Plenitude
Por Ide Ramacini Betonico | 21/08/2010 | ContosTanta Gratidão
Entre nós todo dia era gosto de domingo. Dias pueris que deslizavam a passos lentos. Viver era forma secreta de felicidade. Eu me sentia rara ,amada e sem pressa para me fantasiar de futuro.
O trem pusera-se em movimento,um apito breve sulcou o ar, o dia não tinha sabor de domingo. Acendi um cigarro,a fumaça evaporou-se breve,em solavancos o trem avisou que marchava em direção ao futuro,aquele futuro, para o qual nunca eu quis me fantasiar.
O trem marchava a passos lentos e apitava a cada curva do caminho. Um longo e fino apito anunciava que era domingo, apenas para o maquinista,era um domingo com sabor de ervas verdes e altas que margeavam o caminho.
Que idade tenho mesmo?Nem sei,pouco importa e mergulhei no nada. Mirava o nada. Do meu lado,vi uma velha,o exemplo do futuro, do qual, nunca quis me fantasiar. A velha, como eu, também não queria o futuro,a diferença é que ela era o futuro.
Tive que disfarçar as lágrimas que teimavam escorrer pela minha face pálida,quase marmórea,que refletida no vidro da janela me assustava. A paisagem verde passava rápida e tive medo:''segure forte na minha mão,confie,filha,o inferno não existe?,ouvi a voz plácida e segura de meu pai,ao lado de minha cama.
Com um solavanco e um apito entrecortado o trem estancou-se no meu destino. Segura,altiva , destemida e livre pisei firme,mostrei-me ao mundo, alardeei, expressei-me pela forma de ser e sentir.
Pai, suas mãos seguras me vestiram para o futuro. Cá estou,nesta hora,nesta vida, neste domingo,para oferecer este tributo repleto de gratidão.
Hoje,não estou tomando suas mãos para mim.Ofereço minhas mãos a você.
No quintal,o galo soltou seu cântico para anunciar o início de mais um domingo com gosto de saudade.