PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA VERSUS PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE...

Por Karla Alessandra Salim Magluf Marques | 28/06/2017 | Direito

PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA VERSUS PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE JURISDICIONAL? OS PONTOS CONTROVERTIDOS NA JURISPRUDÊNCIA COM A NOVA VISÃO DO STF.

Os argumentos mais utilizados quanto à constitucionalidade ou à inconstitucionalidade da execução provisória da pena são, respectivamente: o princípio da efetividade jurisdicional, e a garantia da presunção da inocência.

Quanto ao princípio da presunção da inocência, verifica-se que este princípio é o mais forte argumento para a inconstitucionalidade da execução provisória da pena. Com previsão no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.”

O princípio da não culpabilidade, por sua vez, bloqueia a possibilidade do réu ter sua pena antecipada, ou seja, a aplicação da execução provisória da pena, quando ainda há recursos em andamento, englobando inclusive os recursos extraordinário e ou especial de modo que é inconstitucional a equiparação do réu com sentença definitiva e o réu que ainda tem possíveis recursos pendente de julgamento.

Um ponto crucial deste princípio é sua função basilar dentro do processo penal, de modo que o réu mesmo que tenha praticado conduta que viole direitos de terceiros, é preciso garantir que seus direitos sejam respeitados em seu julgamento. Tal garantia serve justamente para manter o equilíbrio e neutralidade na resolução do caso concreto, de forma que excessos não ocorram, bem como a impunidade se estabeleça.

Consoante posicionamento dos autores Aury Lopes e Gustavo Badaró (2016, p.): “O princípio da presunção da inocência é reconhecido, atualmente, como componente basilar de um modelo processual penal que queira ser respeitador da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana”.

Faz-se importante destacar que este princípio não possui caráter absoluto, haja vista que existe a possibilidade de flexibilização do mesmo. Porém, por ser uma garantia constitucional, há previsões expressas para que isso possa vir a ocorrer, a exemplo das  prisões cautelares, nos moldes, por exemplo, do art. 283 do Código de Processo Penal.[1]

É interessante destacar, quanto ao princípio da presunção da inocência que no novo entendimento do STF, após o HC nº126.292/SP, para o relator ministro Teori Zavascki não há violação do mesmo, visto que a execução provisória da pena ao ser aplicada após a reafirmação de decisão recorrida em segunda instância, não viola o princípio da não culpabilidade, bem como também afirma que houve a garantia do devido processo legal, como se pode ler em seu relatório:

 

A execução provisória da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos  e as garantias  a ele inerentes, bem como respeitadas  as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

Dito isso, observa-se que o princípio da não culpabilidade é um instrumento para impedir que certos mecanismos processuais que venham a ser implantados dentro do próprio processo penal, que possuam caráter abusivo na sua funcionalidade. A execução provisória da pena, que apesar de visar uma maior celeridade processual, como também acabar com a impunidade dentro do ordenamento jurídico brasileiro, caracteriza como um mecanismo que desrespeita o exposto no art. 5º, inciso LVII CF/88. Dita os autores Aury Lopes e Gustavo Badaró (2016, p.8):

 

A presunção da inocência assegura a todo e qualquer indivíduo um prévio estado de inocência, que somente pode ser afastado se houver prova plena do cometimento de um delito. O Estado de inocência somente será afastado com o transitado em julgado de uma sentença penal condenatória. A presunção da inocência é, segundo PISANI, uma presunção política, que garante a liberdade do acusado diante do interesse coletivo à repressão penal. (LOPES, BADARÓ, 2016, p. 8)

 

Ademais, pode-se afirmar a incompatibilidade entre antecipação da execução penal e o princípio da presunção da inocência, se levarmos ao pé da letra o exposto na Constituição Federal, bem como no Código de Processo Penal, que define o réu só poderá cumprir pena com o devido trânsito em julgado.      

