Pessoa Natural

Por Grupo de Academicos de Direito | 27/11/2009 | Direito

Acadêmicos: Fábio Sampaio, Eduardo Chaowiche, Antonio Carlos Pontes, Gean, Peterson Simão Silvério.

Orientador: Julio Cesar Dalcol

Pessoa natural

O Direito regula e ordena a sociedade. Não existe sociedade se Direito, não existe Direito sem sociedade.

A sociedade é composta de pessoas. São essas pessoas que a constituem. Os animais e as coisas podem ser objeto de Direito, mas nunca serão sujeitos de Direito, atributo exclusivo da pessoa.

O estudo do Direito deve começar pelo conhecimento das pessoas, os sujeitos de direito, porque são elas que se relacionam dentro da sociedade. Vimos que um homem só em uma ilha deserta não está subordinado a uma ordem jurídica. No momento em que aparece um segundo homem nessa ilha, passam a existir relações jurídicas, direitos e obrigações que os atam, que serão os sujeitos da relação jurídica.

O fato é que em nosso conhecimento vulgar designamos pessoa a todo ser humano. No sentido jurídico, pessoa é o ente suscetível de direitos e obrigações.

No direito moderno consideram-se pessoas tanto o homem, isoladamente, como as entidades personificadas, isto é, certos grupos sociais que se denominam pessoas jurídicas; os romanos levaram muito tempo para conceber tais pessoas como entidades diversas de seus componentes, isto é, as pessoas humanas que no campo jurídico hoje denominados pessoas físicas ou pessoas naturais.

A personalidade jurídica é projeção da personalidade íntima, psíquica de cada um; é projeção social da personalidade psíquica, com conseqüências jurídicas. Dizia o Código Civil de 1916: "Art. 2º. Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil". O novo Código Civil substituiu o termo homem por pessoa. A modificação é apenas de forma e não altera o fundo. Nada impede, porém, que se continue a referir a Homem com o sentido de Humanidade. A personalidade, no campo jurídico, é a própria capacidade jurídica, a possibilidade de figurar nos pólos da relação jurídica.

Como termos no ser humano o sujeito da relação jurídica, dizemos que toda pessoa é dotada de personalidade.

O Direito também atribui personalidade a entes formados por conjunto de pessoas ou patrimônio, as pessoas jurídicas ou morais.

Prendemo-nos aqui a idéia de personalidade da pessoa natural, denominada ainda por alguns pessoa física, cuja compreensão é de uso vulgar.

Os animais e os seres inanimados não podem ser julgados de direito. Serão, quando muito, objetos de direito. As normas que almejam proteger a flora e a fauna o fazem tendo emmira a atividade do homem. Os animais são levados em consideração tão-só para sua finalidade social, no sentido protetivo.

No curso as historia, nem sempre toda pessoa foi sujeito de direitos. Os escravos, considerados coisa, estavam fora do alcance da personalidade.

Quando o Código de 1916 dispunha, no art. 2º, que o homem era capaz de direitos e obrigações, entrosava o conceito de capacidade com o de personalidade. A capacidade é a medida da personalidade.

Todo ser humano é pessoa na acepção jurídica. A capacidade jurídica, aquela delineada no art. 2º, e no art. 1º do vigente diploma, todos possuem, é a chamada capacidade de fato. Essa capacidade de fato ou de exercício é a aptidão para pessoalmente o individuo adquirir direitos e contrair obrigações. Sob esse aspecto entram em conta diversos fatores referentes à idade e ao estado de saúde da pessoa.

Assim, ao conjunto de poderes conferidos ao homem para figurar nas relações jurídicas dá-se o nome de personalidade. A capacidade é elemento desse conceito; ela confere o limite da personalidade. Se a capacidade é plena, o individuo conjuga tanto a capacidade de direito como a capacidade de fato; se é limitada, o individuo tem capacidade de direito, como todo ser humano, mas sua capacidade de exercício está mitigada; nesse caso, a lei lhe restringe alguns ou todos os atos da vida civil. Quem não é plenamente capaz necessita de outra pessoa, isto é, de outra vontade que substitua ou complete sua própria vontade no campo jurídico.

