Por trás do homem delinqüente: os estudos criminológicos de lombroso da mente criminosa e sua contribuição para a psicanálise
Por Fernando Cesar Vilhena Moreira Lima Junior | 09/08/2012 | DireitoSUMÁRIO: Introdução; 1 Lombroso e a obsessão pela loucura, 1.1 Surgimento do Atavismo, 1.2 O “criminoso nato”; 2 A aproximação do discurso criminológico e psicanálitico; 3 Teorias psicanalíticas na sociedade punitiva; Conclusão.
RESUMO
Fala-se inicialmente acerca das pesquisas de Cesare Lombroso e de como começou sua obsessão pelo estudo da loucura. Em seguida, descreve-se a sua experiência com a descoberta do atavsmo e o que seria para ele o criminoso nato. Discorre-se ainda sobre a aproximação dos dircursos ora criminológicos, ora psicanalíticos e por fim insere-se o discurso da psicanálise na sociedade punitiva.
PALAVRAS-CHAVE:
Lombroso. Criminologia. Psicanálise. Sociedade Punitiva.
Introdução
É muito complicado entender a mente de uma pessoa normal. Mas o que acontece quando se tenta lidar com uma mente insana? Uma mentalidade que não se parece em nada com a de pessoas ditas normais? Um modo de pensar superficial, entretanto, tão idealista, tão astuta que se confunde de tal maneira que nos faz pensar o quanto essa pessoa provavelmente tem problemas sérios.
Nesse diapasão, é que este trabalho vem apresentar o que seria a psique de um criminoso, como este indivíduo funciona e de que modo Lombroso, como descobridor de algumas dessas características, encaixa-se e pode ser utilizado até hoje, com os avanços da cultura moderna.
A mente de uma pessoa como esta é conduzida não só por instintos. Esperteza é apenas um bônus. Um ser como este é guiado em partes através de seu subconsciente, que reflete no seu modo de pensar, e faz com que os seus pensamentos trabalhem para aquilo que a pessoa mais deseja: o crime.
1 Lombroso e a obsessão pela loucura
Foram às idéias revolucionárias de Cesare Lombroso que originaram a Escola Positiva do Direito Penal que “rechaçava totalmente a noção clássica de um homem racional capaz de exercer seu livre arbítrio. O positivista sustentava que o delinqüente se revelava automaticamente em suas ações e que estava impulsionado por forças que ele mesmo não tinha consciência” (RABUFFETTI apud CALHAU, 2003 p.1)
[...] um apego positivo aos fatos, por exemplo, é o estudo dedicado as tatuagens, com base nas quais Lombroso fez classificação aos diversos tipos de criminosos. Dedicou exaustivos estudos a essa questão, investigando centenas de casos e louvando-se nos estudos sobre tatuagens, desenvolvidos por vários autores. Fato constatado e positivo é que os dementes, em grande parte, demonstram tendência à tatuagem, a par de outras tendências estabelecidas, como a insensibilidade a dor, o cinismo, a vaidade, falta de senso moral, preguiça, caráter impulsivo. Outro apego científico, pra justificar suas teorias, foi a pesquisa constante na medicina legal, dos caracteres físicos e fisiológicos, como o tamanho da mandíbula, a conformação do cérebro, a estrutura óssea e a hereditariedade biológica referida como atavismo. O criminoso é geneticamente determinado para o mal, por razões congênitas. Ele traz no seu âmago a reminiscência de comportamento adquirido na sua evolução psicofisiológica. É uma tendência inata para o crime. (LOMBROSO, 2007 p.7)
Através das idéias de Lombroso, pode-se perceber que o criminoso não é totalmente vítima das circunstâncias sociais e educacionais desfavoráveis. Ao contrário ele sofre pela chamada “tendência atávica”, hereditariedade para o mal. Tudo se resume ao silogismo: a delinqüência é uma doença, o delinqüente é um doente!
Muitas pessoas divergem até hoje das teorias de Lombroso, ainda mais que este desconsidera o livre arbítrio. Como se vê, o então médico não era defensor dos delinqüentes, para ele, os mesmos deveriam ser isolado do convívio social.
Assim o comportamento delituoso, não é de forma alguma desculpável. Há outras causas e não só os traços físicos, que mascaram ou anulam as tendências de certos indivíduos.
