PODER NORMATIVO DO PODER JUDICIÁRIO

Por Fabiene de Jesus Ferreira Pavão | 08/03/2017 | Direito

PODER NORMATIVO DO PODER JUDICIÁRIO:  O reconhecimento da União Estável homoafetiva pelo STF – uma análise jurisprudencial.[1]

 

Fabiene de Jesus Ferreira Pavão[2]

Rachely Clecya Brandão de Castro

Gabriel Cruz[3]

 

 

Sumário: Introdução; 1 Função normativa do Poder Judiciário; 2 Os conceitos fundamentais de homossexualidade, homoafetividade e união estável homoafetiva; 2.1 O costume como fonte formal subsidiária do Direito; 3 Análise jurisprudencial do STF acerca da união homoafetiva em consonância com a ADPF 132 e  ADI 4277; Conclusão; Referências.

 

RESUMO

 

Este artigo aborda a função normativa do Poder Judiciário e suas atribuições em consonância ao reconhecimento da união estável homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, trazendo para a análise a jurisprudência, acentuadamente, o julgado da ADI nº 4.277 e ADPF nº 132. O costume é derivado da longa prática uniforme ou da geral repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica; e esse mesmo costume dar embasamento às conceituais fundamentações da homoafetividade. Assim, por último, analisa-se o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF como resultado do poder normativo do Poder Judiciário.

 

Palavras-chave: Poder Judiciário. Homoafetividade. União Estável.

 

Introdução

No presente artigo será pontuada a relevância do Poder Normativo do Poder Judiciário: o reconhecimento da união estável da homoafetiva pelo STF – uma análise jurisprudencial, apreciando, decisões monocráticas e acórdãos na finalidade de constituir uma correlação entre o Poder Judiciário e as fontes primárias e secundárias do direito para o reconhecimento da união estável homoafetiva.

 Desde a nossa Magna Carta de 1988, a partir da leitura do Art. 226, §3, a união estável entre pessoas de sexos diferentes encontra-se legitimada, contudo diante da igualdade de gêneros, questionou-se também sobre a união entre pessoas do mesmo sexo (brasileiros). Tendo em vista o silêncio do legislador quanto à temática, o Poder Judiciário a receber as demandas, e em maio do mesmo ano o STF equiparou as relações homoafetivas às relações heterossexuais.

No sentido de se compreender sistematicamente a questão em comento, inicialmente, traçam-se algumas considerações acerca do poder normativo que o judiciário possui; seguidamente, se esclarecem o sentido dos termos homossexualidade e homoafetividade; e, por último, analisa-se a jurisprudência do STF sobre a união homoafetiva, especialmente, os Acórdãos decorrentes da ADPF 132 e ADI 4.277 que expressou o entendimento do STF relativo à equiparação da relação homoafetiva à relação estável heterossexual.

 

1 FUNÇÃO NORMATIVA DO PODER JUDICIÁRIO

Sem dúvida, como forma de iniciação ao tema apresentado faz-se importante conhecer as funções normativas e atribuições do Poder Judiciário no viés da Constituição Federal. Para assim, facilitar o entendimento em relação ao reconhecimento da união estável homoafetiva.

Com base no principio da separação dos poderes existente na CF, o Poder Judiciário exerce funções típicas e atípicas. No que diz respeito à função típica, o Judiciário tem por função normativa, a função jurisdicional em que o Poder Judiciário deve buscar solucionar as lides entre os cidadãos, cabe ao Judiciário aplicar as leis e de maneira imparcial dar uma decisão para o caso concreto.

Como função atípica, o Poder Judiciário exerce funções administrativas conforme art. 96, I, alíneas b, c, d, e, f, CF. Para isso, consideremos as funções explicitadas por Bernardo Gonçalves:

Nesses termos, o Judiciário irá exercer de forma atípica função administrativa, exemplificativamente, nos termos do art. 96, I, “b”, “c”, “d”, “e”, “f”, da CR/88. Assim sendo, compete privativamente aos Tribunais: b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares e os dos juízos que lhe forem vinculados, velando pelo exercício da atividade correcional respectiva; c)prover, na forma prevista nesta Constituição, os cargos de juiz de carreira da respectiva jurisdição; d)propor a criação de novas varas judiciárias; e)prover, por concurso público de provas, ou de provas e títulos, obedecido o disposto no art. 169, páragrafo único, os cargos necessários à administração da Justiça, exceto os de confiança assim definidos em lei; f) conceder licença, férias e outros afastamentos a seus membros e aos juízes e servidores que lhes forem imediatamente vinculados (FERNANDES, 2013, p. 895).

