PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA: aplicação das medidas cautelares de acordo com a Lei nº 12.403/11

Por Samuel Silva Basilio Soares | 05/12/2016 | Direito

RESUMO

Este artigo abordou, como ideia central, a presunção de inocência em face das mudanças advindas da Lei 12.403/11, e por consequência, a utilização das medidas cautelares no ordenamento jurídico atual. De início foi abordado à essência do princípio constitucional da inocência, mais especificamente do seu conceito ao momento em que se materializa no processo penal. Em seguida tratou-se das medidas cautelares e do requisito “fumus comissi delicti” e “periculum libertatis” na prisão preventiva, para enfim analisar a consonância da Lei 12.403/11 com o texto constitucional. Concluiu-se pela importância das cautelares para resguardar o processo penal, que agora com as várias medidas estipuladas no Art. 319 do CPP, transformou a prisão preventiva em “ultima ratio”, tendo em vista subsidiariedade com as outras medidas acautelatórias. O estudo teve como referencial teórico: NUCCI, LOPES JR, OLIVEIRA, CAPEZ, TOURINHO FILHO.

1 INTRODUÇÃO

Com a recente publicação da Lei n.º 12.403 de 4 de maio 2011, foram realizadas profundas modificações no Processo Penal Brasileiro, mais especificamente no que concerne as medidas cautelares, e consequentemente, a forma de tratamento do acusado

Na primeira parte do trabalho pretende-se por em foco a presunção de inocência como garantia constitucional do réu e em seguida verificar sua presença marcante no ordenamento jurídico brasileiros, para posteriormente constatar em quais etapas de um processo penal, ela se mostra presente.

Posteriormente, analisa-se a presunção de não culpabilidade em face das noves medidas cautelares contidas no Art. 319 do CPP, sem contar com todas as alterações realizadas no código processo penal, principalmente no Art. 282, com o objetivo de verificar se as alterações foram cruciais para a defesa dos direitos do acusado.

O artigo científico terá como referencial teórico vários autores consagrados, proporcionando uma doutrina confiável e atualizada, além de várias jurisprudências do STF e STJ, as quais demonstrarão como os tribunais mais importantes do país estão tratando o tema em comento.

Assim, pretende-se no presente estudo abordar a existência da presunção de inocência nas modificações introduzidas pela Lei nº 12.403/11, enfatizando o momento a prisão cautelar como uma medida de “ultima ratio”, subsidiária das novas medidas cautelares, a fim de proteger o acusado do encarceramento antes do transito e julgado.

2 PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Um princípio basilar do processo penal, sem dúvidas, é a presunção de inocência, ou se preferir presunção de não culpabilidade, ele garante que todo e qualquer acusado deve ser considerado inocente até decisão final, desta forma ninguém poderá ser imputado culpado antes de sentença final condenatória. O Artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal é claro e direto: “Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória.”

Pelo explicitado acima é fácil perceber que se trata aqui de uma garantia constitucional, que possui ainda bases na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Artigo XI. Portanto, trata-se de uma regra garantidora do Estado Democrático de Direito, resguardando ao réu o direito de responder o processo em liberdade. Veja-se:

Artigo XI - Todo o homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias a sua defesa.

Assim, podem-se extrair algumas consequências fundamentais para o estudo, primeiro a legitimação do juiz no sistema acusatório – o Brasil adota esse sistema - para exercer duas funções, uma como juiz inquisidor, com poderes de investigação e instrução, e outra como juiz garantidor, justamente para que o devido processo legal e o estado jurídico de inocência não sejam infligidos.

Em seguida, ressalta-se que as regras de tratamento do acusado, devem ser tomadas com a devida proporcionalidade, posto que a intervenção do processo penal acontece sobre um cidadão inocente, devendo cada ato do juiz ser devidamente pensado e motivado, valorando sempre o real resultado de suas ações.

Dentro do processo, se traduz em regras para o julgamento, orientando a decisão judicial sobre os fatos. Indubitável é que as regras de tratamentos do acusado são especiais, posto que a intervenção do processo penal acontece em relação a um inocente.

Suannes (apud LOPES JR, 2006, p. 188), chama a atenção para o fato de que, por aplicação elementar do principio constitucional da isonomia e do ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus, não existem pessoas “mais presumidas” inocentes e pessoas “menos presumidas”, a regra é a mesma para todos, todos são presumidamente inocentes, qualquer seja o fato que nos é atribuído.

Tendo em vista que o processo percorrido pelo réu, do indiciamento até a sentença, é extenso, torna-se necessário a identificação das ocasiões em que Estado de Inocência é preservado. O doutrinador Capez (2010, p.81) é bastante enfático ao dividi-los:

O princípio da presunção de inocência desdobra-se em três aspectos: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b)no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual.

