PRECURSORES DA VIRTUDE DA PRUDÊNCIA

Por Lisianne de Castro Antero | 09/11/2015 | Filosofia

 

 

 

 

PRECURSORES DA VIRTUDE DA PRUDÊNCIA

PRECURSORS OF THE VIRTUE OF PRUDENCE

 

 

*Lisianne de Castro Antero Soares

 

 

Resumo

 

O presente trabalho traz uma reflexão acerca da imbricação existente entre as idéias defendidas pelos filósofos grecos-romanos sobre a virtude da prudência. O filósofo grego Aristóteles compreendia que se tratava de uma virtude intelectual, na medida em que se relacionava com a verdade, com o conhecimento e a razão. Para ele, a sabedoria práticaera a virtude que permite deliberar corretamente acerca do que é bom, não cabendo à sabedoria a eleição das finalidades, mas apenas a escolha dos meios adequados para tanto. Mais adiante, destacamos umas das figuras mais importantes da Escola Escolástica: Tomas de Aquino. Com visível intenção de conciliar os valores da fé e da razão, mas sempre influenciado pelo filósofo grego já mencionado, considerava para tanto a contraposição de duas correntes filosóficas: Franciscanos contra Averroístas. A primeira seguia a linha místico-platônica, já a segunda louvava a crença do pensador árabe Averróis. Em sua obra de destaque, Summa Theologica, ressalta a importância da prova da existência de Deus, expondo os assuntos mais relevantes sobre a fé e o conhecimento filosófico, sem jamais se afastar das idéias de Aristóteles como fundamento. Traçado o paralelo entre o proposto pelo filósofo grego Aristóteles sobre a sabedoria prática e os meandros da virtude da prudência, enunciada por Tomas de Aquino, é clara a imbricação dos conceitos e paradigmas defendidos pelos precursores estudiosos sobre otema em questão.

 

Palavras-chave: precursores - filósofos - sabedoria prática - virtude-prudência

 

Abstract

 

This paper presents a reflection about the imbrication that exists between the defined ideas advocated by Greco-Roman philosophers about the virtue of prudence. The Greek philosopher Aristotle believed that it was about intellectual virtue, as it related to the truth, with knowledge and reason. For him, practical wisdom was a virtue that allows proper deliberation about what is good, not requiring the wisdom the election of purposes, but only the choice of the appropriate means to do so. Moving ahead we emphasize some of the most important figures of Scholastic School: Thomas Aquinas. With clear intentions to reconcile the values of faith and reason, but always influenced by the Greek philosopher already mentioned, therefore considered the contrasts of two philosophies: the Franciscans against the Averroists. The first followed the mystic-Platonic line, while the second praised the belief of the Arab thinker Averroes. In his main work, Theologic Summa, emphasizes the importance of proving the existence of God, exposing the most relevant issues on faith and philosophical knowledge, never being too far from Aristotle's ideas as a foundation. Tracing the parallel between the Greek philosopher Aristotle proposal on the practical wisdom and the intricacies of the prudence virtue, announced by Thomas Aquinas, makes it clear the imbrication between the concepts and paradigms defended by the precursors and scholars on the theme discussed.

 

 Keywords: practice-due-caution-precursors philosopher-wisdom

 

 

Sumário

 

1. A Sabedoria prática de Aristóteles............................................04

1.1Conceito......................................................................................04

1.2 Desenvolvimento e distinções………………………………...07

2.A virtude da Prudência por Tomas de Aquino ……………….08

2.4.Imprudência/Negligência/Vícios ……………………………..15

3.Conclusão………………………………………………………...17

4.Referências……………………………………………………….19

 

 

1. Sabedoria Prática de Aristóteles

 

1.1.Conceito

 

A palavra prudência deriva do latim prudentia e significa previdência, previsão, sabedoria, inteligência, sagacidade. Aristóteles chamava a prudência de phronêsis, traduzida muitas vezes por “sabedoria prática”, que caracterizava-se pela excelência moral que conduz à reta razão da conduta humana e à virtude do pensamento.

 

Na Antiguidade Clássica e na Idade Média, era considerada uma das quatro virtudes cardinais, ao lado da justiça, da temperança e da coragem. Encontramos referências à prudência em alguns filósofos gregos como Platão, Aristóteles, mas, sobretudo, no pensamento cristão de São Tomás de Aquino.

