POLÍCIA CIVIL OU SISTEMA PRISIONAL: COMPETÊNCIA PARA A SEGREGAÇÃO DE PRESOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO DE SANTA CATARINA (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 24/02/2018 | Direito

O Título IV, da Lei Federal n. 7.210/84 – Lei de Execução Penal – LEP,  define quais são sejam os estabelecimentos penais: Penitenciárias (art. 87); Colônias Agrícolas, Industrial ou similar (art. 91); Casa do Albergado; (art. 93); Centro de Observação (art. 96); Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (art. 99); e Cadeia Pública (art. 102). Na sequência: Art. 82: “Os estabelecimentos penais destinam-se ao condenado, ao submetido à medida de segurança, ao preso provisório e ao egresso”. Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado. Art. 102. A Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios. Art. 103. Cada Comarca terá, pelo menos, uma Cadeia Pública a fim de resguardar o interesse da Administração da Justiça Criminal e a permanência do preso em local próximo ao seu meio social e familiar.

As cadeias públicas estavam contempladas no Decreto n. 4.141, de 23 de dezembro de 1977 como unidades da Polícia Civil, integrando a  estrutura organizacional da antiga Secretaria de Segurança e Informações, conforme disposição prevista no seu art. 2°, IV: IV – Órgãos de Atividade Finalísticas: Superintendência da Polícia Civil; Serviço de Apoio Administrativo - Diretoria de Polícia Civil; - Unidade de Fiscalização de Jogos e Diversões; - Unidade de Fiscalização de Armas e Munições; - Distritos Policiais; - Delegacias Regionais de Polícia; - Cadeias Públicas; - Delegacias de Comarca; - (...).”

Ocorre que esse Decreto já havia sido revogado em razão da entrada em vigor da Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84 - LEP) e, também, como consequência da entrada em vigor da Carta Federal (art. 144, par. 7o), também, da Constituição Estadual (Santa Catarina)  de 1989 que dispôs que a Polícia Civil terá sua lei orgânica que disporá sobre a organização e estrutura de seus órgãos (arts. 105, parágrafo único e 106, par 2°.).

Também, há que se registrar que a Lei Estadual no 8.240/91 (alterada pela Lei n. 9.831/95 que foi revogada pela LC 243/2003, esta também revogada pela LC 284/2005), ao revogar a estrutura e organização policial civil até então vigente, dispôs sobre uma nova estrutura organizacional à Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Polícia Civil, nada registrando sobre essas unidades prisionais que tiveram alteradas as suas denominações para ‘presídios’ e passaram a integrar o Sistema Penitenciário a partir da Diretoria de Administração Penal - DIAP.

Com a entrada em vigor da LC 55/92 foi extinta a carreira de Policial Carcereiro no âmbito da Polícia Civil, portanto, pôs-se fim a um longo período de vigência da atividade prisional por parte dessa instituição que desde à época do Brasil Império detinha atribuições para “cuidar” de presos provisórios e condenados. Registre-se que especialmente no interior do Estado as cadeias públicas eram anexos das Delegacias de Polícia (cuja realidade durou até bem pouco tempo).

Os cargos em provimentos em comissão e as funções gratificadas da Polícia Civil estão previstas no art. 159 e anexos VII-D e XIV, da LC 381/07. As carreiras estão definidas na Lc 55/92. A LEP, em seu art. 75, dispôs sobre os requisitos necessários à nomeação para o cargo de diretor de qualquer estabelecimento prisional: “O ocupante do cargo de diretor de estabelecimento deverá satisfazer os seguintes requisitos: I – ser portador de diploma de nível superior de Direito, ou Psicologia, ou Ciências Sociais, ou pedagogia, ou Serviços Sociais; II – possuir experiência administrativa na área; III – ter idoneidade moral e reconhecida aptidão para o desempenho da função. Parágrafo único. O diretor deverá residir no estabelecimento, ou nas proximidades, e dedicará tempo integral à sua função. (grifei) E, ainda: Art. 76. O Quadro do Pessoal Penitenciário será organizado em diferentes categorias funcionais, seguindo as necessidades do serviço, com especificação de atribuições relativas às funções de direção, chefia e assessoramento do estabelecimento e às demais funções.

