PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO

Por Pamela Reis | 23/05/2011 | Direito

PRINCIPIO DA PRECAUÇÃO

2.1. Conceito

Inicialmente é necessário conceituar o princípio, para proporcionar uma interpretação coerente, e não para restringir novas informações, evitando-se distorções de sentido e manobras ideológicas. Se o conceito não absorver toda a significação do objeto, nem incorporar a necessidade de transdisciplinariedade, todo o sistema provido dele incorrerá em parcialidade. Tornando-se limitado, não contemplando o todo.

"Precaução", analisa Édis Milaré, "é substantivo do verbo precaver-se (do Latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha a resultar em efeitos indesejáveis"

O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este princípio afira que a ausência da certeza cientifica formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano.

Derani conceitua "O Princípio da Precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir dessa premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade"

2.2. Origens

O meio ambiente, em um plano mundial, fez com que noções como soberania e território encontrassem barreiras quanto à faculdade de "fazer ou deixar de fazer", mesmo que dentro do território estatal internacionalmente reconhecido. A questão ambiental é colocada acima das limitações importas pelas fronteiras nacionais, produzindo-se, sobretudo no século XX, uma série de tratados e convenções, com o objetivo especifico de proteção do planeta.

A Conferência realizada em Estocolmo e a criação do PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) impulsionaram a introdução deste princípio nos debates internacionais sobre a proteção do meio ambiente. Sendo que a redação do principio 13 desta, já fundamentava que uma gestão sustentável da utilização dos recursos naturais, diminuindo desta forma, a agressividade ao elemento humano e ambiental.

"Princípio 13. Com o fim de se conseguir um ordenamento mais racional dos recursos e melhorar assim as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado de planejamento de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade entre o desenvolvimento e a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano em benefício de sua população." (grifo nosso)

Posteriormente a idéia de precaução foi incorporada nos textos de diversas declarações e tratados internacionais sobre questões ambientais específicas, especialmente em matéria de controle da poluição . Mas ele realmente foi consagrado pela Declaração do Rio de Janeiro em 1992 , formulada por ocasião da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, através do Princípio 15:

"Princípio 15: De modo a proteger o meio-ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental."

A necessidade de não se correrem riscos é plenamente justificada. No dia em que se puder ter certeza científica absoluta dos efeitos prejudiciais de determinadas atividades potencialmente degradadoras, os danos por ela provocados serão já nessa ocasião irreversíveis. Por isso, pela precaução protege-se contra os riscos.

Os principais questionamentos que dão base a este principio são: o quanto de contaminação pode ser evitada? Esta atividade é realmente necessária? Quais são as alternativas? Elas são seguras?

O principio da precaução foca mais as soluções do que os riscos. Isto obriga a quem vai iniciar uma atividade a se questionar fundamentalmente como se comportar com mais sensibilidade, visar também o meio ambiente, e não apenas o lucro. Ele serve como uma barreira positiva às novas tecnologias, assegurando que as decisões devem ser feitas com ponderação e sempre analisando as conseqüências que possam gerar.

Infelizmente tal visão econômica é ainda utópica. O desenvolvimento econômico ainda requer o seu "direito de poluir", o que importa é lucrar o máximo possível no presente e da maneira mais rápida, sem se importar com as gerações futuras.

É nesse contexto que o pensamento decorrente do principio da precaução se encaixa, afirmando que a ação consiste em tomar as medidas de gestão da incerteza, para criar medidas conducentes a evitar o dano.

2.3. O Princípio da Precaução na Legislação Brasileira

No direito ambiental brasileiro, esse principio é recepcionado através de Convenções Internacionais e pela Carta Magna, que em seu art. 225, §1º, inciso IV, exige a instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente estudo prévio de impacto ambiental.

Segundo DERANI, o princípio da precaução objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. Seu trabalho está anterior à manifestação do perigo.

A Constituição Brasileira trata do direito ambiental como parte da "Ordem Social"; logo, trata-se de direito social do Homem. Desta forma, os princípios ambientais estão unidos a idéia da Ordem social, conseqüentemente o desrespeito aos princípios de direito ambiental, fatalmente, irá também afetar, por via indireta, o direito fundamental da dignidade da pessoa humana.

Segundo MORAES, a dignidade da pessoa humana é "um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos".

E do ponto de vista jurídico-ambiental, o constituinte originário fez uma escolha indiscutível pelo chamado antropocentrismo, ou seja, entendeu que o Ser Humano é o centro das preocupações constitucionais e que a proteção do meio ambiente se faz como uma das formas de promoção da dignidade humana.

Tal afirmação se faz clara no caput. do art. 225, quando se faz necessária à preservação do meio ambiente em razão das "presentes e futuras gerações".

Seria o caso, por exemplo, de se autorizar, por lei, o descarregamento de materiais tóxicos em represa que abastece toda uma população. A poluição, neste caso, atingiria a água da represa, mas, conseqüentemente, também os que dela dependam, sendo cruel atentado à dignidade da pessoa humana, bem como à Constituição, portanto, tal referida e absurda hipótese de lei.

O objeto da tutela jurídica não é tanto o meio ambiente considerado nos seus elementos constitutivos. O que o Direito visa proteger é a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida.

A aplicação do principio da precaução somente é possível quando observado os princípios fundamentais constitucionais e perante a inexistência de norma capaz de determinar a adequada avaliação dos impactos ambientais. Se tais requisitos não forem observados, a aplicação deste se transforma em simples arbítrio.

Sendo a Constituição, não apenas um documento jurídico, mas um verdadeiro "pacto político, social e econômico, vertido em linguagem que está muito além do hermetismo jurídico", esta valida-se como diretriz principiológica maior às regras jurídicas que se dedicam à proteção do meio ambiente. O que se pretende em ultima intenção é redefinir os vínculos de interdependência entre o corpo social e a natureza, de forma a premiar uma convivência harmônica e perene, dada à inclusão do sujeito "futuras gerações".

Em termos práticos, o princípio da precaução significa a rejeição da orientação política e da visão empresarial que durante muito tempo prevaleceram, segundo as quais atividades e substâncias potencialmente degradadoras somente deveriam ser proibidas quando houvesse prova científica absoluta de que, de fato, representariam perigo ou apresentariam nocividade para o homem ou para o meio ambiente.

Pode-se citar também a assertiva do Min. José Augusto Delgado, do STJ, ao apontar para a existência no Brasil, na atualidade, de um solidificado "sistema jurídico nacional voltado para a proteção do meio ambiente", e continua, asseverando que "esse sistema recebe valorização constitucional", sendo delegada a todos os níveis de estabilidade, competências materiais e legislativos, de caráter ambiental cujo intuito não deve ser outro senão envidar maior grau de comprometimento e responsabilidade na tutela deste "bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida"

2.4. Diferenças entre o princípio da precaução e o princípio da prevenção

É necessário destacar que apesar de haver controvérsias doutrinarias quanto à semelhança entre o princípio da precaução e o princípio da prevenção , esses se fazem diferentes em alguns pontos. O princípio da prevenção refere-se ao perigo concreto, enquanto o da precaução refere-se ao perigo abstrato.

O princípio da prevenção é uma conduta racional ante a um mal que a ciência pode objetivar e mensurar, que se move dentro das certezas da ciência. A precaução, pelo contrário, enfrenta a outra natureza da incerteza: a incerteza dos saberes científicos em si mesmo.