PREVISÃO INCORRETA

Por Ricardo Ernesto Rose | 20/06/2018 | Ambiental

A atividade de inteligência de mercado procura reunir informações e dados de um determinado setor e ordená-los de maneira que permitam tirar conclusões. Estas, podem ser de interesse de uma determinada empresa, ou daqueles que de uma maneira mais ampla também têm interesse neste determinado setor. Em outras palavras, baseados em informações e dados de um mercado (e uma série de informações de outros mercados a ele ligados), podemos planejar a estratégia de uma empresa ou inferir o comportamento futuro deste mercado, com margem de erro aceitável.  Mas, não é só isso; seria fácil, se tudo fosse tão simples.

A economia, como se sabe, é um sistema complexo, definido como aquele cujas propriedades não são uma consequência direta e necessária de seus constituintes, ou seja, seu desenvolvimento não pode ser inferido diretamente do comportamento das partes que o constituem. Assim, a economia – nome genérico de um macro sistema constituído de inúmeros subsistemas – comporta-se geralmente de maneira pouco ou nada previsível, pelo menos para os atuais níveis de conhecimento humano. O mesmo se aplica ao setor da economia que se convencionou chamar de mercado ambiental. Basta tentarmos enumerar alguns subsistemas que o compõem: mercado do saneamento ambiental (tratamento de água e esgoto); mercado de gestão de resíduos (domésticos, hospitalares e industriais); mercado da poluição atmosférica (veicular, industrial entre as principais); preservação, tratamento e descontaminação de solos; reflorestamento e áreas de proteção, entre outros. Imagine-se o número de agentes econômicos envolvidos em todas estas atividades. Além disso, é preciso também considerar que o avanço tecnológico faz com que surjam a cada dia novas demandas e, consequentemente, novos mercados.

Em uma primeira avaliação, já é possível estimar que o mercado ambiental está sujeito às mais variadas influencias. Desde a disponibilidade de recursos financeiros por parte de governos e empresas privadas para a implantação de projetos, à aprovação de leis que podem criar demandas tecnológicas ao impedirem determinadas práticas de alto impacto ambiental. Da necessidade de cumprir normas técnicas internacionais, no caso de exportadores de determinados produtos, até a identificação de novos fornecedores de matérias primas, extraídas ou fabricadas por processos menos poluentes. Resumidamente, três fatores exercem forte influência em mercados ambientais em desenvolvimento: a) disponibilidade de recursos; b) legislação e normas técnicas; e) desenvolvimento de tecnologias mais eficientes.

Disto exposto, é fácil depreender que a tarefa da inteligência de mercado num setor altamente complexo como este não é trabalho fácil. A grande quantidade de elementos que entram em consideração – e a escolha dos que exercem mais ou menos influência no quadro geral – pode confundir as análises e levar a conclusões que mais tarde não se confirmarão. Forma-se uma “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado, o que faz com que as conclusões da análise teórica também acabem se desencontrando da realidade no futuro.

Como exemplo disso, apresentamos uma avaliação do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias ambientais que elaboramos em início de 2013. Depois de expor um resumo dos fatores econômicos, sociais e tecnológicos que contribuíram para formar o quadro do mercado à época (2013), mostramos e discutimos alguns dados e números sobre este mercado, dividindo-o nos segmentos de saneamento, gestão de resíduos e controle da poluição atmosférica. Finalizando, baseado em várias informações, dados, previsões setoriais e macroeconômicas das quais dispúnhamos à época, arriscamos construir um quadro do desenvolvimento do mercado brasileiro de tecnologias ambientais, tentando apontar a provável situação futura.

Dividimos nossa perspectiva sobre o mercado futuro de tecnologias ambientais no Brasil em três áreas: a) as tendências econômicas; b) as tendências políticas e jurídicas; e c) tendências tecnológicas.

 

A. Tendências econômicas:

Na questão das tendências econômicas havíamos previsto um aumento dos investimentos em infraestrutura em função de programas de financiamento como o PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) e a implantação de legislação reguladora, a Política Nacional de  Resíduos Sólidos (PNRS). Hoje sabemos que em final de 2013 já se descortinava uma crise econômica no país, que, entre outros efeitos ao longo do tempo, reduziu drasticamente os recursos do governo, diminuindo repasses para o PAC, e, mais especificamente, para o setor de saneamento. Por outro lado, a PNRS, depois de prevista para 2012, teve sua implantação prorrogada para 2018. Mesmo assim, os avanços foram pífios, já que a maior parte dos municípios não dispõe, até o momento, de recursos para dar início às práticas de atendimento da lei.