 

Como função atípica, o Poder Judiciário também exerce a função legislativa prevista no art. 96, I, alínea “a”, CF. Considera-se mais uma vez, as explicitações de Bernardo Gonçalves:

[...] compete privativamente aos Tribunais a elaboração dos seus respectivos regimentos internos com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos. (FERNANDES, 2013, p. 896).

 

O Poder Judiciário brasileiro divide-se em duas esferas, a Justiça Estadual e Justiça Federal.  A Justiça Estadual possui competência residual, a Justiça Federal, por sua vez, se classifica em justiça comum e justiça especializada. A justiça especializada aprecia matérias específicas relacionadas a causas trabalhistas, eleitorais e militares (Justiça do Trabalho, Justiça Eleitoral e Justiça Militar). Tem-se ainda são o Supremo Tribunal Federal, Supremo Tribunal de Justiça que aprecia questões que envolvem leis, Tribunais Regionais Federais e Tribunais e juízes dos estados e do Distrito Federal.

 

Também se integra a estrutura do Poder Judiciário o Conselho Nacional de Justiça criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com sede em Brasília. Tal órgão não possui competência jurisdicional, mas é o órgão que controla a atuação do poder judiciário nas questões administrativas e financeiras, bem como o cumprimento dos deveres dos juízes. As atribuições do Conselho Nacional de Justiça estão previstas de forma exemplificativa no art. 103-B, §4º, CF.

Partindo do fato que o presente paperanalisará o reconhecimento da união estável homoafetiva pela ADI 4277 e ADPF 132, será dada uma atenção maior ao STF.

No que condiz ao STF, saber-se-á que este se constitui o órgão máximo do Poder Judiciário, por isso faz-se um órgão de extrema importância.É este quem dar a palavra final, ou seja, é a última instância das decisões.

O STF é um órgão de cúpula, composto por onze ministros, que são indicados pelo Presidente da República e após indicação passam pela aprovação no Senado Federal. Se aprovados são nomeados pelo próprio Presidente da República. O cargo de ministro é vitalício e exige alguns requisitos dispostos no art. 101, CF: “O Supremo Tribunal Federal compõe-se de onze Ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada”.

Uma das funções mais importantes do STF é de decisões de inconstitucionalidade de uma lei. Dessa forma, o STF é considerado o guardião da Constituição. Existem matérias que só o STF processa e julga, a exemplo, ação direta de inconstitucionalidade (ADI) e ação por descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Outras funções do STF estão previstas no art. 102, CF.

Desta feita, fez-se importante conhecer as funções do Judiciário, bem como sua estrutura , para assim facilitar o entendimento referente a análise jurisprudencial da ADI 4277 e ADPF 132.

 

2 OS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE HOMOSSEXUALIDADE, HOMOAFETIVIDADE E UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA

Os conceitos de homossexualidade, homoafetividade e união estável são importantíssimos na discussão presente para que não haja interpretação ambíguas da temática que se analisa.

A homossexualidade é um fato histórico que não pode ser negado, presente na maioria das sociedades antigas e contemporâneas. A forma de aceitação depende da cultura e dos valores de cada sociedade. Na Grécia, por exemplo, era comum a relação íntima de homens com homens, pois as mulheres representavam de certa forma, o sexo frágil tendo como atribuição principal a procriação.

Durante muito tempo usou- se o termo “homossexualismo” para tratar da homossexualidade. Em razão disso, a homossexualidade era tratada como doença, pois ao que se sabe, o sufixo “ismo” é usado para definir doença. Assim sendo, a homossexualidade passou anos na lista internacional de doenças. Segundo de Maria Berenice, somente em 1985 deixou de constar no Código Internacional de Doenças e em 1995, após uma revisão, o sufixo “ismo” foi substituído por “dade”.

O vocábulo homossexualidade “é formado pela raiz da palavra grega homo, que quer ‘dizer semelhante’, e pela palavra sexus, passando a significar ‘sexualidade semelhante’” (DIAS, 2011, p. 43). Em outras palavras, “exprime tanto a ideia de semelhante, igual, análogo, ou seja, homólogo ou semelhante ao sexo que a pessoa almeja ter, como também significa a sexualidade exercida com pessoa do mesmo sexo” (DIAS, 2011, p. 43).

Em decorrência dos preconceitos ou das conotações depreciativas do termo homossexualidade, hoje, a literatura jurídica, geralmente, o termo homoafetividade, por entender que as relações se realizam também pelo afeto. Daí, então, surge o conceito de homoafetividade, defendido por Maria Berenice Dias (2011, p. 44), que significa a constituição das uniões expressam-se, simplesmente, pelos vínculos de afetividade.