 

Em seu Livro VI da obra Ética a Nicômaco dedicada ao filho, Aristóteles define a prudência como a virtude por cuja razão os homens sábios elegem aquilo que é bom. Considerada, portanto, como a virtude da boa deliberação, enquanto a virtude moral assegura a retidão do fim, a prudência trata dos meios para alcançá-los.

 

Diante dos relatos, iniciamos a análise do livro VI da Ética a Nicômaco, ocasião em que Aristóteles desenvolve um estudo sobre a sabedoria prática, tão intrinsecamente assemelhada com os relatos posteriores de Tomas de Aquino sobre a virtude da prudência, publicada em seu livro Suma Teológica.

 

Aristóteles reconhece, inicialmente, que o meio termo é determinado pela reta razão, distanciando-se dos conceitos de excesso e de falta, seguindo um padrão que determina os estados medianos. Ressalta a necessidade do respeito às disposições da alma, para que não só emita declarações verdadeiras, mas também defina as justas regras e o modelo que as determinam.

 

Assevera que a virtude reside no êxito obtido e que três são os determinantes da ação e da verdade: sensação, razão e desejo. Concebe a virtude moral como uma disposição de caráter relacionada com a escolha, e esta última, por sua vez, ligada a um desejo deliberado.

 

Compreende o raciocínio como o reto desejo para a concepção da escolha acertada. Daí, depreende-se a imbricação da entre a razão e o intelecto com a disposição moral, vez que estes não podem coexistir de forma isolada ao visar a realização de uma boa ação.

 

Assegura que ninguém decide sobre o passado, vez que sobre ele não há mais modificação. Sustenta que só se delibera sobre as ações futuras que possam sofrer interferências humanas, sendo a partir desta premissa,direcionadas das mais diversas formas.

 

Ademais, outro entendimento não se pode ter, senão de que as virtudes buscam a verdade. E as disposições da alma que acarretam essa verdade são cinco: a arte, a sabedoria prática, o conhecimento científico, a razão intuitiva e a sabedoria filosófica.

 

Ab initio, nos deteremos à sabedoria prática, que muito se assemelha à prudência, a posteriori tratada pelo filósofo e doutor da Igreja Tomás de Aquino, que a destaca pela capacidade plena de deliberar bem sobre o que é bom e conveniente. Com ela, o homem calcula visando atingir um fim bom e só delibera sobre coisas possíveis e que possam ser decididas de mais de um modo. É, portanto possuidor de sabedoria prática o homem que é capaz de deliberar bem.

 

Ressalte-se que a sabedoria prática não pode ser ciência, nem arte, mas uma verdadeira capacidade de agir com respeito às coisas que são boas ou más para o homem. Com isso, depreende-se que a boa ação é seu próprio fim, ou seja, são detentores de sabedoria prática os homens que conseguem identificar o que é bom para si e para os outros de forma em geral. Por isso, são bons administradores domésticos e do Estado.

 

Convém advertir, todavia, que o homem pervertido pelo prazer ou pela dor, tem a visão turva e não consegue identificar com clareza o bem para si ou para os outros. E, aqui, merece destaque a futura exortação de Tomas de Aquino sobre os vícios que anulam a causa originária da ação.

 

A sabedoria prática deve, portanto, ser a capacidade verdadeira e raciocinada de agir com respeito aos bens humanos, lembrando que por se comportar como virtude, versa sobre coisas variáveis. Daí se depreende também que o homem sábio terá conhecimento sobre os princípios, possuindo, inclusive, a verdade sobre eles.

 

A referida sabedoria constitui-se da junção da razão intuitiva e do conhecimento científico, o que gerou a mais perfeita forma de conhecimento. Visa coisas universais, particulares e que possam ser objeto de deliberação, baseando-se em cálculos para melhor alcançar os resultados, bem como na experiência, a fim de decidir bem.

 

1.2 Desenvolvimento e distinções

 

Elenca-se as sabedorias política e prática com a mesma disposição mental, mas com essências distintas. A primeira está relacionada com assuntos das cidades, ocupando-se com as deliberações e ações necessárias às cidades. A segunda, por sua vez, trata das coisas relacionadas ao próprio homem que sabe o que é bom para si, buscando seu próprio bem e incentivando que os demais façam o mesmo.

 

`Não obstante, que a ação fruto de uma deliberação deve ser logo posta em prática, a deliberação em si requer tempo para ser devidamente maturada e atingir a sua excelência. Mais uma vez, aqui, não podemos deixar de mencionar a similaridade temporal do processo de formação e aplicação que há entre a sabedoria prática debatida por Aristóteles e a prudência defendida por Aquino.

