Perigos do grupo Kabbalista
Por Germano Brandes | 01/06/2016 | FilosofiaPerigos do grupo kabbalista
À medida que se começa a penetrar no nível do ego yesódico, onde tudo é relativamente claro, e se atinge as zonas mais adiante da fronteira da consciência comum, o indivíduo e o grupo começam a se deparar com fatores desconhecidos. Assuntos como feitiçaria, possessão, fantasmas, anjos e demônios podem ser fascinantes para se ler ou ver na televisão, onde há a opção de virar a página ou desligar o aparelho, mas esse não é o caso em um encontro direto com a coisa em si. Conhecer o sobrenatural por experiência própria pode perturbar os elementos instáveis de algumas psiques, ou proporcionar acesso a entidades que existem nos mundos invisíveis. De acordo com a Tradição, deve-se acrescentar que não se deve continuar com esses exercícios interiores de formação de imagens se a psique estiver em estado de desequilíbrio. Um tutor deveria estar sempre atento ao estudante desequilibrado e dissuadi-lo de participar até que ele esteja pronto e decidido, o que, em alguns casos, pode não ser nesse período de vida. Tais pessoas devem ser ajudadas, mas não de um modo que desintegre o trabalho do grupo, pois podem atrair intrusos hostis e nocivos que procuram entrar.
A fim de colocar dentro de um contexto o que estamos considerando, vamos olhar para a topografia teórica da zona perigosa. A parte inferior da Árvore yezirática se relaciona ao Mundo da Formação. Esse é o “habitat” não só do nível do ego da psique, mas também das entidades que habitam o plano psíquico inferior, do mesmo modo que as plantas e os animais existem no mundo natural. Assim como embaixo, existem acima ciaturas de todas as espécies, algumas amistosas e outras não, algumas de elevada e outras de pouca inteligência. Além disso, como esse nível de Yezirah corresponde grosseiramente aos níveis mais misteriosos da natureza, é a zona onde os que morrem recentemente passam um curto período antes de prosseguir. Também é o lugar onde os que se recusam a acreditar que estão mortos, ou os que ainda estão obssessivamente apegados aos sentidos, residem e vagam buscando contato com os vivos. Em geral, pouca conexão é efetuada, pois em condições normais não há meios de comunicação, exceto sob circunstâncias especiais, como nos sonhos, na proximidade da morte, durante uma crise psicológica maior, ou em uma sessão espírita. Algumas vezes, pode ser feito um contato nesse tipo de exercício que descrevemos, se o procedimento normal de proteção pela invocação ou pela oração não for corretamente efetuado antes da ascensão.
Em geral, a passagem do nível terreno para os planos superiores é bastante segura, contanto que a operação seja conscientemente colocada sob a direção do Céu e do Espírito Santo. Contudo, algumas pessoas nem sempre seguem o tutor, e vão sozinhas sem um guia durante a ascensão, ou são seduzidas para fora do grupo por vozes que se originam em suas próprias psiques, ou vozes de entidades atraídas pelo campo de força gerado pelas circunstâncias. O método de se lidar com semelhante situação é o tutor e o estudante se centrarem no self de Tiferet e se colocarem diretamente sob a proteção do Santo, através da oraaÇÃO OU DA REPETIÇÃO DE UM DOS Nomes Divinos. Uma alternativa dramática quando o indivíduo não está à altura é o grupo voltar rapidamente à terra, bater os pés no chão e entrar na consciência sensorial normal. É claro que isso terminará a ascensão. Em geral, um grupo deveria passar sem ser molestado através da zona crítica do Yezirah inferior, como se faz todas as noites ao dormir.
O fato de se estar cônscio da existência de virtuais intrusos não deveria amedrontar as pessoas de conhecimento e de boa vontade. Como em qualquer aventura terrena, sempre há o fator do perigo, e isso visa dissuadir os medrosos ou os que não estão ainda preparados. Devem permanecer na Terra e continuar seus negócios naturais. Contudo, para os que, de fato, desejam correr o risco não é necessário ter medo. Aqui o grupo é de um valor inestimável, porque, como os alpinistas, estarão amarrados juntos para apoio mútuo e terão um guia experiente. O fato de criaturas dessa zona se aproximarem para examinar não deve ser desencorajar o alpinista; nem as tempestades ocasionais do clima yezirático, nem as situações difíceis e os rochedos psicológicos da subida. Pode-se lidar com tudo isso através de calma, persistência, habilidade e crescente experiência. Na verdade, cada ascensão deve tornar essa encosta psíquica mais fácil, até que ninguém mais seja indevidamente perturbado pelos acasos dos declives yeziráticos, porque se sabe o que esperar e o que fazer.
