Previdência. Reformar o quê? Reformar para quem?
Por MARCO ANTONIO MONTEIRO COUTINHO | 27/03/2017 | PolíticaPrevidência. Reformar o quê? Reformar para quem?
De acordo com diversos estudos desenvolvidos nos últimos três anos, que consideram todas as fontes de receitas da seguridade social, não existe déficit na previdência do Brasil. Criaram um “Resultado primário da previdência social” para chegar a um resultado deficitário.
As despesas com o pagamento das aposentadorias e pensões devem ser analisadas pela ótica de todo o sistema da seguridade social. A previdência social compõe o tripé da Seguridade Social, junto com a Saúde e Assistência Social. O orçamento é único, não há distinção de origem de recursos para cada área.
A nossa Constituição prevê, em seu artigo 195, que a seguridade social será financiada por contribuições do empregador, dos trabalhadores e do Estado. As duas principais funções do Estado é arrecadar, através de impostos, e distribuir de acordo com as necessidades da população. É exatamente para isso que pagamos mais de dois trilhões de reais em impostos por ano!
Apesar de possuir um orçamento superavitário, o discurso da previdência social deficitária é feito para gerar um terrorismo social para dividir e assustar a população. O orçamento da seguridade social tem apresentado sucessivos resultados superavitários. Os cálculos que chegam ao resultado de déficit não levam em consideração diversas fontes de receitas vitais para a sustentação do sistema. Eles só consideram, nos cálculos, as receitas das contribuições feitas pelos trabalhadores e empregadores.
No cálculo, daqueles que têm interesse de produzir um resultado negativo da “previdência”, não considera as demais receitas que formam a base de financiamento da seguridade social como a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido); o COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social); PIS-PASEP; e 40%, em média, sobre as receitas de concursos de loterias e outras receitas de menor valor. A partir dessa “receita manipulada”, que não inclui todas as fontes previstas na Constituição, se deduz os gastos com todos os benefícios previdenciários. Cria-se dessa maneira um déficit que não existe!
O que existe de fato é uma “farsa contábil” que transforma superávit em déficit. Quando essas fontes de receitas são computadas, obtém-se superávit. Em 2013 o superávit foi de R$ 68 bilhões, e em 2014 de R$ 56 bilhões. Essa informação não é repassada para a população pela grande mídia, que fica com a ideia equivocada que o sistema previdenciário enfrenta uma crise de escassez de recursos. Há um discurso da grande mídia que a previdência vai quebrar se não fizer a reforma. Mas esse discurso não corresponde à realidade.
Por que a grande mídia não denuncia que a política de isenções e desonerações previdenciárias concedidas às empresas atingiram R$ 64 bilhões em 2015 e R$ 56 bilhões em 2016! É o mesmo mecanismo perverso, para privilegiar um grupo de empresários e seus políticos aliados, que quebrou as finanças do Estado do Rio. Por que a grande mídia também não denuncia que o total da dívida das principais empresas devedoras da previdência atingiu mais de R$ 420 bilhões no final de 2016!
Sabemos que existem muitos interesses por trás desse discurso. Um dos principais é o lobby da bancada de deputados federais representantes do capital. A previdência é superavitária! O que se faz é manipulação de números, dados e informação para se chegar a um resultado que lhes convém. Tem um ditado muito pertinente para a ocasião: “ A estatística (dos oportunistas) é a arte de torturar os números até fazer eles chegarem ao resultado que interessa”.
O que acontece na verdade é uma luta por interesses. Interesses de classes com objetivos totalmente contrários. Existe um grande interesse de inviabilizar e esvaziar o sistema previdenciário. Para conseguirem isso, pressionam o Governo e fazem acordos, através de sua bancada de 170 deputados-empresários, com o objetivo de expandir o mercado de planos de aposentadoria explorado pelos grandes grupos de previdência privada. Esse é o verdadeiro objetivo! Reservar um papel secundário para a previdência pública e garantir dessa forma lucros crescentes para a previdência privada. Mas para terem sucesso em mais esse golpe, é preciso “convencer”, fazer muito marketing para ludibriar a população. Para essa empreitada, contam com o habitual apoio e parceria da grande mídia. Do outro lado, estamos nós, trabalhadores, que contribuímos durante 35 anos e lutamos para ter uma aposentadoria digna e mais justa. De preferência, antes de morrer!
