POLÍTICA, E EU COM ISSO?

Por Frederico David Vasconcelos | 14/07/2014 | Educação

POLÍTICA, E EU COM ISSO? Frederico David Vasconcelos Thais de Freitas Morais A pergunta que dá título a esse artigo poderia suscitar a noção de que política é um assunto que é tratado com desdém ou com aversão pela população brasileira. Sem generalizações, esses sentimentos estão presentes quando os brasileiros referem-se ao tema. Isso fica mais evidente quando perguntamos aos eleitores se eles lembram em quem votaram nas últimas eleições. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), logo após as eleições de 2010, realizou uma pesquisa sobre essa questão e os resultados mostraram que mais de um quinto dos eleitores brasileiros já não se recordava mais em quais candidatos a deputado tinha votado. Não podemos negar que o desinteresse pela política é evidente entre os brasileiros, porém a pergunta que dá título a esse artigo é uma provocação aos alunos de nosso país. Para reforçar isso vamos trazer para discussão o professor Paulo Freire que instiga os seus companheiros de profissão da seguinte forma: “O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetividade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo não é só de quem constata o que ocorre mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente. No mundo da História, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar.” (FREIRE, 1996, p. 76-77). Paulo Freire provoca os professores para que eles provoquem seus alunos. Da condição de meros espectadores do mundo numa posição de neutralidade, devemos nos tornar, pelo estudo, interventores da realidade ou “sujeito de ocorrências”. Ano passado (junho de 2013) a sociedade brasileira deu uma sinalização importante de que desejava sair da neutralidade. Motivada pelo o que ocorreu na cidade de São Paulo com o Movimento Passe Livre (MPL) a população saiu às ruas para manifestar toda a sua indignação com a política e os políticos no Brasil. Como acompanhamos à época, diversas passeatas ocorreram em várias cidades tendo o seu auge durante a Copa das Confederações. As consequências imediatas desses fatos são conhecidas de todos como o surgimento dos Black Blocs, a proposta que não vingou de uma constituinte exclusiva para realizar a reforma política e o congelamento do preço da passagem de ônibus. Entretanto, alguns questionamentos devem ser feitos quando vocês, professores, tratarem desse assunto em sala de aula: as manifestações de 2013 terão influência no comportamento dos eleitores em 2014? E os alunos, como se posicionam a respeito? Qual é visão deles sobre a política? Como despertar o interesse? É sobre isso que precisamos conversar. Atenção para a ideia que vamos propor a partir de agora, pois ela é fundamental para o enfoque que tem que ser dado à política nas aulas. É evidente que temos uma preocupação urgente com o que vai acontecer nas eleições de 2014. É um processo eleitoral muito importante para o futuro de nosso país. Primeiro pelo sentimento de insatisfação com a política e os políticos que é nítido na sociedade brasileira e também pela abrangência desse processo, o qual elegerá presidente, governadores de estado, deputados federais, deputados estaduais e senadores. Contudo, antes de pensar no que acontece no cenário político estadual e nacional, convidamos cada um dos leitores a pensar no que acontece no seu bairro. Lá, existem problemas que interferem na minha e na vida das pessoas que compartilham esse espaço comigo? Se nos juntássemos para resolvê-los a situação melhoraria? Para Pateman (1992) a participação política deve cumprir uma função educativa. Se o indivíduo pudesse participar na tomada de decisões sobre assuntos que estão mais próximos de sua experiência cotidiana, sendo essa participação viabilizada em espaços alternativos como a indústria, família, sistema educacional, dentre outros, esse indivíduo estaria apto a participar mais efetivamente do sistema político tradicional. Esse indivíduo desenvolveria capacidades importantes como aceitar decisões coletivas e criar uma sensação de pertencimento à comunidade, garantindo no futuro um funcionamento adequado das próprias instituições políticas. As mesmas perguntas apresentadas acima poderiam ser feita aos alunos, acrescida de um olhar voltado para os problemas da escola. Para ter interesse em participar da política nacional é preciso em primeiro lugar ter interesse em participar da política no meu cotidiano, naquilo que acontece perto de mim. É necessário que os planos pedagógicos apresentem estratégias para desenvolver nos alunos habilidades participativas. Vamos imaginar a seguinte situação: a escola promoverá uma festa envolvendo toda a comunidade escolar com o objetivo de arrecadar recursos que serão investidos na melhoria da estrutura da instituição. Passada a festa a direção da escola, com os recursos em caixa, em vez de decidir sozinha