Poder de Polícia
Por Roberto Jorge Ramalho Cavalcanti | 02/01/2010 | DireitoPoder de Polícia.
Roberto Ramalho é Advogado, ex-procurador da Secretaria Municipal de Proteção ao Meio Ambiente de Maceió, é Relações Públicas e Jornalista.
Ementa: Poder de Polícia. 1. Considerações Gerais. 2. Conceituação. 3. Características 4. Natureza Jurídica do Poder de Polícia. 5. Objeto e finalidade. 6. Conclusão.
Resumo: Toda convivência humana durante toda a história humana foi definida e organizada por normas de caráter social, desde o princípio com os Homo Sapiens Sapiens até os dias de hoje. Na nossa vida atual temos a Constituição do País como norma geral de conduta social, passando pelos códigos civil, penal e na esfera social, normas de caráter administrativo, estando nessa última o poder de polícia administrativa, regulamentando direitos e deveres na esfera da Administração Pública.
Palavras Chave: Poder, polícia, administração pública, constituição, sociedade.
1. Considerações Gerais
A Constituição Federal de 1988, no Título I, caracterizou o nosso País como uma República Federativa, formada pela união indissolúvel dos Estados, municípios e do Distrito Federal, constituindo (formando) um Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos entre outros a cidadania e a dignidade da pessoa humana.
É evidente que no Estado de Direito Democrático o cidadão goza, usufrui e dispõe de um número significativo de direitos individuais cuja dimensão não os tornam absolutos diante do interesse coletivo, não hes conferindo prerrogativas ilimitadas. O que isso quer dizer? Quem nos explica claramente é o jurista Celso Ribeiro Bastos: "Todo direito deve encontrar um ponto ótimo de utilização. É dizer, a satisfação de um direito individual pelo seu destinatário não pode ferir o direito de outros indivíduos nem o interesse coletivo. A fruição de um direito de forma exagerada, extremada, desproporcional acaba por desnaturar o próprio direito". [BASTOS, 2001, p. 167]
Essa necessidade de se limitar o exercício da cidadania, sem estar legislando contra a Constituição, portanto, sem feri-la, através do Poder Legislativo, que segundo o autor, a quem cabe, num primeiro momento, "a edição de leis condicionadoras da fruição desses direitos (direitos individuais – grifo meu), apontando suas demasias, suas exacerbações para efeito de proibi-las", representam uma espécie de freio contra os abusos cometidos pela iniciativa dos particulares, em detrimento da coletividade, isto é, do interesse coletivo, que há de ser sobremaneira respeitado. [BASTOS, 2001, p. 167]
A edição dessas normas jurídicas condicionadoras que são elaboradas pelo Poder Legislativo são praticadas pelo Poder Executivo através do instrumento jurídico, do instituto denominado de 'Poder de Polícia', expressão cunhada do termo americano Police Power, utilizada pela primeira vez no voto de um Juiz da Corte Suprema dos Estados Unidos da América do Norte, chamado John Marshall, no ano de 1827, decorrente de um processo judicial, no caso Brown versus Maryland.
2. Conceituação.
A definição de Poder de Polícia está expressamente previsto no artigo 78 do Código Tributário Nacional, e o seu regular exercício no seu parágrafo único.
Art. 78 - Considera-se poder de polícia a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse, ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão, de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autoridade do poder público, à tranqüilidade pública, ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Parágrafo Único – Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.
O município de Volta Redondo no seu Código Tributário municipal conceitua o Poder de Polícia da seguinte forma, abaixo:
Art. 82 - As taxas de licença têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia administrativa do Município.
§ 1° - Considera-se poder de polícia a atividade de Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
Por sua vez o Código Tributário de Campinas, São Paulo, define e delimita a competência e a atuação do exercício do Poder de Polícia na seguinte explanação:
Art. 73 - As taxas compreendidas no artigo 4º, inciso II, alínea "a" tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia administrativa do Município.
§ 1º - Considera-se poder de policia a atividade da Administração Pública que, limitando, proibindo ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
§ 2º - O poder de polícia administrativa será exercido em relação a quaisquer atividades e a quaisquer atos, lucrativo ou não, a serem exercidos ou praticados no território do Município.
§ 3º - Compete à legislação municipal instituir, em leis específicas, as respectivas taxas decorrentes do poder de polícia administrativa.
Nesse sentido, em matéria de Direito, o exercício do poder de polícia se refere à prática de um órgão, secretária municipal de uma Prefeitura encarregado da cobrança das taxas, ou agente governamental de fazer serviços voltados ao registro, fiscalização ou expedição de algum ato.
Como alguns exemplos, temos: expedição de licenças, alvarás, títulos, dentre outros.
3. Características
No Direito Brasileiro o poder de polícia tem como características a discricionariedade, a auto-executoriedade e a coercibilidade.
A discricionariedade se caracteriza pelo poder que a polícia administrativa tem de escolher, dentro dos limites legais, por critérios de conveniência e oportunidade, o ato a ser praticado.
