Pipoca doce...

Por Carlos Melo de Andrade | 20/12/2012 | Contos

             

                Sei que seguiria meu destino já previamente traçado, fazendo com que meu motorista fosse apenas um mero expectador ou simplesmente um ator coadjuvante.

            Aguardava pacientemente e, olhando ao meu redor percebi que quase todos os meus irmãos ônibus, faziam o vai e vem da chegada e da partida, do estacionar e esperar a recepção para dentro do seu âmago uma variedade de pessoas com pensamentos diferentes, preocupações distintas e saudades contidas.

Seus interiores como o meu, passariam a ser o recipiente único de um pai ou de uma mãe cuidadosa zelando pelos seus filhos, recebendo cada adversidade de uma única maneira, para poder administrar e acariciar cada um deles, com o seu jogo de balanço da viagem que se iniciaria e o ar condicionado interior servindo de acalento e de calmaria.

Voltei-me para mim mesmo, percebendo que não demoraria muito tempo até que meu coração fosse acelerado e começasse a cuspir a fumaça que guardava escondida em meu motor, sendo abruptamente ligado sem ao menos ser consultado, mas sabia que meu destino era esse e queria cumprir bem o mandado para o qual havia sido designado, aproveitando a minha mocidade para receber da melhor maneira possível os meus passageiros para o percurso daquele dia, que calorosamente trataria como filhos.

Em cada parada que seria involuntariamente obrigado a fazer uma parara, deixaria para trás um ente querido e, dos mesmos já sentia saudades antes mesmo do fato consumado.

Olhei fixamente para as cadeiras de espera da rodoviária e percebi duas pessoas que iniciavam um papo.   

Silenciei o meu coração, tornando bem mais lento o ronco do motor, para poder ouvir a conversa que percebi tornar-se interessante.

O jovem senhor já de cabelos grisalhos, com a calvície já lhe tomando conta, demonstrava ser uma pessoa esclarecida, conhecedora de diversos assuntos, interado com a atualidade, conhecedor da palavra do Criador, mostrando-se um verdadeiro cavalheiro, escutando atentamente a mulher que apesar de todo o conhecimento, da cultura que emanava pelos poros e a vivência da vida, incessantemente demonstrava a sua crença em nada crer.

 Ouvia-a e, em alguns momentos interpelava-a sem perder a razão e a educação, tentando passar alguma de suas experiências que comprovavam a existência de um Ser maior e de que a felicidade de poder ter um filho era a maior dádiva que poderíamos receber dos céus.

Ordenei então instintivamente ao silencioso para que se desdobrasse em sua condição de absorção de barulho, para manter longínquo qualquer motivo que pudesse atrapalhar o acompanhamento da conversa e, desta maneira continuei a ouvir as explanações emanadas pelas duas bocas, cada uma com a sua certeza, trazendo de seu âmago as suas verdades, proferidas em palavras e gestos.

Vi em um ato de gentileza a compra de um pacote de pipoca, transferido para a jovem, tentando demonstrar com este gesto a singeleza do amor que podemos realizar sem intenção alguma de qualquer coisa.

Acordei dos meus devaneios, quando o motorista desordenou todas as minhas táticas de controle de barulho, percebendo que neste exato e fatídico momento cada um dos dois seguiria o seu caminho.

Pensei comigo mesmo, qual irmão ônibus levaria aquela jovem, já que o senhor dirigia seus passos para o meu lado e, em receptividade aos seus atos, procurei acolhê-lo da melhor forma possível, tornando o ínfimo assento existente em uma poltrona digna de um rei.

Saí devagar, deixando para trás a minha provisória parada da rodoviária, já sem controle e comandado apenas pelo meu motorista, soltando agora a acumulada fumaça de minhas veias e entranhas, vendo em câmara lenta os passos dados pela jovem que guardava em seu íntimo uma tristeza só dela, escondida e trancafiada dentro do coração, aguardando quem sabe a pessoa certa para voltar a ser feliz como outrora.