o que será feito resolve convocar a comunidade escolar para em conjunto tomar essa decisão. Não seria uma forma interessante de desenvolver nos alunos aquelas habilidades? Em Minas Gerais a Secretaria de Estadual de Educação oferece um veículo institucional para que a comunidade escolar participe efetivamente da gestão da instituição. Desde a década de 1980, as escolas da rede passam por um processo de democratização nas suas relações dentro do âmbito escolar. Isso acontece em consonância com o momento pelo qual passava o país, em que havia a necessidade de consolidação da democracia depois de um longo período de ditadura militar. Uma consequência deste processo é a implantação nessas escolas do Colegiado Escolar, um órgão convoca toda a comunidade escolar (pais, alunos, professores e demais funcionários) a colaborar na gestão pedagógica, administrativa e financeira da escola. As funções do Colegiado Escolar são de caráter deliberativo e consultivo e seus membros são eleitos pela comunidade representando proporcionalmente cada segmento dela. É uma situação concreta de viver a democracia dentro do ambiente escolar. É preciso saber, professores, se as suas escolas possuem algo equivalente. Existindo verifique se a comunidade escolar participa ativamente das discussões. Se não participa estimule a participação dos seus alunos. Os grêmios estudantis também são uma boa alternativa para que os alunos participem do cotidiano escolar. Durante muito tempo ouvimos dizer que “política não se discute”. Porém, esse tipo de atitude, a cada dia que passa, parece mais equivocada. Afinal, gradativamente os brasileiros vêm percebendo que é preciso se posicionar frente os problemas do país, mostrar quando estão insatisfeitos e exigir dos governantes mudanças concretas. É justamente através da discussão e do debate, da contraposição de argumentos e ideias que as pessoas têm a oportunidade de construir uma opinião e defender o seu ponto de vista. Porém, é preciso preparar os jovens para esse tipo de atitude e comportamento. Do mesmo modo que é preciso ensinar uma pessoa a ler, também é preciso ensiná-la a participar da comunidade/sociedade em que ela vive, explicar a importância dessa participação e as mudanças que ela pode provocar. De maneira geral, quando se fala em política, o assunto parece muito distante das nossas vidas, como se fosse algo que só diz respeito aos políticos, aos partidos ou só é lembrado nos momentos em que são realizadas as eleições. Tratar de um assunto politicamente significa resolver problemas, impasses e conflitos através do debate e da argumentação onde grupos ou pessoas diferentes podem apresentar suas preferencias e tentar defendê-las. Despertar o interesse dos jovens para esse tipo de questão é prepará-los para viver em uma sociedade democrática e, principalmente, prepará-los para exercer a democracia tornando-se cidadãos participativos. Exemplo de atitude cidadã teve a estudante Isadora Faber. Aos 13 anos e cursando o ensino fundamental, essa adolescente catarinense resolveu mostrar para o mundo a situação da escola pública em que estudava em Florianópolis. Ela criou um perfil em uma rede social, o “Diário de Classe”, para relatar o seu dia-a-dia na instituição e denunciar o que porventura acontecia de errado. Problemas na infraestrutura, ausência de professores, a merenda servida aos alunos, o que acontecia nas aulas, tudo era descrito e fotografado por Isadora e postado na rede. Devido ao ineditismo de sua atitude o perfil da aluna gerou uma grande repercussão na rede trazendo consequências tanto positivas quanto negativas. Do lado negativo Isadora sofreu retaliações dos funcionários da escola, foi ameaçada e seus pais foram processados por alguns professores. Porém, do lado positivo Isadora foi reconhecida nacionalmente pela sua coragem, conseguiu a reforma completa da escola denunciada e hoje existe uma ONG com seu nome que tem a missão de estimular as pessoas a relatar a realidade das escolas publicas do país. Professores, precisamos de estudantes como a Isadora em nossas escolas. Não para tornarem-se novas “celebridades” da internet, mas para ter vontade de, lembrando novamente Paulo Freire, tornarem-se “sujeito de ocorrências”. O exemplo de Isadora Faber também mostra que o interesse e a participação não possuem barreiras de idade. Muitas vezes os adolescentes e jovens são vistos como desinteressados ou muito imaturos para participarem de processos decisórios (seja na escola ou em outros espaços). É claro que sempre haverá aqueles que não se interessam ou que não encaram com seriedade questões importantes, porém, não podemos partir do pressuposto de que a juventude como um todo é desinteressada e imatura. Afinal, muitas vezes, esse tipo de comportamento pode ser um reflexo da falta de preparo e de estímulo dos jovens para os temas relacionados à participação política ou social. “Do mesmo