PODER E DISCURSO E DISCURSO DO PODER

Por Luciano Braga Ramos | 11/11/2009 | História

PODER E DISCURSO E DISCURSO DO PODER

 

            Palavra-chave: Discurso, Poder, Sociedade.                                                     

                                                                                                                       Luciano Braga Ramos.

 

IINTRODUÇÃO

 

            Dentro da sociedade pós-moderna, a tendência da complexidade social torna-se cada dia mais evidente, mergulhando os agentes sociais no emaranhado confuso das relações humanas. Por trás dessas tendências se escondem ou se camuflam as práticas de poder e seus discursos, que são objetos manipulador da opinião pública.

 

 PODER E DISCURSO

           

            O poder através da conceituação elaborada por Michel Foucault pode-se dizer que é visto como algo que se dispersou pelas entrelinhas da sociedade. Não é mais visto como um poder que emana do centro do governo para a sociedade. Mas este poder, sim procura estar em “harmonia” com as várias possibilidades dos vários locais de poder.

 

            Por sua vez esses poderes, são geradores de discursos, próprios para seus interesses, facilitando a junção entre o discurso que se quer proferir, e a gama de poder que tal discurso quer privilegiar. Ou seja, o discurso trabalha para o poder. Trabalha para aqueles que fazem do discurso arma do poder, e assim dirigem os sujeitos que estão à volta desses núcleos de poder.

 

            Assim sendo, encontra-se o poder, nas famílias, na comunidade, na cidade, no Estado, mas também, nas já tão mencionadas (por Foucault, 1999.), instituições de poder, a escola, a fábrica, a polícia, o hospital, o hospício. Que, no entanto, partilham seus domínios de poder, com a política, com o crime organizado e suas facções, e sendo todos portadores de discursos de suas “causas”.

 

      “(...). O poder se excerce em rede e, nessa rede, não só os indivíduos circulam, mas estão sempre em posição de serem submetidos a esse poder e também de exercê-lo”. (Foucault, 1999, pg.35).

           

            Mas que “harmonia” é essa que parte do poder do Estado, que há pouco falávamos? O que o faz conviver com os outros estabelecimentos de poder? Será que se pode dizer que existe essa “harmonia”? Por certo se torna difícil afirmarmos tal “harmonia”, e podemos sugerir que exista  sim, um jogo de interesse por parte dos poderes, e que na maioria das vezes parte para os interesses próprios de cada facção de poder e de seus aliados.

 

      “Na realidade, o que faz que um corpo, gestos, discursos, desejos sejam identificados e constituídos como indivíduos, é precisamente um dos efeitos primeiros do poder”. (Foucault, 1999, pg, 35).

 

            É ai que entra o discurso, como defensor ferrenho das idéias do grupo que o cria para seu bem próprio, e para contentar aqueles que o acatam, justificando o exercício de poder sobre determinado grupo. Lembrando aqui que o poder, é persuasivo, expressão de força, não é poder, é sim, imposição. Mas será que é isso mesmo?

 

            Seja como for, nossa sociedade, hoje vive um grande dilema, que não é um problema novo, mas que herdamos, ou que nasceu com o homem, desde que esse começou a viver em sociedade, que é a ambição pelo poder. Claro que essa ambição e dosada de acordo com o ritmo da sociedade, no seu tempo e espaço. Tornando assim menor ou maior o grau de evidência dos discursos e relações de poder que fazem parte dessa sociedade, ditando o rumo da vida de seus agentes históricos.

 

“Por mais que o discurso seja aparentemente bem pouca coisa, as interdições que o atingem revelam logo, rapidamente, sua ligação com o desejo e com o poder”. (Foucault, 1996, pg.10).

 

            Por outro lado, o que resta para os dias atuais,  que, pode-se observar é  essa fragmentação do poder característica das sociedades pós-modernas, acabou abrindo precedentes para outras práticas de poder, por parte dos governantes. De certa forma a complexidade da sociedade burguesa, obrigou o governo, mesmo burguês, como sugeriu Marx, a afrouxar as amarras, desta sociedade, fazendo com que se “espalhasse” o poder.

 

      “O poder se exerce, nas sociedades modernas, através, a partir do e no próprio jogo dessa heterogeneidade entre um direito público da soberania e uma mecânica poliforma da disciplina”. (Foucault, 1999, pg. 45).

 

            Em outras palavras repartiram o poder, ou numa máxima histórica dividiram-no para governar. Percebe-se que o poder que agora existe em facções, ou em frações, formula vários conceitos de poder, que são produtores de vários discursos. Vários discursos, que tornam ainda mais complexas as relações pós-modernas.

 

             Pegamos o exemplo do Brasil, do início dos anos de 1980, e seus grupos políticos que defendiam as Diretas Já. Haviam por certo naquele momento muitos grupos de poder, que combatiam o governo militar, buscando um objetivo comum, fazendo com que se construísse, um discurso comum (que era a abertura política e o fim do regime) entre os vários poderes políticos envolvidos que ansiavam pela queda do regime.

 

            Uma vez, tendo, os militares cedido a pressão do poder destes grupos, que se pode dizer estavam sob as bandeiras de uma CUT, por exemplo, e restaurado o regime democrático, há uma fragmentação de poderes, e a construção de vários discursos de poder. Agora cada qual vai buscar seus interesses, e que são seus, em que muitas vezes o discurso de antes, virou oposição de agora, o que interessa é o poder.

