Poliomielite - um grave problema plenamente evitável. Parte 02/03
Por Mário Sérgio Rodrigues Ananias | 25/11/2023 | SociedadePoliomielite - um grave problema plenamente evitável.
Parte 02/03
No início do século XX, já na fase de grande desenvolvimento mundial propiciado pela recente Revolução Industrial, nascia um dos futuros presidentes americanos, Lyndon Johnson, em 1908. Mesmo ano de criação da Cruz Vermelha Brasileira, da instalação da primeira fábrica da General Motors em Detroit e da criação de uma das grandes associações esportivas brasileiras, o Clube Atlético Mineiro.
Esse ano, 1908, foi outro ano bissexto que trouxe a tristeza pela morte do patrono da Academia Brasileira de Letras e, provavelmente, o maior escritor brasileiro, Machado de Assis. Por outro lado, foi o nascimento de outros dois grandes nomes das artes no Brasil: o extraordinário Cartola e um dos maiores seresteiros de todos os tempos, o cantor e compositor Silvio Caldas.
Nos Estados Unidos da América, o biólogo austro-americano Karl Landsteiner, responsável pela identificação e classificação dos tipos sanguíneos A, B, AB e O, além do Fator RH positivo e negativo, foi quem, nesse ano de 1908, isolou pela primeira vez, o agente causador da Poliomielite, o Poliovirus, em parceria com o também médico austro-americano Erwin Popper.
A partir do isolamento do vírus intensificaram-se os estudos na busca de um antídoto para a síndrome de Heine-Medin. No entanto, essa doença, a poliomielite, afetava com mais contundência as populações de mais baixa renda, com menos acesso ao saneamento básico e pouca informação sobre os hábitos de higiene e prevenção de doenças infectocontagiosas. Dessa forma, os investimentos nas pesquisas eram parcos e, muitas vezes, insuficientes.
Todavia, em 1921, ano de nascimento da excepcional escritora mineira, fundadora do Teatro O Tablado, Maria Clara Machado; do famoso educador Paulo Freire; e do grande escritor Josué Guimarães. É o ano em que morre a Princesa Isabel, que assinou a Lei Áurea, encerrando o período mais triste e doloroso da nossa história, a escravidão no Brasil.
Outras grandes associações esportivas nascem: em Minas Gerais, o Cruzeiro Esporte Clube; e em Santa Catarina, o Figueirense. Também é inaugurado um dos mais importantes veículos de comunicação do País, a Folha de São Paulo. Na América do Norte foi diagnosticado com a Poliomielite, aos 39 anos de idade, o futuro presidente americano: Franklin Delano Roosevelt. Convivendo com a deficiência causada pela pólio por 16 anos, a morte desse presidente no conturbado último ano da Segunda Grande Guerra, 1.945, gerou um sobressalto nos americanos. Se a doença atingia adultos e em posição social elevada, então era imprescindível e urgente buscar uma solução. O enfoque e a forma de encarar o problema mudou.
Importa observar que a poliomielite pode contaminar e causar sérias consequências, de paralisias a óbitos, a pessoas de quaisquer idades. Estatisticamente, no entanto, o fenômeno atinge, em sua esmagadora maioria, as crianças não imunizadas, até os sete anos de idade. Também, na quase totalidade dos casos, o caminho de entrada é a via oral, quando ocorre o contato direto com dejetos e secreções de pessoas infectadas, através da água não tratada ou alimentos não higienizados, ou utensílios compartilhados. Não se imagine aqui que o problema decorre de se levar diretamente algum desses dejetos à boca, apesar de não ser uma impossibilidade em se tratando de crianças. Os vírus, assim como os conhecidos coliformes fecais, são invisíveis a olho nu. Dessa forma, podem estar num alimento, na água que se toma; ou em banhos em que a água atinge a boca por alguns instantes; ou nos talheres e vasilhames compartilhados; ou nos perdigotos de conversas próximas. Enfim, além desses mais comuns, há muitos caminhos de que o vírus pode se valer para atingir o organismo humano.
Contaminada a pessoa, o vírus pode se reproduzir rapidamente, num período de incubação que pode variar entre 07 a 15 dias, na boca, na laringe e, num volume bem maior, nos intestinos. Grande parte ou a totalidade dos vírus, especialmente em adultos, pode ser expelida pelas fezes. E isso permite a propagação nos ambientes sem acesso a água tratada e/ou sistemas eficientes de esgoto.
Nas outras situações, aquelas em que os vírus conseguem traspassar as mucosas nos pontos em que se reproduzem, podem atingir a corrente sanguínea e assim serem alçados à medula espinhal. Nesses casos interrompem as comunicações, a cadeia de comando entre o cérebro e outras partes do corpo, quando destroem os chamados neurônios motores, responsáveis pelo desenvolvimento muscular. O nível de estrago na medula, tronco encefálico ou córtex motor, determina a consequência em termos de sequela no organismo. Os casos mais comuns são os que afetam o desenvolvimento dos membros inferiores; numa escala menor, afetam também os membros superiores e ainda podem impedir o bom funcionamento da traqueia e dos pulmões, quase sempre com o resultado morte. Para esses últimos casos, foram criados mecanismos assustadores conhecidos como “pulmões de aço”, que têm a função de auxiliar os pacientes a respirar, já que a atrofia produzida pela poliomielite impede o funcionamento normal desses órgãos.
Em 1952, no pesado clima político da guerra fria, houve uma forte epidemia de pólio no Estados Unidos, que se iniciou com o verão daquele ano. Houve em Londres, nesse período um dos maiores nevoeiros já registrados, que durou 4 dias e ficou conhecido como o Big Smoke. Nasceram Vladmir Putin na União Soviética e o fantástico piloto brasileiro Nelson Piquet. E morrem, neste ano, Evita Peron e o grande artista brasileiro Francisco Alves, da época de ouro do rádio. Também se inaugura o Aeroporto Internacional do Galeão, hoje Tom Jobim, numa justa homenagem. Fulgêncio Batista, num golpe de Estado, toma o poder em Cuba. No final desse ano em que se preservava o horror das duas explosões atômicas no Japão, uma pesquisa encomendada pelo governo dos Estados Unidos revelou que o maior medo dos americanos era um conflito atômico e o segundo era a poliomielite, talvez ampliados, além da percepção do dano e das sequelas em crianças, pelas assustadoras imagens amplamente divulgadas das pessoas em tratamento com o emprego dos pulmões de aço.
Este período trazia ao mundo alguns de seus mais incômodos e ao mesmo tempo, mais alegres e extremados momentos. Por um lado, a busca pela liberdade ampla, pelo acesso a narcóticos, informação cada vez mais rápida, emancipação feminina, segregação desumana de pessoas e etnias, medo da chamada guerra-fria que poderia vir, num piscar de olhos, a se tornar efetiva; pavor das bombas atômicas e da contaminação pela pólio. Talvez fosse o prenúncio de alguma coisa grande que estaria por acontecer para o bem ou para o mal. Nem os melhores videntes apostavam com convicção numa das possibilidades.
Era um tempo de atenção, de grande evolução das artes, da ciência e das comunicações.
Que o futuro viesse com paz!