Políticas Públicas e Cidadania: O Welfare State e as Políticas Sociais
Por Lilian Segnini Rodrigues | 06/07/2016 | PolíticaPolíticas Públicas é um tema que, nos dias atuais, está muito presente nos debates, na mídia e nos trabalhos acadêmicos, bem como nas conversas formais e informais entre cidadãos de todo o mundo. Os efeitos da Era da Informação, que nos mantêm constantemente atualizados sobre noticiários do mundo inteiro, inclusive sobre política, nos permite uma maior avaliação da atuação do governo. Com isso, tem aumentado o interesse por esse tema que é muito importante e que traz implicações na vida de todos os cidadãos.
Celina Souza, ao revisar a literatura sobre Políticas Públicas em 2006, já previa que o tema havia ressurgido com muita importância nas últimas décadas. No seu artigo, a autora busca trazer à tona a integração de quatro elementos: a política pública, a política, a sociedade política e as instituições onde as políticas públicas são decididas, desenhadas e implementadas.
Primeiramente a autora faz uma análise do surgimento da área de políticas públicas que, de acordo com ela, enquanto área de conhecimento e disciplina acadêmica nasceu nos EUA e, na Europa, a área de política pública surge como um desdobramento dos trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado e do governo.
Dessa forma, ao conceituar políticas públicas, a autora, além de trazer a definição de vários outros autores, a resume como o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, colocar o governo em ação e/ou analisar essa ação e, quando necessário, propor mudanças no curso dessas ações.
Souza analisa qual é o papel dos governos na definição e implementação de políticas públicas, descartando definições simplificadas, como o pluralismo (pressões de grupos de interesse) e o eletismo (políticas definidas exclusivamente por aqueles que estão no poder), bem como as estruturalistas e funcionalistas (que servem apenas aos interesses de determinadas classes sociais). Segundo a autora, existe uma autonomia relativa do Estado no âmbito das políticas públicas, o que faz com que o mesmo tenha um espaço próprio de atuação, embora seja influenciado externa e internamente.
De acordo com Souza, existem muitos modelos de formulação e análise de políticas públicas. São os principais modelos que a autora traz à tona em seu artigo, contextualizando, portanto, as dimensões e importância desse campo.
Os modelos apresentados pela autora são: o tipo da política pública; o incrementalismo; o ciclo da política pública; o modelo “lata de lixo”; a coalizão de defesa; as arenas sociais; o “equilíbrio interrompido”; e os modelos influenciados pelo “novo gerencialismo público”.
Dando uma atenção especial a esse último modelo, a autora resume que o mesmo enfatiza a eficiência, que passou a ser vista como o principal objetivo de qualquer política pública. Como consequência, a credibilidade passou a ser fundamental, não apenas para as políticas monetárias, mas para todas as demais e, com isso, a discricionariedade dos burocratas públicos cedeu lugar à existência de regras claras e definidas.
A influência desse modelo de formulação fez emergir uma tentativa, em vários países em desenvolvimento, de implementar políticas públicas de caráter participativo. No Brasil, como muito bem relatado pela autora, são exemplos dessa tentativa os diversos conselhos municipais voltados para as políticas sociais, como o Orçamento Participativo.
Souza contesta a visão de que as políticas públicas são formuladas apenas como resultado de barganhas negociadas entre indivíduos que buscam o auto-interesse, alegando, com base em outros autores, que elas são formuladas também por processos institucionais de socialização. Não só os indivíduos ou grupos tem forças para influenciar as políticas públicas, mas também as instituições.
No Brasil vemos que essas influências são recorrentes, advindas não apenas de movimentos ou grupos sociais, como também de grandes organizações que, devido ao seu poder de capital, e pela manutenção deste, fazem um trabalho de lobby capaz de alterar o curso de uma ação para atenderem aos seus interesses. Embora os métodos que esses grupos de pressão utilizem algumas vezes não sejam legais, não se pode negar que eles, definitivamente, exercem um papel de extrema importância no cenário político.
Outro fator que pode influenciar as políticas públicas são as relações, em um Estado Federativo, entre o Legislativo e o Executivo, conforme apresentado por Marta Arretche no seu artigo “Federalismo e Políticas Sociais no Brasil”. De acordo com Arretche, essas relações são responsáveis pela variação da concentração da autoridade política, bem como da forma como estão distribuídas as atribuições de políticas entre os níveis de governo.
A autora demonstra, em seu trabalho, que a concentração da autoridade política varia entre as políticas particulares, de acordo com as relações intergovernamentais em cada área específica de intervenção do governo. Devido ao limite de gastos imposto ao Governo Federal pela Constituição de 1988, sua capacidade de coordenação de política fica igualmente limitada. Por isso as coalizões entre as esferas e entre partidos políticos são importantes. Com relação às políticas sociais, a autora mostra que o governo dispõe de instrumentos para coordená-las.
O foco do trabalho são os gastos com as políticas públicas sociais. Portanto, a autora faz uma breve exposição de como funciona o sistema tributário brasileiro e as transferências fiscais nos planos horizontais e verticais. Se tratando do plano horizontal, existe uma enorme diferença na arrecadação de rendas entre os Estados e entre os municípios, que faz necessárias as transferência fiscais, previstas na Constituição.