Também havíamos previsto uma maior internacionalização da cadeia produtiva brasileira, através do aporte de investimentos estrangeiros e o crescimento das exportações, o que provocaria um aumento da capacidade produtiva e, consequentemente, o aumento dos investimentos em meio ambiente. O que efetivamente ocorreu é que a cadeia produtiva local se internacionalizou em parte de outra forma. Assim, parte das empresas deixaram de fabricar no Brasil e passaram a licenciar fabricantes chineses. Isto ocorreu de maneira acentuada na indústria autopeças, que fechou muitas de suas unidades de produção e passou a comprar de fabricantes da China, apondo sua marca aos produtos.

Em consequência do aumento do padrão econômico médio da população, havíamos previsto o aumento das exigências dos consumidores em relação aos produtos, inclusive no que se refere aos aspectos de sustentabilidade. O que ocorreu, como sabemos, é que o padrão econômico da maior parte da população caiu visivelmente e as exigências dos consumidores se limitaram ao preço do produto.  

 

B. Tendências políticas e jurídicas:

No aspecto das tendências políticas e jurídicas havíamos previsto que os novos governos dariam mais importância às questões ambientais. Neste quesito o que ocorreu é que a presidente foi reeleita e continuou a manter a mesma orientação de seu primeiro governo, com relação à estratégia na área ambiental. A agravante em seu segundo mandato foi a redução de verbas para o Ministério de Meio Ambiente (entre outros), fato que se acentuou ainda mais quando assumiu o vice-presidente Temer, depois do impedimento de Dilma Rousseff.

Outro aspecto que havíamos previsto com relação às tendências econômicas e jurídicas foi a pressão que exerceriam os acordos internacionais e as barreias não alfandegárias instituídas por países e blocos econômicos. Todavia, a dinâmica internacional das negociações dos acordos ambientais foi diferente, principalmente com a eleições de Trump e suas consequências na atuação dos Estados Unidos no cenário internacional da proteção ambiental. Como sabemos, internamente o presidente Trump cancelou diversos programas ambientais implantados por seu antecessor, e a nível internacional abandonou o Acordo Mundial sobre o Clima.  

Também havíamos considerado que uma maior atividade econômica levaria, muito provavelmente, a uma melhor aplicação da legislação ambiental por parte das agências controladoras. A retração da economia, no entanto, levou a uma menor atividade produtiva, menor arrecadação de impostos e, assim, a uma diminuição dos recursos direcionados para as agências controladoras e reguladoras.

 

C. Tendências tecnológicas:

Na nossa previsão de uma economia em crescimento acelerado, antevíamos uma crescente concorrência interna e externa por recursos e insumos. Esta rivalidade levaria a uma necessidade de otimizar processos produtivos para uso mais eficiente do input, de modo a colocar produtos com preços mais competitivos nos mercados. A melhoria dos processos teria um impacto ambiental bastante positivo, reduzindo emissões em geral e aumentando a demanda por tecnologias ambientais.

O crescimento das energias renováveis, que também havíamos previsto como tendência tecnológica, foi praticamente a única de nosso estudo que se concretizou. Primeiramente a energia eólica e, a partir de 2017, a energia solar; ambas mostraram um rápido crescimento que só tende a aumentar. Interessante observar que os leilões de energia – através dos quais também se compra energia eólica e solar – são organizados pelo governo, mas financiados exclusivamente pelo setor privado nacional e internacional. Planejamento, construção, operação e financiamento; tudo está a cargo da iniciativa privada, sem depender de recursos do Estado.

Por último, havíamos apostado que empresas locais, colocadas numa situação de competição dado o crescimento da economia, demandariam tecnologias mais eficientes, o que teria como consequência o aumento na procura por equipamentos e serviços ambientais. Todavia, a crise econômica na qual o país afundou, fez com que projetos de ampliação ou retrofit de unidades de produção fossem postergados.

 

Concluindo:

No caso de nossa análise, a “hipótese desalinhada” do provável desenvolvimento do mercado – fazendo com que as conclusões da análise teórica também acabassem se desencontrando da realidade no futuro - foi, principalmente, não termos considerado a crise que se abateria sobre a economia brasileira, principalmente a partir de 2014 – e cujas nuvens escuras ainda eram pouco visíveis no horizonte em início de 2013. Se àquela época já se previa um crise, sua profundidade e extensão ainda não era antevista pela maior parte dos economistas. Assim, um colapso econômico de proporções extraordinárias, fez com que nossas previsões sobre o futuro do mercado de tecnologias ambientais extrapolasse completamente a “margem de erro aceitável”, mencionada no início deste artigo.