modo, o atributo ‘alienado’ decorre de uma única concepção de prática política e coletiva em nossa sociedade, que se torna exclusiva e sequer permite uma interrogação extremamente simples, desde que os termos sejam invertidos: ao invés de perguntarmos por que a juventude não se interessa pela participação política, como se fosse um defeito a priori, deveríamos formular outro questionamento: o que acontece com a política que não interessa ao jovem” (SPOSITO, 2006, p. 100). Quando se parte das questões do cotidiano, dos problemas diários, dos conflitos com os quais as pessoas se identificam é possível estabelecer um tipo de conexão, ou seja, fica mais fácil para esses jovens entenderem porque a participação deles é importante. Provavelmente o maior desafio, e também o maior estímulo para os jovens, seja mostrar que a participação deles também pode influenciar (e até mudar) o “rumo das coisas”. Hoje o mecanismo mais acessível que os jovens podem utilizar para influenciar as decisões que lhe interessam é a internet e as redes sociais. Existem várias formas de participação, mas sem dúvida, a internet é a forma mais atrativa para uma geração que praticamente nasceu conectada na grande rede mundial. É preciso explorar o potencial desse meio de comunicação como uma ferramenta de participação social e política. É preciso mostrar para os jovens que a internet pode ser muito mais do que uma simples fonte de entretenimento, pois ela permite que um número imenso de pessoas que vivem uma mesma situação possam trocar informações sem nem mesmo se conhecerem. Por exemplo, os alunos de uma determinada escola podem criar um fórum de discussão virtual onde os alunos de qualquer outra escola também podem participar. O professor, no caso, seria o mediador do fórum propondo e discutindo questões que sejam do interesse dos alunos, das escolas participantes e, sem esquecer, das comunidades que abarcam essas instituições, pois sabemos que dentro de seus muros a escola retrata a realidade social na qual está inserida. Esse tipo de iniciativa estimula os jovens a não restringirem o uso da internet apenas para fins sociais e de lazer. Ainda no campo da internet, o próprio Poder Legislativo fornece canais de interação com os cidadãos. A Câmara dos Deputados e o Senado Federal possuem portais que oferecem ferramentas para acompanhar o trabalho dos parlamentares, saber dos projetos de lei que estão em processo de discussão e votação e estabelecer comunicação com cada deputado e/ou senador. Vivemos em uma democracia representativa. Escolhemos nas eleições aqueles que irão tomar as decisões políticas por nós, contudo, depois que os escolhidos tomam posse, temos que acompanhar quais as decisões que “Suas Excelências” estão tomando e se elas atendem ou não as nossas expectativas. Professores, profissionais da educação e os demais que se interessam pelo tema, para concluir nossa conversa vamos discutir mais algumas ideias importantes. Segundo Aristóteles, o homem é um “animal político”. Ninguém vive sozinho. Para satisfazer as suas necessidades o homem precisa se aproximar dos outros homens. Assumindo sua carência e imperfeição, ele precisa buscar a comunidade, viver numa coletividade. E para viver num coletivo, todos sabem, precisamos dialogar, negociar e ceder para ter o que queremos. Em resumo, precisamos fazer POLÍTICA. E não é justamente isso que nós fazemos todos os dias nas nossas relações? Precisamos resgatar esse “animal” que todos carregamos dentro de nós. Se nós, adultos, ignoramos o que há de político na gente não conseguimos mobilizar os mais jovens para a política. Atualmente são pouquíssimos os espaços onde os jovens têm a oportunidade de receberem uma formação política, ou seja, muitos chegam à vida adulta sem entender como funcionam nossas instituições políticas, sem saber o real significado da palavra cidadania e, portanto, não entendem qual o seu papel enquanto cidadão e como podem contribuir. Na Grécia antiga as pessoas se reuniam na polis (cidade) para fazer política. Hoje podemos fazer isso dentro de nossas casas, nos nossos bairros e nas nossas escolas também. Quais são as questões que envolvem a comunidade escolar? Quais são os nossos interesses comuns? O que, em conjunto, podemos fazer para melhorar a vida de todos? REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DAYRELL, Juarez. Múltiplos olhares sobre Educação e Cultura/ Juarez Dayrell, organizador. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006, (p. 96-104). FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996 (Coleção Leitura). EISENBERG, José. Onde está a democracia? José Eisenberg, Thamy Pogrebinschi; Ilustrações Adão Iturrusgarai, Laerte. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002. PATEMAN, Carole. Participação e Teoria Democrática. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.
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