POLÍTICAS PÚBLICAS

Por IRANICE ROSAS DOS SANTOS | 07/03/2017 | Política

 

1-POLÍTICAS SOCIAIS E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS

Os constituintes de 1988 optaram pelo formato das competências concorrentes para a maior parte das políticas sociais brasileiras. Na verdade, as propostas para combinar descentralização fiscal com descentralização de competências foram estrategicamente derrotadas na ANC 1987-88 (Souza, 1997). Assim, qualquer ente federativo estava constitucionalmente autorizado a implementar programas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação e saneamento. Simetricamente, nenhum ente federativo estava constitucionalmente obrigado a implementar programas nestas áreas. Decorre deste fato a avaliação de que a Constituição de 1988 descentralizou receita, mas não encargos (Almeida, 1995; Affonso; Silva, 1996; Affonso, 1999; Willis et al., 1999). Esta distribuição de competências é propícia para produzir os efeitos esperados pela literatura sobre federalismo e políticas públicas: superposição de ações; desigualdades territoriais na provisão de serviços; e mínimos denominadores comuns nas políticas nacionais. Estes efeitos, por sua vez, são derivados dos limites à coordenação nacional das políticas.

Ocorre que a Constituição Federal de 1988 não alterou a estrutura institucional de gestão das políticas sociais herdada do regime militar. Mesmo as medidas de reforma aprovadas e implementadas pelos sucessivos presidentes – posteriormente à Constituição Federal de 1988 – pouco ou nada alteraram esta estrutura prévia, que é centralizada para as políticas de saúde e desenvolvimento urbano e descentralizada para a política de educação fundamental. No início dos anos 90, a distribuição federativa dos encargos na área social derivava menos de obrigações constitucionais e mais da forma como historicamente estes serviços estiveram organizados em cada política particular. A capacidade de coordenação das políticas setoriais dependeu em grande parte destes arranjos institucionais herdados.

A construção de políticas de desenvolvimento social foi realizada com ampla participação popular, por meio de conferências e instâncias de pactuação. A partir de então, o Governo Federal, em gestão compartilhada com estados e municípios, dá passos significativos para transformar suas ações, programas e projetos em políticas de Estado. Desde o início, procurou-se associar o crescimento econômico com desenvolvimento e inclusão social. 

De modo responsável, o Brasil investiu, nos últimos nove anos, em programas e ações integradas para que o ciclo de desenvolvimento econômico e social sustentável fortalecesse o país, e superasse eventuais crises, como o momento da crise econômica de 2008. Por isso, o MDS atua, de forma incisiva, com a perspectiva de consolidação da Rede Integrada de Proteção e Promoção Social. Portanto, trabalha a inter-relação entre sociedade civil e Estado, corroborando os espaços de diálogo e de negociação. Esse tema, os conteúdos e os objetivos das políticas sob a gestão do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome têm merecido muito debate, franco e aberto, com todos os nossos parceiros. 

2 - Direitos e política social no Brasil: breves argumentações

Um olhar retrospectivo sobre a política social no país demonstra a ausência de espaços democráticos em sua formulação, que, somente após o fim da ditadura militar e a partir da mobilização social, começaram a ser construídos. A história da República no Brasil deu-se com longos interstícios autoritários. A consolidação desses espaços vem sendo alcançada nos 9 anos do Governo Lula e no Governo Dilma. Registre-se, ainda, que vivemos o mais longo período de vida democrática da história brasileira. 

As lutas da sociedade civil que antecederam e caracterizaram o período da redemocratização deram visibilidade às grandes demandas sociais, que se transformaram posteriormente em políticas públicas. Movimentos sociais, associações, entidades de classe e categorias profissionais construíram uma pauta de reivindicações que incluía direitos civis, políticos e sociais, como a melhoria das condições de vida, salário, educação e saúde. Esses atores construíram a agenda de mudanças que desaguou na elaboração da nova Constituição Federal, promulgada em 1988, inaugurando, assim, uma nova ordem democrática. Nesse contexto, a garantia e a ampliação dos direitos individuais e coletivos estão intimamente ligadas à formação da consciência política e à construção da cidadania. 