É importante fixar aqui a noção de direito subjetivo, mais afeta à disciplina de Introdução ao Estado do Direito.

O Direito Ito objetivo é a norma; a lei que vigora em determinado Estado; tem por escopo regular a sociedade em busca do ordenamento das relações jurídicas e da paz social. É a norma agendi. Quando o individuo se torna titular de um direito, ganha a facultas agendi, isto é, o ser humano é guindado à posição de sujeito de direito. Daí falar-se em direito subjetivo. Esse direito subjetivo é estampado nas relações jurídicas de que e todos domos titulares no curso de nossa vida. Na simples compra de um jornal, junto ao jornaleiro, por exemplo, estamos exercendo nossa titularidade na relação jurídica: há um relacionamento entre nos, o comprados, e o jornaleiro, o vendedor, cada um ocupando posição na relação jurídica que se denomina no caso, contrato de compra e venda.

Das relações jurídicas mais simples às mais complexas de nossa vida estamos sempre na posição de titulares de direitos e obrigações, na posição de sujeitos de direito. Em toda relação jurídica há um vinculo psicológico que une duas ou mais pessoas. No campo das obrigações, como exemplificamos com o contrato de compra e venda, há a posição do vendedor que tem o dever de nos entregar a coisa compra e o direito de receber o preço. O comprador, por seu turno, tem o dever de pagar o preço para ter o direito de receber a coisa. Há um liame psicológico que une as pessoas nas relações jurídicas. Assim será em todos os campos do Direito.

Ausência no Atual Código

O estatuto de 1916 incluía os ausentes como absolutamente incapazes. O atual Código exclui essa modalidade de incapacidade, tratado do instituto de forma autônoma, mantendo, porem, sua disciplina, na parte geral (art.s. 22 e ss). Desse modo, devemos examinar o fenômeno fora faz hipóteses de incapacidade.Na realidade, os três fenômenos que se desdobram, a ausência, tratada nos arts. 22 a 25,a sucessão provisória (arts. 26 a 36) e a sucessão definitiva (arts. 37 a 29), estão mais ligados aos princípios de direito de família e das sucessões. Por essa razão, é de conveniência didática que esses institutos sejam ali estudados.

De forma sintética, podemos afirmar que ausente é a pessoa que deixa seu domicilio e não há noticias de seu paradeiro. Não basta, no entanto, a simples não-presença: o ausente deve ser declarado tal pelo juiz. Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro nos dá uma fórmula para a conceituação da ausência: não presença + falta de noticias + decisão judicial = ausência.

Emancipação: Concessão do Pai, Mãe ou Tutor no Código de 1916

O § 1º do art. 9º do Código de 1916 acrescentava que cessaria, para os menores, a incapacidade:

"I – por concessão do pai, ou, se for morto, da mãe, e por sentença do juiz, ouvido o tutor; se o menor tiver 18 (dezoito) anos cumpridos;

II- pelo casamento;

III – pelo exercício de emprego publico efetivo;

IV – pela colação de grau cientifico em curso de ensino superior;

V – pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria."

Emancipação é, portanto a aquisição da capacidade civil, antes da idade legal.

A emancipação por vontade do pai, mãe ou tutor dependeria sempre de o menor ter cumprido 18 anos de idade.

Se o menor estiver sob o pátrio poder (ou poder familiar, na nova linguagem), sob o prisma exclusivo do Código Civil de 1916, seria o pai, ou a mãe, na falta ou ausência do primeiro, que outorgaria a maioridade, por escritura publica ou partícula, que é da essência do ato. Só pode conceder a emancipação quem estiver na titularidade do pátrio poder. É conveniente que o ato seja feito por escritura publica, apesar de a lei não exigir esse requisito.