 

Diferencia-se a sabedoria prática da inteligência, uma vez que esta última limita-se a julgar, e é inerente aos homens perspicazes; já a primeira consiste nas ações determinadas pelo que se deve ou não fazer. Nesse sentido, o homem precisa de discernimento, pois agem como juízes humanos aplicando a reta discriminação do equitativo.

 

Com efeito, são características inatas à personalidade humana: discernimento, inteligência e a razão intuitiva. No entanto, há fatores como a experiência de vida que muito agrega e, por isso, pessoas mais velhas são mais dotadas de sabedoria prática, o que as faz enxergar melhor e com o olhar mais acurado. Aqui, da mesma forma, não podemos deixar de ressaltar a semelhança com as idéias do filósofo cristão sobre o aconselhamento com os anciãos e a eficácia de comando.

 

Na mesma linha, a sabedoria prática ocupa os espaços da mente das coisas justas e nobres como característica dos homens bons e justos. As obras de um homem são consideradas perfeitas quando estão de acordo com a sabedoria prática e a virtude moral. Isso porque estarão de acordo com um reto propósito.

 

A virtude torna reta a escolha, mas é com base na habilidade que pode-se fazer com que as coisas sejam conduzidas ao fim proposto. Sócrates pensava que as virtudes eram princípios racionais, já que eram consideradas como conhecimento científico, o que difere do pensamento Aristotelico que compreendia apenas como um envolvimento do princípio racional.

 

Por fim, não é possível ser bom na acepção estrita sem sabedoria prática, nem a possuí-la sem virtude moral. Isso porque, as virtudes não existem de forma isolada. Apenas as virtudes naturais podem ser adquiridas isoladamente pelo homem. Com efeito, na presença uníssona de sabedoria prática, ao homem lhe serão dadas todas as demais virtudes.

 

2. Virtude da Prudência por Tomas de Aquino

 

Em um período posterior e de Contrarreforma da Igreja Católica, Tomas de Aquino reverberava sobre prudência como a virtude conciliadora entre a fé e a razão. Concebia a prudência iluminada pela experiência da memória, visando a a escolha certa e resguardada dos impulsos e paixões.

 

Corroborando as idéias de Aristóteles, Aquino destacava a prudência como uma das quatro virtudes cardeais e, inclusive, como mãe e guia das demais virtudes. Apresentava a pudentia de forma corajosa e justa, transformando a realidade de decisão em comando. Nesse sentido, discorria o doutror da Igreja: "o medo de enfrentar o peso da decisão tende a paralisar os imprudentes". 1

 

Trazendo a reflexão para o presente, não podemos deixar de ressaltar a repercussão do discurso das obras de Aristóteles e, sobretudo, Tomas de Aquino para nossa vida cotidiana. Isso porque, na atualidade, verifica-se uma grande tendência à “imprudência humana" no sentido de: delegar o ato de decidir a reuniões longas e, às vezes, desnecessárias; delegar decisões a terapeutas, analistas ou, até mesmo, gurus.

 

Fugimos das nossas responsabilidades. E, ainda, sobre o tema, um alerta se faz sobre os riscos de recair em imprudência com a utilização de critérios operacionais rígidos de decisão ou em legalismo exacerbado, o que nos deixaria à margem da justiça, bem como dos fins da sabedoria prática.

 

A prudência, como virtude moral e intelectual, constitui-se na aplicação da reta razão ao agir. São Tomás complementa que a prudência versa sobre as possibilidades de ação formalmente tomadas enquanto objeto da razão e tendo por objeto formal a verdade.

É fato que, atualmente, temos uma visão deturpada do caráter da prudência, bem exemplificada pelo ditado popular sobre o homem precavido: “macaco velho não põe mão em cumbuca”. Para o filósofo, em contrapartida, constitui-se na inteligência concreta que usa como critério a realidade, apreendendo da experiência e da memória como virtudes associadas.

 

E próprio da prudência conhecer o futuro a partir do presente ou do passado, de onde se conclui que a prudência reside na razão dada pela comparação e confrontação de dados, sendo próprio do homem prudente o bom conselho.

 

Tomas de Aquino dispõe sobre os meios para alcançar o fim e ressalta que o ser humano possui o anseio de uma realização, escolhendo para tanto os meios determinantes.Para ele: sem a prudência, não há nenhuma outra virtude.

