POLÍTICA CRIMINAL DESTINADA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE À LUZ DO ECA
Por Christopher Abreu Ravagnani | 24/08/2014 | DireitoPOLÍTICA CRIMINAL DESTINADA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE À LUZ DO ECA
O presente artigo tem como objetivo analisar a política criminal, trazida pela Lei Federal nº 8.069/90, denominada Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, em especial as medidas socioeducativas aplicadas às crianças e aos adolescentes, máxime a medida de internação em casos de tráfico de drogas.
1. DO CONCEITO DE CRIANÇA E ADOLESCENTE
O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei nº. 8.069/90, em seu artigo 2º, ao tratar do conceito de criança e adolescente dispõe in ver bis.
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade.
Assim, aplica-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, como regra, ao menor de dezoito anos de idade em consonância ao que dispõe a Constituição Federal 1988, artigo 228, ao tratar do início da imputabilidade penal e, por exceção, até os vinte e um anos de idade.
Ishida (2006, p.3), ao tratar da exceção do parágrafo único do artigo 2º, do Estatuto da Criança e do Adolescente ensina:
A referência do parágrafo único ás pessoas entre 18 anos e 21 anos de idade se relaciona claramente à hipótese da maioridade civil. À época da entrada em vigor do ECA, estava vigente o antigo Código Civil (Lei nº. 3.071/16), que previa em seu art. 9º: “Aos 21 (vinte e um) anos completos acaba a menoridade, ficando habilitado o indivíduo para todos os atos da vida civil.” Ocorre que o novo Código Civil (lei nº. 10.406/02) alterou a maioridade civil, diminuindo-a para 18 (dezoito) anos (art. 5º, caput). Isto ocasiona a revogação tácita da norma do art. 2º, parágrafo único, do ECA, porquanto deixa de existir hipótese de aplicação da lei menorista nessa faixa etária (entre 18 e 21 anos). Daí que questões como a guarda e tutela para os “semi-adultos” deixam de ser analisadas porquanto restringem-se à idade máxima de dezoito anos, sendo ainda reproduzidas apenas a título histórico.
Assim, embora o parágrafo único do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente não se aplique mais à guarda e tutela, sua excepcional aplicação continua ocorrendo nas hipóteses de internação e semiliberdade conforme lições de Del-Campo; Oliveira (2006, p.7):
É importante notar que, embora a internação e a semiliberdade possam persistir após os 18 anos e até os 21 anos, somente podem ser aplicadas em decorrência de fatos praticados antes da maioridade penal. Fatos típicos praticados depois dos 18 anos são da competência da Justiça Penal.
Portanto, o parágrafo único do artigo 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente terá cabimento, apenas, em se tratando de medidas socioeducativas de internação e semiliberdade artigos 120, § 2º e 121, § 5º do referido estatuto.
2. DAS MEDIDAS DE PROTEÇÃO
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar em seu Título II, artigo 98, das medidas de proteção à criança e ao adolescente, dispõe in ver bis.
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado;
II - por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável;
III - em razão de sua conduta.
Del-Campo; Oliveira (2006, p.133) dissertando sobre as medidas protetivas do artigo ora citado mencionam:
O Estatuto utilizou uma fórmula mais genérica, trançando no art.98 parâmetros para a configuração de hipóteses em que o menor encontra-se em situação de risco, merecedor de medida protetiva (art.101 do ECA), em oposição ao adolescente em conflito com a lei, destinatário das medidas socioeducativas (art.112 do ECA).
E arrematam os autores:
Os três incisos do art.98 são meramente exemplificativos e cada caso deve ser cuidadosamente analisado para saber se o menor efetivamente está ou não em situação de risco e tem seus direitos ameaçados ou violados. Nessas hipóteses, fixa-se a competência da Vara da Infância e Juventude, em detrimento da Vara da Família e Sucessões. (DEL-CAMPO; OLIVEIRA 2006, P.133)
Já Saraiva (2006, p.56) criticando o caráter genérico do dispositivo ora comentado, afirma:
Tendo resultado de um grande acordo nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente acaba trazendo em seu bojo algumas concessões à velha doutrina menorista que embaraçam sua eficácia, em especial pelo caráter genérico de muitas de suas disposições, atentando-se ao conteúdo de seu art. 98, abrindo espaço ao arbítrio e ao subjetivismo na identificação de situações de violação de direitos, máxime por sua operacionalidade ser fundamentalmente da alçada do Conselho Tutelar, de regra composto por leigos.
