Porque Falamos Como Idiotas

Por Paulo Tozelli | 14/08/2008 | Adm

Por Tiago Lethbridge
Extraído da revista Exame de 01.07.2005

Basta entrar numa empresa para ouvir uma língua que usa muitas palavras – mas não diz nada. Leia com atenção o diálogo a seguir:

- Precisamos adotar as melhores práticas.
- Mas com foco no cliente?
- É claro! Sem isso, perderíamos nossa vantagem competitiva, afetando o bottomline no longo prazo.
- Mas, se não nos alinharmos aos stakeholders, vamos deixar de estar agregando valor ao negócio

Se você não percebeu que essa conversa é apenas um amontoado de jargões gastos, palavras vazias e frases sem o menor sentido, cuidado. Se essas expressões fazem parte do seu vocabulário, então, talvez o caso seja grave. Você pode ser vítima de uma das maiores pragas do mundo dos negócios: falar como um idiota. A comunicação transparente nunca foi tão importante para a sobrevivência das empresas. E, paradoxalmente, nunca tantos usaram tantas palavras para dizer tão pouco. Até recentemente esse assunto era tema de piadas. Neste ano, no entanto, Brian Fugere, Chelsea Hardaway e Jon Warshawsky, três consultores da Deloitte, lançaram um livro que se propõe a estudar seriamente o tema: Why Business People Speak Like Idiots ("Por que os homens de negócio falam como idiotas", sem previsão de lançamento no Brasil).

Os executivos de hoje falam de maneira evasiva, argumentam os autores, especialmente quando suas empresas têm notícias ruins a dar aos acionistas. No Brasil, há uma agravante. Nossos homens de negócios importam termos usados pelos americanos sem nem tentar traduzi-los. Como resultado, surgem preciosidades como os verbos upgradear, deliverar ou performar -- inexistentes em qualquer dicionário digno do nome. "A baboseira se tornou a língua dos negócios", escrevem os consultores da Deloitte. Rareiam executivos que sabem se comunicar com clareza, como Jack Welch, o ex-presidente da GE, ou Samuel Klein, fundador da Casas Bahia.

Quando os presidentes capricham no discurso rebuscado, entra em ação uma espécie de lei da gravidade, descrita pelo palestrante e ex-colunista de EXAME Max Gehringer: "Os diretores querem falar como os presidentes; os gerentes, como os diretores; os supervisores, como os gerentes; os trainees, como os supervisores; e os estudantes, como os trainees". Uma boa amostra pode ser colhida no programa de TV O Aprendiz, apresentado por Donald Trump nos Estados Unidos e por Roberto Justus no Brasil. Os candidatos, recém-formados, papagueiam expressões ocas como agregar valor, alinhar ou movido a resultados. "O idiota quer parecer esperto e, para isso, abusa de palavras pomposas", escrevem os autores do livro. Curioso notar que ninguém fala desse jeito quando não está trabalhando. Como no livro O Médico e o Monstro, de R.L. Stevenson, o funcionário cultiva personalidades distintas dentro e fora do escritório. É difícil imaginar, por exemplo, um gerente de RH que proponha à namorada um relacionamento com mais "foco no resultado". Quando o funcionário cruza a porta de entrada da empresa, no entanto, seu vocabulário se transforma -- e se afasta do idioma das ruas.

Por que a linguagem dos negócios se tornou tão maçante? Há alguns motivos. Faculdades de administração, MBAs, gurus e consultores passaram os últimos 20 anos reinventando velhos conceitos e dando-lhes novos nomes. "Nenhum consultor vai propor analisar os produtos de uma empresa, mas, sim, um realinhamento estratégico do portfólio", diz Gehringer. Passados os anos, termos como reengenharia, downsizing ou networking se entranharam no bê-á-bá empresarial. A onda mundial do politicamente correto, responsável por transformar anões em "indivíduos verticalmente prejudicados", também deixou cicatrizes nas empresas. Funcionário, chefe e produto, por exemplo, são termos banidos do dicionário. Hoje chamam-se colaborador, líder e soluções disponibilizadas. "Quando um departamento de RH chama o funcionário de colaborador ou associado, quase sempre quer esconder sua incompetência", diz Joaquim Patto, diretor da consultoria Mercer. Tecnologias como o PowerPoint, com seus templates, também só ajudam a pasteurizar ainda mais a linguagem. Não é fácil sair dessa situação, em que uns fingem que falam e outros fingem que entendem. Sem uma mudança de paradigma, vamos estar falando como idiotas por um bom tempo.

Se eles falassem assim...

Algumas frases simples e memoráveis vertidas para a complicada língua do mundo dos negócios

Frase original: "Se você não é número 1 ou 2, conserte, feche ou venda." JACK WELCH, ex-presidente da GE

Versão: "A organização deve se posicionar entre os líderes da indústria, a menos que haja mudanças imprevistas no ambiente competitivo. Nesse caso, a liderança tomará as medidas que considerar apropriadas."

Frase original: "Nada substitui o lucro." ROLIM AMARO, fundador da TAM

Versão: "Não importa se o cenário é positivo ou negativo nem se as perspectivas no horizonte da organização representam condições favoráveis ou não, é preciso manter o foco nos resultados obtê-los, então, é imprescindível."

Frase original: "Comprar bem comprado, vender bem vendido." SAMUEL KLEIN, presidente da Casas Bahia

Versão: "Nossa meta é, alinhados às melhores práticas, otimizar o relacionamento junto à cadeia de fornecedores, desenvolvendo uma proposta de valor que encante o cliente."