Claro que uma palavra não vai acabar com o preconceito ou eliminar a discriminação, mas o importante é o reconhecimento de que as uniões dos homossexuais são vínculos afetivos e, por isso, merecem ser inseridas no Direito das Famílias, cujo âmbito de abrangência, é a identificação de um elo de afetividade (DIAS, 2011, p. 44).

 

Por sua vez, a expressão “união homoafetiva”, decorre do princípio de igualdade de gêneros tendo em vista que todos que são iguais perante a lei não podem sofrer desigualdade em função da orientação sexual. A Constituição Federal vigente no seu Art. 226, § 3º, assegura: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A regulamentação desse dispositivo é a Lei da União Estável – Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, que, também, omitiu as relações homoafetivas, assim como o Código Civil de 2002.

Exposto isso, é notório que as transformações sociais estão ocorrendo, e tais transformações têm relevância para o Direito, pois como uma ciência do campo social, o Direito deve se adequar as necessidades sociais. O que se percebe, no viés da constituição das relações familiares, é que os padrões mudaram. A união estável homoafetiva é vista sob o conceito de família. Por conseguinte, encontra-se sujeitada a omissão do legislador.

Portanto, ao se falar em “união homoafetiva” entende-se uma forma de entidade familiar baseada no afeto e no carinho, tendo os mesmo direitos e deveres da união heteroafetiva. Além de compor um fato social que o Estado não deve ignorar, e sim efetivar o respeito ao conjunto de princípios da Constituição. Sendo inteligente o respeito, sobretudo, a igualdade e dignidade humana.

2.1 O costume como fonte formal subsidiária do Direito

É mister ressaltar o costume como fonte subsidiária do direito para a efetiva fundamentação em destaque, pois este caracteriza-se pelo uso reiterado e silencioso das práticas da comunidade, onde existe uma aceitação em muitos casos de maneira inconsciente. São forças sociais reiterado, espontâneo, com a convicção de que é necessário e correto.

Em outras palavras, o costume é “uma norma que deriva da longa prática uniforme ou da geral repetição de dado comportamento sob a convicção de que corresponde a uma necessidade jurídica” (DINIZ, 1981, p. 169-170). Baseando-se, “na crença e na tradição, sob a qual está o argumento de que algo deve ser feito, e deve sê-lo porque sempre o foi”  (FERRAZ JUNIOR. 2003, p. 241).

A partir disso, surge pela convicção jurídica o costume jurídico como “um conjunto de normas de conduta social, criadas espontaneamente pelo povo, através do uso reiterado, uniforme e que gera a certeza de obrigatoriedade, reconhecidas e impostas pelo Estado” (NADER, 2005, p. 156-157).

Os costumes possuem elementos que os diferem das práticas sociais costumeiras. Esses elementos ou requisitos são imprescindíveis ao costume e pelo aspecto de ordem subjetiva se difere o costume de outras práticas sociais, portanto,

[...] para se converter-se em fonte do Direito, dois requisitos são imprescindíveis ao costume: um de ordem objetiva (o uso, a exterioridade do instituto, o que é palpável e percebido pelos sentidos), outro de ordem subjetiva (ou seja, a consciência coletiva de que aquela prática é obrigatória). É este último aspecto que, na realidade, distingue o costume de outras práticas reiteradas, de ordem moral ou religiosa ou de simples hábitos sociais (VENOSA, 2010, p. 16).  

 

Os doutrinadores classificam os costumes quanto às espécies, por serem derivados da relação com a lei: secundumlegem, praeterlegem e contra legem.

  1. Costume É aquele previsto na lei, de acordo com a lei, em consonância com a lei. Em síntese, é “quando se acha expressamente referido na lei... Passa a ter caráter de verdadeira lei, deixando de ser costume propriamente dito” (GONÇALVES, 2011, p. 75)
  2. Costume Destina-se a suprir as lacunas da lei – nesta perspectiva, a previsão no ordenamento jurídico brasileiro pode ser notada no Art. 4º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e no Art. 126 do Código de Processo Civil- se esta for omissa. “O costume é praeterlegem quando se reveste de caráter supletivo, suprindo a lei nos casos omissos, preenchendo essas lacunas” (DINIZ, 1981, p. 175).
  3. Por fim, o costume contra legem é aquele contrário à lei, ou seja, “ é o que se opõe ao dispositivo de uma lei, denominando-se costume ab-rogatório; quando torna uma lei não utilizada, denomina-se desuso” (VENOSA, 2010, p. 17).