A política de desenvolvimento social com inclusão procura romper com a lógica adotada pelo Estado brasileiro no passado. Lógica que se baseava na tutela do Estado sobre as iniciativas da sociedade civil. Em decorrência dessa visão patriarcal, mesmo quando atuando para proteger direitos sociais, o Estado agia autoritariamente, negando a participação popular e obstaculizando a construção de uma consciência pública. 

Com uma atuação corporativa, que substituía a ação independente das associações profissionais e de classe, o Estado brasileiro sempre defendeu, sob a aparência de um Estado “protetor”, os interesses de oligarquias portadoras da cultura do privilégio. Desse modo, o que predominou foi o modelo de desenvolvimento de reprodução de desigualdades sociais. 

Na contemporaneidade, com a crise do welfare state na Europa, a partir da década de 1970, e, posteriormente, com a crise do próprio neoliberalismo, o papel do Estado no desenvolvimento social fica bastante evidenciado. Em todos os modelos e opções de desenvolvimento em debate reconhece-se a importância do papel ativo do Estado na promoção da inclusão social e do desenvolvimento sustentável. 

A lógica clientelista e assistencialista que sempre marcou a política social brasileira foi substituída pela visão de um Estado provedor e garantidor de políticas de proteção e promoção social. O Estado foi remodelado de modo a se tornar agente ativo no desenvolvimento social e instância promotora de políticas públicas, na perspectiva de direitos sociais. Essa nova visão do papel do Estado no país foi reforçada com a eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Sua vitória representou, indubitavelmente, uma conquista dos movimentos sociais. Os resultados positivos do Governo Lula, sua relação com os movimentos sociais, o fenômeno da extraordinária mobilidade social, tornaram possível a eleição da Presidenta Dilma Rousseff, representando a continuidade de projeto político iniciado por Lula.

A política social dos Governos Lula e Dilma é marcadamente voltada para os setores mais necessitados da população. E nessa perspectiva foi construída a estratégia Fome Zero. Nos oito anos de mandato do Presidente Lula e nesses dois primeiros anos de mandato da Presidenta Dilma, os dados mostram o impacto da política social no Brasil. Com uma população estimada em 190,8 milhões de habitantes, 67 milhões de pessoas são assistidas pelos programas sociais do Governo Federal. As iniciativas da política social de combate à fome e à pobreza permitiram retirar 28 milhões de pessoas da pobreza absoluta e reduzir em 62% a desnutrição infantil. 

O Programa Bolsa Família, um dos carros-chefes da política social no Brasil - que hoje integra o Plano Brasil Sem Miséria -, beneficia mais de 13 milhões de famílias. Vale registrar que o governo Dilma avançou, ainda mais, ao lançar o Brasil sem Miséria (BSM), com o objetivo de alcançar as pessoas que permanecem na extrema pobreza, ainda não beneficiadas pelas políticas sociais do governo. O BSM tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseada na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos. Esses e outros planos e programas, aliados ao crescimento real do salário-mínimo e à geração de cerca de 15 milhões de empregos formais, fizeram com que 30 milhões de brasileiros ascendessem das classes D e para a classe C.

             De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), se projetados os melhores desempenhos brasileiros alcançados recentemente em termos de diminuição da pobreza e da desigualdade (período 2003-2008) para o ano de 2016, o resultado seria um quadro muito positivo. O país pode praticamente superar a pobreza extrema, assim como alcançar uma taxa de pobreza absoluta de apenas 4%, o que significa quase a sua completa erradicação. 

Porém, apesar dos avanços alcançados, o Brasil ainda é um país de elevado índice de desigualdades sociais. Embora o país apresente queda na desigualdade social, ainda compõe o grupo dos países mais desiguais do mundo. O índice de pobreza permanece na faixa de 30,3% da população.

A continuidade das políticas sociais, como políticas de Estado, estabelece um novo paradigma em que o desenvolvimento social passa a ser entendido em suas dimensões econômica, política, cultural e socioambiental e contribuirá para a superação das profundas desigualdades sociais ainda existentes no país, de modo a garantir a extensão de fato, e não apenas na lei, do status de cidadão a todos os brasileiros. 

Na nova concepção das políticas públicas, o beneficiado, cidadão sujeito de direitos, é um agente protagonista e não um objeto da política social.