 

            O discurso democrático, que as vésperas da democratização se apresentava como uno, ao menos aos olhos dos leigos, agora, se fragmenta em vários discursos de poder. Cada qual com suas diretrizes, tanto de direita como de esquerda, geradores de discursos de quem chega ao poder, sendo situação ou para quem figura como poder de oposição, gerando assim discursos próprios sobre democracia.

 

      “A política se manifesta como decorrente dos diferenciais nas capacidades de cada um de interferir nas ações alheias; trata-se de diferenciais que estão presentes em todas as relações que acontecem na rede social. Já se vê que estamos aqui a nos referir a relações de poder”. (Veiga-Neto, 2005, pg, 142).

 

             O discurso para se conquistar o poder, em sua maioria é um, uma vez o poder conquistado o discurso vai ser aquele mais conveniente possível. Pois dessa forma o poder de situação tenta jogar o se harmonizar com os demais em doses homeopáticas de poderes recíprocos. Isto sendo avaliado numa perspectiva de poder ao viés do Estado, mas que de certa forma em muito se ajusta a outras instituições de poder.

 

            Porém deve ficar claro que nem sempre todas instituições de poder de uma sociedade vivem em perfeita harmonia, se assim afirmássemos, seriamos ingênuos. A própria existência de instituições de seqüestro, ou disciplinar, prova como o poder é desarmônico, e até precisa da força para se legitimar, embora pensamos que isso seja imposição.

 

            Dessa forma podemos analisar como é importante a arma do discurso para fazer valer e legitimar certas medidas e instituições dentro da nossa sociedade. Já que o discurso é flexível no seu entendimento, às vezes engessado no seu pronunciamento. Ou seja, o discurso pretende mostrar algo que na realidade é bem diferente, e que, no entanto, as ferramentas de comunicação muitas vezes redirecionam o discurso para onde mais os seja conveniente, formando opiniões, até mascarando os propósitos dos poderes.

 

“(...) o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”. (Foucault, 1996, pg.10).

 

            A manipulação do poder acontece, principalmente com os poderes políticos, através dos discursos que se querem que a população aceite como verdades absolutas. Ou de outra forma com o discurso para uma dada realidade mundial para que assim nos conformarmos com a nossa. Isso acontece muito com os casos de violência por arma de fogo nos Estados Unidos, com estudantes em escolas.

 

            A comparação é grotesca, o discurso que se profere, parece querer justificar que um país desenvolvido também sofre com a violência, enquanto a nossa realidade no Brasil é bem diferente. Ai esta o poder da mídia, o poder das instituições de comunicação, com suas disputas por poder, e que muitas vezes mostram em canal aberto seus próprios discursos pelo poder de liderar o mercado.

 

      “(...) Mas que ninguém se deixe enganar; mesmo na ordem do discurso verdadeiro, mesmo na ordem do discurso publicado e livre de qualquer ritual, se exercem ainda formas de apropriação de segredo  e de não-permutabilidade”. (Foucault, 1996, pg. 40).

 

            Então o que falar da expressão de poder e ao mesmo tempo do poder do discurso, por George w. Bush, para a invasão do Iraque. Todo o discurso em torno da suposta existência de armas de destruição em massa, tudo para legitimar seu poder e justificar a tomada do Iraque. Ai entra outra questão, se a imposição pela força não é expressão de poder, então a força pode ser vista como um dos elementos do poder, como sua última alternativa para a submissão dos “não desejáveis”.

 

“(...) Deve-se conceber o discurso como uma violência que fazermos as coisas, como uma prática que lhes impomos (...)”. (Foucault, 1996, pg. 53).

 

            Já que o discurso de Bush foi de certa forma imposto para a ONU, que não teve uma reação coerente (aos olhos das pessoas que anseiam pela paz), para frear as pretensões do presidente dos Estados Unidos, frente aos seus discursos inflamados contra a posição do Iraque naquele momento. O poder de discurso da mídia até certo momento contribuiu com a formação do discurso do presidente Bush, quando mostravam o sistema de defesa iraquiano pronto para a contra ofensiva.

 

            Mas por outro lado, o próprio Sadam Hussem, pelos seus discursos, ao menos no que se chegava a público através da mídia, passava essa impressão, como expressão de seu poder. Mas que, no entanto apenas veio a justificar ou legitimar o discurso do presidente dos Estados Unidos. Temos aqui, múltiplos discursos e múltiplas formas de poder, chegados até nós pela mídia, e manipulados por ela, dependendo de sua predileção pelos Estados Unidos ou pelo Iraque, ou pela imposição destes na mídia local, sem se falar na internacional. E as armas de destruição em massa, nem sinal?

           

            Meu interesse com essa pequena exposição das complexas relações de poder e sua indivisível convivência com o discurso, possivelmente sendo este seu alimentador, é justamente, chamar a atenção para que os leitores estejam atentos para o intrincado jogo do discurso e do poder. E para que notem como desde que levantamos da cama pela manhã, e nos relacionamos com outras pessoas, de quantos discursos, nós somos locutores, e ao mesmo tempo nos tornamos receptores de outras pessoas.

 

            Isso tudo pode ser remetido para o complexo jogo de poder pelas instituições as quais fazemos parte, ainda mais se levarmos em consideração a vida competitiva da pós-modernidade, tudo gira entorno de discursos e de instituições e expressões de poder. Ou seja, o dia todo, atuamos em quanto agentes históricos, como, executores e receptores de discursos e poderes.

 

 

Referências:

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. SP.. Loyola, 1996.

FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. SP. Martins Fontes, 1999.

VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. BH.Autentica, 2005.