Por Uma Autêntica República Federativa

Por Félix Maier | 01/10/2006 | Política

A vantagem real da democracia não é, como já se disse, favorecer a prosperidade de todos, mas apenas servir ao bem-estar do maior número.

(Alexis de Tocqueville, in A Democracia na América, pg. 180)

Em meados do desastroso Annus Lulae 3 (2005), quando pipocavam denúncias e mais denúncias da corrupção petista, o senador Eduardo Suplicy (PT) deu de presente a Lula o livro mais famoso de Alexis de Tocqueville, A Democracia na América (). Provavelmente, era uma indireta de Suplicy ao presidente, para que não se candidatasse à reeleição, sistema eleitoral condenado por Tocqueville no citado livro, pois o governante segundo o liberal francês -, desde o primeiro dia da posse, não pensaria em outra coisa senão na reeleição, utilizando toda a máquina administrativa para tal intento.

No início deste mês de agosto de 2006, o candidato a presidente Geraldo Alckmin abordou um tema de grande interesse nacional: a descentralização do Governo Federal. Dizia Alckmin que deveríamos ter menos governo federal, menos governo estadual e mais governo municipal.

Descentralização administrativa e fim da reeleição para os cargos executivos: se Tocqueville hoje visitasse o Brasil, com certeza iria sugerir estas duas ações como sendo as principais e primeiras para tirar o País da cloaca em que se atolou.

Tocqueville é contra o sistema de reeleição do presidente da República, mesmo quando um homem seria excluído do governo no próprio momento em que tivesse acabado de provar que era capaz de bem governar (pg. 108). Para o pensador francês, a intriga e a corrupção são vícios naturais aos governos eletivos. Quando, porém, o chefe do Estado pode ser reeleito, tais vícios se estendem indefinidamente e comprometem a própria existência do país. Quando um simples candidato quer vencer pela intriga, as suas manobras não poderiam exercer-se senão sobre um espaço circunscrito. Quando, pelo contrário, o chefe do Estado mesmo se põe em luta, toma emprestada para o seu próprio uso a força do governo (pg. 108).

Continua Tocqueville em sua argumentação: É impossível considerar a marcha normal dos negócios de Estado, nos Estados Unidos, sem perceber que o desejo de ser reeleito domina os pensamentos do presidente; que toda a política da sua administração tende para esse ponto; que as suas menores providências são subordinadas àquele objetivo; sobretudo, que, à medida que se aproxima o momento da crise, o interesse individual substitui-se no seu espírito ao interesse geral. Por isso, o princípio da reeleição torna a influência corruptora dos governos eletivos mais extensa e mais perigosa. Tende a degradar a moral política do povo e a substituir o patriotismo pela habilidade (pg. 109).

Seja nos EUA, seja no Brasil, o sistema da reeleição do presidente, dos governadores e dos prefeitos traz mais malefícios do que benefícios ao país. No Brasil, esse sistema deveria ser exterminado definitivamente, especialmente a reeleição do Presidente, pois, ao contrário dos EUA, aqui os governadores e os prefeitos não têm nenhum tipo de autonomia que deveria ter um Estado que se diz uma República Federativa. No entanto, é um alento ver a movimentação no Congresso Nacional para propor o fim desse nefasto sistema político a reeleição.

Tocqueville não era contra a centralização política do governo federal, mas de sua centralização administrativa: Não me seria possível imaginar que uma nação pudesse viver, nem sobretudo prosperar, sem uma forte centralização governamental. Creio, porém, que a centralização administrativa só serve mesmo para enfraquecer as nações que a ela se submetem, pois tende incessantemente a diminuir entre elas o espírito de cidade. A centralização administrativa chega, é verdade, a reunir numa dada época e em certo lugar todas as forças disponíveis da nação, mas entrava a reprodução das forças. Faz com que triunfe no dia do combate e diminui afinal o seu poder. Pode, pois, concorrer admiravelmente para a grandeza passageira de um homem, nunca para a prosperidade durável de um povo (pg. 74).