Outro equívoco muito comum é comparar o sistema de aposentadoria do Brasil com outros países da Europa. Isso não tem base teórica nenhuma. Não é possível comparar sistemas com estrutura, população, expectativa de vida e renda per capta totalmente diferentes.
Estudo recente realizado pelo IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, revela as regras para a concessão de aposentadorias no Brasil e em vinte e dois países. Não há como comparar nosso trágico contexto socioeconômico com a realidade de países desenvolvidos. Nosso PIB per capita é de cerca de US$ 7,5 mil. Para onze dos vinte e dois países analisados, esse valor se situa entre US$ 25 mil e US$ 38 mil. A expectativa de vida no Brasil é de 68 anos para homens e 76 anos para mulheres. Em quatorze países analisados, a média é de 78 anos para homens, e, em dezessete países, é superior a 80 anos para mulheres. Se a comparação for feita considerando apenas a região Norte e Nordeste, o quadro é muito pior. Segundo o IBGE, a expectativa média de vida dos brasileiros do norte e nordeste é de 71 anos. Nas áreas mais pobres dessas regiões a média é de 68 anos! Isso significa na média, que os trabalhadores dessas duas regiões, iriam usufruir a aposentadoria por apenas três anos, pois a reforma prevê aumentar a idade para aposentadoria para 65 anos!
O que esse projeto de reforma faz é transformar plano de aposentadoria em mais um imposto para a grande maioria da população, uma vez que milhões de contribuintes estarão mortos ou se beneficiarão por pouco tempo da aposentadoria! Para se aposentar aos 65 anos terá que começar a trabalhar aos dezesseis anos e contribuir initerruptamente durante 49 anos! Milhões de brasileiros perdem seus empregos todos os anos, e muitos levam mais de um ano para se recolocar no mercado. Ou seja, a maior parte dos trabalhadores brasileiros dificilmente terá condição de comprovar 49 anos de contribuição para a Previdência. Essa reforma é na verdade um pacote de medidas perversas e injustas para o trabalhador brasileiro! É um passaporte para não se chegar a lugar nenhum.
Se o problema é de caixa, por que não priorizar a cobrança dos R$ 420 bilhões de dívidas das empresas com a previdência? Por que não suspender as isenções previdenciárias concedidas às diversas empresas e setores da economia? Para se fazer uma análise justa que traduza os reais propósitos da política previdenciária é preciso discutir o assunto em sua totalidade. O que está quebrando o Brasil não é a previdência social. O que está quebrando o Brasil é a dívida pública interna! O Governo brasileiro devia, ao final de 2015, aos banqueiros e grandes investidores o valor absurdo de R$ 3,936 bilhões (três trilhões, novecentos e trinta e seis bilhões). De acordo com dados disponíveis, no site do Senado Federal, temos a seguinte situação das despesas no Orçamento da União:
Amortização/Refinanciamento da dívida: R$ 754 bilhões (A)
Juros e encargos da dívida: R$ 209 bilhões (B)
Serviço da dívida: R$ 963 bilhões (A + B)
Previdência, educação, saúde e transf. a estados e municípios: R$ 980 bi
Salários e encargos sociais dos servidores públicos federais: R$ 255 bi
Investimentos em escolas, hospitais, estradas e outras obras: R$ 10 bi
Concessão de financiamentos públicos: R$ 60 bilhões
Total de gastos do Governo Federal: R$ 2,268 (2 trilhões, 268 bilhões).
Não é necessário ser especialista para constatar a tragédia da situação. A dívida representa 174% de toda a despesa do Governo Federal de um ano. Causa também uma sangria, no Orçamento da União, de 43% do montante, somente para pagamento de juros, encargos e amortizações no valor de R$ 963 bilhões. Esse montante é praticamente equivalente aos R$ 980 bilhões destinados para bancar todo o gasto com previdência, educação, saúde e transferências para estados e municípios. Isso representa a morte, silenciosa, de milhões de pessoas.
Somente para pagamento de juros foram destinados R$ 209 bilhões em apenas um ano! No entanto, o gasto para construção de hospitais, escolas, estradas e demais obras de infraestrutura foi de apenas R$ 10 bilhões! Percebeu o que realmente causa a destruição, o subdesenvolvimento e a miséria do país? É o pagamento imoral e ilegal da dívida pública que deve passar por uma reforma, por uma auditoria urgente.
Não é justo, nem muito menos ético o Brasil continuar pagando essa dívida interna e eterna. O prazo para resolvermos essa usurpação e vampirização dos recursos da nação já se esgotou. Ou fazemos a auditoria, ou seremos obrigados, em um horizonte não muito distante, a enfrentar os mesmos problemas que passaram Argentina, Grécia, Finlândia, Espanha e Portugal.