Entretanto, existem outros argumentos que vão de encontro com os aqui apresentados que permitem, assim, olhar de uma outra perspectiva a própria função do princípio da presunção da inocência. Inicialmente destaca-se o posicionamento sobre a presença ou não do princípio da não culpabilidade na análise em segunda instância. No HC nº 126.292/SP, destacou-se:

 

É dizer: os recursos de natureza extraordinária não configuram desdobramentos do duplo grau de jurisdição, porquanto não são recursos de ampla devolutividade, já que não se prestam ao debate da matéria fático-probatória. Noutras palavras, com o julgamento implementado pelo Tribunal de apelação, ocorre espécie de preclusão da matéria envolvendo os fatos da causa. Os recursos ainda cabíveis para instâncias extraordinárias do STJ e do STF – recurso especial e extraordinário – têm, como se sabe, âmbito de cognição estrito à matéria de direito. Nessas circunstâncias, tendo havido, em segundo grau, um juízo de incriminação do acusado, fundado em fatos e provas insuscetíveis de reexame pela instância extraordinária, parece inteiramente justificável a relativização e até mesmo a própria inversão,para o caso concreto, do princípio da presunção de inocência até então observado. ((BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

           

Com isso é indiscutível que em matéria de recurso extraordinário e especial, como anteriormente trabalhado nos capítulos antecedentes, esses remédios constitucionais não têm a finalidade de discutir a provas e fatos do caso em análise, o que torna a utilização do argumento que o princípio da presunção da inocência deve ser garantido nessa fase, sem fundamento.

A partir do momento que impetra-se um recurso extraordinário ou especial, a finalidade dele é questionar apenas matéria de direito, se dentro daquela decisão houve violação a Constituição Federal ou se alguma lei infraconstitucional foi desrespeitada., permitindo assim, após essa constatação que o princípio da presunção da inocência não se faça necessário e, ademais, a análise a ser feita pelos tribunais pelas instâncias extraordinárias não versam sobre a culpabilidade ou não do réu.

Dito isso, é interessante destacar o exposto no voto do ministro Edson Fachin no HC sub examine em que o mesmo defende que não se trata de violação ao princípio da presunção da inocência ao se aplicar a antecipação da execução penal após análise de segunda instância, seria, em verdade, uma forma de garantir e respeitar o exposto pela própria Constituição Federal sobre a função dos nossos tribunais superiores bem como garantir que sejam respeitadas as decisões tomadas em caráter ordinário. 

Ministro ainda expõe que deve- recorrer aos tribunais superiores em casos excepcionais, em casos que há uma real repercussão[2] para o ordenamento jurídico, para a sociedade. A função estabelecida pela CF a respeito do STF e STJ é que os mesmos são órgãos do Poder Judiciário que servem para tratar de matérias excepcionais e não serem utilizados de maneira deliberada. Ou seja, além de respeitar a instância extraordinária, respeita-se a instância ordinária, que tem autonomia para julgar e condenar os casos em que nela estão. Como expõem:

 

O revolvimento da matéria fática, firmada nas instâncias ordinárias, não deve estar ao alcance das Cortes Superiores, que podem apenas dar aos fatos afirmados nos acórdãos recorridos nova definição jurídica, mas não nova versão. As instâncias ordinárias, portanto, são soberanas no que diz respeito à avaliação das provas e à definição das versões fáticas apresentadas pelas partes. Ainda, o acesso via recurso ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça se dá em caráter de absoluta excepcionalidade. A própria definição constitucional da quantidade de magistrados com assento nessas Cortes repele qualquer interpretação que queria delas fazer instâncias revisoras universais. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

Outro ponto importante, ainda com base no posicionamento do ministro Edson Fachin, se trata do caráter absoluto em que certa parte da doutrina e juristas querem adotar ao princípio da presunção da inocência. A presunção da inocência trata-se de um princípio e a partir disso, afirma-se sua impossibilidade de ser absoluto. Entretanto é preciso que seja ponderada a utilização deste princípio com todos os outros demais que envolvem a situação de forma a preservar o direito em sua integridade, sem casuísmos. Nesse sentido, sustenta o ministro Luís Roberto Barroso:

 

A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico da condenação em segundo grau de jurisdição, na medida em que já houve demonstração segura da responsabilidade penal do réu e finalizou-se a apreciação de fatos e provas, o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal. [...](BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

 

Ademais, pode-se afirmar que em segunda instância, o princípio da presunção da inocência tem que sofrer flexibilização, dando assim, espaço para que outros princípios mais importantes naquela fase processual se façam presentes, a exemplo do princípio da efetividade jurisdicional, haja vista que em muitos dos casos que estão na esfera do recurso extraordinário ou especial a parte recorrente visa a protelação do processo de forma que o crime prescreva e ao fim do processo a pena torna-se inaplicável. Destacou-se conforme entendimento do ministro Luís Roberto Barroso em seu voto:

