POLÍTICA DE EDUCAÇÃO ESPECIAL DO BRASIL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

Por Genilda Nascimento de Souza | 01/12/2016 | Educação

RESUMO

Este artigo caracterizou-se como uma pesquisa bibliográfica documental de cunho histórico, a partir de documentos oficiais, procurando destacar os marcos importantes, Conferência Mundial sobre Educação para Todos, realizada na cidade de Jomtien, na Tailândia, em 1990, que estabeleceu os primeiros ensaios da política de educação inclusiva; e a Conferência Mundial sobre Necessidades Especiais, que ocorreu na Espanha em 1994, que resultou na elaboração da Declaração de Salamanca. Consultamos também documentos referentes às políticas de educação especial no Brasil, com o objetivo de analisar o atendimento a essa modalidade de educação, verificando o que os documentos legais dizem sobre a inclusão de aluno deficiente no sistema regular de ensino, partindo do pressuposto constitucional, da educação como um direito público subjetivo.

1 INTRODUÇÃO

Fernandes (2011) afirma que “apropriar-se do discurso legal é uma instância de construção da experiência social por meio da qual se instaura um processo de reflexão e significação sobre a realidade.

A preocupação com educação de pessoas com necessidades especiais no Brasil é recente, pois a inclusão da educação especial na política educacional brasileira ocorre somente no final dos anos cinqüenta e início da década de sessenta do século XX. Até então, essa modalidade de educação escolar não contava com o auxílio de políticas públicas que dessem suporte ao atendimento de pessoas que apresentam necessidades especiais. Portanto, transcorreu-se, aproximadamente, quase um século para que a educação especial fosse inserida no sistema educacional brasileiro.

Mazzotta (1996) destaca dois períodos na evolução da educação especial no Brasil: o primeiro de 1854 a 1956 com iniciativas oficiais e particulares isoladas e, o segundo, de 1957 a 1993 com iniciativas oficiais de âmbito nacional.

Ao proclamar a educação como um direito de todos os cidadãos brasileiros sem discriminação qualquer e como dever do Estado e da Família, a Constituição Federal de 1988 abre possibilidades para a elaboração e implementação de políticas públicas de educação inclusiva.

Por constitui-se num direito, a educação especial tem sido discutida e pesquisada em diferentes seguimentos da sociedade, e ponto de pauta das políticas públicas de promoção do desenvolvimento das potencialidades de todos os alunos, independentes de suas condições físicas, emocionais, da sua raça e classe social, permitindo interagir com os outros e com o contexto de maneira significativa.

Disso decorre nosso interesse em fazer uma reflexão sobre as políticas públicas implementadas pelo Estado brasileiro a partir dos anos 1990, momento em que a necessidade dessas políticas públicas torna-se mais evidente.

A história da educação especial no Brasil começa já no século XIX, com iniciativas de alguns brasileiros que resolveram organizar serviços, ações isoladas e particulares, para atender pessoas com deficiências, eles estavam inspirados em experiências na Europa e nos Estados Unidos da América. 

  1. A EDUCAÇÃO ESPECIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO 

Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 4.024/61, que no seu artigo 88 aponta a necessidade de integrar os excepcionais, devendo ser a educação destinada a esse grupo oferecida, preferencialmente, dentro do sistema geral de ensino. A partir daí os textos legislativos tornaram-se mais explícitos quando se referem à educação das pessoas com deficiência, sendo esta entendida como um direito, a ser usufruído, quando possível, no sistema regular de ensino.

A Lei nº 5.692/71 estabelece diretrizes e bases do Ensino de 1º e 2º Graus, definindo como objetivo geral para estes graus tanto no ensino comum como no especial “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elementos de auto-estima, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da cidadania.

Além disso, seu Art. 9º altera a LDBEN de 1961, ao definir “tratamento especial” para os alunos com “deficiências físicas, mentais e aos que se encontram em atraso considerável quanto à idade regular de matrícula e os superdotados”, não promove a organização de um sistema de ensino capaz de atender às necessidades educacionais especiais e acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as classes e escolas especiais[1].

Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação especial no Brasil, que juntamente com outros órgãos, impulsionou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência e às pessoas superdotadas, mas ainda configuradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado.  