É preciso realizar com urgência a auditoria da dívida pública brasileira. O mais viável é a suspensão imediata de todos os pagamentos da dívida interna por pelo menos um ano. Durante esse período seria feita uma auditoria minuciosa de toda a estrutura da dívida com a participação de órgãos especializados do Governo, como Banco Central e Tesouro Nacional; auditores fiscais idôneos, profissionais competentes da sociedade civil organizada especializados em contabilidade financeira e finanças públicas. Só assim teremos noção exata da legitimidade desses títulos da dívida; e se não houve fraudes, desvios, abusos, irregularidades e cobrança de juros sobre juros (anatocismo) durante o tempo de capitalização e resgate.
Somente com essa auditoria seria possível questionar juridicamente essas fraudes e erros cometidos; e em seguida exigir judicialmente seu cancelamento. Essa auditoria, além de todo o seu conteúdo de justiça social, teria capacidade de liberar um volume considerável de recursos para investimentos vitais em serviços públicos de infraestrutura e principais demandas da sociedade brasileira em saúde, educação, moradia, reforma agrária e meio ambiente.
A reforma da previdência é uma proposta indecente, imoral, e revela-se numa verdadeira conspiração contra os interesses da maioria da população brasileira e a soberania do país enquanto nação. O que precisa sofrer reforma não é a previdência, mas sim a estrutura perversa da dívida pública, que tem como objetivo principal transferir volumes gigantescos de recursos para uma classe privilegiada de banqueiros e grandes investidores. A Reforma em pauta irá beneficiar quem? Apenas grandes empresários do setor de previdência privada sairiam ganhando com essa reforma.
Uma parte da população ainda não percebeu, ou se recusa enxergar, que a violência é fruto de um sistema econômico injusto por natureza, pois sua origem é baseada na apropriação de valor criado pelos trabalhadores, que é composto majoritariamente por pessoas pobres ou de classe média. É preciso entender que a violência tem uma correlação direta com a pobreza, com a miséria e com um modelo econômico baseado na exploração da força de trabalho alheia.
Você já viu bala perdida atingir criança ou pessoa inocente em país desenvolvido e sem desigualdade social? Você já ouviu falar de bala perdida em Cuba, Dinamarca, Suécia, Suíça, Holanda, Alemanha, ou outro país sem desigualdade social, mesmo que seja pequena? Você já viu bala perdida atingir dentro de casa alguém de família rica, entrincheiradas em suas mansões? Essas pessoas estão “protegidas” por muros ou grades de seus condomínios de luxo. Mas trata-se de uma falsa proteção, porque essas pessoas acabam também sendo vítimas da violência nas ruas, nas praias, nos shoppings, ou em seus carros “blindados”. Só percebem a tragédia e a violência quando as mesmas afetam diretamente um membro da família que passa a fazer parte das estatísticas de mortes violentas.
A “bala perdida” não é tão perdida assim. Ela tem endereço, ela tem CEP! Ela só atinge os mais pobres, os mais vulneráveis, milhões de homens, mulheres e crianças sem-rosto, sem cidadania, sem perspectiva de vida e de futuro! É contra essa situação, que insiste em se perpetuar no Brasil, que lutamos! Isso não é elucubração. Não é abstrato. Isso é concreto, é real! Pesquisas realizadas comprovam a tese. O quadro de extrema desigualdade, existente no Brasil, está entre as principais causas da violência segundo estudo divulgado pelo IPEA. Segundo, ainda, relatório da ONU, de 2014, em cada dez assassinatos ocorrido no mundo, um ocorre no Brasil. Isso representa 10% dos assassinatos no mundo, mas a população do Brasil representa apenas 2,83% da população mundial. A PEC 55 que congela os gastos públicos por vinte anos, a reforma da previdência e as despesas com a dívida interna só produzem mais miséria e desigualdade, e em consequência mais violência.
Isso é luta de interesses! Que é uma luta ideológica! Mas é acima de tudo uma luta política por interesses totalmente diferentes. Os interesses, dos empresários capitalistas, de acumulação de capital são totalmente contrários aos interesses da classe trabalhadora para viver com dignidade e sem desigualdades sociais tão degradantes para o ser humano. Isso é luta de classes! Se não entendermos isso não vamos entender o mundo em que vivemos.