O art. 89 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73) refere-se aos pais para a concessão da emancipação, o que levou corrente doutrinária a entender que havia necessidade de ambos os genitores participarem dessa outorga. Desse modo, muitos serventuários passaram a exigir a presença de ambos os progenitores para os atos de emancipação. Ocorre que a Constituição de 1988 equiparou os direitos do homem e da mulher para todos os efeitos: "Os direitos e deveres referente s à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher" (art. 226, § 5º). Desse modo, há que se concluir que ambos devem outorgar a emancipação ao filho, só podendo um deles isoladamente fazê-lo, excepcionalmente, na falta, ausência ou impossibilidade do outro progenitor. Reformula-se, portanto, o que afirmado por nós em edições anteriores desta obra.

Nunca se deve esquecer que a emancipação por outorga dos pais deve ser vista pelo prisma de beneficio do menor. Tratando-se de filiação natural, reconhecido o individuo apenas pela mãe, a esta caberá emancipar ou a ambos; se o pai constar do registro. A impossibilidade de os dois estarem presentes ao ato, por qualquer motivo, deverá ser dirimida pelo juiz no caso concreto. Perante a negativa de um dos progenitores, sua vontade também pode ser suprida judicialmente se provada que decorre de mera emulação, sendo injustificada.

O atual Código é expresso no sentido de exigir i instrumento publico para o ato e a presença de ambos os pai, ou de um deles na falta do outro, possibilitando a emancipação de menores de 16 anos completos, uma vez que aos 18 a nova lei concede plena capacidade à pessoa (art. 5º, parágrafo único, I).

Uma vez concedida a emancipação pelos pais, não pode ser revogada a qualquer titulo. O menor, por seu lado, ano tem o direito de exigir a emancipação, muito menos d pedi-la judicialmente. Trata-se, de fato, de uma concessão.

No direito anterior ao Código de 1916, havia sempre necessidade de sentença judicial.

Presentemente, a sentença só é necessária seo menor estive sob tutela, e não significa que será sempre procedente. O juiz ouvirá o tutor, bem como o próprio menor. Se se convencer da inoportunidade da medida, poderá negar a concessão da maioridade, sempre examinando o interesse do menor. Nesse diapasão, observa Silvio Rodrigues, a emancipação concedida pelo pai pode ser anulada "se ficar provado que ele só praticou o ato para libertar-se do dever de presta pensão alimentícia", por exemplo.

O processo para obter a sentença judicial de emancipação vem disciplinado nos arts. 1.103 ss do CPC, que tratam dos procedimentos de jurisdição voluntária.

A sentença que conceder a emancipação será devidamente registrada, de acordo com o art. 89 da Lei do Registros Públicos, bem como serão registrados os atos dos pais que a concederem, de acordo com o procedimento do art. 90 da citada lei.

Emancipação no Atual Código

Como visto, se o menor estiver sob o poder familiar, serão ambos os pais que poderão conceder a emancipação por escritura publica, como já se exigia após a Constituição de 1988. Por sentença, será deferida a emancipação quando o menor estiver sob tutela (art. 5º, parágrafo único). No novo sistema, o menor com 16 anos pode ser emancipado, um vez que a maioridade plena é atingida aos 18 anos. Sob essa diapasão, dispõe o vigente Código que cessará a incapacidade:

"pela concessão dos pais, ou de um deles na falta de outro, mediante instrumento publico, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos".

Sendo a plena capacidade estabelecida pelo atual Código aos 18 anos, a emancipação por iniciativa dos pais ou do tutor torna-se possível a partir dos 16 anos.