Na década de 1980 os princípios norteadores da Educação Inclusiva de alunos deficientes começaram surgir em âmbito internacional e os avanços na educação para alunos com necessidades educacionais especiais no Brasil, puderam ser percebidos através da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei n° 8.069/90), no entanto, o país já dispunha de uma lei que garantia o atendimento a pessoas com deficiência na rede regular de ensino desde 1961 – a LDBEN 4024/61.

O direito a educação no Brasil é garantido pela Constituição Federal de 1988 que no seu art. 205 estabelece a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, devendo atender a todos os cidadãos sem distinção de raça, condição física e social o direito a educação básica. A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV), além disso, estabelece no art. 206, parágrafo 1°, a “igualdade de condições de acesso e permanência na escola” como um dos princípios para o ensino, e como dever do Estado, a oferta do atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino (art. 208).

Já o Estatuto da Criança e do Adolescente no art. 54, inciso III, institui o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiências, preferencialmente na rede regular de ensino;” como também reforça os dispositivos legais supracitados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino” (art.55). A reafirmação do atendimento especial aos deficientes na rede regular de ensino está em consonância com o preceito constitucional do art. 277, § 1°, II, pois cada indivíduo deverá ser atendido de acordo com suas necessidades o que constitui um princípio básico da proteção integral.

Na década de 1990, documentos como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a formulação das políticas públicas da educação inclusiva no Brasil, pois, esses documentos traziam recomendações referentes aos princípios, à política e à prática de reconhecimento e atenção às necessidades especiais. O Brasil concorda com as recomendações contidas nesses dois importantes documentos e faz delas seu compromisso, sinalizando que estava pronto para promover novo avanço na relação com seus cidadãos com deficiência.

Em 1990, em Jomtiem na Tailândia, aconteceu a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos (ONU) que defendia o acesso de todos à escolarização, na qual foi elaborada a Declaração Mundial de Educação para Todos.

Essa Declaração trata da garantia, para todos os cidadãos, do acesso a escolarização, ao saber culturalmente construído, ao processo de produção e de difusão do conhecimento ligado à sua utilização na vivência da cidadania, a fim de promover a existência de sistemas educacionais planejados e organizados para dar conta da diversidade dos alunos, de forma a poder oferecer, a cada um, respostas pedagógicas adequadas às suas peculiaridades individuais, às suas características e necessidades específicas.

Outro evento importante foi a Conferência Mundial de Educação Especial realizada na Espanha em 1994, na qual foi assinada a Declaração de Salamanca, marco histórico a favor da Educação Inclusiva, que enfatiza a necessidade do aluno deficiente ser atendido na rede regular de ensino, devendo as escolas incluir todas as crianças de modo que elas aprendam juntas, possibilitando assim uma sociedade onde todos possam exercer sua cidadania independentemente de quaisquer dificuldades ou diferenças de origem física, intelectual, social, emocional, racial, etc. Apesar do texto não ter efeito de lei, o Brasil se propôs a garantir às crianças deficientes todos os direitos afirmados nessa Declaração.

Segundo essa Declaração, é dever de todos os governos darem prioridade política e financeira ao processo de melhoria de seus sistemas educacionais, voltados a incluir alunos deficientes através de educação inclusiva e o desenvolvimento de projetos educativos que visem contemplar o direito delas em relação à educação.

No que se refere à educação inclusiva, a Declaração de Salamanca reserva aos pais o direito de participar do contexto de escolha dos serviços necessários a educação especial de seus filhos, visando melhoria na qualidade do atendimento aos alunos deficientes. Considera-se, para tanto, os princípios definidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que qualquer pessoa deficiente tem o direito de expressar seus desejos relativos à sua educação, e neste contexto reafirma-se a inclusão como processo legítimo de acesso à escola aos alunos deficientes.

Assim, os princípios pedagógicos contidos na Declaração de Salamanca apontam para a necessidade de mudanças na prática pedagógica das escolas, que devem contemplar as necessidades dos alunos deficientes através do desenvolvimento das políticas educacionais voltadas para a inclusão escolar, tanto no que se refere ao aumento do atendimento, quanto à garantia de um melhor rendimento escolar.

Nesse sentido, é dada ênfase à flexibilidade curricular, entendida como necessária ao desenvolvimento do processo educativo dos alunos deficientes na escola, que deve adaptar o currículo de acordo com suas necessidades e voltar o conteúdo de educação para atender às necessidades dos indivíduos com o objetivo de torná-los aptos a participar do desenvolvimento social, econômico, político e cultural da sociedade.

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