PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Por ALEX SILVA GONÇALVES | 25/01/2017 | DireitoPRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: UM CONTRAPONTO ENTRE O DIREITO PENAL E O DIREITO PENAL MILITAR À LUZ DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA
INTRODUÇÃO
A sociedade não é estática e está sujeita a mudanças. Nesse campo, determinadas práticas sociais figuram apenas no campo da etiqueta enquanto outras, de maior relevância social, carecem de um olhar mais aprofundado por parte do Estado. É nessa seara que condutas específicas são tipificadas na legislação penal comum e militar como crimes, com a finalidade de reprimir uma conduta antissocial e servir de exemplo para que outras pessoas se abstenham de pratica-las.
Ocorre que, embora haja ações ou omissões que estão inseridas como crimes nos códigos penal e militar, também é certo que o legislador não teria como prever que em situações bastante peculiares tais condutas demonstram pequeno grau de reprovabilidade. É exatamente nesse aspecto que reside o estudo em comento em relação ao princípio da insignificância. Dessa forma há possibilidade de aplicação desse princípio no Direito Penal Militar ?
O estudo dessa temática pode ser justificado diante de inúmeras controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais diante da (in)aplicação do princípio da insignificância ou confusão estabelecida entre este e outros princípios do direito penal, pretendendo-se com essa análise não esgotar o conteúdo, mas melhor balizá-lo para a compreensão e aplicação do princípio de forma correta.
A abordagem em foco buscará identificar a origem do princípio da insignificância em meio a diversas contradições doutrinárias. Para tanto observar-se-á, em um primeiro momento, as teorias que tratam da convivência dos homens entre si, para, posteriormente, demonstrar a importância desse instituto e compreensão do real significado desde o seu nascedouro.
Na sequência será estudado o princípio da insignificância e sua aplicação no direito penal brasileiro. É imperioso verificar, desde logo, a previsão legal, natureza jurídica, conceito, requisitos e finalidade, correlacionando-o com outros princípios, contudo, distinguindo-o do princípio da irrelevância penal do fato. Assim, utilizar-se entendimentos doutrinários mais balizados bem como jurisprudências recentes sobre a temática.
De igual forma será estudado o princípio da insignificância na legislação penal militar, e, a partir de então, traçar as similitudes e divergências quanto à sua compreensão por parte da doutrina e jurisprudência correlata, identificando quais crimes tem aceitabilidade ou reprovabilidade quanto à sua aplicação.
Parta tanto, utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo, o método de procedimento através da pesquisa bibliográfica e, ainda, a técnica de pesquisa doutrinária e jurisprudencial.
Consequentemente, espera-se que essa abordagem sobre o tema possa fazer com que haja uma melhor compreensão em relação ao princípio da insignificância aplicado no campo específico do Direito Penal Militar e, a partir de então, observar que não se espera encontrar nesse princípio uma fuga à lei, mas tão somente, demonstrar que algumas ações não devem envolver todo o aparato judicial para apuração de um crime insignificante.
2 ORIGEM DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Os homens são seres sociáveis e criados para viverem em comunidade. Não se concebe, nos tempos modernos, que as pessoas vivam isoladas umas das outras em condições de normalidade. O compartilhamento de ações, ideias, ideais, sonhos, frustrações, esperança, desesperança, tristeza, alegria e toda variedade de adjetivos e condutas são integrantes da vida humana.
A possibilidade de vivência harmoniosa entre os seres humanos é explicada por meio de duas teorias: a da sociedade natural e a da agrupação. A primeira ensina que a convivência é da própria natureza do homem.
A informação mais antiga que se tem acerca da sociabilidade do homem enquanto ato natural está com os ensinamentos de Aristóteles, no século IV a.C quando afirmou que o homem é naturalmente um animal. São seguidores e adeptos dessa teoria Cícero e São Tomás de Aquino. Entretanto existem três exceções para vida em sociedade: Excellentia naturae, nos casos em que o indivíduo busca o isolamento para uma comunhão com a própria divindade; corruptio naturae, nos casos de anormalidades mentais ou, ainda, malafortuna , quando em decorrência de algum acidente ou desastre o indivíduos não tivesse possibilidades de retornar ao convívio social obrigando-o ao isolamento. (DALARI, 1998, p. 08).
