PODER CONSTITUINTE: TEORIA E LEGITIMIDADE DO PODER ORIGINÁRIO

Por Francyane Souza Fernandes dos Santos | 28/03/2017 | Direito

AUTORA: Francyane Souza Fernandes dos Santos

 

PODER CONSTITUINTE: TEORIA E LEGITIMIDADE DO PODER ORIGINÁRIO

 

INTRODUÇÃO

A Constituição é a Lei Maior de um país, é onde encontramos os preceitos normativos que regem o Estado, mas esse instrumento não nasce do acaso ele é fruto de um poder que vem antes de tudo até do próprio Estado é esse poder que dará validez a Constituição sendo conhecido como Poder Constituinte.

Sendo assim, este trabalho nos mostrará a origem do poder constituinte com o surgimento das constituições em alguns países, até a teorização criada pelo abade Sieyès que vem nos trazer a diferenciação entre Poder Constituinte e Poderes Constituídos.

Permitirá que observemos este poderoso instrumento que altera as bases do Estado que conforme diz Tavares é a força, a possibilidade e a liberdade que pertence aos indivíduos de se autodisciplinar da forma que desejarem, dentro dos princípios existentes na consciência popular, e que se verá refletida na Carta Magna.

Em seguida, será visto as diferenças entre o Poder Constituinte Originário e sua supremacia diante do Poder Constituinte Derivado, assim como veremos também os limites que alcançam este poder, verificaremos em seguida a força legitimadora que faz com que este poder seja tão importante para a concepção do Estado, e por fim estudaremos a titularidade e a sujeição do Estado a esse poder.                                                                                                                                

  • ORIGEM HISTÓRICA E CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE 
  • ORIGEM 

O Poder Constituinte sempre existiu em toda sociedade política, mas a sua teorização só veio a surgir com as primeiras Constituições escritas no final séc. XVIII época que a crença no divino era substituída pela soberania do poder nacional e soberania popular (BONAVIDES, 2004, p. 141).

Tendo como principal teórico o Abade Emmanuel Joseph Sieyès autor de Que é o Terceiro Estado? Em que reivindica a reorganização política da França, pois a burguesia como detentora da produção da riqueza na França não participava da política do Estado, Sieyès expressava a reivindicação da burguesia frente ao absolutismo que preponderava na época.

Sieyès acreditava na existência de um direito que teria como força criadora a Nação, pois não confiava em um poder que vigiava, sendo a nação livre, somente ela teria o direito de fazer a constituição, bastando que a nação queira, pois ela existe antes de tudo e é a origem de tudo, sendo ela a própria lei.

Conforme (BULOS, 2011,p.386)  “o revolucionário abade, ao contrário, percebia a nítida diferença entre poder constituinte e poderes constituídos; notou as limitações do poder e confiou no governo representativo”. Para Bonavides, a separação do poder constituinte dos poderes constituídos veio a significar uma garantia de natureza formal, que se cuidava de proteger  e resguardar os direitos individuais postos na Constituição.(BONAVIDES, 2004).

 Sendo que, antes de Sieyès os americanos já haviam absorvido a idéia de poder constituinte quando partem da fórmula We The People que lhes mostra com clareza a dimensão desse poder que é criar uma Constituição aqui o poder constituinte será o instrumento para a definição da Lei Maior, estabelecendo as regras para os poderes constituídos.

Segundo Canotilho (2001), o Poder Constituinte de Sieyès é um poder antes desconstituinte e depois reconstituinte, pois antes é dirigido contra a forma monárquica e absolutista e depois impõe uma reorganização, instauração de uma nova ordem política. Dando origem a uma nova ordem Constitucional.  Esse poder está ligado às questões como “poder”, “força” ou “autoridade política” que em determinado momento tem condições de criar, garantir ou eliminar uma Constituição. O que observamos é que o Poder Constituinte vem a ser como observou Sieyès uma legitimação do poder, um poder essencialmente soberano (CANOTILHO, 2001).

O Poder Constituinte seria incondicionado, e permanente baseado na vontade da nação, só encontrando limites no direito natural, e o poder constituído receberia sua existência e competência do poder constituinte sendo por ele limitado. Assim o poder constituinte seria originário e soberano e a nação teria plena liberdade para fazer uma constituição não se sujeitando a limites e condições (BARROSO, 2012).

A teoria do Poder Constituinte de Sieyès aplicada a Constituição francesa de 1791 e foi alterada em 1793 sendo estabelecido que, as Constituições só seriam válidas e perfeitas após receberem a sanção do povo, retirando assim a representação soberana do povo em representação do povo soberano (MALBEC apud BARROSO, 2004). 

1.2 CONCEITOS GERAIS 

Diversos são os conceitos encontrado na doutrina acerca do Poder Constituinte, nesse sentido, para Bulos (2011), seria a potência que faz a Constituição e ao mesmo tempo a modifica. É a força que ao elaborar a lei maior, fornece as diretrizes fundamentais do Estado. Afirma ainda que é a expressão mais elevada do fenômeno político poder. Segundo Teixeira (apud Barroso p. 56), o poder constituinte é a expressão mais alta do poder político, entendido este como vontade social dirigida a fins políticos. Portando é vontade criadora, social consciente, plenamente livre em sua manifestação.