Assim, conforme os comentários dos autores, a verificação da situação de risco da criança e do adolescente deverá ser analisada no caso concreto, como, por exemplo, às crianças e adolescentes envolvidas em prostituição, dependência de drogas etc.
Essas medidas protetivas de acordo com o artigo 99 do Estatuto da Criança e do Adolescente poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa, e substituídas a qualquer tempo se inadequadas ao caso concreto. Para a aplicação das medidas, conforme preceitua o artigo 100 do referido Estatuto, levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, havendo preferência daquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.
As medidas de proteção referidas no artigo 98 já comentado são as previstas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente in ver bis.
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
VII - abrigo em entidade;
VIII - colocação em família substituta.
Parágrafo único. O abrigo é medida provisória e excepcional, utilizável como forma de transição para a colocação em família substituta, não implicando privação de liberdade.
Esse dispositivo indica as medidas de proteção destinadas às crianças ou adolescentes em situação de risco, conforme o artigo 98 já comentado. Nota-se, então, que o rol de medidas não é taxativo, mas apenas exemplificativo, pois o caput do artigo em comento, utilizou-se da expressão dentre outras.
Del-Campo; Oliveira (2006, p.136) dissertando sobre o assunto mencionam:
Às crianças autoras de atos infracionais devem ser determinadas apenas medidas de proteção (art.105 do ECA), enquanto aos adolescentes em conflito com a lei podem ser aplicadas medidas socioeducativas (art. 112 do ECA) e protetivas (art. 101 do ECA), cumuladas ou isoladamente.
E continuam os autores: “As medidas dos incisos I a VII podem ser impostas pelo Conselho Tutelar (art. 136, I) ou pela autoridade judiciária; a colocação em família substituta apenas pelo juiz, respeitado o devido processo legal”. (DEL-CAMPO; OLIVEIRA 2006, P.136).
Ishida (2006, p.150) comentando sobre o artigo em comento menciona: “Primeiro, deve-se procurar a reintegração familiar, ou seja, o encaminhamento aos genitores ou responsável legal (inciso I)”.
“Verificada a necessidade de acompanhamento, deve o Juiz ordenar o acompanhamento pela equipe interprofissional (inciso II). Por exemplo, no caso de maus-tratos, alcoolismo etc. ou então o encaminhamento a programa específico (inciso IV)”. (ISHIDA 2006, p.150)
“Outra preocupação é com a educação do menor, podendo obrigar a matrícula da criança ou adolescente (inciso III)”. (ISHIDA 2006, p.150).
“Outras medidas incluem requisição de tratamento médico, psicológico e psiquiátrico (inciso V) e o encaminhamento a tratamento de dependentes de drogas ou álcool (inciso VI)”. (ISHIDA 2006, p.150).
“Como medidas extremas, tem-se a medida de abrigamento (inciso VII) em entidade governamental ou não governamental”. (ISHIDA 2006, p.150).
“Finalmente, verificada a impossibilidade de reintegração familiar e o prolongamento do abrigamento, proceda-se á colocação em família substituta”. (ISHIDA 2006, p.150).
Vale ressaltar, ainda que, às crianças que cometam atos infracionais não estão sujeitas às medidas socioeducativas, mas sim as de proteção, conforme artigo 105 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. DA PRÁTICA DE ATO INFRACIONAL
O Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar da prática de ato infracional em seu Título III, artigo 103, dispõe:
Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Conforme lições de Del-Campo; Oliveira (2006, p.140):
Ao exigir, para caracterização do ato infracional, a demonstração de que o fato praticado também se subsume a uma figura típica, o Estatuto acolheu o princípio da reserva legal, segundo o qual não há crime se lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX, da CF). Por conseqüência, não pode haver ato infracional sem lei penal anterior que o defina, nem medida socioeducativa sem prévia cominação legal.
E continuam os autores:
Para a caracterização de um ato infracional, há que ficar demonstrada a ocorrência de crime ou contravenção, com todos os seus elementos constitutivos, subjetivo, objetivo e normativo, bem como com todas as circunstâncias e demais requisitos do fato delituoso. Não demonstrada a tipicidade da conduta, apenas medidas protetivas (art. 101 do ECA) podem ser aplicadas. (DEL-CAMPO; OLIVEIRA 2006, P.140)
O raciocínio dos autores acima é válido, todavia, ao mencionarem que para o reconhecimento de um ato infracional, há que ficar demonstrada a ocorrência de crime ou contravenção com todos seus requisitos, faz-se necessário tecer um adendo.
