Poemas da Obra Tríptico
Por João Felinto Neto | 21/11/2008 | PoesiasTríptico
Numa capa se destacam,
três dobras desenhadas.
Uma simboliza o sorriso,
outra os degraus de uma escada,
e a do centro,
a recoberta,
a capa deste livro.
Não importa o motivo
que define estas páginas,
seja o pai, a mãe e o filho;
ontem, hoje e amanhã;
uva, pêra e maçã
em um cesto colorido.
Verso, estrofe e poema
é o tríptico do poeta.
Um desenho em linha reta
onde a mão serve de guia,
a caneta solta a letra
resultando em poesia.
Esta casa
Seja bem-vindo
ao meu recinto.
Sem cerimônias,
pode adentrar.
Lá fora, o mar
jorrando espumas,
também as dunas,
vento a soprar.
Se o meu piso
retém areia,
não se acanhe,
pode limpar.
E se quebrar
um objeto,
seja correto,
reponha-o já.
Se acaso usar
alguma coisa,
faça uma lista
para comprar.
Não vá pensar:
é uma egoísta.
Bem mais que peço,
posso lhe dar.
Dar-lhe-ei abrigo,
coisa de amigo.
Minha cozinha
para cear.
No meu alpendre,
deita comigo.
No meu banheiro...
Deixa pra lá.
Biografia
Sou imortal
nas páginas mal relidas.
Mantive a vida
em letras acabadas.
Capas de luxo
no lixo jogadas.
Versos enxutos
em folhas já molhadas.
Chuva que cai,
palavras borradas.
Uma mão na luva
que cata a esperança
nas poucas letras
ainda não apagadas,
na tentativa
de mantê-la viva,
biografia
de um poeta que se cala.
Desafeto
No espaldar da cadeira,
encontro reminiscências
em versos quase eternos
quanto o terno
surrado que me veste.
Nas gotículas do soro,
sou a peste
ainda imune à ciência.
Se permaneço vivo
é por decência.
Quando partir
será por desafeto.
Existências fotografadas
Em preto e branco,
vejo o retrato de minha avó;
um colorido, de minha mãe
na mesma idade,
em épocas tão diferentes.
As mesmas rugas
congeladas pelo tempo,
se opõem à tempo
de percebê-las.
No traço da boca
quase sem lábios,
cópias do mesmo espaço
deixado entre eles.
Existências fotografadas
em negativos transparentes;
duas mentes,
sementes,
avó e mãe.
Contraceptivo
Eu não sei se é o desespero
que me leva à loucura
quando o sexo estupra
a minha alma,
ou a calma
que advém do meu tormento
pelo tempo
que passou em minha palma.
Movimento anormal
de penetração moral
em sua saia,
e no cheiro da indecência,
feromônio da ciência
em uma jaula.
Uma fera excitante
que no último instante, ofegante,
cospe a vida
no seu couro de borracha.
Não há luta, nem corrida;
há uma triste despedida
de um suposto vencedor
que foi fruto de um amor
e se enforcou
com a própria cauda.
Milenar
A flor que cheira
ao desabrochar um dia
na noite fria
de uma estação secular,
sente chorar
no orvalho que inicia
a poesia do jardim onde ela está.
O vento dá,
arrancando suas pétalas;
cores dispersas
na imensidão que há.
Resta uma pá
esquecida entre espinhos,
ovos e ninhos,
uma pegada a traçar.
Triste cantar de uma grande ventania.
Folhas sem guia,
arrancadas do lugar.
Vasos quebrados,
que estranhas sepulturas,
onde a cura
vem da raiz milenar.
Entre o céu e a gaiola
É impossível a uma ave,
acreditar
na mão que agora abre a porta
na intenção de a soltar,
a mesma mão que um dia outrora,
a pôs numa fria gaiola
depois de tirá-la do ar.
Bater as asas e voar,
já não consegue;
está completamente entregue.
Sua prisão tornou-se um lar.
Como é difícil acreditar
no amor fiel,
se sob o imenso azul do céu,
a traição teima em reinar.
A quem eu posso enganar,
sendo infiel,
se como a ave a voar no livre céu,
limito o meu horizonte
e a todo instante
quero voltar?
Caravelas
O dia nublado,
auréola dista.
Um sol retocado,
vermelho em pranto.
No cruel tratado
de Tordesilhas,
das Terras alheias,
tornei-me dono.
Após ter singrado
mares bravios,
em naus, caravelas,
um nome santo.
Denominado enfim,
Brasil.
Povo gentil
de cores e cantos.