Michel Temer (2011) o conceitua como sendo uma manifestação soberana de vontade de alguns indivíduos capaz de fazer nascer um núcleo social, somente podemos enxergá-lo após a manifestação da vontade daqueles que tem a força, o desejo o poder de constituí-lo. Barroso (2012) diz que é a soberania a serviço do sistema representativo, ou ainda, a soberania mesma quando ele se institucionaliza num principio impessoal, apto a transcender a vontade governativa.

Temos também a teoria de Poder Constituinte de Habermas onde a noção de poder constituinte é ligada ao patriotismo constitucional, onde o ato fundador da Constituição passaria a ser tomado como um “processo de aprendizado social capaz de corrigir a si mesmo”, prosseguindo no decorrer das gerações. Dando assim possibilidade para que fosse editados atos normativos que viesse a condizer com o momento vivido. (CATTONI DE OLIVEIRA, FERNANDES, 2011). 

2 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

Este é o poder que cria o Estado, não havendo limites para sua atuação é originário, pois é quem originará o novo ordenamento jurídico, inicial, pois inaugura uma nova ordem jurídica e política,autônomo, não possui vinculo com nenhuma outra regra jurídica, é incondicionado não sendo regido por condições do Direito preexistente; é um poder de fato e político; é superior por estabelecer todos os poderes do Estado e permanente pois não se extingue com a elaboração da nova constituição, fica em estado de hibernação, estando pronto para se manifestar a qualquer momento, mas não servindo como ameaça pois geraria insegurança jurídica. 

Hoje é observado uma mudança nessa concepção, pois o Poder Constituinte passa a encontrar limitações espaciais, pois esta vinculada a uma base territorial e Cultural. E tendo o povo como titular do poder constituinte que irá condicionar o poder em relação a sua cultura, tradições, e quanto aos direitos humanos passando-se a defender uma limitação do poder constituinte originário a direitos supra positivos contra a deliberações majoritárias ou provenientes de tratados sobre direitos internacionais Assim, observamos que hoje poder constituinte originário guarda limites internos na própria sociedade (FERNANDES,2011).

O processo constituinte vem a surgir através de revoluções, golpes de Estado, derrota na guerra ou consenso jurídico havendo assim uma ruptura com a ordem anterior a fim de se instalar a nova ordem, e sendo este uma vontade política do povo deve vir baseado em valores éticos e religiosos, sendo que se um grupo que quiser instituir uma nova constituição não respeitar os valores dominantes de determinada sociedade não será aceito e reconhecido como pode constituinte originário. Não podendo ser exercido por quem acha que pode exercê-lo, mas por “quem está em reais condições de produzir uma decisão eficaz, não podendo ser levado ao extremo esse poder, pois quando ele se manifesta, já vem imbuído com idéia de Direito ao qual se imporá. (CARRIÓ; MENDES, 2011) 

3 LEGITIMAÇÃO E TITULARIDADE 

Durante a história sempre se buscou formas que se legitimasse o poder exercido utilizando-se variadas formas de legitimação como a revelação divina, o poder monárquico, a força entre outros. Assim também ocorreu com o poder constituinte que como qualquer outro poder se vê envolto às vontades de quem o exerce e a sujeição de quem a ele se submete, para o poder constituinte essa legitimação é baseada no poder e como este poder não se submete a nenhum outro se torna difícil dizer se é legitimo ou não, mas o que se verifica é se correspondem aos valores éticos e morais da sociedade.

Na Europa com a idéia de soberania nacional que faz da Constituinte um poder à parte distinto dos poderes constituídos e cuja titularidade passou a ser exclusiva da nação exercida através de representantes, sendo a assembléia soberana não necessitava da aceitação popular, sendo posteriormente superada (BONAVIDES, 2004).

Já nos Estados Unidos, o conceito de soberania popular foi vitorioso, fazendo com que a Constituição fosse outorgada por uma convenção, mas depois ratificada pelo povo tornando-a legítima. As constituições brasileira de 1824 e 1791 seguiram o padrão de soberania nacional, mas em 1988 o princípio da soberania popular foi invocado, sendo convocada uma assembleia constituinte, vindo a Constituição da República Federativa do Brasil a ser fruto dessa deliberação.

Canotilho (2011), afirma que a titularidade do poder constituinte é do povo, e somente ele pode deliberar sobre a ordem político-social, mas o povo visto através de uma visão plural onde se concebe como um povo político, isto é grupo de pessoas que agem segundo idéias e interesses e representações de natureza política. Portanto, o povo é o titular do poder constituinte, mas não o exercente. Segundo Ferreira Filho é um titular passivo, ao qual se imputa uma vontade constituinte sempre manifestada por uma elite.