De acordo com a clássica divisão tripartida, a culpabilidade é considerada elemento do delito, logo um requisito para existência de crime. Assim, ao interpretar todos os requisitos do fato delituoso mencionado pelos autores, deve-se entender, apenas, o fato típico e antijurídico, classificados pela doutrina como injusto penal, e não a culpabilidade, pois se assim fosse, à criança e o adolescente não poderiam ser sujeito ativo de atos infracionais.
O artigo 105 do Estatuto da Criança e do Adolescente ao tratar da prática do ato infracional praticado por criança dispõe: “Ao ato infracional praticado por criança corresponderão as medidas previstas no art. 101”.
Dessa forma, por mais grave que seja o ato infracional praticado por criança, esta não poderá receber medidas socioeducativas, mas sim, às medidas protetivas do artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente já analisadas.
4. DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS
Tratando das medidas socioeducativas, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe em seu artigo 112:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
A advertência é primeira das medidas socioeducativas, e nos dizeres de Ishida (2006, p.176):
Prevê o ECA a medida de advertência consistindo em admoestação, ou seja, a leitura do ato cometido e o comprometimento de que a situação não se repetirá. Assim, atos infracionais como de adolescente que cometa, pela primeira vez, lesões leves em outro ou vias de fato, podem levar à aplicação desta medida.
Desse modo, a medida socioeducativa de advertência, geralmente, conforme demonstrou Ishida, será aplicada a atos infracionais leves, ou de pequena bagatela. Esta medida vem disciplinada no art. 115, do ECA, que aduz: “A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.”
A segunda medida socioeducativa disciplinada no art. 112, em comento, trata-se da obrigação de reparar o dano. Esta medida é tratada especificamente no art. 116, do ECA in ver bis.
Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.
Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.
Ishida (2006, p.177) tratando da obrigação de reparar o dano aduz:
A lei prevê a medida de reparação de dano no caso de infrações com reflexos patrimoniais. Poder-se-iam citar os delitos de trânsito, abrangendo as lesões culposas, o homicídio culposo, a direção perigosa e a falta de habilitação.
Então, a obrigação de reparar o dano somente poderá ser aplicada quando se tratar de ato infracional que acarrete danos patrimoniais, assim, o adolescente poderá restituir a coisa, promover o ressarcimento do dano, ou de outra forma compensar o prejuízo da vítima.
A terceira medida socioeducativa prevista no art.112 refere-se a prestação de serviços à comunidade. O art.117, do ECA, disciplinando esta medida preconiza:
Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.
Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho.
Dessa forma, conforme o artigo ora citado, a prestação de serviços à comunidade consiste em tarefas gratuitas de interesse geral, não podendo ser superior a seis meses. A medida será executada em entidades assistenciais, hospitais, escolas etc., em jornada semanal máxima de oito horas, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou ao trabalho.
A quarta medida socioeducativa prevista no art.112 refere-se à liberdade assistida. É tratada de forma mais específica no art. 118, do ECA, in ver bis.
Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.
§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.
§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.
Del-Campo; Oliveira (2006, p.157) tratando da medida socioeducativa da liberdade assistida ensinam:
Baseada no instituto norte-americano do probation system, consiste em submeter o adolescente, após sua entrega aos pais ou responsável, a uma vigilância e acompanhamentos discretos, a distância, com o fim de impedir a reincidência e obter a ressocialização. Na prática, consiste na obrigação de o adolescente infrator e seus responsáveis legais comparecerem periodicamente a um posto predeterminado e, ali, entrevistarem-se com os técnicos para informar suas atividades.
Assim, de acordo com (DEL-CAMPO; OLIVEIRA 2006), a finalidade desta medida é impedir a reincidência através de um acompanhamento técnico por pessoa designada pela autoridade judiciária. O prazo da medida será no máximo de seis meses, “podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor”, art.118, § 2º.
A quinta medida socioeducativa prevista no art.112 refere-se à inserção em regime de semiliberdade. Esta medida é tratada de forma mais específica no art.120, do ECA, in ver bis.
Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.
§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.
Del-Campo; Oliveira (2006, p.159) dispondo sobre a medida socioeducativa de semiliberdade ensinam:
A semiliberdade constitui uma alternativa mais branda à internação, consistente em regime de recolhimento noturno e realização de atividades externas durante o dia, sob supervisão de equipe multidisciplinar. Pode ser aplicada de início, como medida sócio-educativa autônoma, ou constituir uma forma de transição do regime de internação para o meio aberto.