Se o menor estiver sob o pátio poder, que alei vigente prefere denominar poder familiar (arts. 1630 ss), ambos os pais poderão conceder conjuntamente a emancipação por escritura publica. No sistema anterior, como vimos, ao menos até a Constituição de 1988, cabia preferencialmente ao pai a concessão da emancipação e, apenas na hipótese de sua morte, a legitimidade seria da mãe. Com base na igualdade de direitos dos cônjuges, por força da nova disciplina constitucional, como explanado, entendeu-se que era necessária a presença da vontade de ambos os pais para a concessão, regra que é adotada pelo atual Código. Neste ordenamento, portanto, absorvida em todos os princípios a orientação constitucional de igualdade plena de direitos entre o homem e a mulher, ambos progenitores devem outorgar a emancipação do filho menor com 16 anos.

Note que o dispositivo transcrito possibilita a um só dos genitores a outorga, na hipótese de falta do outro. Não se refere mais a recente lei civil à "morte" do outro progenitor, como era expresso no Código antigo. A expressão falta do outro pode ser examinada com elasticidade. A lei não se refere à ausência técnica do pai ou da mãe, tal como disciplinada nos arts. 22 ss. A falta do outro progenitor, a par da morte, que é indiscutivelmente a falta maior, pode ocorrer por vários prismas: o pai ou mãe faltante poderá se encontrar em paradeiro desconhecido, tendo em vista, por exemplo, o abandono do lar ou a separação ou divorcio. Caberá, sem duvida, ao juiz e ao membro do Ministério Publico averiguar quando essa "falta" mencionada na lei seja autorizadora da outorga da emancipação por um único progenitor.

Não se deve esquecer que a emancipação possui importantes efeitos patrimoniais, com reflexos diretos não só na vida do menor como em toda estrutura familiar. Desse modo, peremptoriamente, perante o sistema da vigente lei, não se poderá lavrar escritura da emancipação com a presença de apenas o pai ou a mãe, sem a devida autorização judicial, ou, se for o caso, com a apresentação de sentença de ausência ou atestado de óbito do faltante. Alei registraria deverá regular a matéria, juntamente com as normas das corregedorias locais. Havendo duvida a respeito dessa "falta" do pai ou da mãe, pois não há que se confundir falta com recusa, haverá necessidade de suprimento judicial de vontade do progenitor faltante. Poderá ocorrer que o progenitor tente outorgar a emancipação isoladamente, mascarando a "falta", quando na verdade houver recusa de consentimento para o ato. A melhor solução, porem, quando houver duvidas sobre a dimensão dessa ausência do progenitor ausente, é no sentido de o interessado recorrer à sentença judicial, a exemplo do que é necessário para o tutor. O art. 89 da Lei dos Registros Públicos afirma que cabe aos pais a emancipação. Muitos entenderam que já a partir dessa lei a presença de ambos os pais era necessária para o ato.

No sistema do corrente Código, bem como no que se aplica após a presente Constituição, se os pais não estiverem concordes a respeito da emancipação do filho, há possibilidade de o consentimento do recalcitrante ser suprido por sentença, embora, na pratica, o lapso temporal de um procedimento judicial possa tornar inócua a medida.

Qualquer que seja a situação, porém, deve ser entendido que essa emancipação voluntária há de ser concedida sempre no interesse do menor, o qual, nos casos de duvida, deverá ser ouvido, como na hipótese de requerimento pelo tutor e sempre que houver pendenga ou quesilha a respeito da questão.

Como é curial e já foi apontado, uma vez concedida a emancipação pelos pais, não pode ser revogada a qualquer titulo, salvo, é claro, as hipóteses de nulidade absoluta, ressalvando-se sempre os direitos de terceiros de boa-fé. A emancipação é direito potestativo dos pais. Como já apontamos anteriormente, o menor, de seu lado, não tem direito de pedir ou exigir a emancipação. Trata-se, de fato, de uma concessão. No direito anteriora nosso Código de 1916, dependia sempre, como falamos, de sentença, exigência que se mantém, atualmente, para a concessão pelo tutor.