No tocante à questão do costume como fonte formal subsidiária, sabe-se que o ordenamento jurídico brasileiro baseia-se no sistema romano-germânico que privilegia o uso da lei escrita. A Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro no Art. 4º, caput, prescreve que: “quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito”. Nessa perspectiva, observa-se a supremacia da lei em relação às demais fontes, e “o costume se apresenta como pouca expressividade, como função supletiva da lei” (NADER, 2005, p. 155).

Finalmente, no entendimento de Venosa (2010, p. 16) o “[...] uso reiterado e consciente é aceito pelos tribunais, estará solidificada uma fonte do direito”. Em contrapartida, o legislador pode transformar um costume em lei e assim não se terá costume, mas, simplesmente, lei.  Entretanto, a lei é insuficiente para garantir todas as demandas do Direito, sendo assim o costume é essencial para preencher as lacunas do Direito.

 

3 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL DO STF ACERCA DA UNIÃO HOMOAFETIVA EM CONSONÂNCIA COM A ADPF 132 E ADI 4277

Nesta primeira análise, limita-se à apreciação das decisões monocráticas do STF. Muito embora não esteja no lapso que será investigado, a questão da união homoafetiva chegou á Corte Excelsa, inicialmente, no ano de 2003, quando o ministro Marco Aurélio negou um recurso do INSS, contudo condenou, severamente, a homofobia (STF, Pet. 1984/RS, decisão de 10.02.2003, rel. Min. Marco Aurélio).

Daí, somente, em 2006, a Associação da Parada de Orgulho dos Gays, Lésbicas, Bissexuais e Transgêneros de São Paulo e a Associação de Incentivo à Educação e Saúde questionaram a constitucionalidade do Art. 1º da Lei nº 9.278/96 (Lei de União Estável), que, ao regular o §3 do Art. 266 da Constituição Federal, reconheceu, unicamente como entidade familiar, a união entre homem e mulher. O relator, ministro Celso de Melo, decidiu arquivar a ação, mas reconheceu a relevância do social e constitucional da questão (STF, ADI 3300-MC, j.03.02.2006, rel. Min. Celso de Melo).

As ações demandadas ao STF – em decisões monocráticas[4] - versam sobre a matéria de reconhecimento da união estável homoafetiva e, consequentemente, requer garantia de direitos em relação à pensão por morte ou aposentadoria e assistência saúde. As decisões anteriores a 05.05.2011 – data da decisão do STF sobre a união estável homoafetiva – são, inicialmente, negadas e postas para análise futura, tendo em vista o aguardo de decisão do Plenário da Corte no que tange votação sobre a ADI nº 4.277 e ADPF nº 132.

 Em contrapartida, as decisões monocráticas posteriores a data de decisão do STF sobre a união estável homoafetiva, obedecem agora, seu reconhecimento, e ainda, garante seus direitos civis, tributários e previdenciários, em conformidade com a jurisprudência dominante da Suprema Corte.

Entretanto, duas outras ações são imprescindíveis para o entendimento do recurso da problemática da união estável: a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 de 2008, e a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277 de 2009.

Tratando, explicitamente, da união estável homoafetiva, o STF analisou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4.277) e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF nº 132). As ações foram ajuizadas na Corte, respectivamente, pela Procuradoria-Geral da República e pelo governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, julgadas em conjunto pelo Tribunal Pleno em 05 de maio de 2.011, por se tratarem das mesmas matérias.

Na ADI n° 4.277, a Procuradoria-Geral da República, pede a declaração de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. E, ainda mais, que os direitos e deveres das uniões estáveis heterossexuais fossem estendidos às pessoas em uniões homoafetivas.

Por sua vez, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, proposta pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, evidenciou que a negação de reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo contraia os preceitos fundamentais como igualdade, liberdade, autonomia da vontade e, também, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, todos previstos e queridos pela constituinte federal de 88. Assim, pediu que o Supremo aplicasse o regime jurídico das uniões estáveis, como previsão no Art. 1.723 do Código Civil, às uniões homoafetivas de funcionários públicos civis do Rio de Janeiro.

O voto do relator é concluído assim:

Pelo que dou ao Art. 1.723 do Código Civil interpretação conforme à Constituição para dele excluir qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como “entidade familiar”, entendida esta como sinônimo perfeito de “família”. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva (STF, ADI 4.277 e ADPF 132, j. 05.05.2011, rel. Min, Ayres Brito).

