Poderes
Por Romano Dazzi | 06/06/2009 | Crônicas
PODERES
De Romano Dazzi
Como gostaria de ter poderes !
Queria tanto realizar coisas importantes, coisas que me pesam no coração e que - infelizmente, eu sei – nunca conseguirei levar a cabo.
Não é para mim, não.
Tem, por exemplo, aquela velhinha, que mora de favor, num casebre abandonado no fim da rua e sobrevive de esmolas. Os filhos nem se lembram dela, por isso ela divide a sua solidão com um vira-latas pulguento e fiel.
Pois bem: eu queria ter o poder de virar a vida dela, de torná-la rica , de realizar os seus desejos, os seus sonhos - se é que ela ainda tem algum..
Depois, tem aqueles dois moleques cruéis, que gostam de torturar gatos e passarinhos. Eu queria ter o poder de fazê-los passar pelo mesmo mau pedaço por que passam as suas vitimas. (Em tempo: não tenho acesso a torturadores de gente, por isso, meu desejo é bem modesto)
Aquele motorista barbeiro, que acabou de me atravessar o caminho, vai bater na primeira árvore à frente; ou no poste seguinte, se deus quiser...
E aquele ladrãozinho à-toa, que roubou da minha porta os enfeites iluminados de Natal; ah, este deve receber um choque tão forte que o deixe desmaiado no chão por uma hora, pelo menos.
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Assim eu pensava; quando, de repente, o poder me alcançou.
Virei Deus.
Eterno, infinito, poderoso, que tudo vê, tudo ouve, tudo sabe.
Que sensação maravilhosa!
Finalmente consigo chegar ao âmago das almas, escuto seus pensamentos secretos, posso premiar ou condenar cada um, usando a minha infinita capacidade de entender e de julgar.
Agora, com o meu novo olhar, posso ver que aquela velhinha não deu aos filhos, no momento devido, a atenção e o carinho que ele mereciam.
Os moleques malvados só devolvem os maus tratos que receberam dos pais.
O motorista barbeiro é um médico, aflito para conseguir salvar uma vida.
E o ladrãozinho barato só queria levar para os filhos um pouco da luz do Natal, que está em todo lugar, salvo na casa dos pobres.
E eis que a minha justiça funciona às avessas do arremedo que os homens usam.
Não posso punir, na minha infinita sabedoria, nenhum desse humanos.
Os homens que criei são máquinas falhas e imperfeitas, movidas em pequena parte pela razão, mas principalmente por instintos, impulsos e sentimentos contraditórios e conflitantes.
Erram e se confundem; caem e se levantam cem vezes, recomeçando todos os dias uma longa, inútil caminhada para o desconhecido.
Na maior parte de suas provações, nem distinguem o que é certo e o que é errado.
Como poderia condená-los? Como poderia jogá-los na grande fogueira, para que ardam pela eternidade? Que Deus seria eu?
A punição de qualquer maldade ou crime cometido, seria exagerada e absurda. Jogaria um castigo e uma maldição eterna, para cobrar um minuto de loucura.
Quer saber de uma coisa ? Não quero ser Deus. Não quero ser juiz, não quero administrar o destino de ninguém. A quem devolvo esta chave do futuro?
.......
E de repente acordo. Foi um sonho estranho, produto de um sono agitado, de uma digestão difícil. Pizza de aliche, à noite, é desaconselhável para pessoas de idade. Melhor ficar na saladinha....Graças a Deus, voltei a ser Homem, e posso continuar xingando e reclamando, sem medo que minhas maldições se transformem em punições de verdade.
Obrigado, muito obrigado, meu Deus !