Em qualquer situação na qual a emancipação dependa de sentença, levando-se em conta o que expusemos nesta oportunidade, não há que se entender que todo e qualquer pedido nesse sentido deva ser acolhido. O juiz ouvirá o tutor, o progenitor presente se for o caso e o próprio menor. Se entender inconveniente a medida, seja um decreto de emancipação, seja um suprimento de vontade para essa finalidade, poderá negar a pretensão, sempre levando em conta o interesse do menor.

Quanto às demais possibilidades de emancipação, afora a concessão dos pais, o art. 5º da atual lei mantém as mesmas hipóteses comentadas anteriormente. Há, no entanto, uma inovação no inciso V, que se reporta à emancipação obtida "pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria". Há, pois, a possibilidade de ser atingida a maioridade também com a relação de emprego que proporcione economia própria. A primeira vista, parece que a presente Le civil ressalva que essa possibilidade somente é deferida aos menores com 16 anos, restrição inexistente no Código anterior. Nesse sentido, dois são os requisitos para essa modalidade de emancipação: estabelecimento civil ou comercial ou relação de emprego e a idade mínima de 16 anos. A simples relação de emprego ou estabelecimento próprio, portanto, não será suficiente para o status, pois estaria a permitir fraudes. Discutível e apurável será no caso concreto a existência de economia própria, isto é, recursos próprios de sobrevivência e manutenção. Esse status poderá gerar duvidas a terceiros e poderá ser necessária sentença judicial que declare a maioridade do interessado nesse caso. É de se recordar que, se o menor, nessa situação, desejar praticar atos da vida civil que exijam a comprovação documental da maioridade, a sentença declaratória será essencial, segundo nos parece. A simples relação de emprego, por si só, não comprova a emancipado, estabelecendo-se comercialmente, ficará também sujeito à falência.

Fim da Personalidade Natural. A morte presumida no atual Código

A existência da pessoa natural termina com a morte (art. 6º, antigo, art. 10 ). Como com a morte termina a personalidade jurídica (mors omnia solvit, a morte tudo resolve), é importante estabelecer o momento da morte ou fazer sua prova para que ocorram os efeitos inerentes ao desaparecimento jurídico da pessoa humana, como a dissolução do vinculo matrimonial, o término das relações de parentesco, a transmissão da herança etc.

A regra geral é que se prova a morte pela certidão extraída do assento de óbito. Em sua falta, é preciso recorrer aos meios indiretos, à prova indireta. Não devemos confundir, entretanto, a prova indireta da morte com a ausência, em que existe apenas a certeza do desaparecimento, sem que ocorra presunção de morte. O art. 88 da Lei dos Registros públicos (Lei nº 6.015/73) permite uma modalidade de justificação judicial de morte,

"para assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar-se o cadáver para exame".

Não temos também a denominada morte civil, embora haja resquício dela, como, por exemplo, no art. 157 do Código Comercial. Nomesmo sentido também o art. 1816 atual (antigo art. 1599). Por esse dispositivo do Código Civil, os excluídos da herança por indignidade são considerados como se mortos fossem: seus descendentes herdam normalmente. Nas legislações antigas, a morte civil atingia, como pena acessória, os delinqüentes condenados por determinados crimes graves. Eram reputados como civilmente mortos. Como conseqüência, podia ser aberta a sucessão do condenado como se morto fosse; perdia ele os direitos civil e políticos e dissolvia-se seu vinculo matrimonial. O direito moderno repudia unanimemente esse tipo de pena,embora permaneçam traços como os apontados anteriormente, mais como uma solução técnica do que como pena.

No sistema do Código de 1916, não existia morte presumida, a não ser para efeitos patrimoniais, nos casos dos arts. 481 e 482. Tal não implicava extinção da personalidade. É permitidaabertura da sucessão provisória ou definitiva do desaparecido, para proteçãode seu patrimônio. Permitia-se, no entanto, a justificação judicial de morte, como vimos anteriormente (art. 88 da Lei de Registros Públicos). Não se tratava, porem, de típica presunção de morte. No entanto, mesmo que acolhida uma justificação nesse sentido, nada impedia que a pessoa surgisse posteriormente sã e salva, o que anularia todos os atos praticados com sua morte presumida, protegendo-se os terceiros de boa-fé.