Já a segunda teoria afirma que a convivência é ato de escolha em face do livre arbítrio de cada indivíduo. Seus adeptos, dentre eles Platão e Thomas Hobes foram considerados contratualistas, por afirmarem que a sociedade surgiu por livre escolha humana, diante da celebração de um contrato hipotético entre aqueles que decidem viver em sociedade. Tal compreensão teórica é factível na obra Leviatã, publicada em 1961, de Thomas Hobbes, como sendo a primeira sistematização da sociedade contratualista.
Para Thomas Hobbes o ‘estado de natureza’ era vivido pelos homens em uma vida primitiva, desordenada, e, com o aparecimento do Estado grave censura e reprimenda. Tais ocorrências viabilizaram a celebração de contratos com a finalidade de pôr fim ao estado de medo em que viviam e antes que se iniciassem agressões recíprocas. (DALARI, 1998, p. 9).
A vida em sociedade fez nascer a necessidade de instrumentos que permitissem aos homens viverem em harmonia. Assim, surge o Direito. Para Reale (2007, p. 02) “O Direito é, por conseguinte, um fato ou fenômeno social; não existe senão na sociedade e não pode ser concebido fora dela. Uma das características da realidade jurídica é, como se vê, a sua socialidade, a sua qualidade de ser social”. Desta forma, tem por fim resolver conflitos havidos entre os litigantes para que possam conviver de forma pacífica.
A paz, ordem social e o bem comum são essenciais à sociedade e se instrumentalizam através da criação de um organismo responsável para tanto. A regência e harmonia desses valores somente poderão se concretizar por meio do Direito, indispensável a existência com um mínimo de tolerância (NADER, 2011, p. 19).
O estudo em foco não vislumbra esmiuçar o desenvolvimento do direito, mas tão somente, nesse aspecto, esboçar que o mesmo passou por fases distintas. Assim, desde a sociedade pré-histórica à moderna, o direito passou por grande evolução adaptando-se as realidade sociais quer seja por meio de uma legislação ou respeitadas as condicionantes do direito consuetudinário que se põe acima de um ritualismo e formalismo.
Wolkmer (2006, p. 28) salienta que:
Pode-se ilustrar a transição das formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizações da Antigüidade mediante três fatores históricos: (l) o surgimento das cidades; (2) a invenção e domínio da escrita e (3) o advento do comércio e, numa etapa posterior, da moeda metálica.
Com o direito surgem ramificações, público e privado, bem como diversas disciplinas específicas com finalidades distintas. Nesse ótica surge o direito penal e, por conseguinte, o direito penal militar com diversas semelhanças, mas também muitas diferenças que podem ser analisadas à luz dos princípios.
Silva (2011, p. 29) conceitua os princípios como sendo “mandamentos nucleares e fundamentais de um sistema. Na seara jurídica significam a base fundamental do ordenamento normativo, atuando como critérios de direção na elaboração e aplicação das outras normas jurídicas”. A normatividade pode ser estudada tomando-se com referência três correntes jusfilosóficas: jusnaturalista, positivista e pós-positivista.
No direito brasileiro a possibilidade de utilização dos princípios está prevista de forma expressa no artigo 4º, caput, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, in verbis, “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. Todavia, os princípios não tiveram seu nascedouro no Brasil, como no caso do princípio da insignificância.
A origem desse princípio diverge na doutrina, contudo para Greco (2011, p. 99):
Em que pese haver divergência doutrinária quanto às origens do princípio da insignificância, pois que Diomar Akel Filho aduz que ‘o princípio já vigorava no Direito romano, onde o pretor não cuidava, de modo geral, de causas ou delitos de bagatela, consoante a máxima contida no brocárdio mínima non curat praetor’.
Já para Bitencourt (2009, p. 108) “o princípio da insignificância foi cunhado pela primeira vez por Claus Roxin em 1964, que voltou a repeti-lo em sua obra Política Criminal y Sistema DelDerecho Penal, partindo do velho adágio latino mínimanon curat praetor”.
De fato esse princípio foi idealizado por Claus Roxim na década de 60 ao entender que determinadas condutas eram minimamente ofensivas e que por esse motivo não deveriam ocupar o Direito Penal e toda a estrutura administrativa, destacando que não há crime sem dano relevante ao bem jurídico. (NEVES e STREIFINGER, 2005, p. 41)
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