Já a auto-executoriedade "consiste na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata e direta execução pela própria administração, independentemente de ordem judicial." (MEIRELLES, 2007, pág. 162.)
A coercibilidade, por sua vez, é o atributo pelo qual a Administração impõe ao administrado as medidas adotadas, sem necessidade de autorização judicial, podendo até mesmo utilizar-se de força.
4. Natureza Jurídica do Poder de Polícia
Há diversas correntes que discorrem sobre o assunto, destacando-se:
1. Corrente ou Teoria Francesa – Para os renomados cientistas jurídicos franceses Blethelemy, Rolland e Hauriou, o Poder de Polícia seria uma função ou serviço administrativo da manutenção da ordem pública.
2. Teoria Italiana – Para os juristas italianos, por sua vez – D"alessio, Romano, Zanobine, Manzine e Ranelletti -, o Poder de Polícia tem por objeto a limitação da atividade particular em proveito do bem-estar coletivo.
3. Teoria Alemã – Na interpretação dos pensadores jurídicos alemães, Fleiner, Mayer e Merk, o Poder de Polícia estabeleceria a boa ordem da coisa pública, sem ser necessário o uso da coação.
4. Corrente Norte-Americana – Segundo os juristas americanos Watson, Black Cooley freund, entre outros, o Poder de Polícia seria aquele que asseguraria a tranqüilidade pública e o bem-estar econômico-social.
Considerando-se Poder de Polícia na concepção de Leib Sobelman, a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, a ordem e aos costumes. Constitui-se ao mesmo tempo uma função e um poder, uma regra de organização e um sistema com caráter coercitivo.
Para Cretella Júnior, é a faculdade jurídica que se reconhece a Administração de restringir o uso e gozo dos bens individuais, inclusive os de propriedade, em benefício do bem-estar público.
O Professor Caio Tácito, explica que «o poder de polícia é, em suma o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais» («O Poder de Polícia e seus Limites» in RDA, vol. 27/1 e segs.).
Portanto, a Administração Pública têm através do Poder de Polícia, segundo ainda Cretella, a faculdade discricionária do Estado, limitando as atividades do cidadão, visando o interesse público.
No entanto, o "poder de polícia" do Estado são limitados não podendo e nem devendo jamais ir de encontro aos legítimos direitos do cidadão, as suas prerrogativas individuais e liberdades públicas estabelecidas na Constituição Federal, desde que não firam direitos de terceiros e os direitos coletivos.
No direito brasileiro, verifica-se, observa-se, uma quase unanimidade no que tange à definição de Poder de Polícia Administrativa, não existindo, entretanto, nenhuma divergência quanto ao seu objeto e finalidade entre os administrativistas.
Uma das mais precisas definições de Poder de Polícia nos é oferecida pelo renomado jurista Hely Lopes Meirelles, já falecido, deixando obras das mais valiosas para serem obrigatoriamente lidas por advogados, magistrados, promotores públicos, procuradores, acadêmicos de direito, e por todos que direta e indiretamente necessitam tirar suas dúvidas sobre matérias relacionadas à esfera da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal, ou qualquer assunto relacionado ao Direito Administrativo.
Na sua famosa obra intitulada Direito Municipal Brasileiro, Hely Lopes Meirelles, nos brinda com brilhantismo que lhe era peculiar, a conceituação de Poder de Polícia. Segundo o autor, Poder de Polícia "é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado". [MEIRELLES. 1998. p. ]
4. Objeto e finalidade do Poder de Polícia.
Segundo Hely Lopes Meirelles, o objeto do poder de polícia administrativa é todo bem, direito ou atividade individual que possa afetar a coletividade ou por em risco a defesa nacional, exigindo por isso mesmo, regulamentação, controle e contenção pelo poder público. Com esse propósito afirma Meirelles, a Administração Pública pode condicionar o exercício de direitos individuais, pode delimitar a execução de atividade, como pode restringir o uso de bens que afetem a coletividade em geral, ou contrariem a ordem jurídica estabelecida ou se oponham aos objetivos permanentes da Nação". [MEIRELLES, Direito Municipal Brasileiro, editora Malheiros, 1988, p.443].
De acordo ainda com Meirelles, a finalidade do Poder de Polícia por sua vez, como já foi assinalada precedentemente, é a proteção do interesse público no seu sentido mais amplo.
5. Conclusão
A natureza do Poder de Polícia será sempre discricionária e não autoritária, isto é, sempre estará baseado na lei e na Constituição Pátria e jamais contra elas.
O cientista social Jean Jacques Rosseau afirmava, no século XVII, que o homem nascia livre e que a sociedade era a responsável pela sua conduta corrupta. Essa passagem de o Contrato Social, bem evidencia o caráter do ser humano e sua enorme fragilidade para praticar atos anti-sociais e violentos.