A posição tomada pelo Código de 2002 foi outra. De um lado, o instituto da ausência é tratado dentro da parte geral do diploma (arts. 22 ss) e não mais no direito de família. Essa declaração de ausência tradicionalmente tem por finalidade a proteção do patrimônio do desaparecido, como apontamos, levando à sucessão provisória e à sucessão definitiva. Os fins do instituto são exclusivamente patrimoniais.

No presente Código, expressamente o legislador aponta que sejam consideradas mortes presumidas as situações que autorizam a abertura da sucessão definitiva (arts. 37 ss). Nesse sentido dispõe o art. 6º da atual lei civil:

"A existência da pessoa natural termina com a morte. Presume-se esta, quanto aos ausentes, nos caos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva."

No entanto, nosso ordenamento vai mais além, autorizando a declaração de morte presumida em outras situações, independentemente da declaração de ausência:

"Art. 7º Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:

I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;

II – se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o termino da guerra.

Parágrafo único. A declaração da morte presumida nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento".

Tudo que é presumido é altamente provável, mas não constitui certeza. Caberá ao juiz, com a atual lei, fixar a data da morte presumida do desaparecido na sentença, requisito que é essencial, melhor cabendo estabelecê-la no dia de sua ultima noticia, na ausência de critério mais seguro, segundo a prova apresentada.

A maior cautela possível deverá, no futuro, ser exigida na declaração de presunção de morte, tamanhas e tão graves as conseqüências de ordem patrimonial e familiar. A atual disposição, de qualquer forma, harmoniza-se com o mencionado artigo da Lei de Registros Públicos: acidentes, naufrágios, incêndios e outras catástrofes permitem maior grau de presunção de morte. A presente disposição menciona ainda o desaparecido em campanha ou feito prisioneiro quando não é encontrado até dois anos após o término da guerra. Guerra é termo que deve ser entendido com elasticidade, pois deve compreender também revolução interna e movimentos semelhantes como, por exemplo, exercício bélicos. Como notamos, há situações de desaparecimento da pessoa e da probabilidade de morte que exige um acertamento judicial. Essa declaração de morte do atual Código, como é óbvio, dependerá de sentença judicial, em procedimento no qual todas as investigações devem ser permitidas, além do esgotamento das buscas e averiguações de que fala a lei.

Temos que entender de forma clara as situações de desaparecimento da pessoa e suas conseqüências jurídicas. A morte de uma pessoa pode ser incerta quando não houver noticia de seu paradeiro e houver motivo para acreditar que tenha falecido. Por outro lado, ainda que haja certeza da morte, a qual gera importantes conseqüências jurídicas, mormente no campo sucessório. A data da morte deve ser fixada na sentença. Não se fixam presunções para o juiz estabelecer a data como ocorre no direito comparado: o critério caberá à prudente decisão do magistrado

O sistema do Código de 1916 não se preocupou com as situações de declaração de morte presumida, tantos são os problemas que podem advir com o retorno do presumido morto. Os princípios acerca da sucessão provisória e da sucessão definitiva mostraram-se suficientes, tão grande é o lapso temporal desses procedimentos, que raramente questões poderiam ocorrer com o retorno do presumido morto.

Para fins exclusivamente patrimoniais, 10 anos depois de passada em julgado a sentença que concede a abertura da sucessão provisória do ausente, poderão os interessados requerer a sucessão definitiva e o levantamento das cauções prestadas (art. 37; antigo, art. 481). Também pode ser requerida a sucessão definitiva, uma vez provado que o ausente conta com 80 anos de idade e que de cinco datam suas ultimas noticias (art. 38; antigo, art. 482).