 

Enfim, as  ministras Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ellen Gracie, juntamente com os ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso, votaram no entendimento do relator, ministro Ayres Brito, no sentido de reconhecer a equiparação de uniões estáveis heterossexuais. O ministro Dias Toffoli julgou-se impedido de se posicionar, pois tinha atuado no processo por ocasião de sua passagem pela AGU (Advocacia-Geral da União).  Portanto, por unanimidade, a Corte decidiu que pela união estável homoafetiva como entidade familiar, afastando qualquer interpretação diversa do Art. 1.723 do Código Civil, “entendida esta como sinônimo perfeito de família” (DIAS, 2011, p. 202).

Registra-se, ainda, a existência de um acórdão RE 477554 AGR/MG, proposto pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais – IPSEMG, onde a 2ª Turma, tendo como relator o Ministro Celso de Mello, também decidiu em reconhecer a união estável homoafetiva e seus efeitos legais.

Resta, então, considerar que a votação dos ministros e ministras do STF é motivada pelos costumes e situações deparadas nos dias atuais, como as relações homoafetivas, nesse sentido, o Ministro Luiz Fux, em seu voto, revelou que conforme Censo de 2011, existir mais de sessenta mil casais de pessoas do mesmo sexo vivendo juntas, “afirmou que a união homoafetiva é um dado da vida, é uma realidade social”  (STF, ADI 4.277 e ADPF 132, j. 05.05.2011, Min. Luiz Fux).

 

 

 

CONCLUSÃO

Analisou-se neste breve artigo, Poder normativo do Poder Judiciário:  o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF – uma análise jurisprudencial, nesse horizonte, chegou a três entendimentos:

  1. As relações homoafetivas são uma prática constante e uniforme, muito embora não muito aceita por causa dos preconceitos, caracterizando-se, portanto, como um costume;
  2. O silêncio do legislador é suprido pelos Tribunais, especialmente, pelo STF, no sentido de assegurar e equiparar as relações homoafetivas às relações estáveis heterossexuais, primando pelos Princípios da Igualdade de gêneros e isonomia dos direitos e deveres; e
  3. A prática da união homoafetiva na comunidade política, principalmente, nos grupos organizados, fora determinante para o reconhecimento da união estável homoafetiva pelo STF.

Verificou-se o costume como fonte formal do direito, desde que seja uma prática contínua e uniforme da comunidade e que haja a convicção jurídica da obrigatoriedade dos tribunais.

Assim como, a homossexualidade não é tão somente um interesse meramente sexual por pessoas do mesmo sexo, é uma relação, sobretudo, de vínculo afetivo de pessoas de igual sexo. Portanto, hodiernamente no vocabulário jurídico usa-se a expressão homoafetividade, que veio até mesmo a despertar um possível novo ramo no Direito que reconhece os direitos desta categoria.

Por fim, acredita-se que sem a pressão popular dos grupos organizados, dificilmente, o STF teria votado a matéria da união estável homoafetiva, pois são questões que confrontam diretamente preceitos religiosos e morais, mas a injustiça não pode prevalecer acima da igualdade e da busca universal da felicidade.

 

 

 REFERÊNCIAS

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DIAS, Maria Berenice. União homoafetiva: o preconceito & a justiça. 5. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

________Homoafetividade e Direito Homoafetivo. Disponível em: http://www.mariaberenice.com.br/uploads/52_-_homoafetividade_e_direito_homoafetivo.pdf. Acesso em: 01 de Março de 2013.

DINIZ, Maria Helena. As lacunas no Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1981.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. Salvador: JusPODIM, 2012.

FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo de Direito: técnica, decisão, dominação. 4. Ed. São Paulo: Atlas, 2003.

FERRO, Marcelo Roberto. A jurisprudência como forma de expressão do direito. Revista dos Tribunais Online. Doutrinas Essenciais Obrigações e Contratos, vol. 1, p. 237, Junho/2011.

GONÇALVES, Direito Civil 1 esquematizado. v. 1. São Paulo: Saraiva, 2011.

LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Trad. José Lamego, Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1997

LIEBMAN, Enrico Tullio. A força criativa da jurisprudência e os limites impostos pelo texto da lei. Revista dos Tribunais Online. Revista de Processo, v. 43, p. 47, Julho/1986.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pesquisa de Jurisprudência: Decisões Monocráticas. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%E3o+homoafetividade%29+NAO+S%2EPRES%2E&base=baseMonocraticas>  Acesso em 07 mar. 2013.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Parte Geral. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

 

[1] Projeto de paper apresentado à disciplina Direito Constitucional - I do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco – UNDB.

[2] Acadêmicas do 3º período do Curso de Direito da UNDB.

[3] Professor orientador.