E continuam os autores:
A realização de atividades externas é pressuposto da medida de semiliberdade, sendo vedada qualquer estipulação em sentido contrário. Essas atividades devem visar á escolarização e à profissionalização, e ser executadas, preferencialmente, com recursos da comunidade de moda a apressar o processo de ressocialização. (DEL-CAMPO; OLIVEIRA 2006, p.159)
Assim, a medida socioeducativa de semi-liberdade poderá ser aplicada de início, isto é, de forma autônoma, ou mesmo durante a transição do regime de internação para o meio aberto. Quanto ao prazo, a medida não possui prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação, conforme o art. 120, § 2º, citado.
A sexta e última medida socioeducativa, qual seja, a internação, prevista no art.112, foi analisada devido à sua importância em separado no tópico seguinte.
Visto as medidas socioeducativas em espécie, analisou-se, agora, o caráter da medida socioeducativa. Tratando da natureza jurídica da medida socioeducativa Saraiva (2006, p.65) menciona:
A questão relativa à natureza jurídica da medida socioeducativa necessita de enfrentamento, como condição de entendimento do sistema. A sanção socioeducativa tem finalidade pedagógica, em uma proposta de socioeducação. Não há, porém, sendo sanção, deixar de lhe atribuir natureza retributiva, na medida em que somente ao autor de ato infracional se lhe reconhece aplicação. Tem força de coercitibilidade, sendo, pois, imposta ao adolescente (que até pode transigir com a Autoridade, no caso de remissão).
E conclui o autor: “Neste aspecto, a medida socioeducativa insere-se em um conjunto de sanções que se pode definir como sanções penais, entre as quais a Pena, atribuída ao imputável (maior de 18 anos) faz-se uma espécie”. (SARAIVA 2006, p.65).
Rosa (2007, p.201) criticando essa “finalidade pedagógica” citada por (SARAIVA 2006), com maestria argumenta:
Afirma-se que é pedagógica e, mesmo sem se debruçar sobre o campo da pedagogia, as propostas dos Programas de Execução de medidas socioeducativas, de regra, seguem a linha trilhada pela Criminologia Positiva, com algumas poucas variações, sem sair do tom totalitário.
E continua o autor:
A pretensão de domesticar o povo jovem, normalmente ainda crente em mudar o mundo, lutar contra as injustiças, impondo medidas que o façam refletir e adquirir os hábitos da ordem burguesa, é o tom das pomposas propostas pedagógicas que se perdem na teoria, deslizam no Imaginário. A medida socioeducativa sem prazo determinado é a demonstração inequívoca de que ela não se vincula à conduta, mas sim ao agente, na melhor acepção positivista (Lombroso). O manejo para recompor a ordem é o mote da proposta que pretende impor valores dominantes em jovens que nascem tolhidos no seu direito básico: a liberdade de escolha. Se há alinhamento, libera-se para viver em sociedade. Resistindo, exclui-se. Nada mais perfeito ideologicamente. (ROSA 2007, p.201)
Del-Campo; Oliveira (2006, p.150) dissertando sobre as medidas socioeducativas do artigo em comento, mencionam:
O art. 112 traz o rol das medidas sócio-educativas aplicáveis ao adolescente em razão da prática de atos infracionais. A lista é exaustiva, não existindo outras medidas que não aquelas previstas nos incisos I a VI, que podem ser cumuladas com algumas das medidas protetivas indicadas no art. 101, I a VI, do ECA (inciso VII).
Dessa forma, diferentemente das medidas protetivas previstas no art. 101 que trazem um rol exemplificativo, o artigo 112 traz um rol taxativo, devendo a autoridade competente ficar adstrita a estas medidas.
Por autoridade competente para aplicação das medidas, a jurisprudência dominante vem entendendo ser a competência reservada exclusivamente ao juiz. Neste sentido, é a Súmula 108 do Superior Tribunal de Justiça. “A aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.” Assim, somente a autoridade judiciária terá competência para aplicas as medidas socioeducativas.
5. DA INTERNAÇÃO DO ADOLESCENTE E O TRÁFICO DE DROGAS
A medida socioeducativa de internação vista no Capítulo IV, artigo 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente vem tratada de forma mais ampla na Seção VII do referido Capítulo, então vejamos:
Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
§ 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.
§ 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.
§ 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.
§ 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
§ 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.
§ 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.
A medida de internação constitui a mais grave dentre as socioeducativas, sendo segundo o caput do artigo ora comentado, uma medida privativa de liberdade que, conforme o artigo 105 Estatuto da Criança e do Adolescente não se aplica à criança, mas apenas ao adolescente.
