Poema Iv ( O Poeta E O Bispo )
Por Ailton Ferreira | 02/05/2008 | PoesiasIa caindo o sol bem reclinado.
Na vagarosa carruagem madornando,
Depois de bem jantar, fazendo a sesta,
Roncava um nédio, um barrigudo frade.
Bochechas e nariz. Em cima uns óculos.
Vermelho solidéu... enfim: um Bispo.
E um Bispo, senhor Deus! da Idade Média,
Em que os Bispos, como hoje em dia e mais ainda,
Sob o peso da cruz, bem rubicundos,
Dormindo bem, e a regalar bebendo,
Sabiam engordar na sinecura.
Papudos santarrões, depois
Missa Lançando ao povo a bênção - por dinheiro!
O cocheiro ia bêbado, por certo.
Os cavalos tocou por bom caminho,
Mesmo em cima das pernas de um cadáver.
Refugou a parelha, mas o sota,
Que o sol da glória episcopal enchia
De orgulho e de insolência o couro inerte,
Cuspindo o poviléu, como um fidalgo-
Que em falta de miolo tinha vinho
Na cabeça devassa, deu de esporas:
Como passara sobre a vil carniça
Reléu de corvos negros-foi por cima. . .
Mas desgraça! maldito aquele morto!
Desgraça!... Não porque pisasse o coche,
Aqueles magros ossos. Mas a roda,
Na humana resistência, deu estalo. . .
E acorda o Fradalhão:
- O que se sucede?
Pergunta bocejando: É algum bêbado?
- Em que bicho pisaram?
"Senhor Bispo"
Diz o servo da Igreja, o bom cocheiro,
Ao vigário de Cristo, ao santo apóstolo,
Dessa fidalga raça nova,
Que não anda a pé como São Pedro,
Nem estafa os corcéis de São Francisco:
"Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima;
É um pobre diabo de poeta,
Um homem sem miolo e sem barriga
Que lembrou-se de vir morrer na estrada!"
"Abrenúncio! - Rouqueja o santo Bispo:
Leve o Diabo essa tribo de boêmios!
Não há tanto lugar onde se morra?
Maldita gente! Ainda persegue os santos
Depois que o Diabo a leva!"
E foi a caminho...
( Álvares de Azevedo – Poemas Malditos )