2.1 - A assistência social 

Conforme definido na Constituição Brasileira, Art. 194, “A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.” 

A Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), promulgada em 1993, é pautada na dimensão ética de incluir os setores da sociedade brasileira tidos tradicionalmente nas estatísticas como invisíveis: a população em situação de rua, adolescentes em conflito com a lei, indígenas, quilombolas, idosos, pessoas com deficiência. 

A Norma Operacional Básica (NOB/SUAS) disciplina a gestão pública de Política de Assistência Social no território brasileiro, exercida de modo sistêmico pelos entes federativos, em consonância com a Constituição da República de 1988. O conceito de proteção social definido pela NOB/SUAS é o seguinte: “A proteção social da Assistência consiste no conjunto de ações, cuidados, atenções, benefícios e auxílios ofertados pelo SUAS para redução e prevenção do impacto das vicissitudes sociais e naturais ao ciclo da vida, à dignidade humana e à família como núcleo básico de sustentação efetiva, biológica relacional.

Como já foi dito anteriormente, a família é definida como o foco da Política de Assistência Social. Ela é o “núcleo social básico da acolhida, convívio, autonomia, sustentabilidade e protagonismo social.”   A política de assistência social visa a construir o cidadão como um sujeito de direitos. A construção e o fortalecimento do SUAS implicam numa mudança absolutamente distinta dos paradigmas clientelistas anteriores da assistência social do Brasil. Seus objetivos são: a consolidação da assistência social como política de Estado, garantidora de direitos; a promoção da gestão da política social de maneira integrada em todo o território nacional; a instituição de um novo modelo de organização dos serviços e benefícios socioassistenciais hierarquizados por níveis de complexidade e com base no território.

A assistência social possui dois níveis de proteção social: a proteção social básica, com caráter preventivo, e a inclusão social. Os programas da assistência social são desenvolvidos por dois centros de referência: o Centro de Referência de Assistência Social (Cras), para o atendimento de caráter preventivo e porta de entrada ao Sistema; e o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), para o atendimento de pessoas que se encontram em situação de risco pessoal e social.

Os Cras organizam e coordenam a rede local de serviços sócio-assistenciais, sendo a porta de entrada dos usuários na rede de proteção social do Sistema Único de Assistência Social. No início da fundação do MDS, havia 450 Cras. Em 2011 já existiam 7.475 Cras em todo o país. O censo SUAS de 2010 indicou que 44,3% dos Cras contam com recursos federais e municipais para sua manutenção. A porcentagem dos Cras que recebem apenas verbas federais é de 24,1% e os que funcionam somente com dinheiro dos municípios representam 12,6%. Os Cras que se mantêm com recursos das três esferas de governo chegam a 13,6%. O principal programa desenvolvido pelos Cras é o Programa de Assistência Integral às Famílias (Paif), que realiza o atendimento e o acompanhamento das famílias beneficiarias dos programas de transferência de renda. 

Os Creas, com 2.124 unidades em 2011, oferecem atenção especializada a famílias e pessoas em situação de risco pessoal e social. A maioria dos Creas recebe recursos de mais de uma fonte (67,2%). Os que são mantidos com recursos federais representam 24,8% e os que contam só com recursos municipais correspondem a 6,2% (os dados são de 2010). Um dos principais serviços e programas do Creas é o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), articulado ao Programa Bolsa Família. O Peti procura incorporar crianças e adolescentes a um conjunto de atividades para que possam voltar a estudar e desenvolver suas capacidades e suas competências.

Outra atividade vinculada ao Creas é o Serviço de Proteção Social Especial às Crianças e Adolescentes Vítimas de Abuso e Exploração Sexual e suas Famílias (Sentinela). O Sentinela atende as crianças e os adolescentes vítimas ou sujeitos a abuso ou exploração sexual. 

Outro programa importante na área de assistência social é o Pro Jovem Adolescente. Esse programa foi construído com base no desenvolvimento de atividades socioeducativas voltadas para jovens de 15 a 17 anos. As atividades objetivam a formação profissional para o mercado de trabalho e o desenvolvimento integral, por meio de atividades que os vinculam à cultura, ao esporte, ao meio ambiente, à inclusão digital e à participação cidadã. 