 

Ainda, contrariamente à pretensão de deduzir logicamente as verdades da fé e sob a ótica do pensamento negativo de Tomás de Aquino, desvela-se o mistério para o homem: “não há nenhum argumento de razão naquelas coisas que são da fé”.2

 

O fim da prudência se subdivide em: útil e honesto. A partir da razão humana, temos uma prudência adquirida e, através das luzes da fé e da graça, chegamos à prudência dos santos como princípio de ação. O fim das virtudes morais é o bem humano que, por sua vez, preexiste à razão.

 

O papel da prudência, portanto, consiste em aplicar princípios universais às conclusões particulares no agir. Configura-se pela reta razão e pela temperança que não permite que o homem caia por causa da concupiscência. Já a fortaleza busca o reto juízo, distanciando-se do medo ou da audácia.

 

A prudência como reta razão aplicada ao agir comporta três atos: aconselhar, julgar e comandar. Este último, por sua vez, consiste em aplicar ao agir o que foi aconselhado e julgado. A solicitude pertence ao conselho: “deve-se realizar rapidamente a ação sobre a qual já se tomou conselho, já este deve ser realizado com vagar”. 3

 

É evidente que a prudência diz respeito não só ao bem privado, mas também ao bem da coletividade. Além do mais, quando se almeja o bem comum, busca-se, também, seu próprio bem. Nesse sentido complementa Santo Agostinho: “torpe é toda parte que não está em harmonia com seu todo”.4

 

A prudência está em todos que estão em estado de graça. A virtude adquirida tem origem no exercício dos atos, requerendo, portanto, experiência e tempo. Já a prudência gratuita consiste na infusão divina das pessoas desde o batismo.

 

São partes integrantes que concorrem para a plenitude da prudência: razão, inteligência, docilidade, memória, sagacidade prevenção, circunspecção e previdência, sendo as três últimas dimensionadas como comando e as cinco primeiras integrantes da dimensão cognoscitiva.

 

Competem à prudência o raciocínio a partir de premissas necessárias, prováveis ou conjecturas. Suas partes estabelecem: eubulia comoconselho, synesis consideradocomo juízo ordinário e, por fim, gnome compreendendo como o juízo afastado das leis comuns.

 

São partes integrais da prudência: Memória que está na parte sensitiva da alma, estando em nós por natureza e a Inteligência como capacidade intelectual enquanto responsável pela reta avaliação de um princípio primeiro. Por isso, é necessário que todo o processo decorra da inteligência.

 

Já a Docilidadeé própria abertura para aprender, sendo necessário que o homem aprenda com os outros, especialmente, os anciãos. Aqui, como já citamos acima, o aconselhamento também ocorre no estudo sobre sabedoria prática enunciada por Aristóteles. Nesse sentido, cita o Livro dos Provérbios: “não te apoies em tua prudência”5 e, ainda, em Eclesiástico encontramos: “busca a reunião dos anciãos e comunga de coração com a sabedoria deles”.6

 

A Sagacidade se obtém por dois modos: descoberta própria ou através dos outros. É próprio da sagacidade a disposição para adquirir uma reta apreciação por si mesmo, ou seja, conjecturar rápida e facilmente sobre a descoberta.

 

Ademais, para que haja prudência é necessário que o homem raciocine beme tenha a previdêncianecessária para atingir o fim, pois é através da divina providência que devemos encaminhar o presente. A Circunspecção, por sua vez, é necessária à prudência para que o homem avalie o que conduz ao fim em função das circunstâncias. Já com a prevenção o indivíduo acolhe os bens e evita os males.

 

Quanto às partes subjetivas da prudência: é próprio da prudência dirigir e mandar. Com isso, a prudência de reinar compete ao rei que deve governar a cidade ou o reino, sendo mais perfeito quanto mais universal visar os fins mais elevados. A prudência política, por sua vez, consiste na regência dos homens, e estes movem-se pelo livre arbítrio em obediência aos governantes.

 

A família ocupa lugar intermediário entre a pessoa singular, cidade ou reino. Assim a prudência doméstica merece o referido espaço de governo no âmbito do lar. Por fim, a prudência militar é responsável por rechaçar os ataques de inimigos.

 

Como partes potenciais na prudência podemos citar: a eubulia que torna bom o ato do homem e implica em aconselhar bem. Distingue-se da prudência, uma vez que aquela leva o homem a aconselhar bem, já a prudência impulsiona ao comando. Por isso, dizemos que a eubulia está subordinada à prudência.