Todavia, como havia a preocupação de manter e preservar a paz e a harmonia social entre os homens, pensadores da categoria do próprio Rosseau, de Thomas Hobbes e Emanuel Kant, Friedrich Hegel, entre outros, desenvolveram teorias e métodos pregando e sustentando a presença de existência de normas de conduta social, entre elas às de natureza jurídica.
Mas, afinal, o que significa o termo sociedade? Há duas correntes ou categorias de pensamento históricas que tentam explicar os seus fundamentos: a concepção mecanicista ou mecânica, e a concepção organicista ou orgânica.
Sobre as duas formulações quem nos dá uma definição precisa são respectivamente os cientistas sociais e políticos Ferdinand Tönnies (1855-1936), que é conhecido pela sua obra escrita em alemão e ainda não traduzida no Brasil Gemeinschaft und Gesellschaft, publicada em 1887, cujas idéias podem ser resumidas facilmente, embora a obra seja teoricamente complicada devido à sua ligação ao escritor alemão Hegel, que influenciaria Marx a escrever "O Capital", e a Schopenhauer, e Del Vecchio, um político e jurista de tendência fascista que escreveu diversas obras. Para o primeiro, sociedade "é o grupo derivado de um acordo de vontades de membros que buscam, mediante o vínculo associativo, um interesse comum impossível de obter-se pelos esforços isolados dos indivíduos". Essa definição significa dizer em outras palavras, que a existência da sociedade nada mais é do que uma mera soma de partes, não gerando, portanto, nenhuma realidade capaz de substituir o que se compreende estar fora ou acima dos indivíduos. Assim sendo, para ele, o mais importante é o indivíduo, ser único, primário e superior de e a toda a realidade social, que vale por si mesmo, e do qual todos os ordenamentos sociais só são possíveis de existência por meio de sua manifestação como sujeita da ordem social, constituindo-se em meras derivações secundárias, sendo o acordo de vontades, na verdade, uma realização do desejo individual, devendo sempre ser reconduzido ao ponto der partida, isto é, a ele mesmo, indivíduo. Nesse sentido, o indivíduo está sempre acima do coletivo, pois este só existe pela vontade do primeiro.
Para o cientista, a sociedade seria definida como "o conjunto de relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior". Daí a necessidade de o homem viver em sociedade por ser ele, por natureza, um ser essencialmente político, tese essa já defendida pelos pensadores gregos Aristóteles e Platão, percebendo e analisando o caráter social do homem, sendo sua vocação inata para a vida em sociedade, pois precisa dela para preservar sua espécie. Essa entidade nova que o homem vive em sociedade, surgiria com o nascimento do Estado Moderno, termo esse criado pelo primeiro cientista político: Maquiavel, na sua notável obra intitulada "O Príncipe".
Contudo, uma das definições mais precisas, englobando as duas correntes de pensamento, nos é a apresentada pelo cientista político norte-americano Talcott Parsons, quando em sua famosa obra intitulada Enciclopédia de Ciências Sociais, definiu sociedade como "todo o complexo de relações do homem com seus semelhantes".
Referências Bibliográficas
1. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 2001. 5ª Edição. Editora Saraiva São Paulo. P. 167.
2. BASTOS, Celso Ribeiro. Op. Citada. P. 161.
3. MEIRELES, Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro. 10ª Edição, 1988. P. 443.
4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007, pág. 162.
5. SOBELMAN, Leib, Enciclopédia do Direito, 1ª Edição, 1979. Verbete sociedade.
6. TÁCITO, Caio. O Poder de Polícia e seus Limites - in Revista de Direito Administrativo, vol. 27/1 e segs.
7. VECCHIO, Del Giorgio. Teoria Del Estado, Trad. cast., Barcelona, Ediciones Bosch, 1956. Trad. port. De António Pinto de Carvalho, São Paulo, 1957.
Bibliografia
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3. MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Os Pensadores. 2ª Edição. Editora Abril Cultural, 1980.
4. MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 10ª Edição, 1988. P. 443.
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6. ROSSEAU, Jean Jacques. O Contrato Social. Os Pensadores. 2ª Edição. Editora Abril Cultural, 1980.
7. SOBELMAN, Leib, Enciclopédia do Direito, 1ª Edição, 1979. Verbete sociedade.
8. TÁCITO, Caio. O Poder de Polícia e seus Limites - in Revista de Direito Administrativo, vol. 27/1 e segs.
9. VECCHIO, Del Giorgio. Teoria Del Estado, Trad. cast., Barcelona, Ediciones Bosch, 1956. Trad. port. De António Pinto de Carvalho, São Paulo, 1957.
Legislações Citadas e Consultadas
Constituição Federativa do Brasil. 2007. Editora Saraiva 15ª Edição.
Código Tributário Nacional. Editora Saraiva. 2005. 12ª Edição.
Código Tributário do município de Volta Redonda. Lei Municipal nº 1.896 de 16 de julho de 1984.
Código Tributário do município de Campinas. Lei nº 5.626 de 29 de Novembro de 1985.