Prezado Senhor,
Por Romano Dazzi | 18/11/2009 | Crônicas
PREZADO SENHOR,
De Romano Dazzi
Li no jornal de hoje um seu recado, muito seco e muito claro.
Trate de vender, e não fique aí, se queixando !
Sou apenas um pequeno empresário sem valor, mas,
depois de tanta luta, é duro ouvir um recado desses.
Reconheço que é fácil reclamar, muito mais fácil que vender.
É só deixar de lado o orgulho e a dignidade e ir pedir uma ajuda,
uma esmola, um pouco de compreensão .
Mas aí, vem a velha voz: vá trabalhar, vagabundo ! Vá vender !
Só quem está dentro do jogo, conhece o inferno diário do dono de firma.
Quando comecei, fiz todas as contas direitinho.
Produzo X, que me custa Y, vendo por Z, sobra H;
Mas a matéria prima aumentou, os impostos aumentaram, as despesas aumentaram,
Só não aumentaram os salários.
Mas como as vendas fracassaram, o pessoal custa mais, porque produz menos.
Todas as minhas contas foram para o beleléu.
Quando o cliente atrasa, devo ser gentil e carinhoso com ele; se não, perco a boquinha e vai demorar três meses até encontrar outro interessado.
Se não conseguir que o meu cliente me pague, quem fica atrasado sou eu, e sou cobrado, com juros e multa. E o cliente está carregado de razões.
O dinheiro que devo receber não vale nada; aquele que devo pagar, é sagrado.
Se atrasar a folha, então, cai o mundo, pára a produção.
O sindicato tem razão, o operário tem razão, todos têm razão. Menos eu.
Cortam a luz, o telefone, a Internet; Vem carta de cobrança dos impostos, insistindo, ameaçando providências, denúncias, fiscalizações.
O Estado tem razão, o INSS também
E o povo, então, que depende do meu dinheiro para ter polícia e cadeias; para ter escolas e professores, para ter médicos, remédios, ambulâncias e hospitais – ele com certeza tem um milhão de razões.
Se eu tiver crédito, e minha ficha ainda estiver limpa, posso recorrer ao Banco.
Ele me empresta, desde que eu assuma o compromisso de pagar os juros que ele quer, e ofereça as devidas garantias; um frasco de oxigênio; logo mais a coisa volta a piorar, porque não existe nenhuma atividade mercantil ou industrial que renda o suficiente para pagar os juros . Todo o mundo sabe, mas todo o mundo cai sempre de novo na mesma teia. É um desespero !!.
Eu não queria chover no molhado, dizer o que todos sabem.
Claro, que tenho que me queixar.
Se tento vender aqui, ninguém compra; salvo uns grandes, que fazem o preço, ameaçam, inventam, impõem descontos, condições especiais, prazos cada vez mais longos. Meu capital de giro deveria esticar-se por seis – oito meses. Impossível. Já o comi todo.
E entretanto, vejo um monte de brasileiros subindo na vida, melhorando, trocando de carro, levando as crianças para passar as férias na Disney.
Quem são eles ? Alguém sabe ? Alguém pode me informar ? Alguém pode me mostrar o caminho das pedras ?
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Prezado Senhor (2)
Como dizia na carta anterior, as coisas aqui, para mim, vão de mal a pior
Por sinal ninguém me deu o caminho das pedras, que pedi.
Ninguém respondeu às minhas perguntas.
E desconfio que ninguém nem leu sobre as minhas aflições.
As pessoas não querem sabe das desgraças dos outros.
Só se for caso de polícia, bem sangrento, com tiros, facadas e cadáveres.
Bom, mas agora vou propor um acordo novo.
Vou fazer como se faz no governo.
Cumpridos quatro anos de gestão, pego minhas tralhas e vou embora.
Eleição para presidente da Fábrica de Chinelos Bambam!
Passo o poder, a faixa, e o talão de cheques a quem ganhar e ele que se vire !
Bem que mereço; durante o meu período, fiz tudo o que podia: trabalhei, negociei, regateei, inventei, desinventei, economizei, investi, sofri, chorei, perdi.
Meu balanço está limpo, não roubei um centavo, não achaquei;
se for o caso, fui achacado....
Tem umas poucas dívidas, claro, mas quem não as tem ? É o preço do progresso.
O próximo vai se virar.
Vai rolar os empréstimos; vai - quem sabe - criar uns cargos de confiança, melhorar os rendimentos dele e viajar um pouquinho.
Ah sim, estava esquecendo: vai melhorar a arrecadação, aumentando alguns preços e cobrando melhor aqueles porqueiras dos devedores que nunca querem pagar.
A Fábrica de Chinelos Bambam vai andar de vento em popa !
Duro vai ser, encontrar um candidato.
O senhor, lá em cima, se habilita ?