O Pro Jovem faz parte do Programa Nacional de Inclusão de Jovens e destina-se a integrantes de famílias beneficiárias do Bolsa Família, ou ainda a adolescentes que sejam atendidos por outros programas sociais. Oferece atividades que estimulem a participação cidadã e o desenvolvimento da autoestima e potencialidades. Hoje, em todo o Brasil, por volta de 1 milhão de rapazes e moças, de 15 a 17 anos, integram o Pro Jovem Adolescente

O Programa Bolsa Família (PBF) é um programa de transferência direta de renda que atua nas áreas de saúde e de educação. Ele é baseado em um sistema de condicionalidades que exige das famílias que recebem a Bolsa que as crianças frequentem a escola e tenham sua carteira de vacinação em dia, como requisito para o recebimento do benefício. O PBF é um sistema de proteção focalizado, ou seja, integra a estratégia de desenvolvimento social e combate à fome com foco nas famílias pobres expostas aos riscos sociais. Beneficia, de forma integrada à rede de proteção e promoção social, famílias pobres com renda mensal de até R$ 140,00.

O PBF atua articulado com outros programas sociais, que definimos como ações complementares, visando a desenvolver capacidades e aumentar o nível de autonomia das famílias, o que facilita a sua inserção social. Mantém, entre suas metas, o aumento de escolaridade de jovens e adultos; a geração de trabalho, renda e qualificação profissional; o acesso à energia, por meio do Programa Luz para Todos; a inclusão bancária e microcrédito orientado; e a articulação com a política nacional de habitação.

O lançamento pelo Governo Federal do Programa Minha Casa Minha Vida tem o propósito de procurar fazer com que uma parcela dessas casas seja destinada às famílias do PBF que não As políticas sociais de transferência de renda implementadas pelos governos Lula e Dilma têm forte impacto na diminuição da desigualdade no Brasil. De acordo com estudos do Ipea, as políticas sociais sob a responsabilidade do MDS teriam uma participação em torno de 28% na redução dessa desigualdade. Desse percentual, 21% correspondem ao Programa Bolsa Família e 7% ao Programa de Benefício da Prestação Continuada. Interessante notar que o PBF articula-se na assistência social, por exemplo, com o BPC, um programa com recursos superiores ao programa Bolsa Família. O BPC paga um salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência, com renda pessoal mensal inferior a um quarto do salário mínimo.

Atualmente, os principais desafios da política social no Brasil são: garantir a permanência das políticas sociais no marco das políticas públicas garantidoras de direitos e promotores do desenvolvimento humano e social; acelerar o ritmo da redução das desigualdades de renda; implementar políticas públicas que possam responder ao elevado ritmo de envelhecimento da população; enfrentar as desigualdades de gênero e étnico-raciais; aprofundar a redução das desigualdades regionais e inter-regionais.

É necessário também fortalecer a institucionalidade das políticas sociais no país, como a garantia de fontes seguras de financiamento à política social; aprimorar os mecanismos de articulação federativa; aperfeiçoar permanentemente os mecanismos da avaliação e do monitoramento; e consolidar as instâncias de controle social e participação.

2.2-Política de Saúde

Na distribuição intergovernamental de funções, a União está encarregada do financiamento e formulação da política nacional de saúde, bem como da coordenação das ações intergovernamentais. Isto significa que o governo federal – isto é, o Ministério da Saúde – tem autoridade para tomar as decisões mais importantes nesta política setorial. Neste caso, as políticas implementadas pelos governos locais são fortemente dependentes das transferências federais e das regras definidas pelo Ministério da Saúde. Em outras palavras, o governo federal dispõe de recursos institucionais para influenciar as escolhas dos governos locais, afetando sua agenda de governo.

A participação de Estados e municípios no processo de formulação da política de saúde, por sua vez, está institucionalizada por meio de conselhos com representação de Estados e municípios. A institucionalização destes espaços de negociação suprimiu do Ministério da Saúde a possibilidade de estabelecer unilateralmente as regras de funcionamento do SUS. Tais conselhos funcionam como um mecanismo de contrapeso à concentração de autoridade conferida ao Executivo federal.