Porém, ao se redistribuir as receitas entre Estados, isso causa novas desigualdades entre as Unidades de Federação que, na prática, limitam a possibilidade de que se estabeleçam constitucionalmente competências exclusivas entre os níveis de governo para as ações sociais. Os Estados e os Municípios tem certa autonomia para os gastos provenientes das transferências fiscais, com exceção da área de saúde e educação.
Devido a essa autonomia é necessário, ao menos, que o Governo Federal atue viabilizando patamares básicos de produção de serviços sociais, justificando, portanto, a coordenação federal dos programas sociais dos Estados e municípios, de modo a reduzir o risco de que os diferentes níveis de governo imponham conflitos entre programas e elevação dos custos da implementação.
Essa coordenação dos objetivos das políticas no território nacional exige, algumas vezes, medidas que necessitam do apoio parlamentar, como é o caso das emendas à Constituição que, segundo a autora, no Brasil, são mais fáceis de serem aprovadas do que em outros países, já que não é necessária a aprovação nas casas legislativas estaduais.
Contudo, os resultados redistributivos da concentração de autoridade no governo federal não se revelam tão evidentes. Ainda há muita desigualdade intermunicipal e interestadual em relação à qualidade dos serviços prestados. Isso fica evidente quando, frequentemente, vemos nos noticiários as situações precárias que se encontram alguns Estados e municípios pelo Brasil afora, em termos de saúde, educação, habitação e saneamento.
Com todos esses problemas de desigualdades sociais que ainda assombram o Brasil, percebemos que a socialdemocracia, que há anos vem sendo a doutrina aparentemente vigente por aqui, não foi suficiente para garantir a redução das desigualdades sociais. Na Europa, a crise da socialdemocracia já se deu há alguns anos, o que obrigou alguns países a adotarem políticas de austeridade.
Sobre isso, Gosta Esping-Andersen, no seu artigo “As três economias políticas do welfare state” nos remete a pensar que esse regime político do bem-estar social, que defende que é de responsabilidade do Estado a garantia do bem-estar básico dos cidadãos, acaba, ele próprio, promovendo a estratificação social.
Em seu trabalho, realizado em 1991, Esping-Andersen já sinalizava que o Welfare State não seria capaz de transformar fundamentalmente a sociedade capitalista. Nem a extensão da cidadania social diminuiria a distinção entre as classes sociais, como confirmou o sociólogo britânico Thomas Marshall ao analisar o desenvolvimento da cidadania na Inglaterra.
O autor diz que essa era uma preocupação recorrente dos economistas políticos do século XIX e que, tanto os conservadores quanto os marxistas temiam o relacionamento entre o capitalismo e o bem-estar social. Suas análises convergiam para o relacionamento entre o mercado (e propriedade) e Estado (democracia). Enquanto os liberais temiam que a democracia produzisse o socialismo, os socialistas não lhe davam crédito. Foi somente após as ampliações dos direitos políticos que os socialistas passaram a analisar a democracia de forma mais otimista.
Como uma forma alternativa, nem totalmente conservadora e nem totalmente socialista, surge então o modelo socialdemocrata que é o pai de uma das principais hipóteses do debate contemporâneo sobre o welfare state: a mobilização de classe no sistema parlamentar é um meio para a realização dos ideais socialistas de igualdade, justiça, liberdade e solidariedade.
Mas o autor sugere que o welfare state não pode ser compreendido apenas em termos de direitos e garantias, sendo necessário também considerar de que forma as atividades estatais se entrelaçam com o papel do mercado e da família em termos de provisão social.
Outro fator para avaliar a eficácia do welfare state diz respeito a (des)mercadorização. A mercadorização das pessoas acontece quando elas têm que vender sua força de trabalho. A desmercadorização acontece quando elas se tornam cada vez mais independentes do empregador e detêm poder de barganha. Uma das formas de se chegar a esse segundo estágio, defendido pelos socialistas, é através de uma política social que ofereça previdência e assistência sociais capazes de emanciparem os indivíduos do mercado. Em outras palavras, que esse serviço seja prestado como uma questão de direito e a pessoa possa se manter sem depender dele.
Sabe-se que isso hoje não é uma realidade, pelo menos na maioria dos países, e que os direitos sociais oferecidos aos cidadãos se limitam a oferecer o mínimo necessário ou igualar as condições de disputa, em alguns casos. Mesmo assim, tomando como exemplo o Brasil, vemos que esse modelo não tem dado resultado no que tange à redução das desigualdades. Muito tem se gastado com políticas sociais, porém, parece haver uma ineficiência muito grande e uma longa distância até que sejam atingidos os resultados esperados.
Para piorar a situação, o Brasil hoje vem reduzindo os gastos com programas sociais para manter o ajuste fiscal, contrariando, portando, uma das promessas de campanha da Presidenta Dilma que repetiu, inúmeras vezes, que em “hipótese alguma” cortaria os recursos dos programas sociais.
Com tudo isso, é nítido que precisamos utilizar melhor os nossos recursos, formulando políticas públicas realmente capazes de mudar a situação da desigualdade socioeconômica do país, pois só assim teremos um país mais justo.
Referências:
ESPING-ANDERSEN, G. As três economias políticas do Welfare State In: Lua Nova n. 24. São Paulo: CEDEC, 1991.
SOUZA, Celina. Políticas Públicas: uma revisão da literatura In: Sociologias, ano 8, nº 16, jul/dez 2006. [p. 20-45 - http://www.scielo.br/pdf/soc/n16/a03n16]
ARRETCHE, M. “Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, Anpocs, São Paulo, n º10 (28): junho de
1995.