Poliomielite – Um novo ciclo
Por Mário Sérgio Rodrigues Ananias | 25/11/2023 | Sociedade
Em de 1.957, nascia Reinaldo Lima, grande mineiro de Ponte Nova, atacante do Atlético Mineiro; a graciosa atriz carioca Lilia Cabral e eu. Também se iniciavam as construções de Brasília e da Usina Hidrelétrica de Três Marias em Minas; bem como se inaugurava a Rede Ferroviária Federal. E este foi o ano em que ocorreu nova rodada de vacinação em massa contra a Poliomielite, nos Estados Unidos da América. Tal ação se deu em contrapartida ao grave incidente de 1.955, em que centenas de pessoas foram infectadas por um lote de vacinas com formulação equivocada. O imunizante era o mesmo desenvolvido pelo cientista Jonas Edward Salk, no entanto, um critério, bem mais rigoroso nessa nova produção, impediu a reiteração da ocorrência desastrosa e, assim, o número de infectados que, apesar do problema de 1.955, já havia entrado em franco declínio, reduziu exponencialmente a estatística de infectados.
Mesmo tendo sua eficácia largamente confirmada, a vacina Salk e seu criador vinham sofrendo várias críticas do cientista polaco-americano Albert Bruce Sabin, que informava o fato de que a vacina protegia, sim, o imunizado contra as consequências mais severas da infecção por poliomielite, quais sejam, o óbito e as paralisias. Entretanto, ainda que vacinada, a pessoa não estaria isenta de ser infectada e, pior, nesse caso, seria mais um vetor para disseminação da doença, apesar de pessoalmente não sofrer implicações severas. Ademais, com esse padrão de proteção, haveria, sempre, a necessidade de se imunizar tanto crianças quanto adultos. A vacina Salk era muito eficaz na redução das consequências, mas ineficiente na prevenção.
O Doutor Albert Sabin, nasceu em 1.906, apenas dois anos antes de outro grande cientista austro-americano, Karl Landsteiner, isolar, pela primeira vez o agente causador da poliomielite: o Poliovírus. Neste ano ocorreu um dos maiores terremotos da história dos Estados Unidos, em São Francisco, que produziu mais de 3.000 vítimas. Nesse mesmo ano aconteciam dois fatos de importância ímpar para a história mundial: no Campo de Bagatelle, na França, o primeiro voo do 14Bis, a apoteótica invenção do mineiro Alberto Santos Dumont, então com 33 anos de idade; e também foi o ano em que ocorreu a primeira transmissão radiofônica do mundo, em Massachusetts/EUA. A linguagem telegráfica, criada em 1.840, por Samuel Morse, tinha agora a parceria luxuosa das transmissões radiofônicas para alavancar as comunicações.
Albert Sabin, grande pesquisador de doenças infecciosas, primeiro cientista a isolar os vírus do dengue tipo I e tipo II, desenvolveu pesquisa paralela à de Salk e conseguiu um produto diferenciado no caso da poliomielite, que tanto impedia efeitos danosos quanto interrompia o fluxo de infecções. Como se depreende, o imunizado, como na vacina de Salk, não desenvolvia as paralisias ou óbitos e, para além disso, não é infectado e não dissemina a doença. Com isso ocorria o chamado efeito manada na vacinação, que é o fato de uma pessoa imunizada, por osmose, imunizar as pessoas ao seu redor. Dessa forma, cessou a necessidade de se imunizar adultos. Outro admirável avanço embarcado na tecnologia da nova vacina foi o fato de ser oral, em gotas, o que reduziria de forma palpável os custos de transporte, logística e de aplicação.
Por ser em gotas e para estimular as crianças a ajudarem os seus responsáveis na decisão de se imunizar, de uma forma bastante lúdica, foi criado, em 1.986, pelo artista plástico mineiro, de Coromandel, Darlan Manoel Rosa, então com 39 anos de idade, o personagem bastante conhecido Zé Gotinha, que se tornou um ícone e um impulsionador da vacinação contra a poliomielite.
