POSSE, QUAL A SUA REAL NATUREZA JURÍDICA?

Por Prof. João Jose da Silva Júnior | 03/06/2011 | Direito

POSSE, QUAL A SUA REAL NATUREZA JURÍDICA?

João José da Silva Júnior


1.INTRODUÇÃO

O presente artigo versa acerca de um instituto bastante controvertido no ordenamento jurídica brasileiro, ou, um tanto quanto híbrido, duvidoso, sobre o qual, pairam, ainda, certas camadas nebulosas no tocante à sua verdadeira natureza jurídica.
O que seria a POSSE para o direito em sua substância? A resposta da referida indagação constitui o âmago deste trabalho, haja vista que a doutrina pátria, bem como a jurisprudência, não guardam uma definição consistente quanto à sua real e vergastada natureza jurídica.
Assim, com o propósito de abordar o tema com base nas lições doutrinarias e, obviamente, no que preveja a lei em vigor, tentaremos chegar a uma resposta que seja ao menos atrativa em seus fundamentos pilares, a respeito das indagação aqui propositalmente lançadas.

2.BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA POSSE
       
Jamais saberemos quando surgiu a noção de posse, que em sua concepção primitiva é um vínculo estabelecido entre um indivíduo ou um grupo e um determinado bem da vida. Este vínculo pode ter um caráter exclusivamente individual, através do qual um indivíduo se reconhece como possuidor de certo(s) bem(s), ou pode apresentar-se de forma institucionalizada, vale dizer, reconhecimento desta possessão por terceiros.
Podemos afirmar que, certamente, a posse esteve presente desde as mais primitivas formas de organização humana.
Pois, é cediço que o homem sempre teve, desde os tempos mais remotos e sempre terá a necessidade de manter a sua própria subsistência e, para isso, indispensável que se utilize dos meios da caca, pesca, colheita de vegetais, etc., o que o torna, naturalmente, possuidor daqueles elementos que permitam a sua sobrevivência.
Desta forma, fácil é denotar que o próprio vocábulo ? posse ? designa um liame que vincula o homem (aqui em sua acepção ampla - lato sensu), a um bem da vida, quer seja ele corpóreo, quer seja ele incorpóreo.
Podemos afirmar que no Direito Romano a propriedade era indissociavelmente ligada à posse, sem a qual o direito à coisa não existia.
Com o surgimento da propriedade estatal, nasce o dominuim, que era um poder concedido pelo Estado aos particulares, sobre suas terras.
Cada pater familia ocupava a parte que julgasse conveniente, sob a condição de aceitar o regulamento de ocupação. Por isso qualificava-se as terras como agri arcifinii ou occupatorii. Tais ocupações que eram permitidas apenas aos membros do populus romanus não atribuíam aos mesmos o direito de propriedade, mas tão somente a posse que o Estado podia revogar sob qualquer tempo e arbítrio, que, contudo, a protegia enquanto durasse.
Com a promulgação da Lei das XII Tábuas, estabelece-se a distinção entre posse e propriedade. Sendo assim, o que parece verossímil é que o reconhecimento da posse somente apareceu com a sua proteção por meio dos interditos possessórios. Só então começou o parcelamento da propriedade, pela distribuição e arrendamento das terras.
Verifica-se, portanto, que a concepção romana de posse se assentava em uma relação entre homens e coisas, que vai de encontro ao postulado contemporâneo segundo o qual não há uma relação entre homens e coisas, mas, tão somente, entre homens, cujo objeto são as coisas.