Os fatores extras são muitos variados: o clima, o grau de cultura e civilização, a densidade de população, o alcoolismo, a situação econômica, a religião. A consideração dada a esses fatores torna pétreo um Código penal para um vasto país, pois em cada região predominam fatores muito diferentes. (Ibidem, 2007 p. 8).
Apesar dessa natureza inconsciente nas suas teorias, Lombroso foi muito influente, tanto na Europa quanto no Brasil entre criminologistas, juristas e antropólogos.
1.1 O surgimento do atavismo
Giuliana Pereira (2007, p. 04) explica que através de suas experiências sempre procurando as causas e as características que influenciam o homem a tornar-se “criminoso”, uma em especial destaca-se justamente por ser a que lhe tornou famoso: reuniu cerca de cem presidiários, e através de estudos que vinha desempenhando há algum tempo, acertou 99 dos crimes que cada um deles tinha cometido. Com um resultado quase que perfeito desta experiência, torna-se claro, que seus estudos estavam corretos. Para chegar a um resultado como este Lombroso era adepto da teoria atávica:
Sobre a base dessas investigações, buscou primeiramente no atavismo uma explicação para a estrutura corporal e a criminalidade nata. Por regressão atávica, o criminoso nato se identifica com o selvagem. Posteriormente, diante das críticas suscitadas, reviu sua tese, acrescentando como causas da criminalidade a epilepsia e, a seguir, a loucura moral. Atavismo, epilepsia e loucura moral constituem o que Vonnacke denominou de “tríptico lombrosiano” (ANDRADE, 2003 p. 36).
Como se vê, a idéia atávica em outras palavras compreende uma reaparição de características que foram apresentadas, somente em ascendentes distantes. Um quê de atavismo hereditário reminiscente de estágios mais primitivos da evolução humana. “Estas anomalias, denominadas de estigmas, poderiam ser expressadas em termos de formas anormais ou dimensões do crânio e mandíbula, assimetrias na face, etc, mas também de outras partes do corpo” (SABBATINI, 1997 p. 1).
1.2 O “criminoso nato”
“A idéia inicial de Lombroso é a do criminoso nato. Para ele, o criminoso verdadeiro é uma variedade particular da espécie humana, um tipo definido pela presença constante de anomalias anatômicas e fisio-patológicas”. (LIMA, 2005 p 2)
Conceitos desenvolvidos durante o nascer da Escola Positiva, que se preocupava com o criminoso e as circunstâncias que o levaram a prática do ato delituoso.
Com a natural evolução das sociedades humanas, o aparato punitivo também acabou por alcançar novas idéias acerca dos conceitos de crime, delinqüente, culpabilidade, antijuridicidade e punibilidade, considerados elementos reguladores da resposta estatal ao delito. Passou-se a adotar a defesa social como novo elemento componente de pena. Não mais de via prisão como simples castigo, retribuição pura e simples provinda do Estado frente ao delinqüente. Via-se na prisão, além do inseparável caráter de expiação, uma forma de proteção à saciedade. O enfoque sobre a figura da pena, portanto, sofreu enorme mudança, saindo da esfera meramente retributiva, mera vingança estatal, expiação pura e simples do mal cometido, para uma tentativa de prevenção, adequando-se a pena ao tipo de delinqüente objetivamente observado (ocasional, habitual, passional, nato, etc.). (Ibidem, 2005 p.3).
É obvio que a partir de idéias já postas à prova, haveria pessoas que trabalhariam cada dia mais tanto pra melhora-lhas, quanto para prová-las. Assim, um outro indivíduo destacou-se neste estudo: Howard Becker – famoso por escrever a obra “Outsiders”. Baseado no chamado Labelling Approach, a teoria do entiquetamento. Esta teoria trata do crime como processo de criminalização e não em uma realidade ontológica pré-existente (objeto a ser estudado). O crime passa a ser o meio de rotulação pelo qual o estado separa o cidadão do delinqüente.
Deste modo, nos indagamos se a criminologia crítica não seria apenas um reflexo das relações de subordinação e uma exploração da sociedade capitalista, que se mantém pela reprodução de discursos ideológicos acerca das funções do Direito Penal operada, pela perpetuação, no campo da doutrina penal e no senso comum, de teorias apoiadas nos fundamentos da Criminologia Etiológica, dentre as quais se encontra a teorização dogmática a respeito sobre as funções da pena, justificadora e legitimadora das decisões judiciais [...].
2 A aproximação do discurso criminológico e psicanálitico
É notório que o direito e a psicanálise possuem discursos evidentemente diversos e qualquer aproximação deve ser realizada com extremo cuidado, a criminologia, ao realizar este desafio, não se inscreve no universo das disciplinas propriamente jurídicas; sequer poderia ser referida desde o ponto de vista dos modelos integrados de ciências criminais tradicionais ou críticas (COUTINHO, 2006, p. 69)
É que a criminologia, diferindo da chamada dogmática do direito penal, tem natureza interdisciplinar, ou seja, possui uma enorme facilidade para promover que sejam distantes da rigidez formal do meio jurídico.
Se no plano epistemológico, apesar das dificuldades, é possível identificar o local da ciência jurídica e estabelecer os horizontes de discussão possíveis com a psicanálise, no que diz respeito à criminologia as imprecisões são amplificadas. Sobretudo porque a criminologia, a partir de séria problematização sobre questões epistemológicas, passa a ser percebida como locus de fala e de escuta no qual se encontram inúmeros e distintos saberes acerca do crime, da violência, do criminoso, da vítima, da criminalidade, dos processos de criminalização e das formas de controle social. Assim, a própria identificação da criminologia como ciência resta prejudicada ou, no mínimo, seriamente questionada.
A constituição da criminologia como espaço de convergência de discursos não apenas possibilita o encontro de olhares plurais – inclusive não científicos, como o olhar artístico –, mas fomenta a abertura e a autocrítica destes saberes interseccionados. Trata-se, pois, de local de encontro e de (auto) reflexão (CARVALHO, 2009, p. 04).
Carvalho continua explicando que a conversa entre criminologia e psicanálise só é possível na convergência dos discursos para a análise crítica do mal-estar contemporâneo que se traduz de inúmeras formas na reprodução das violências (2009, p. 05). Aqui, dá pra perceber que não se está buscando criar um neófito discurso, a partir da reunião de categorias da criminologia e da psicanálise. O que se deseja é apenas permitir o embate entre os saberes, porque tanto a criminologia como a psicanálise necessitam de identidade epistemológica. E quem sabe, esta seja a fundamental conjuntura que lhes autoriza dialogar.
Assim a condição de possibilidade da criminologia trágica passa a adotar e aproximar dois predicados diagnosticados por Birman que sustentam a psicanálise, adaptada ao problema criminológico: (a) abdicar do ideal cientificista e (b) eximir-se da narcísica tarefa de reforma do homo (criminalis). Birman (2000, p. 59) ensina que o “discurso freudiano somente conseguiu certa organicidade como discurso crítico da cultura quando primeiramente se desgarrou da pretensão científica e, posteriormente, quando rejeitou projetos moralizadores de salvação ou de conversão dos sofredores”.
Neste diapasão, do mesmo modo que o analista não tem condições de manobrar a doenças que não se relacionam com psique, o criminólogo não é capaz de conduzir e de atinar, o comportamento delitivo (exceto talvez Lombroso, mas de maneira geral isso não ocorre). A primeira reflexão plausível deste rudimentar diálogo, destarte, é sobre as possibilidades de ação do criminólogo e o acordo dos seus limites frente ao fenômeno crime. É neste aspecto que as figuras do criminólogo e do analista se acolhem.
3 Teorias psicanalíticas na sociedade punitiva
No que tange os estudos característicos da psicanálise em relação ao delito, Baratta (1997, p. 36) esteia que as teorias psicanalíticas da sociedade punitiva permitiram a ruptura com o princípio da legitimidade do direito penal. Segundo o criminólogo italiano, é em Reik que se estrutura a denominada teoria psicanalítica do direito penal.
A tese de Reik ampara a dupla função da pena: sob a óptica individual, existe a satisfação da necessidade inconsciente de punição do criminoso que acarreta à conduta proibida; já sob a óptica societária, há a realização do desejo comunitário de castigo face à inconsciente identificação com o delinqüente – em ambas os casos, segue a teoria freudiana do criminoso por sentimento de culpa (FREUD, 1996, p. 227). O efeito provocado pela pena e o processo de identificação da sociedade com o delinqüente são os dois princípios básicos que permitiriam a edificação de teoria psicanalítica do direito penal.
Baratta (1997, p. 53) explana ainda que as teses formadas por Alexander e Staub só elucidaram a teoria psicanalítica da sociedade punitiva, complementando a construção de Reik. Assim, de acordo com os autores, a pena cominada a quem delinqüe surgiria para equilibrar a pressão dos impulsos reprimidos, representando defesa e reforço do chamado superego. Desta forma, a tese reikiana é alentada em razão da avaliação da pena, mas através da identificação do sujeito individual com a sociedade punitiva e com os órgãos da reação penal.
A penalidade, deste modo, diferentemente das finalidades oficiais noticiadas pela dogmática do direito penal (prevenção geral ou especial, retribuição) – e aqui reside o núcleo da crítica ao princípio da legitimidade exposto por Baratta –, desempenharia, do ponto de vista de vista da psicanálise, a função de satisfação das penúrias inconscientes de castigo da sociedade, por meio da eleição de símbolos de expiação sobre os quais se esboçam suas tendências delituosas, conscientes e/ou inconscientes. Esta tese encontra amparo nos aforismos de Nietzsche (2004, p. 172): “quem é castigado já não é aquele que realizou o ato. Ele é sempre o bode expiatório”.
Conclusão
Ao fim deste artigo pode-se apontar para a possibilidade de aproximação dos discursos tanto da criminologia, quanto da psicanálise na averiguação dos sintomas sociais hodiernos. Se os dois discursos necessitam de sólida base epistemológica – ou ao menos são recriminados por não estarem apropriados aos fundamentos científicos tradicionais –, é esta mesma condição, que lhes possibilita múltiplas aberturas.
A liberdade em relação às bases epistemológicas disciplinares possibilita que a criminologia e a psicanálise causem, sérias rupturas com os ditos valores morais cultivados pelas ciências jurídico-criminais: justiça (direito), bondade (direito penal), beleza (criminologia) e verdade (processo penal). Ao sair do campo científico e estender a análise para o campo da política, a conexão entre criminologia e psicanálise aumenta a crítica ao quinto valor moral que ergue a arquitetura das ciências integradas: segurança (valor político- criminal).
Assim, o espaço de diálogo instituído entre os discursos da criminologia e da psicanálise permite, portanto, uma maior valorização dos valores morais que esteiam a cultura punitiva moderna, pois, mais do que motivar a criação de uma nova disciplina (criminologia psicanalítica), importante dilatar os campos de cruzamento, para então, aprimorar as investigações dos sintomas sociais e abarcar as formas de reprodução das violências e dos métodos de criminalização.
Referências
ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema Penal Máximo x Cidadania Mínima: códigos de violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal. Rio de Janeiro: Revan, 1997.
BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
CALHAU, Lélio Braga. Cesare Lombroso: Criminologia e a Escola Positiva do Direito Penal. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4538 >. Acesso em: 28. abr. 2011.
CARVALHO S. Freud criminólogo: a contribuição da psicanálise na crítica aos valores fundacionais das ciências criminais. Disponível em: < http://www.direitoepsicanalise.ufpr.br/revista/index.php?option=com_content&view=article&id=57&Itemid=65 >. Acesso em. 08.maio.2011.
COUTINHO, Jacinto N.M. O estrangeiro do Juiz ou o Juiz é o estrangeiro?. In: Direito e Psicanálise: intersecções a partir de “O Estrangeiro” de Albert Camus. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
FREUD, Sigmund. Vários tipos de caracter descubiertos en la labor analitica. In: Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, 1996. t.3.
LIMA, Antônio César Barros de. Os fins da pena diante das novas exigências do Direito Criminal. Disponível em: < http://www.direitonet.com.br/artigos/x/20/14/2014/ >. Acesso em: 01.maio.2011.
LOMBROSO, Cesare. O homem delinqüente. São Paulo: Ícone, 2007.
NIETZSCHE, F. Aurora. São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
PEREIRA, Giuliana Maria Nogueira. Cesare Lombroso: por trás do homem delinqüente. Disponível em: < http://pt.oboulo.com/cesare-lombroso-por-tras-do-homem-delinquente-56937.html >. Acesso em: 03.maio.2011.
SABBATINI, Renato M. E. Fenologia: A história da localização cerebral. Cérebro e mente. São Paulo, p. 1-2, mar. 1997. Disponível em: <http://www.cerebromente.org.br/n01/frenolog/lombroso_port.htm>.Acesso em: 30.abr. 2011.