É esse revigoramento do princípio da municipalidade que deve ser pretendido pelos políticos, pois é o que mais beneficia os cidadãos. A centralização federal apenas beneficia o presidente da República e seus ministros. Em geral, pode-se dizer que o caráter mais eminente da administração pública nos Estados Unidos está em ser prodigiosamente descentralizada (pg. 71). Por isso, projetos governamentais como o Fome Zero, cujas verbas o Governo Nacional dispõe de 70%, ao passo que os Estados detêm apenas 20% e os municípios míseros 10%, deveriam ter seus percentuais invertidos: os municípios deveriam dispor de 80% dessa verba e os Estados de 20%, para eventuais ajustes regionais. A União deveria ter 0% de participação. O programa assistencialista e demagógico do governo Lula da Silva, chamado Bolsa-Família, não pretende erradicar a fome e o desemprego nas regiões paupérrimas do País, pois é apenas uma forma moderna de voto de cabresto, em que pessoas miseráveis são chantageadas a votar na reeleição do governo de ocasião, com medo de perder a esmola, num círculo vicioso que nunca tem fim. Apesar de a miséria ter diminuído no Brasil em 2005, conforme pesquisa publicada pelo IBGE, Lula não titubeou em aumentar, em pleno ano de reeleição, de 8 para 12 milhões as famílias assistidas pelo bolsa-esmola.

Ao mesmo tempo que Tocqueville dizia que não há sobre a terra nações mais miseráveis que as da América do Sul (pg. 235), ele constatava que a pujança norte-americana era oriunda do perfume bíblico (pg. 34) de sua religião protestante (uma antecipação a Max Weber) e de mais outros dois importantes fatores: As leis e os costumes dos anglo-americanos constituem, portanto, a razão especial da sua grandeza e a causa predominante que procuro (pg. 236).

A propósito, há uma semelhança muito grande entre a França (tanto da realeza quanto da República) e o Brasil de hoje, em que tudo é centralizado no governo nacional de Lula da Silva, muito próximo do que existia na extinta União Soviética, embora o Brasil se apresente às nações como República Federativa do Brasil:

A soberania, nos Estados Unidos, acha-se dividida entre a União e os Estados, enquanto que, entre nós, é una e compacta; daí nasce a primeira e maior diferença que percebo entre o presidente dos Estados Unidos e o Rei da França. Nos Estados Unidos, o poder executivo é limitado e excepcional, como a própria soberania em cujo nome ele age; na França, estende-se a tudo como ela. Os americanos têm um governo federal; nós temos um governo nacional (pg. 99).

Definitivamente, não vivemos em uma República Federativa, porém numa autêntica República Nacional, corrupta como toda republiqueta das bananas. Volta e meia os políticos em Brasília falam sobre pacto federativo. Certamente, muitas correções terão que ser feitas no mapa do Brasil para definir o número ideal de Estados e Municípios, além de acabar com o peso político regional, favorável ao Norte e Nordeste, em que um político do Acre vale uns 50 de São Paulo. Qualquer que seja o estudo a ser feito a respeito do assunto, o objetivo principal a ser alcançado pela sociedade brasileira é dar maior autonomia aos Estados e Municípios, de modo que não tenham mais que esmolar migalhas do governo nacional, pérfido como todo Leviatã estatal. Feliz será o dia em que todos os brasileiros passarem a receber notícias das realizações do prefeito e do governador, não as inúmeras abobrinhas e gafes proferidas pelo Grande Guia que comanda a atual República Nacionalista Bananeira. Afinal, alguém já definiu muito bem que ninguém mora na União ou no Estado, porém no Município, na sua cidade. Antes de ser brasileiro, o morador da cidade de São Paulo é um paulistano. E assim gostaria de ser reconhecido e respeitado.

() TOCQUEVILLE, Alexis de. A Democracia na América, Editora Itatiaia Limitada, Belo Horizonte, 1987, 3ª edição (Tradução de Neil Ribeiro da Silva).