 

Synesis consiste no juízo reto nas ações particulares, ou seja, ser humano provido de sensatez. Como virtude cognoscitiva, apreende uma coisa como ela é em si mesma. Provém da natureza e se consuma pela prática ou dom da graça. Gnome julga segundo os princípios mais elevados correspondendo a mais elevada virtude judicativa, exigindo para tanto uma certa perspicácia de juízo.

 

Já a Epiquéia conhecida entre nós como equidade, passa por cima da letra da lei e segue o que pede o espírito de justiça e utilidade comum. Ela não se opõe à justiça, mas a “justiça” de uma determinada lei, nem se opõe à virtude da severidade, já que seguir a "letra da lei", quando não se faz necessária, não passa de vício.

 

Os dons do Espírito Santo são disposições que tornam a alma apta para ser bem conduzida. É próprio da criatura racional mover-se para a ação, em função da indagação da razão, que é o que se chama conselho. O homem, pela prudência (eubulia), é bom conselheiro para si e para os demais, mas como a razão humana é falha, deve ser dirigido por Deus.

 

É bem verdade que a razão humana tem por base a razão divina e, assim, a prudência pressupõe a retidão de razão, movida pelo Espírito Santo, o que é característico do dom do conselho.O dom do conselho permanece no céu. Deus nos dá a virtude do conhecimento, não só quando buscamos, mas também quando nele perseveramos. Como diz Santo Agostinho: “os anjos consultam a Deus sobre as coisas que estão abaixo”.7

 

Além do mais, o conselho trata do que é útil e assim também é a misericórdia, segundo o livro 1 de Timoteo, em seu capítulo 4, 8: “a piedade é útil para tudo”. E, ainda,: ao dom do conselho corresponde a bem aventurança da misericórdia.

 

3. Imprudência/negligência/vícios

 

A imprudência, ou seja a falta de prudência, pode se considerada de dois modos: privação e contrariedade. A primeira ocorre na carência de quem poderia e deveria ter prudência, sendo pecado a negligência em empenhar-se. Já a segunda se manifesta quando agimos manifestamente contra à prudência, desprezando um conselho.

 

Com isso, depreendemos que o afastamento e desprezo às regras divinas e às retas razões da prudência, ensejam o pecado mortal. Os veniais, por sua vez, estão às margens das regras de prudência.

 

No mais, a precipitação é pecado contido na imprudência: deixar-se levar pelo impulso da vontade ou da paixão, passando às margens da memória, inteligência, sagacidade, raciocínio e docilidade para assentir às sentenças dos mais velhos. Aqui, da mesma forma convergem os entendimentos dos filósofos em análise.

 

A inconsideração está contida na imprudência, manifestada através da falha no reto julgar ao desprezar ou negligenciar os aspectos necessários para um juízo reto.A inconstância, por sua vez, sugere imprudência quando se abandona um bom propósito definido,ocorrendo aofalharo ato de comando por causa do que desordenadamente lhe apraz.

 

Os vícios que corrompem a avaliação da prudência procedem da luxúria: o prazer venéreo que absorve a alma e empurra para o prazer sensível, distante da prudência abstraída das coisas sensíveis. Para os filósofos grego Aristóteles e Tomas de Aquino os vícios tem origem na avareza. O uso da razão reta aparece na justiça, já seu uso indevido, enseja a avareza como vício oposto.

 

A negligência pressupõe a falta de solicitude e sua omissão configura-se como pecado especial já que é ato específico da razão. A negligência é a própria da imprudência. Negligente é o que não escolhe, pois a reta escolha dos meios para atingir os fins é próprio da prudência.

 

Já a astúcia consiste no modo que alguém utiliza para atingir um fim, bom ou mau, por meios que não são verdadeiros, mas aparentes. Além do mais, é próprio da astúcia empreender caminhos inautênticos e simulados com a utilização de dolo ou fraude para assumir os caminhos da execução do ato.

 

Por fim, Tomas de Aquino sustenta que a solicitude almejada deve ser voltada para os bens espirituais, com a esperança de que, por consequência, teremos os temporais, de acordo com nossas necessidades. Nesse sentido, a passagem em Mateus 13, 22 “a solicitude pelas coisas do mundo sufoca as palavras”.8

 

Além disso, adverte sobre a solicitude no futuro: Eclesiastes 8, 6 “para todos os afazeres há um tempo e uma ocasião”, por isso para cada tempo há sua solicitude, concluindo: baste a cada dia sua maldade, isto é, a aflição da solicitude que ele suscita (Mt 6, 34).9

 

4.Conclusão

 

Para Aristóteles a prudência e a sabedoria são distintas. A sabedoria tem por objeto aquilo que existe por demonstração, sem modificações.Já a prudência refere-se a coisas úteis que estãoem mutação. Ou seja, a prudência permite determinar a utilidade das coisas, tendo em consideração as circunstâncias particulares e o momento.