 

Se afirmamos que a presunção de inocência não cede nem mesmo depois de um Juízo monocrático ter afirmado a culpa de um acusado, com a subsequente confirmação por parte de experientes julgadores de segundo grau, soberanos na avaliação dos fatos e integrantes de instância à qual não se opõem limites à devolutividade recursal, reflexamente estaríamos a afirmar que a Constituição erigiu uma presunção absoluta de desconfiança às decisões provenientes das instâncias ordinárias. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

E é por essa razão, que existem inúmeros casos que visam à utilização dos remédios constitucionais para burlar o sistema jurídico, de forma a garantir que o réu não seja punido, é que se busca afirmar a constitucionalidade da utilização da execução provisória da pena. Ora, da mesma maneira que o direito da presunção da inocência do réu, deve ser mantido, bem como o direito de acesso à justiça, há também que se concretizar a efetividade jurisdicional nas suas causas, pois aquele indivíduo que teve seu bem jurídico violado, precisa de uma resposta do judiciário. Do mesmo modo que a sociedade precisa verificar que o poder judiciário em seu papel de manter a ordem, segurança dos cidadãos, está exercendo-o de maneira eficaz.

De todo modo, a impetração de recursos, na maioria dos casos advém daqueles indivíduos que possuem condições financeiras consideráveis, para poder contratar os melhores advogados de forma a protelar a justiça. Atitude esta vista levantada, pelo Min. Barroso como absurda para o ordenamento jurídico e uma das razões justificadas da implantação da execução provisória da pena.

 

Em segundo lugar, reforçou a seletividade do sistema penal A ampla (e quase irrestrita) possibilidade de recorrer em liberdade aproveita sobretudo aos réus abastados, com condições de contratar os melhores advogados para defendê-los em sucessivos recursos8. Em regra, os réus mais pobres não têm dinheiro (nem a Defensoria Pública tem estrutura) para bancar a procrastinação. Não por acaso, na prática, torna-se mais fácil prender um jovem de periferia que porta 100g de maconha do que um agente político ou empresário que comete uma fraude milionária. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

A partir dessa linha de entendimento, tem-se o princípio da efetividade jurisdicional, o qual fundamenta a necessidade da aplicação da execução provisória  da pena no ordenamento jurídico brasileiro, vez que consubstancia uma garantia prevista na Constituição Federal e é ponto basilar do princípio do devido processo legal.           

Em linhas gerais, o que pode se levantar em primeiro momento a respeito do princípio da efetividade jurisdicional é que o mesmo visa a garantir a celeridade processual. Dito de outro modo, objetiva garantir que os trâmites processuais sejam realizados em tempo razoável, não favorecendo qualquer das partes, mas garantindo que ambas tenham um devido processo justo e em tempo proporcional.

O princípio da efetividade jurisdicional tem previsão no art. 5º, inciso LXXVIII, da CF/88, in verbis: " a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Como destaca em seus fundamentos sobre a aplicação da execução provisória da pena o Min. Luís Roberto Barroso (2016):

 

Encontra-se o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos objetivos (prevenção geral e específica) e bens jurídicos (vida, dignidade humana, integridade física e moral, etc.) tutelados pelo direito penal. Tais valores e interesses possuem amplo lastro na Constituição, encontrando previsão, entre outros, nos arts. 5º, caput (direitos à vida, à segurança e à propriedade), e inciso LXXVIII (princípio da razoável duração do processo), e 144 (segurança). Esse conjunto de normas postula que o sistema penal deve ser efetivo,sério e dotado de credibilidade. Afinal, a aplicação da pena desempenha uma função social muitíssimo relevante. Imediatamente, ela promove a prevenção especial, desestimulando a reiteração delitiva pelo indivíduo que tenha cometido o crime, e a prevenção geral, desestimulando a prática de atos criminosos por membros da sociedade. Mediatamente, o que está em jogo é a proteção de interesses constitucionais de elevado valor axiológico, como a vida, a dignidade humana, a integridade física e moral das pessoas, a propriedade, e o meio ambiente, entre outros. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

           

Com isso, deve se pontuar a respeito do conflito existente entre os princípios da presunção da inocência e da efetividade jurisdicional. Durante a fase processual em que o réu está em julgamento em primeira instância, deve-se garantir de maneira absoluta o princípio da presunção da inocência, para que até que seja comprovado, sua inocência seja mantida.