A titularidade do poder constituinte não garante que o exercício desse poder será de acordo com a vontade do povo. Assim o exercente deste poder poderá ser autocrático ou democrático, dependendo das diretrizes políticas adotadas pelo Estado.

“A criação de uma constituição por um grupo de homens alienados e apartados da realidade daqueles a quem ela se dirigirá, ou que ignorem a condição e o anseio de seu compatriota, só pode se reverter em verdadeira tirania, ainda que camuflada sob as vestes de um constitucionalismo democrático”. (TAVARES, 2012, p.64) 

A forma pela qual os representantes são escolhidos é fruto de discussão entre muitos doutrinadores, pois essa concepção é que diante de ser inviável a participação de todos os indivíduos na elaboração da Constituição, os  representantes seriam escolhidos dentre o povo e pelo povo, que agiria em nome do povo, e de acordo com os interesses da sociedade, e em plena sintonia elaboraria o texto jurídico (TAVARES 2012).

Para Malbec, seria impossível que a Constituição fosse elaborada por representantes eleitos, pois conduziria ao império do regime representativo, ao qual seria incompatível com o ato de surgimento da constituição, pois tal representatividade só decorreria da Constituição não podendo existir antes dela. E segundo Maksoud, fica assim plantada a possibilidade de tal assembléia ser constituída por cidadãos e não necessariamente por políticos, pois tal situação pressuporia limites eleitorais, positivados que se pretende superar (Maksoud apud Tavares, 2012 p.62).

Ainda nos importa saber sobre a legitimidade das normas, haja vista sua importância no intuito de que os representantes escolhidos pelo povo não se tornem nocivos, sendo assim seria necessário que fosse submetido um referendum popular, pois diante da escolha do povo teríamos a certeza se a vontade dos representantes seria a da sociedade e consequentemente legitima.  

  1. LIMITES DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 

O poder constituinte originário é um poder de fato, um fato pré-juridico que se encontra fora e acima do Direito. Tendo seus limites pautados na realidade fática, devendo-se observar os valores fundamentais para o bom convívio da sociedade como direitos humanos, justiça, Direito Internacional, assim como também as pressões sócias, econômicas e tradições, e essas implicações podem atuar direta ou indiretamente, consciente ou não na elaboração do estatuto supremo de convivência humana (TAVARES, 2012).

Percebemos também essas limitações nos condicionamentos pré-constituintes pois estão vinculados ao ato convocatório, processo de escolha de integrantes da assembléia ou convenção.

“A Assembleia Nacional Constituinte pode tudo em tese, mas quando se reúne traz já compromissos indeclináveis emanados de sai origens sociais, políticas e ideológicas. E esses compromissos evidentemente lhe estreitam o espaço de ação, sem todavia desfalcá-la das qualidades de grande fórum e plenário insubstituível de uma vontade nacional em busca de consenso”.(BONAVIDES, apud TEMER,p.35) 

Essas limitações, hoje são aceitas por muitos doutrinadores, pois as experiências humanas vão revelando a indispensabilidade de observância de certos princípios de justiça, de direitos internacionais que, independentemente da sua configuração são compreendidas como limites de liberdade e onipotência do poder constituinte. Devendo esse poder seguir um procedimento justo detendo em suas intenções a conformidade com os valores reclamados pelo povo, servindo para soluções de crises e rupturas políticas. (CANOTILHO, 2011). 

CONCLUSÃO 

O objetivo desse trabalho foi estudar a origem da formação da ordem jurídica, tomando consciência das razões de sua existência e de seus efeitos. Voltar o nosso olhar para esse fenômeno que é capaz de alterar e trazer consequências para inúmeras gerações e compreender a forma como esse poder surgi e toma forma. Buscamos compreender a detenção da titularidade para o exercício desse poder e se é realmente legitima a atuação dessa força.

Estudando vários doutrinadores percebemos que este ainda é um assunto controverso, pois a manifestação do poder constituinte nos Estados modernos está longe do ideal de soberania popular pregado e de realmente alcançar a vontade do povo, sendo esse o fim a que deveria se destinar.

REFERÊNCIAS 

BARROSO, Luís Roberto, Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: Os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo, São Paulo: SaraivaJur, 2012. 

BONAVIDES, Paulo, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Malheiros, 2004. 

BULOS, Uadi Lammego, Curso de Direito Constitucional, 6. ed, São Paulo: Saraiva, 2011. 

CANOTILHO, J.J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador.Coimbra: Almedina,2001. 

COELHO, Paulo Magalhães da Costa. O Poder Constituinte e a construção de utopias:suas possibilidades e limites. RIPE Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos, Bauru: v. 40, n.45, p.291-314, jan./jun.2006. 

FERNANDES, Bernardo Gonçalves, Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 

LENZA, Pedro, Direito Constitucional Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 15. ed, 2011. 

MENDES, Gilmar Ferreira, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva Jur, 2011. 

MORAES DE,Alexandre, Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 2004. 

TAVARES,André Ramos, Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva Jur, 2012. 

TEMER,Michel, Elementos de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 2011.