 

Ressalta-se, aqui, que a sabedoria prática ocupa os espaços da mente das coisas justas e nobres como característica dos homens bons e justos. As obras de um homem são consideradas perfeitas quando estão de acordo com a sabedoria prática e a virtude moral.

 

Nesse sentido, a virtude torna reta a escolha, mas é com base na habilidade que pode-se fazer com que as coisas sejam conduzidas de acordo com um reto propósito, visando o fim proposto. Dessa forma, possuir sabedoria prática consiste em condição impar para o indivíduo jovem, tendo em vista que só o tempo pode lhe proporcionar experiências necessárias à consecução da virtude, da qual os jovens são carecedores.

A prudência, por sua vez, não é uma habilidade, embora se possa dizer que uma pessoa prudente é hábil. Mas nem todos os homens hábeis são prudentes. O papel da prudência dentro da ética proposta por Tomás de Aquino ocupa um lugar privilegiado dentro da sua concepção ética. Em seu tratado da prudência, Tomás afirma na questão 47, artigo 1° que “a prudência reside propriamente na razão” e que é próprio dela conhecer o futuro a partir das coisas presentes e futuras. 10

 

Cabe, portanto, ao prudente auxiliar na ordenação ou impedimento das coisas que devem ser feitas no presente. Seu mérito está no fato dessa aplicação contingente como fim da razão prática. Nesse sentido, complementando Aquino, Santo Agostinho destaca: prudência pode até ser amor, mas amor que escolhe, já que é o amor que move o ato de prudência.

 

Ressaltamos, no entanto, que a palavra prudência sofreu muitas transformações semânticas ao longo do tempo e, atualmente, tornou-se equivocadamente caracterizada pelas pessoas como egoísta cautela de decisão, o que difere, sobremaneira, da proposta de Aquino sobre o tema: arte de decidir corretamente, com base na realidade, em virtude do conhecimento.

 

Considerada por Santo Agostinho como a virtude que separa com sagacidade o que lhe é útil e o que lhe é nocivo, a prudência é uma sabedoria utilitária que permite decidir bem. Tomás de Aquino, na Suma Teológica, considera que a prudência é uma virtude intelectual, que faz parte da razão e que permite a escolha dos melhores meios. Ser prudente, portanto, é ser razoável e não um covarde.

 

5.Referências

 

AGOSTINHO, Santo. Confissões, Livro III apud Tomás, de Aquino. A prudência: a virtude da decisão certa; tradução, introdução e notas de Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

AQUINO, Tomas de. A virtude da decisão certa- tradução, introdução e notas Jean Laund. São Paulo: Martins Fontes, 1 ed, Junho de 2005.

BÍBLIA SAGRADA. Português:tradução da CNBB com introduções e notas. Editora Canção Nova, 8 edição.

MARQUES, Ramiro. A Prudência em Aristóteles. Instituto de Politécnica de Santarém. Disponível em:<http://www.researchgate.net/publication/242277731_A_PRUDNCIA_EM_ARISTTELES>. Acesso em 20 de outubro de 2015.

 

1Tomás, de Aquino. A prudência: a virtude da decisão certa; tradução, introdução e notas de Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pág XI.

2Ibid., pág XIX.

3Ibid., pág 14.

4AGOSTINHO, Santo. Confissões, Livro III apud Tomás, de Aquino. A prudência: a virtude da decisão certa; tradução, introdução e notas de Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pág XIX.

5 SAGRADA, Bíblia: tradução da CNBB com introduções e notas. Editora Canção Nova, 8 ed, pág 765.

6Ibid., pág 842

7AGOSTINHO, Santo. Confissões, Livro III apud Tomás, de Aquino. A prudência: a virtude da decisão certa; tradução, introdução e notas de Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pág 72.

8 Ibid., pag. 1218

9 Ibid. pág. 1208

10 Tomás, de Aquino. A prudência: a virtude da decisão certa; tradução, introdução e notas de Jean Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 2005, pág 3.

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