A simples ausência de uma pessoa, ainda que prolongada, ano se tem, por si só, repercussão jurídica. O desaparecimento da pessoa sem noticia, não tendo deixado representante ou procurador, poroutro lado, autoriza a declaração judicial de ausência, com nomeação de curador (art. 22 do atual Código). O decurso de tempo de ausência mais ou menos longo induzirá a possibilidade de morte da pessoa, em matéria de direito patrimonial, o simples desaparecimento ou ausência decretada não rompe o vinculo do casamento, o que ocorrerá somente pelo divorcio ou com a certeza ou reconhecimento presumido da morte.

A ausência cessará com o retorno da pessoa, com a certeza de sua morte ou com a declaração de morte presumida. (Trabucchi, 1992:66).

Em face da possibilidade latente de reaparecimento da pessoa, afirma-se que a sentença que admite a morte presumida, embora opere efeitos em relação a todos, não faz coisa julgada. Qualquer interessado poderá impugná-la provando que teve noticias do paradeiro do desaparecido, insurgindo-se, inclusive, quanto à data da morte provável estabelecida na decisão, o que poderá alterar a ordem de vocação hereditária (Borda, 1991, v. 1:289).

O sistema estabelecido pelo Código de 1916 não se preocupava com situações de declaração de morte presumida, tantos sãoos problemas que podem advir com o reaparecimento do presumido morto, acarretando situações que nem mesmo a melhor ficção pode imaginar. Com o atual sistema, existe a possibilidade de declaração de morte presumida, sem decretação de ausência, que é a fase inicial das sucessões provisória e definitiva.

Como aponta Larenz (1978:116), se um dia o declarado morto regressa, existe desde esse momento certeza de que não faleceu e que, por isso, muito menos perdeu seus direitos. Seu patrimônio, em tese, não foi juridicamente transferido aos presumidos herdeiros, tendo pertencido ao titular como anteriormente. A declaração de falecimento não ocasionou precisamente a perda da capacidade jurídica nem a transmissão de seu patrimônio aos sucessores. Há muitas questões que podem advir do fenômeno, a começar pela proteção aos terceiros adquirentes de boa-fé; retenção e indenização por benfeitorias; responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa etc. a matéria requer, sem duvida, maior aprofundamento de estudo, que diz respeito a questões, entre outras, sobre herdeiro aparente e aplicação dos princípios da sucessão definitiva nas hipóteses de retorno do titular do patrimônio. A verdade é que, durante muito tempo, sob o mento do Código de 1916, convivemos sem a possibilidade de declaração de presunção de morte nas hipóteses do art. 7ºe se sua ausência não foi sentida ou reclamada pela sociedade. A nosso ver, as inconveniências de termos essa possibilidade na lei superam nitidamente as vantagens.

Na doutrina estrangeira que adota esse sistema, o regresso do morto que encontra seu cônjuge casado com terceiro deu margem a inúmeras interpretações. A melhor solução, presente no direito argentino, é entender côo válido o segundo matrimonio e desfeito o primeiro. Observa Guillermo Borda (1991, t. 1:307) que

"os novos vínculos e afetos devem ser preferidos aos pretéritos, tanto mais quanto é possível eu o novo matrimonio haja gerado filhos, que, de plano, ver-se-ão em dolorosa situação d ver destruído se lar."

Emancipação, Interdição e Ausência

A emancipação, concedida pelos pais ou por sentença do juiz, de acordo com o art. 5º do atual Código (antigo, art. 9º, § 1º, I), deverá ser também inscrita no registro publico (art. 89 da Lei dos Registros Públicos).

As sentenças de interdição serão registradas (art. 92; novo, art. 145), assim comoas sentenças declaratórias de ausência (art. 94; novo, art. 147).

BIBLIOGRAFIA

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: parte geral. 4 ed. – São Paulo, Atlas, 2004.