Ishida (2006, p.186) comentando sobre os princípios previstos no caput do 105 menciona:
O ECA, visando garantir os direitos do adolescente, contudo, condicionou-a a três princípios mestres: (1) o da brevidade, no sentido de que a medida deve perdurar somente para a necessidade de readaptação do adolescente; (2) o da excepcionalidade, no sentido que deve ser a última medida a ser aplicada pelo juiz quando da ineficácia de outras; e (3) o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, visando manter condições gerais para o desenvolvimento do adolescente, por exemplo, garantindo seu ensino e profissionalização.
Dessa forma, para a aplicação da medida socioeducativa de internação ao adolescente, o juiz deverá observar os princípios da brevidade, excepcionalidade e do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento comentados por (ISHIDA 2006).
A medida socioeducativa de internação assemelha-se à medida de segurança, no sentido de não ter estipulação determinada do prazo da internação na sentença, devendo a medida ser reavaliada a cada seis meses art. 121, § 2º e seu período de duração não poderá ser superior a três anos art. 121, § 3º, conforme o artigo ora comentado.
As hipóteses de cabimento da medida socioeducativa de internação estão previstas no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente que dispõe:
Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
§ 1º O prazo de internação na hipótese do inciso III deste artigo não poderá ser superior a três meses.
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada.
Pela redação do caput do artigo em comento constata-se que as hipóteses de internação são exaustivas, isto é, o rol é taxativo, não havendo que se falar em internação se não se enquadrar dentro de alguma destas hipóteses.
Ishida (2006, p.192) dissertando sobre as hipóteses de internação comenta:
Prevê a norma em questão as hipóteses de internação: (1) no caso de ato infracional com grave ameaça ou violência: roubo, latrocínio, homicídio, estupro etc.; (2) no caso de adolescente voltar ao cometimento de infrações graves; (3) na hipótese de desobediência de outra medida aplicada, por exemplo, recusa na prestação de serviço. Neste caso, a internação limita-se ao período de três meses.
Saraiva (2006, p.101) dissertando sobre a internação e o tráfico de drogas menciona:
O tema relativa ao adolescente envolvido em tráfico de entorpecentes se constitui em matéria que reclama outro tratamento legislativo na medida em que o Estatuto não prevê essa conduta (do ponto de vista de sua objetividade, art. 122) como passível de internação, circunstância que, enquanto mecanismo de defesa social, presente as condições subjetivas (art. 122, § 2º), eventualmente deveria ser acionado, máxime enquanto se perceba que o crime organizado lançou definitivamente seus tentáculos utilizando-se de adolescentes no tráfico de entorpecentes.
Assim, do ponto de vista hermenêutico, não é possível aplicar medida socioeducativa de internação ao adolescente que cometer ato infracional de tráfico de drogas, exceto na hipótese de reiteração da conduta conforme dispõe o inciso II do artigo 122, e também, a jurisprudência vem admitindo a internação na hipótese de conexão de tráfico de entorpecentes acompanhado de crime cometido mediante violência ou grave ameaça à pessoa.
Neste sentido, Ishida (2006, p.194) citando jurisprudência do STJ menciona:
O STJ vem admitindo a internação na hipótese de tráfico de entorpecente acompanhado de tentativa de homicídio (HC 32.680 – Diário da Justiça de 2-8-04 – p. 574), mas não no caso apenas de tráfico, em razão de ausência de violência ou grave ameaça (RHC 14.850 – Diário da Justiça de 28-6-04, p.418). Também vem admitindo a substituição da liberdade assistida pela internação no caso de roubo duplamente qualificado, em razão do descumprimento e prática de novo ato infracional (HC 34.177 – Diário da Justiça de 1º-7-04, p. 244).
Portanto, por questões de política criminal, o Estatuto da Criança e do Adolescente não previu medida socioeducativa de internação ao adolescente que cometer ato infracional de tráfico de drogas, salvo as exceções acima apontadas. As medidas cabíveis no caso de o adolescente ou mesmo a criança se envolverem em tráfico de drogas serão àquelas medidas de proteção já comentadas no artigo 101 do referido Estatuto.
REFERÊNCIAS
DEL-CAMPO, E.R.A; OLIVEIRA, T.C de. Estatuto da Criança e do Adolescente. 2.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
ISHIDA, V.K. Estatuto da Criança e do Adolescente. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2006.
ROSA, A.M.da. Introdução crítica ao ato infracional: princípios e garantias constitucionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
SARAIVA, J.B.C. Compêndio de direito penal juvenil: adolescente e ato infracional. 3.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
SHECAIRA, S.S. Criminologia. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
ZAFFARONI, E.R.; PIERANGELLI, J. H Manual de direito penal brasileiro parte geral. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.