Princípio Anárquico

Por NERI P. CARNEIRO | 08/12/2008 | Filosofia

A surpresa vem de onde menos esperamos. Dizemos isso porque temos falado em várias oportunidades e até em alguns escritos, sobre nosso posicionamento político anárquico.

Na verdade somos anarquistas. Talvez não um anarquista com as bases teóricas que remontam às propostas socialistas de Marx (sim, pois radicalizando, o marxismo tem que ser anárquico!) ou às teorizações de Bakunin e Kroptkin, entre outros. Mas somos anarquistas, talvez até com mais radicalidade que esses teóricos.

Nosso anarquismo não é teórico nem teorizado, como se pode estudar nos textos clássicos dos grandes anarquistas nacionais ou internacionais. Ele tem poucos princípios e normas, pois se fosse diferente deixaria de ser anarquia, em favor de uma "arquia" que seria feita pelas normas e leis e princípios.

Os princípios de nosso anarquismo são poucos e podem ser assim resumidos: todas as pessoas devem desejar e fazer aos outros tudo aquilo que desejam para si e gostariam que os outros lhes fizessem; todas as pessoas são responsáveis por seus atos e pensamentos, assumindo, responsavelmente, as conseqüências de seus erros ou equívocos para que isso não pese sobre os outros membros da sociedade; qualquer sociedade pode sobreviver bem e tranqüila, a partir da educação de seus membros com base nestes princípios, além de pleno acesso à ecolarização de todos os membros da sociedade; todos devem e podem ser beneficiados com os progressos da ciência e da justa distribuição dos bens produzidos; todos devem produzir tudo em favor de todos usufruindo equitativamente dos bens e serviços produzidos.

Com base nesses princípios pode haver equidade nas relações sociais e econômicas, sem necessidade de que uma pessoa ou um grupo se sobreponha aos demais. Com isso rejeitaríamos e impediríamos todo autoritarismo, afirmando os valores humanos. Além disso, com esses valores, impediríamos essa farsa chamada democracia – que na realidade é uma forma de alguém se impor a outros ou impor representantes eleitos ou indicados. Todo governo, mesmo os que se dizem democráticos, são representantes de interesses individuais ou de grupos específicos da sociedade. Portanto o governo é uma representação de uma postura autoritária, pois ao fazer valer a vontade do grupo instalado no governo nega-se as vontades daqueles que não estão representados naquele governo; que se aliam a outros grupos ou não se aliam a grupo algum.

Por isso a necessidade de um outro princípio anárquico: a ação direta. Uma ação que tem por base o primeiro princípio acima mencionado, o que tem por base o respeito. Quando alguém age dessa forma terá sempre o apoio de outros pois seus interesses não estarão em atrito ou conflito com os de outros. E, quando aparecerem interesses conflitantes os valores desenvolvidos no processo educacional levará as partes a se sentarem para negociar até chegar a um ponto em que ambos saiam beneficiados, sem privilégio de uns sobre outros.

Mas por que estamos falando disso tudo, como que fazendo manifesto anarquista? É o que você deve estar se perguntando.

Pode ficar tranqüilo, que não queremos lhe convencer de nada. Embora você devesse pensar mais seriamente a respeito deste anarquismo!!!

O motivo deste texto foi uma conversa com um antigo morador de Rolim de Moura. Numa entrevista que nos concedeu, pára nossa dissertação de mestrado, o senhor Geraldino – muitos o conhecem por Bigode! – nos fez vibrar de alegria e depois pensar com pesar, sobre as conseqüências do progresso (progresso?).

Sua entrevista era sobre os primeiros tempos da cidade e contava como as pessoas viviam muito bem. "O povo vivia bem, sem polícia e sem autoridades, todos se respeitando" afirmou. E fez outros comentários. As pessoas se respeitavam porque todos tinham interesses comuns. As pessoas conheciam seus limites. Esses limites, que não estavam escritos e não dependiam de autoridades, pois nos primeiros anos da cidade não havia nem polícia nem governo. Era só o povo com o povo. Por isso esses limites, baseados no respeito, estavam impressos no caráter das pessoas – que não implica dizer que não houvesse conflito!

Ilustrando seu ponto de vista o senhor Geraldino nos contou o episódio de uma pessoa que, por indicação do INCRA, ocupou um lote abandonado. Tempos depois o primeiro dono regressou. Chegou e reclamou seu legítimo direito de posse. Para resolver o atrito os dois concordaram que um pagaria pelas benfeitorias feitas pelo outro. E assim se fez!

Outros pioneiros já haviam falado, claro que com outras palavras, sobre o clima de respeito que havia nos primeiros tempos da cidade. E é fácil entender o porquê dessa vivência anárquica – lembrando que anarquia não significa bagunça, nem desordem, mas uma organização efetivada pela ação direta das pessoas.

A vida anárquica, nos primeiros anos de Rolim de Moura se deve, entre outras coisas ao fato de que as pessoas viviam sem a assistência direta do Estado. Os órgãos do Estado aqui presentes se resumiam ao INCRA que, por sua vez era limitado em suas possibilidades. Por essa razão as pessoas preferiam se respeitar e resolver na conversa a maioria das divergências. E, quando essas divergências não se resolviam amigavelmente apelava-se para o confronto armado. Dessa forma chegava-se à solução do conflito com a morte de um dos contendores. Isso por que esperar a ação do Estado era algo em gral demorado. E tempo era uma das coisas que as pessoas não tinham. Por isso resolviam ao seu modo. E faziam isso justamente para evitar que fosse necessário chegar ao ponto de ser necessário o uso da violência.

Por isso é que a surpresa vem de onde menos se espera. Pois se esperássemos não haveria surpresa. As pessoas ou a própria história nos surpreendem. E neste caso, a história de Rolim de Moura tem muitos pontos surpreendentes. E, certamente, nas demais cidades de Rondônia também encontraremos histórias surpreendentes!

Neri de Paula Carneiro – Mestre em Educação, Filósofo, Teólogo, Historiador.

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