Em contrapartida, na fase processual em que se trata de análise em segunda instância, este princípio perde sua força, dando lugar à efetividade jurisdicional, que, além de visar a celeridade processual, tem como objetivo garantir que os bens jurídicos tutelados (a vida, segurança, dignidade humana) possam ser respeitados ou reestabelecidos a depender do caso concreto e assim, garantir que não só as partes da demanda tenham uma resposta do Poder Judiciário, bem como a própria sociedade.

Conforme entendimento sobre o voto do Luís Roberto Barroso, é interessante expor que o mesmo, ao descrever os fundamentos a favor da aplicação da execução provisória, sustentou que a estrutura do sistema recursal penal encontra-se obsoleto, de modo que as regras estabelecidas estão fora da realidade jurídica, o abarrotamento processual está desencadeando um grande número de processos que prescrevem, além de impedir o melhor acesso a justiça, vez que a própria efetividade jurisdicional não está conseguindo ser garantida.

Hoje, o Poder Judiciário, com foco nos tribunais superiores, encontram-se abarrotados de processos, o que por sua vez, perdem-se seu caráter excepcional e não conseguem dar uma resposta em tempo razoável para aqueles que têm seus bens jurídicos violados. E ainda, com destaque na área penal, faz com que o próprio Direito Penal passe a ser desacreditado.

Diz-se "desacreditado" pois, a partir do momento que o indivíduo verifica a existência de "saídas" que permitem sua "inocência", mesmo após prática de um crime, o Direito Penal por não conseguir dar uma resposta em tempo hábil, a sociedade passa a observar que a justiça não está a exercer sua função de garantidora e a partir disso, serve como estimulo para a prática de condutas delituosas.

O ponto crucial a respeito desse descrédito que o Poder Judiciário, sofre é justamente a partir da ideia de que se aquele indivíduo que cometeu o crime, tem condições financeiras de contratar um bom advogado, e este advogado conhecendo as lacunas do direito recursal, a sua impunidade é quase garantida.

A soma desses fatores, como o descrédito na justiça, a impunidade que a sociedade brasileira vem vivenciando, bem como também os inúmeros casos concretos em que o réu passa anos ingressando com recursos e ao chegar ao trânsito em julgado prescreve-se o crime, é que se exige a mudança desse quadro.

A mudança no quadro da situação jurídica não engloba na extinção do direito de impetrar os recursos cabíveis para as decisões, mas sim visa a garantir que essa possibilidade não se torne uma arma para a impunidade, para o descaso perante a sociedade, como preservar o direito não só do acusado, mas também da vítima. Nesse sentido, argumenta o ministro ministro Luís Roberto Barroso (2016):

 

É intuitivo que, quando um crime é cometido e seu autor é condenado em todas as instâncias, mas não é punido ou é punido décadas depois, tanto o condenado quanto a sociedade perdem a necessária confiança na jurisdição penal. O acusado passa a crer que não há reprovação de sua conduta, o que frustra a função de prevenção especial do Direito Penal. Já a sociedade interpreta a situação de duas maneiras: (i) de um lado, os que pensam em cometer algum crime não têm estímulos para não fazê-lo, já que entendem que há grandes chances de o ato manter-se impune – frustrando-se a função de prevenção geral do direito penal; (ii) de outro, os que não pensam em cometer crimes tornam-se incrédulos quanto à capacidade do Estado de proteger os bens jurídicos fundamentais tutelados por este ramo do direito. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

Dito isso, é incontestável a existência de conflitos existentes entre os textos normativos, tanto na Constituição Federal, como nas leis infraconstitucionais. Porém, a sociedade hoje em dia está em constante mudança e com ela, o próprio direito precisa sofrer alterações para continuar exercendo sua função de maneira eficaz.