Nesse contexto, merece destaque os seguintes consectários do princípio da presunção de inocência, devidamente enumerados nos itens: 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4.

2.1 Ônus da Prova

Seguindo a ordem cronológica de um processo penal, a inocência do réu é preservada logo de início na inversão do ônus da prova, cabendo à acusação provar os fatos alegados. Da mesma forma afirma Nucci (2008, p. 75):

Tem por objetivo garantir, primordialmente, que o ônus da prova cabe à acusação e não à defesa. As pessoas nascem inocentes, sendo esse o seu estado natural, razão pela qual, para quebrar tal regra, torna-se indispensável que o Estado-acusação evidenciem com provas suficientes, ao Estado-juiz a culpa do réu.

Em um caso concreto, no qual a acusação não conseguiu provar os fatos alegados, o Supremo Tribunal Federal entendeu o seguinte:

[...] AS ACUSAÇÕES PENAIS NÃO SE PRESUMEM PROVADAS: O ÔNUS DA PROVA INCUMBE, EXCLUSIVAMENTE, A QUEM ACUSA. - Os princípios constitucionais que regem o processo penal põem em evidência o nexo de indiscutível vinculação que existe entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta, de um lado, e o direito individual à ampla defesa, de que dispõe o acusado, de outro. É que, para o acusado exercer, em plenitude, a garantia do contraditório, torna-se indispensável que o órgão da acusação descreva, de modo preciso, os elementos estruturais ("essentialia delicti") que compõem o tipo penal, sob pena de se devolver, ilegitimamente, ao réu, o ônus (que sobre ele não incide) de provar que é inocente. É sempre importante reiterar - na linha do magistério jurisprudencial que o Supremo Tribunal Federal consagrou na matéria - que nenhuma acusação penal se presume provada. Não compete, ao réu, demonstrar a sua inocência. Cabe, ao contrário, ao Ministério Público, comprovar, de forma inequívoca, para além de qualquer dúvida razoável, a culpabilidade do acusado. Já não mais prevalece, em nosso sistema de direito positivo, a regra, que, em dado momento histórico do processo político brasileiro (Estado Novo), criou, para o réu, com a falta de pudor que caracteriza os regimes autoritários, a obrigação de o acusado provar a sua própria inocência (Decreto-lei nº 88, de 20/12/37, art. 20, n. 5). Precedentes.
(HC 83947, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/08/2007, DJe-018 DIVULG 31-01-2008 PUBLIC 01-02-2008 EMENT VOL-02305-02 PP-00327) (Grifo nosso)

O ônus da prova na ação penal pública, recai sobre quem acusa, devendo este provar a autoria e materialidade do fato alegado pelo autor da ação. Entretanto existe uma corrente que sustenta a hipótese de caber ao acusado provar causas excludentes da antijuridicidade, da culpabilidade e da punibilidade. Veja-se:

No processo penal condenatório oferecida a denúncia ou queixa cabe ao acusador a prova do fato e da autoria, bem como das circunstancias que causam o aumento da pena (qualificadoras, agravantes etc.); ao acusado cabe a prova das causas excludentes da antijuricidade, da culpabilidade e da punibilidade, bem como das circunstancias que impliquem diminuição da pena (atenuantes, causas privilegiadoras etc.) ou concessão de benefícios penais. (MIRABETE, 2002, p.264)

Porém esta tese encontra forte contestação na doutrina, a qual afirma que o denunciado nada deve provar inclusive os fatos que lhe beneficiam como a inexistência de dolo e causas extintivas de punibilidade, visto que no processo penal não pode ocorrer a inversão do ônus da prova, de maneira que se o órgão acusador se abster da obrigação jurídica de provar o alegado, não implica ao réu demonstrar sua inocência. Nesse sentido Lopes Jr. (2006, p. 190) afirma que:

Gravíssimo erro é cometido por numerosa doutrina (e rançosa jurisprudência), ao afirmar que a defesa incumbe a prova de uma alegada excludente. Nada mais equivocado, principalmente se compreendido o dito até aqui. A carga do acusador é de provar o alegado; logo demonstrar que alguém (autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade e, logicamente, a inexistência das causas de justificação.

Assim, fica evidente, que nas ações penais públicas o órgão acusador tem a obrigação de provar o alegado e não o réu de demonstrar sua inocência, constituindo uma característica inafastável do sistema processual penal acusatório, como retratado no art. 156 do Código de Processo Penal, “A prova da alegação incumbirá a quem fizer, sendo, porém facultado ao juiz: [...]”.

[...]

 
Artigo completo: