Por que a Filosofia Enfrenta Resistências nas “Reformas do Ensino Médio”?

Por Ivo Reis | 24/12/2016 | Educação

(Ivo S. G. Reis e James Vasconcellos Mesquita– Acadêmicos de Filosofia – CCHS/UFMS)                                                                                                            Mal saído do Império (1822-1888) para a República (1889), o país conheceu, em 1890, a Reforma Benjamim Constant, que instituía o regulamento da instrução primária e secundária do Distrito Federal. Essa foi a primeira de uma série de dezessete reformas do ensino que o país enfrentou até agora, incluindo a proposta pela MP 746/2016, de 22/09/2016.

Em quase todas elas, e já começando pela primeira, a Filosofia sempre enfrentou dificuldades - uma verdadeira saga - para ser reconhecida como disciplina essencial e se manter nos currículos, ora entrando, ora saindo. O mesmo se pode dizer em relação à Sociologia. Desta vez, não foi diferente.

Analisando as reformas que já existiram de 1890 até o presente, verificamos que o tempo médio de vigência de cada uma não ultrapassa os oito anos, o que equivale a dizer que a grande maioria dos estudantes enfrentou pelo menos uma reforma antes da conclusão da sua educação básica, que é de doze anos. Não estaria aí uma das possíveis causas do baixo desempenho dos alunos do ensino fundamental e médio, revelados pelos índices SAEB, IDEB e PISA[1] ? Se assim for, mais uma reforma, apressada e  imposta por Medida Provisória, não irá resolver o problema e sim agravá-lo.

Saindo das discussões sobre as pseudológicas motivações da reforma proposta e sobre os percalços que a Filosofia enfrentou antes de 2008, verificamos que, a partir daquele ano, a Lei 11.684/2008 incluía o inciso IV, ao art. 36, da Lei 9.394 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), assim dispondo: “IV – serão incluídas a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio”. Parecia, aí, estar resolvido o problema com a obrigatoriedade da inclusão da Filosofia nos currículos do ensino médio. Mas apenas oito anos depois, a tranquilidade acabou novamente quando, em 22/09/2016, o Governo propôs outra reforma educacional, através da MP 746/2016, determinando, dentre outras alterações, a retirada da Filosofia e da Sociologia da base curricular do ensino médio. Incrivelmente, a sociedade, instituições, profissionais da área e estudantes não foram ouvidos.

A solução “meia-boca”

Sem considerar as disposições da BNCC (documento que visa sistematizar os conteúdos que devem ser ensinados nas escolas do país), prevista para ficar concluída somente em meados de 2017, o texto-base  da reforma foi aprovado na Câmara, em 13/12/2016, permitindo que Filosofia e Sociologia, voltassem a integrar o currículo básico, mas como “disciplinas diluídas” e não como disciplinas obrigatórias, durante os três anos do ensino médio. Daqui para frente, Senado e Presidência deverão ratificar o aprovado, desde que a MP não venha a ser considerada inconstitucional, o que não é de todo improvável.

Não vamos entrar no mérito da discussão do conteúdo global e dos pontos controversos da reforma, porque o seu texto-base está disponível na internet e pode ser facilmente acessado por qualquer um. Além do mais, isso seria matéria para um outro artigo. O que vamos analisar agora é por que ocorrem tantas indefinições, quando se trata de avaliar a importância da Filosofia no currículo do ensino médio.

Filósofos e suas “filosofadas”: eles não são contra nem a favor, muito pelo contrário

A questão é de cunho exclusivamente político porque os principais interessados no assunto – que são os profissionais da área – não possuem coesão discursiva, e nem, ao menos, sabem ser corporativistas. O debate, portanto, é atual.

Às vezes parece que é capricho; outras, mero desejo, porque, infelizmente, os professores e profissionais de Filosofia não manifestaram argumentos convincentes sobre a indispensabilidade dessa disciplina específica no Ensino Médio. O Ministério da Educação tem propagado mensagem de que a BNCC foi inspirada nos países que priorizam a educação a ponto de investirem maciçamente no seu aperfeiçoamento, como a Inglaterra, a França, o Japão, a Coréia do Sul e Portugal. Já os docentes da Filosofia ficam repetindo chavões e jargões esgotados que não tem severidade científica, como: “A Filosofia desenvolve a construção de pensamento crítico.”, “A Filosofia torna possível o espírito de questionamento.

Filósofos, educadores de Filosofia, discentes e iniciados, demonstram o quanto a categoria é desunida. Em diversos artigos publicados no site da Associação Nacional de Pós-Graduandos em Filosofia (ANPOF), observam-se posicionamentos conflitantes, contraditórios e desencontrados entre si. Os textos são cansativos, sem um fio condutor que os amarre. Definitivamente, não se há de considerar a manutenção da Filosofia no currículo escolar com base em verborragia vazia. Tudo é muito subjetivo e abstrato, sem força de convencimento.

Afirma-se que é importante ensinar a Filosofia no Ensino Médio, ou em qualquer outro período. Todavia, não se consegue comprovar que a Filosofia é de suma importância, ou que é imprescindível. Nos argumentos dos artigos da página da ANPOF não se é convencido sobre tamanha importância e imprescindibilidade para a formalidade curricular dessa disciplina. O que eles produzem é um dilema gerador de um grande impasse. Sequer considerando a questão da transmissão de valores éticos ou da construção de pensamento crítico, pode-se dizer que não se tem um resultado definitivo a essa problemática, se for recorrido à honestidade intelectual.

A solução não está em simplesmente se decretar a manutenção da Filosofia como matéria obrigatória do ensino médio. Tampouco está na sua mera retirada do currículo. Discutia-se em aplicá-la como conteúdo transversal de multidisciplinaridade (resolveria?). O grande e o mais profundo problema que se apresenta está em conhecer por que os filósofos e educadores não conseguem explicar as razões que justifiquem a continuidade da Filosofia como disciplina obrigatória.

Fontes de consulta:

Textos da ANPOF; Portais: MEC, INEP, OCDE, BNCC, Câmara dos Deputados;  Brasil: Leis 9434/96, 11.161/2005, 11.684/2008; MP 746/16; Wikipédia; mídia impressa e digital diversas.

[1] Programme for International Student Assessment – índice internacional (o que mais preocupou o governo brasileiro)