Por meio da Lei 8.240/91 (alterada pela Lei n. 9.831/95, alterada pela LC 243/2003 (revogada pela LC 284/2005) e, finalmente, alterada pela LC 381/07, art. 159 e anexos VII-D e XIV) e que definiu a nova estrutura e organização de órgãos públicos estaduais, as Cadeias Públicas passaram a se denominar ‘presídios’, mesmo em dissonância com a Lei de Execução Penal que não prevê a existência desse tipo de estabelecimentos prisionais. Na verdade os presídios foram originados para substituir as antigas Cadeias Públicas até então existentes. A Lei Estadual  n. 9.831, de 17.12.95 (revogada pela LC 243/2003, esta também revogada pela LC 284/2005), reiterou a atual organização e estrutura do Sistema Penitenciário Estadual, entretanto, retirou esses serviços da área da Segurança Pública  e transferiu-os para  Pasta da Justiça e Cidadania (art. 50, inciso, VI, c/c 74, III e VI, CE).

Para se dissipar qualquer dúvida, essa mesma Lei n. 9.831/95 havia definido em seu anexo XVIII as estruturas organizacionais da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Civil sem que fizesse menção as Cadeias Públicas como órgão ou unidade sob sua direção. No mesmo sentido, foi editada a LC 243/2003 (revogada pela LC 284/2005) que revogou expressamente a legislação anterior por meio de seu anexo VI, passando a dispor sobre a nova estrutura da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão.

A estrutura e organização da Polícia Civil restou  contemplada na LC 381/07 (art. 159, anexos VII-D e XIV) e as suas competências estão previstas expressamente nas Constituições Federal (arts. 24, XVI e  144, CF) e Estadual (art. 106), cujas normas são determinantes, dentre as quais não constam o exercício de atividades relativas à custódia de presos provisórios ou sentenciados.

No que diz respeito à atividade das autoridades judiciais, o art. 93, par. 1°, II, do Código de Divisão Judiciária dispõe que compete ao juiz de direito no crime: “Inspecionar os estabelecimentos penais, adotando as providências necessárias, e comunicando ao Corregedor-Geral  as irregularidades e deficiências constatadas”.

Também, o par. 2°, do art. 389, do mesmo CDJ/SC, dispõe que compete ao juiz de direito: “A correição permanente pelos juizes consiste na inspeção assídua e severa dos cartórios, delegacias de polícia, estabelecimentos penais e demais repartições que tenham relação direta com os serviços judiciais e sobre a atividade dos auxiliares e funcionários de Justiça que lhes sejam subordinados (...)”.

Note-se que a atribuição salutar das autoridades judiciais restringe-se, tão-somente, a ação de “inspecionar”, cuja locução está definida de maneira clara no Dicionário “Aurélio Eletrônico”: “1. Examinar ou fiscalizar como inspetor; ‘2. Examinar, visitar, vistoriar; 3. Examinar ou observar com grande atenção”. Evidente que essa atribuição não importa aos magistrados competência para fixar atribuições a servidores públicos de outros poderes, não só baseado no princípio da autonomia dos Poderes (art. 2°, CF/88), como também, em razão das limitações que encontram as autoridades policiais quanto ao exercício de atribuições de direção dos serviços policiais previstas nas Cartas Fundamental Política, Código de Processo Penal, legislação extravagante, bem como no respectivo Estatuto da Polícia Civil (Lei n. 6.843/86. Ademais, aplica-se a essa situação o princípio da “potestate” por parte dos magistrados, conforme pode-se constatar por meio da decisão do TRF da 5ª Região, apel. n. 83.553, PE, data da dec.: 17.10.96: “(...) É defeso ao juiz, que carece de potestade normativa, ampliar substantivamente o alcance de dispositivo de lei, a pretexto de interpretá-los, para nele incluir situações ou fatos que não foram no seu contexto insertos pelo legislador, ainda que a extensão da aplicação da regra lhe possa parecer conveniente ou justa”.

Quanto ao Ministério Público, além da higidez da função de controle externo sob o aparelho policial (uma conquista da sociedade), também, prevê a LC 197/2000, em seu art. 82, XVII, que compete aos Promotores de Justiça: "a) ter livre ingresso em estabelecimentos policiais ou prisionais; b) ter acesso a quaisquer documentos relativos à atividade de polícia judiciária, ou requisitá-la; (...) e) acompanhar atividades investigatórias; f) recomendar à autoridade competente a instauração de sindicância ou procedimento administrativo cabível; h) exigir comunicação imediata sobre apreensão de adolescente e requisitar, a qualquer tempo, as diligências que se fizerem necessárias; i) avocar inquérito policial em qualquer fase de sua elaboração e requisitar, a qualquer tempo, as diligências  que se fizerem necessárias. Par. 1o O controle externo da atividade policial será exercido  tendo em vista:  I - o respeito aos fundamentos do Estado Democrático de Direito, aos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, aos princípios informadores das relações internacionais, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal e na lei; II - a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio público; III - a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; III - a prevenção e a correção de ilegalidade ou de abuso de poder; IV - a indisponibilidade da persecução penal; V - a competência dos órgãos incumbidos da segurança pública; VI - outros interesses, direitos e valores relacionados ao exercício da atividade policial. Par. 2o A prisão de qualquer pessoa, por parte de autoridade policial estadual, deverá ser comunicada imediatamente ao membro do Ministério Público que tenha atribuição para apreciá-la, com indicação do lugar onde se encontra  o preso e cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão (...)".