2.3-Políticas de Habitação e Saneamento

O sistema nacional de oferta de serviços de habitação e saneamento foi instituído nos anos 60 e 70. As reformas institucionais realizadas nas décadas de 80 e 90 não modificaram a estrutura básica da distribuição federativa de funções. O governo federal arrecada e redistribui, por meio de empréstimos, os recursos da principal fonte de financiamento destas políticas: um fundo destinado a indenizar trabalhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadação líquida é direcionada ao financiamento de programas de saneamento e habitação (o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS).

A constitucionalização de encargos ou níveis de gasto é, entretanto, uma estratégia que encontra limites nas desigualdades horizontais da federação brasileira. A desigualdade horizontal dos governos subnacionais permanece recomendando cautela na definição constitucional de competências exclusivas na gestão das políticas sociais, ainda que a descentralização fiscal e de políticas tenha aumentado as capacidades estatais – administrativas fiscalizadoras e de produção de serviços – dos governos subnacionais. A vinculação de gasto tende ainda a reproduzir no plano da implementação das políticas desigualdades preexistentes de capacidade de gasto.

Os resultados redistributivos da concentração de autoridade no governo federal não se revelaram, entretanto tão evidentes. A municipalização dos serviços de saúde não foi acompanhada de redução na desigualdade intermunicipal nos padrões de sua oferta (Marques; Arretche, 2003). A complementação da União para o ensino fundamental teve resultados quase nulos sobre as desigualdades interestaduais de padrões de gasto (Vazquez, 2003). Isto ocorre em parte porque estes desembolsos federais apresentam reduzido efeito redistributivo (Prado, 2001), mas também porque o objetivo de alcançar a descentralização teve mais centralidade do que os objetivos redistributivos nas estratégias adotadas nos anos 90. No entanto, a estrutura institucional para coordenação das políticas nacionais pode ser utilizada para obter as metas desejáveis.

3 – Considerações finais


            Apesar de importantes avanços, a política social no Brasil ainda está em construção. É essencial um amplo e democrático debate sobre o tema das políticas públicas com o objetivo de se buscar, sem preconceitos, alternativas de aperfeiçoamento dos programas sociais.

             Percebe-se que ainda existe no país um alto grau de tolerância à desigualdade social. Há uma aceitação de que o governo transfira renda às classes mais abastadas e ao setor formal da economia, e, ao mesmo tempo, uma condenação que se faça o mesmo para os que estão na base da pirâmide de renda, ainda que em escala bem mais modesta.

             A profunda desigualdade social existente no país é herança de séculos de um modelo de desenvolvimento social excludente. A cultura política no país fruto de um processo de desenvolvimento econômico neoliberal, contribui para a concepção da desigualdade como uma tendência natural da sociedade. A política social no passado foi marcada por uma dualidade: em um extremo, as pessoas com empregos formais recebiam os benefícios das políticas de proteção social; no extremo oposto vigorava um modelo clientelista e paternalista. A Constituição de 1988 aprovou um Modelo de Seguridade Social, com os componentes da Previdência Social, Saúde e Assistência Social. Os benefícios e serviços assegurados pela seguridade social passaram a ser concebidos como direito de cidadania e dever do Estado.

                No momento, o Brasil vive um de seus mais longos períodos de história democrática. Essa situação representa a vitória de um processo de lutas que levou ao fim do regime militar e a elaboração de uma Constituição Federal, que assegura e amplia direitos individuais, políticos e sociais. 

              Finalmente, devemos registrar mais dois avanços na construção da política social no Brasil. A aprovação pelo Congresso Nacional do “direito à alimentação” como um direito social, definido na Constituição Federal e a proposta do governo federal de transformação dos programas sociais em leis sociais, por meio da aprovação de um instrumento legal, a Consolidação das Leis Sociais (CLS). Essas iniciativas visam a formar na cultura política o hábito da institucionalização dos programas sociais.

Para enfrentar os desafios apresentados, é essencial reforçar o papel do Estado democrático em atuar na proteção das camadas mais necessitadas e em contribuir para a criação de oportunidades de sua ascensão e sua participação na herança social. 

 

 

 

 

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