3.CONCEITO DE POSSE

A palavra POSSE deriva do latim possessio que provém de potis, prefixo potestas, que significa poder; e sessio, sufixo da mesma origem de sedere, que quer dizer, estar firme, assentado. Indica, portanto, um poder que se prende a uma coisa.
A POSSE, portanto, não se confunde com a propriedade. Esta é fundada em uma relação de direito, enquanto aquela é fundada em uma relação de fato.
Quando falamos em tomar posse, não significa que vamos ser proprietários de algo, mas, sim, usufruir daquilo que o titular e/ou proprietário me dá o direito (posse) de usar. Ou por algum diploma legal, terei o direito de usar.
Como corolário, imprescindível compulsar o conteúdo das duas teorias de altíssima relevância que lecionam sobre a definição do instituto ora em tela:

Teoria de Savigny (subjetiva):
De acordo com o eminente jurista alemão, a posse é o poder de dispor fisicamente da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem. Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual/subjetivo, o animus, ou seja, a intenção de ter a coisa como se proprietário fora, isto é, o animus rem sibi habendi. (significado: intenção de ter a coisa para si)
Assim, explica o influente jurista que os dois elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois, se faltar o corpus, inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse, mas mera detenção.

Teoria de Ihering (objetiva):
Em contrapartida, verifica-se a lição do renomado jurista Rudolf Von Ihering, também alemão, o qual considera que a posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny. Para ele, a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de que é possuidor.
O destacado jurista adverte, ainda, que a lei protege todo aquele que age sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para o que economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que, protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário.
Assim, protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o proprietário presuntivo (presunção iuris tantum). Tal proteção é conferida através de ações possessórias também denominadas de interditos possessórios.
Nesse diapasão, vê-se pertinente aduzir que a proteção possessória é um complemento à defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar dispensado da prova de seu domínio.
É verdade que, para se facilitar ao proprietário a defesa de seu interesse, em alguns casos vai o possuidor obter merecida proteção. Isso ocorre quando o possuidor não é o proprietário, mas um intruso. Como a lei protege a posse, independentemente de se fundamentar ou não em direito, esse possuidor vai ser protegido, em detrimento do verdadeiro proprietário.
Inobstante, Ihering reconhece tal inconveniente peculiar. Mas, esse é o preço que se paga, em alguns casos, para facilitar ao proprietário, protegendo-lhe a posse.
Por fim, em síntese, e de modo simplista, para Von Ihering, é possuidor aquele que tem a coisa em "suas mãos", independentemente de ter direito para tanto, de modo que, cabe ao seu contestante a prova de que aquele possuidor é carecedor do animus/intenção (elemento subjetivo), ou seja, que ele não a possua como se dono fora, sendo, portanto, um mero detentor.
Exemplificativamente, podemos citar o caso de um "caseiro" que passa o fim de semana vigiando determinada casa, cujo dono encontra-se viajando; pois bem, esse "caseiro", com base na teoria de Ihering, não pode ser configurado como possuidor, mas, como mero detentor, isso porque, não utiliza a coisa (casa) como se sua fora, mas, sim, por ordem do proprietário da casa. Assim, verifica-se neste exemplo casuístico, que o "caseiro" tem o corpus (tem a coisa em suas mãos), no entanto, falta-lhe o animus/intenção, ou seja, não usa como sua.
A propósito, na esteira do Código Civil de 2002, vejamos o que preconiza a norma encartada no art. 1.198 caput, e seu parágrafo único, do supra vertido diploma legal, in fine:
"Art. 1.198. Considera-se detentor aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas."

"Parágrafo único. Aquele que começou a comportar-se do modo como prescreve este artigo, em relação ao bem e à outra pessoa, presume-se detentor, até que prove o contrário."
Com efeito, o Código Civil Brasileiro adotou a Teoria Objetiva de Ihering consubstanciada no disposto da norma hospedada no artigo 1.196 do novel Código Civil que, caracterizando a pessoa do possuidor, fornece os elementos para extrair-se o conceito legal de posse: Verbis: "Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes a propriedade."