Como bem declarou o Ministro do STF - Celso de Mello, com relação aos membros de CPIs do Senado Federal exercerem funções jurisdicionais e, inclusive, transcendê-las, disse: “As CPIs, segundo ele, podem quebrar sigilos, mas somente com fundamentação. ‘A CPI tem poderes de investigação próprio de um juiz, mas mesmo um juiz tem limites estabelecidos pela lei’, disse (...)”(Folha de São Paulo, 4 de junho de 1999, pág. 1-3). (grifei)

Adiciono à expressão limites estabelecidos na lei, também e com muito mais razão, submissão aos princípios de ordem constitucional e que expressão limites muito maiores, especialmente, quanto à competência das instituições. E como homenagem a nossos bons julgadores e doutrinadores: “(...) Sobre os princípios constitucionais, adverte Celso Antonio Bandeira de Mello: `Princípio que já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito  e recinto de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá o sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção a princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo  sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme  escalão de princípio atingido, porque representa insurgência contra todo  sistema, subversão de seus valores  fundamentais, contumélia irremissível  a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, como ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e aluí-se toda a estrutura neles esposada' (Elementos de Direito Administrativo, RT, 1ª. Ed., pág. 230)" (MS  9.886, Capital,  DJ 9.406, de 26.01.96, pg. 3, Rel. Des. Newton Trisotto).

Em assim sendo, infere-se dos comentários suso apresentados as seguintes conclusões: Os estabelecimentos prisionais são aqueles previstos na Lei de Execução Penal e vinculados ao Sistema Penitenciário Estadual sob direção da Pasta da Justiça e Cidadania; As Cadeias Públicas - no âmbito do Estado - e que deveriam manter essa denominação por força da Legislação Federal aplicável, tiveram a sua denominação alterada para ‘Presídios’ a partir da vigência da Lei n. 8.240/91 (alterada pela Lei n. 9.831/95 que foi revogada pela LC 243/2003, esta também revogada pela LC 284/2005); Esses Presídios – num primeiro momento – por meio do Sistema Penitenciário, integraram a estrutura organizacional da Pasta da Segurança Pública. Porém, com a entrada em vigor da Lei n. 9.831/95 (revogada pela LC 243/2003, esta também revogada pela LC 284/2005), passaram a se subordinar a Pasta da Justiça e Cidadania; Não existe no âmbito da Pasta da Segurança Pública e tampouco da Polícia Civil  - considerando a legislação aplicável - órgãos ou unidades policiais civis com a denominação de ‘Cadeias Públicas’ ; A LC 55/92, como conseqüência do fim das Cadeias Públicas vinculadas à Polícia Civil,  fez operar a extinção da carreira de Policial Carcereiro, transpondo os respectivos cargos e titulares para a carreira de Investigador Policial; A competência, bem como as atribuições das carreiras que integram o Grupo: Polícia Civil são aquelas previstas nas Constituições Federal e Estadual, Código de Processo Penal, legislação extravagante e Estatuto da Polícia Civil; As Delegacias de Polícia não se constituem estabelecimento prisional  e não devem servir para abrigar presos provisórios; As autoridades policiais, seus agentes e auxiliares têm responsabilidade por pessoa detida ou presa enquanto ela estiver sob sua guarda ou proteção, em se tratando de lavratura de autos, interrogatórios e inquirições,  pelo período permitido em lei e enquanto durarem  as diligências, cumpridas as formalidades legais; Quaisquer determinações a policiais para desenvolverem atribuições estranhas as funções inerentes a seu cargo pode ser considerada ilegal, não estando obrigado a cumpri-las, especialmente, se não têm amparo legal ou são de responsabilidade de outros órgãos ou agentes públicos, sob pena de incidir no disposto no art. 4°, letra ‘a’, da Lei n. 4.898/65. O exercício de função prisional é atribuição específica de servidor de carreira que integra o sistema penitenciário com dedicação integral, sob pena de usurpação dessas funções (art. 328, CP).  

Por fim, a LC 381/07, em seu anexo VII-D manteve os “presídios” (criou o cargo de Gerente de Presídios) e, em momento algum tratou de “cadeias públicas” no território catarinense.