer um ligeiro avanço na proteção dos direitos da classe obreira, proteção esta sim, que jamais poderá ser mitigada, ante à vedação aos retrocessos em matéria trabalhista.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ALMEIDA. André Luís Paes. Direito do Trabalho. Material, Processual e Legislação Especial. 8ª Ed. São Paulo. Rideel. 2010.
ALMEIDA. Isis de. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo. LTr. 1988.
CARRION. Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 35ª Ed. São Paulo. Saraiva. 2010.
CESARINO JÚNIOR. Antônio Ferreira. Direito Social. São Paulo. LTr. Ed. da Universidade de São Paulo. 1980.
CINTRA. Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER. Ada Pellegrini. DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. 24ª Ed. São Paulo. Malheiros Editores. 2008.
DELGADO. Mauricio Godinho. Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo. Ltr. 2001.
GIGLIO. Wagner D. CORRÊA. Claudia Giglio Veltri Corrêa. Direito Processual do Trabalho.
LEITE. Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 9ª Ed. São Paulo. LTr. 2011.
MARTINS. Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21ª Ed. São Paulo. Atlas. 2005.
MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª Ed. São Paulo. Atlas. 2008.
NASCIMENTO. Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 2ª Ed. São Paulo. LTr. 1974.
OLIVEIRA. Francisco Antônio de. O processo na Justiça do Trabalho. São Paulo. Revista dos Tribunais. 1990.
ROBORTELLA. Luiz Carlos Amorim. O moderno direito do trabalho. São Paulo. LTr. 1994.
RODRIGUEZ. Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. 3ª Ed. São Paulo. LTr. 2002.
SALEM NETO. José. Curso de Direito e Processo do Trabalho. São Paulo. EDIPRO. 1993.
SARAIVA. Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8ª Ed. Rio de Janeiro. Forense. São Paulo. MÉTODO. 2011.
SARAIVA. Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª Ed. São Paulo. Método. 2007.
SCHIAVI. Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 4 ª Ed. São Paulo. LTr. 2011.
SOILBEMAN. Leib. Enciclopédia do Advogado. 2ª Ed. Editora Rio. Rio de Janeiro.1978.
[1] Assim também ensina Isis de Almeida, para quem “tendo em vista a natureza social do Direito do Trabalho, o direito processual que o instrumenta não pode deixar de refletir tal sentido em suas normas, daí se concluindo que, para interpretá-las, ter-se-á em vista o fim último pretendido pelo legislador, que é o equilíbrio sócio-econômico-político entre os fatores dinâmicos da produção, que são o capital e o trabalho. (ALMEIDA. 1988. p. 19).
[2] Além destes, Antônio Ferreira Cesarino Júnior também mantém o mesmo posicionamento. Afirma: “mas então – dir-se-á – o Direito Social é um direito de classe, um privilégio e, como tal, injusto. Nada menos certo. O fim imediato das leis sociais é a proteção aos fracos – concordamos. Mas, não é o único. Por intermédio dessa proteção o que o estado realmente visa é assegurar a paz social, o interesse geral, o bem comum”. (CESARINO JÚNIOR. 1980.p. 46).
[3] O princípio do livre convencimento motivado é aquele que desata o magistrado das amarras do formalismo legal, podendo formular a decisão que entender mais justa, com base nas provas presentes nos autos processuais, podendo, a partir destas, formar sua convicção livremente, porém, expondo os motivos que o levaram a tanto. A partir do caso concreto posto à apreciação do magistrado, este poderá decidir da forma que considerar mais adequada, fundamentando sua decisão adequadamente. É também chamado de princípio da persuasão racional do juiz. Segundo Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco, “tal princípio regula a apreciação e a avaliação das provas existentes nos autos, indicando que o juiz deve formar livremente sua convicção. Situa-se entre o sistema da prova legal e do julgamento secundum conscientiam. O primeiro (prova legal) significa atribuir aos elementos probatórios valor inalterável e prefixado, que o juiz aplica mecanicamente. O segundo coloca-se no pólo oposto: o juiz pode decidir com base na prova dos atos, mas também sem provas e até mesmo contra a prova. (CINTRA. 2008. p. 73).
[4] A literatura jurídica mais tradicional atribuía demasiado valor à questão do ônus da prova. Ensinava Francisco Antônio de Oliveira que “Ao autor cabe dar prova dos fatos constitutivos da relação jurídica litigiosa. O réu, por seu lado, deve prover a prova de suas afirmações, o que pode acontecer de dois modos: a) se alega fatos que atestam, direta ou indiretamente, a inexistência dos fatos alegados pelo autor (prova contrária, contraprova); b) se alega fatos impeditivos, extintivos ou modificativos, o que obstem efeitos ao fato constitutivo (prova da exceção, no sentido amplo)” (OLIVEIRA. 1990. p. 342).
[5] Ética a Nicômaco.
[6] O Código de Defesa do Consumidor – CDC prevê expressamente em seu art. 6º, VIII, a possibilidade de inversão do ônus da prova quando houver verossimilhança na alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente. O critério da hipossuficiência é o mesmo adotado pela jurisprudência trabalhista para determinar a inversão do ônus probatório em alguns casos.
[7]Art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.
[8] Art. 343, caput. Quando o juiz não o determinar de ofício, compete a cada parte requerer o depoimento pessoal da outra, a fim de interrogá-la na audiência de instrução e julgamento.
[9] Art. 342 - Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. § 1º - Se o crime é cometido com o fim de obter prova destinada a produzir efeito em processo penal: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. § 2º - As penas aumentam-se de um terço, se o crime é praticado mediante suborno. § 3º - O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença, o agente se retrata ou declara a verdade.
[10] Por vezes, o empregador chega a reter indevidamente a Carteira de Trabalho e Previdência Social do trabalhador, além do período previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, que é 48 (quarenta e oito) horas (vide art. 29 CLT), em total inobservância aos direitos legalmente tutelados do empregado. Não raro, verifica-se situações em que o obreiro chega a perder oportunidades de emprego, pelo fato de sua CTPS se encontrar em posse do antigo empregador e, pior, alguns chegam até a perder o importante documento. Tamanha a relevância da CTPS, que tem-se reconhecido inclusive a procedência de pedidos de indenização por danos morais face à sua retenção indevida, o que dificulta a reinserção do empregado ao mercado de trabalho, lhe gerando constrangimento e insegurança. Além da indenização por danos morais, a retenção da CTPS do obreiro gera ainda a incidência de multa diária, para cada dia de retenção indevida do documento, com base no dia de salário percebido pelo trabalhador. Neste sentido, o TST editou a súmula n° 98, que possui o seguinte teor: RETENÇÃO DA CTPS. INDENIZAÇÃO (positivo). Será devida ao empregado a indenização correspondente a 1 (um) dia de salário, por dia de atraso, pela retenção de sua carteira profissional após o prazo de 48 horas.