E para esse ponto que muitos questionam, pois a antecipação da execução da pena não está prevista constitucionalmente ou em lei infraconstitucional, o ministro Luís Roberto Barroso fala que o dispositivo que prevê a presunção de inocência sofreu mutação constitucional. Destaca-se o entendimento do Min. Luís Roberto Barroso (2016) a respeito:

 

A mutação constitucional por via de interpretação, por sua vez, consiste na mudança de sentido da norma, em contraste com entendimento pré-existente. Como só existe norma interpretada, a mutação constitucional ocorrerá quando se estiver diante da alteração de uma interpretação previamente dada. No caso da interpretação judicial, haverá mutação constitucional quando, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal vier a atribuir a determinada norma constitucional sentido diverso do que fixara anteriormente. (...) A mutação constitucional em razão de uma nova percepção do Direito ocorrerá quando se alterarem os valores de uma determinada sociedade. A ideia do bem, do justo, do ético varia com o tempo. Um exemplo: a discriminação em razão da idade, que antes era tolerada, deixou de ser. (...) A mutação constitucional se dará, também, em razão do impacto de alterações da realidade sobre o sentido, o alcance ou a validade de uma norma. O que antes era legítimo pode deixar de ser. E vice-versa. Um exemplo: a ação afirmativa em favor de determinado grupo social poderá justificar-se em um determinado momento histórico e perder o seu fundamento de validade em outro (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

Diante disso, pode-se afirmar conjuntamente com o posicionamento do ministro Luís Roberto Barroso que a alteração de entendimento do STF em 2009, e agora com o novo entendimento em 2016, trata-se de uma mutação constitucional e que a mesma visa melhorar a atuação do Poder Judiciário, além de tentar amenizar a impunidade:

 

Trata-se, assim, de típico caso de mutação constitucional, em que a alteração na compreensão da realidade social altera o próprio significado do Direito. Ainda que o STF tenha se manifestado em sentido diverso no passado, e mesmo que não tenha havido alteração formal do texto da Constituição de 1988, o sentido que lhe deve ser atribuído inequivocamente se alterou. Fundado nessa premissa, entendo que a Constituição Federal e o sistema penal brasileiro admitem a execução da pena após a condenação em segundo grau de jurisdição, ainda sem o trânsito em julgado. Há múltiplos fundamentos que legitimam esta compreensão. (BRASIL, HC nº 126.292/SP, 2016)

 

Após o exposto, passa-se a compreender que o princípio da presunção da inocência é um direito fundamental, previsto na Carta Magna, que deve ser garantido perante todo e qualquer indivíduo que esteja sob julgamento, de forma que seja preservada sua inocência até que se comprove sua culpabilidade. Entretanto, esse direito/princípio não possui caráter absoluto, vez que, a depender da situação, pode sofrer uma flexibilização.

Justamente pelo seu caráter não absoluto é possível verificar o conflito existente entre a presunção da não culpabilidade e a efetividade jurisdicional. E é exatamente perante a flexibilização do princípio da não culpabilidade, que se sobressai o princípio da efetividade jurisdicional, que também possui previsão na Lei Maior, de modo a garantir a celeridade processual, bem como a preservação dos bens jurídicos.

O instituto da execução provisória da pena, por sua vez, visa trazer uma alteração  para o ordenamento jurídico, que encontra-se obsoleto e com isso está tornando-se ineficaz na sua função de garantir a justiça e o bem estar da sociedade. Dentre todos os argumentos apresentados anteriormente, faz-se presente novamente a fundamentação a respeito da mutação constitucional dada pelo STF.

Com o posicionamento atual do STF, a aplicação da execução provisória da pena após a análise de segunda instância, a depender do caso concreto, vai garantir que realmente se garanta o acesso à justiça, vez que o réu cumprirá com sua pena de acordo com sua conduta criminosa, bem como a vítima e a sociedade verificarão a resposta dada pela justiça perante a criminalidade.

Por fim, diante do exposto, acredita-se que o novo posicionamento do STF é uma forma de garantir o exercício da justiça, desde que os direitos do réu continuem respaldados. Como também se deixou bem claro que, apesar da importância do principio da presunção de inocência, é preciso analisar todos os outros que englobam aquela determinada situação.

O direitos inerentes de ambas as partes da demanda, devem ser garantidos pela justiça. A sociedade deve ter o poder judiciário como garantidor, e para que a justiça exerça seu papel, a mesma precisa buscar renovar-se a todo o tempo, não de maneira discricionária, mas sim respeitando os limites e ditames constitucionais.

 

[1] Art. 283: Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. (BRASIL, Código de Processo Penal, 1941)

[2] Art. 102 §3º: No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar à repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros. (BRASIL, Constituição, 1988)