Mesmo a nova vacina Sabin, trazendo incorporada ao seu vasto espectro de proteção a perspectiva de erradicação da poliomielite, naturalmente houve receio quanto ao seu uso. Afinal, era uma novidade, e o outro imunizante já apresentava boa eficácia, tendo quase superado as máculas incutidas no imaginário americano pelo episódio sinistro da primeira tentativa de imunizar a população. A FDA - Food and Drug Administration, ou Administração de Alimentos e Medicamentos, órgão controlador da produção e distribuição de medicamentos dos EUA, equivalente, no Brasil, à ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária; se mostrou, a princípio, resistente ao novo imunizante. Dessa forma, o doutor Albert Sabin, considerando suas origens do leste europeu, levou o produto, no início da década de 1.960, para ser testado em larga escala na, então, União Soviética e os resultados foram absolutamente positivos e auspiciosos.
O produto era tão promissor que a FDA o aprovou logo em seguida aos testes soviéticos e passou a ministrá-lo amplamente na população infantil estadunidense. O reconhecimento da eficácia da vacina Sabin pela agência americana, aliada aos fatos de que também Albert Sabin declinou do direito de patente do imunizante, como o fizera anteriormente Jonas Salk, e complementarmente contando com a redução de custos de produção, logísticos e de zelo – nesse ponto específico, por prescindir da necessidade de especialistas de medicina ou enfermagem para aplicação; teve o condão, com honroso mérito, de praticamente erradicar a doença no mundo. A vacina Sabin é hoje a mais aplicada em todo o mundo e está na grade de imunização infantil gratuita e obrigatória em extenso número de Nações. Exceto em alguns poucos países da África e da Ásia, por questões de deflagrações ou convulsões internas, a doença, que chegou a matar milhares de pessoas e causar sequelas de diversos níveis em milhões de outras, praticamente desapareceu do mundo, pelo espetacular resultado da vacina Sabin.
Entretanto, assim como outras doenças tidas como erradicadas voltaram a atemorizar as pessoas, a poliomielite se apresenta novamente como uma preocupação mundial. Especialmente com focos em países como Síria, Paquistão e Afeganistão, assolados por conflitos bélicos, e outros, inclusive na América Latina, com problemas de distúrbios internos que dificultam a logística de imunização e, assim, expõem a sua população ao risco de novo ciclo de focos ou epidemias.
Com as facilidades de tráfego de pessoas em curto espaço de tempo entre quaisquer países no mundo, aquelas nações de que cidadãos contaminados pelo vírus possam sair, se tornam exportadoras da doença. E não só pelos seus cidadãos que emigrem como também por pessoas não imunizadas que os visitem a qualquer título, podendo ser contaminadas e trazer a doença aos seus países de origem. Se os Estados para os quais se dirigem esses imigrantes não houverem se empenhado pela proteção da vacina, o risco de novos focos cresce enormemente. Em especial, considerando-se que o tempo de incubação do vírus pode variar de 7 a 15 dias.
Por que, então, as pessoas não imunizam as suas crianças onde não há dificuldades nem custo para essa atitude simples e rápida?
As respostas a esse questionamento podem se assentar em diversas razões e nenhuma delas se reveste de qualquer fundamento plausível ou de mínima razoabilidade:
- Questões religiosas, por interpretações medíocres, crendices distorcidas por simples má-fé, ignorância, ou ainda revestidas de interesses perversos que envolvam ganhos financeiros ou de status.
- Preguiça, desleixo ou descaso dos responsáveis por crianças em idade de vacinação, até os sete anos de vida.
- Aberrações intelectualóides que buscam justificar suas apreensões por covardia ou obscurantismo, em informações falsas ou desvirtuadas, para alcançar algum respeito doentio e enviesado.
- Por fim, a simples ignorância, decorrente do longo período de erradicação que alienou muitos jovens pais e tutores da ciência quanto aos danos que esta doença pode implicar aos pacientes.
À poliomielite se atribui a faculdade de ser opressiva punição, pois a pena ao paciente é perpétua ou capital. O contagiado pode vir a óbito – coima capital; ou sofrer sequelas que carregará por toda a sua vida, uma vez que não há tratamento que reverta o dano – sentença perpétua.
A interrupção do novo ciclo da doença depende da atenção dos responsáveis por crianças e do seu nível de sobriedade e caráter no trato com a prevenção a essa enfermidade e com a proteção das crianças e, portanto, do jaez humano.
Para bem mais do que piedade ou óbolos, as PcD demandam espaço de aprendizado e oportunidade trabalho.
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