4.NATUREZA JURÍDICA DA POSSE

Há alguns civilistas, que perfazem aqui a primeira corrente, os quais advogam a tese de que a natureza jurídica da posse é de direito real, fundando-se no fato de que a posse somente existe quando há relação entre pessoa (personae) e coisa (res), de modo que numa relação entre pessoas apenas, haverá uma relação jurídica de direito pessoal a se lograr. Desse modo, para essa primeira corrente doutrinaria e jurisprudencial, a posse é um instituto de direito real.
Dentre os que defendem ser a posse um direito real, encontra-se a eminente jurista Maria Helena Diniz, que aduz de forma remansosa que a posse é um direito real, posto que é a visibilidade ou desmembramento da propriedade. Podendo aplicar o princípio de que o acessório segue o principal, visto que não há propriedade sem posse. Argui, ainda, que o princípio contido no art. 1.191 no nosso Código Civil, de que a tutela possessória do possuidor direto abrange a proteção contra o indireto, arts. 1.210 e 1.212 do Código Civil e nos arts. 920 e seguintes do Código de Processo Civil e, que é possível verificar que o caráter jurídico da posse decorre da própria ordem jurídica que confere ao possuidor ações específicas para se defender contra quem quer que o ameace, perturbe ou esbulhe.
Prossegue a insigne jurista, acenando que na posse se encontram todos os caracteres dos direitos reais, tais como:
Seu exercício direto, sem intermediário;
Sua oponibilidade contra todos (erga omminis);
A sua incidência em objeto obrigatoriamente determinado. Devido à posição da "posse" na sistemática do nosso direito civil, não ter, pois nenhum obstáculo a sua qualificação como direito real.

Doutra parte, verifica-se no cenário jurídico uma segunda corrente, revelando-se minoritária, pois, assevera que a POSSE é um fato, e, por isso, não passa de um estado aparente, tendo a natureza jurídica meramente de direito pessoal, cujo fundamento basilar se faz no sentido de que o indivíduo não pode se relacionar com coisa, porquanto que a coisa não passa de um ser inanimado, razão pela qual, uma relação jurídica somente pode existir, de forma única e restrita, entre dois ou mais indivíduos, em razão de serem seres racionais animados, refutando-se, assim, in totum, a possível existência de um liame ou vínculo jurídico entre pessoa e coisa, como preconiza a primeira corrente. Segue esse limiar o jurista Silvio Venosa.
Aliás, vale ressaltar, que é de conhecimento geral, o fato de que não se pode considerar a posse um Direito Real, porque ela não figura na enumeração do artigo 1.225 do Código Civil e segundo o civilista Silvio Rodrigues, aquela regra é taxativa e não exemplificativa, tratando-se aí de numerus clausus.
Sem embargos, tem-se, ainda, uma terceira corrente, que parece ser a majoritária no jurisconsulto doutrinário e jurisprudencial contido no direito positivado brasileiro, a qual consagra que a POSSE tem como natureza jurídica o de ser um direito híbrido, isto é, se insere numa zona fronteiriça, não havendo, portanto, como enquadrá-la na seara de direito real, nem tampouco na do direito pessoal.
Nesta corrente, contudo, o que se enfatiza é que a posse, inobstante não se enquadre em nenhuma das duas searas alhures, tem sua natureza jurídica e substância em se revelar num DIREITO, uma vez que, cuida-se de um elemento de altíssima relevância para a aquisição dos iuris in res sobre coisa própria, como também daqueles iuris in res sobre coisas alheias.
Seguindo nessa linha de raciocínio, Ihering preconiza que a POSSE É UM DIREITO. Partindo de sua célebre definição de direito subjetivo, segundo a qual aquele é o interesse juridicamente protegido, é evidente a natureza jurídica da posse.
Logo, significa dizer que a POSSE é, simploriamente, UM DIREITO.

5.CONCLUSÃO

Em sendo assim, destarte, me parece que esta derradeira corrente é a mais consentânea e correta, pois, sente-se isto em seus fundamentos jurídicos que se mostram mui pertinentes, ao depararmo-nos com os métodos de interpretações silogísticos hermenêuticos, lógicos, teleológicos, dentre tantos outros, não há outra posição a agasalhar, sendo, desse modo, a corrente, perante a qual me filio.

6.REFERÊNCIA
http://pt.wikipedia.org/wiki/Posse_(direito)
http://jus.uol.com.br/revista/texto/6985/a-posse