Em termos práticos, deve-se manter um pé em Malkhut, de modo a nunca se perder contato completo com a Terra, e nunca perder uma vaga percepção do fundo físico. Para as pessoas que têm um elo fraco com a realidade comum, isso deve ser fortalecido pelo desenvolvimento da percepção sensual. O tutor, aqui, ajuda dando exercícios de tato, paladar, olfato e audição, próprios para ver tudo aquilo que se toma por garantido. Essas faculdades devem ser instantaneamente postas em ação se, durante uma sessão de ascensão, uma pessoa começar a entrar em pânico ou perder o contato com a realidade que os outros entram. A mesma técnica pode ser aplicada ao ocasional episódio de histeria, que acontece com alguém que possa temporariamente estar perturbado por alguma descoberta pessoal ou por alguma crise. Se possível, é bom levar o indivíduo para fora do prédio, ao ar livre, a fim de travar contato direto com os elementos físicos e acalmar-se. A chuva fria ou o sol quente ligará a maioria das pessoas à terra. Outro fenômeno raro é o ocasional ataque epilético. Se isso acontecer, e pode apanhar até mesmo o tutor de surpresa, o grupo deve permanecer calmo e permitir que um participante qualificado se encarregue da situação. Se não houver ninguém, então deve-se deitar o epilético cuidadosamente no chão para evitar que se machuque, deixando-o respirar pela boca e protegendo sua língua com um lenço, para que ele não a morda, até que o ataque passe. Deve-se estar preparado para tudo.
Como talvez se compreenderá, essa zona é a mesma utilizada pelos que praticam uma magia pouco desenvolvida, utilizando-se dos poderes mais sombrios da natureza, o que corresponde à região superior da Árvore Natural, dominando e dirigindo as criaturas da região inferior do Mundo da Formação. A literatura tradicional insiste que esse é um jogo muito perigoso, pois uma vez que se perca o controle dessas entidades, elas podem se voltar contra seus mestres terrenos e os ferir. Por isso a magia é proibida na Bíblia. A Kabbalah se ocupa em servir a Deus, sem a manipulação do poder oculto, mesmo que bem-intencionado, porque ninguém, não importando quão hábil seja, conhece todas as implicações do que está fazendo aos outros, a si mesmo e ao Universo. Diz-se que a arte da magia é ajustar a estrutura e dinâmica do Mundo da Formação, a fim de influenciar a configuração de causas que produzirão mudanças no plano terreno. Embora isso seja tecnicamente possível, nem sempre é ético ou correto interferir na forma em que uma situação se desenvolve, especialmente se o mago desejar que isso siga determinada direçã o. Como ocorre com tudo o que faz parte da vontade, existe um preço; e embora o feiticeiro obtenha um sucesso limitado, o Universo inevitavelmente afirmará a sua necessidade de equilíbrio de modo que a SITUAÇÃO volte ao fluxo original. Esse é o motivo pelo qual a magia negra sempre falha.
O que se conhece como magia branca é, muitas vezes, uma correção aplicada a uma sequência perturbada ou bloqueada, mas dentro de suas leis. Por exemplo, certos grupos se utilizam de princípios kabbalísticos para estabelecer situações de cura, e embora isso em si não seja impróprio, é muitas vezes feito por pessoas que não compreendem a implicação total do que estão fazendo. Pode ser comparada aos primeiros usos da penicilina, encarada, junto com muitas outras drogas maravilhosas, como uma cura para todos os males, destruindo as bactérias malignas, até ser descoberto que também debilitava as bactérias benignas, enfraquecendo desse modo todo o sistema quando utilizada indiscriminadamente. Muitas pessoas bondosas praticam essa espécie de cura psíquica a partir de fundamentos ingênuos, com pouco conhecimento e muita superstição sagrada. Convicção, infelizmente, não é suficiente! A fé e o conhecimento são necessários. Contudo, nesse contexto, não é exigida a manipulação estudada das forças misteriosas, mas levar o problema para cima, ao Supremo, e rogar que interceda. Se for de Sua vontade, então, o miraculoso, surgindo do Mundo Beriático da Criação, funcionará no Mundo da Formação, o que por sua vez produzirá alguma mudança no mundo físico. Nesse caso, o Universo inteiro é levado em consideração pelo Absoluto, que sabe exatamente o que é necessário para permitir ter lugar uma cura sem criar qualquer tensão ou ruptura em alguma outra parte.
A tentação de ser desviado do caminho é um dos testes que confronta ambos, o indivíduo e o grupo, quando encontram as entidades e forças dos mundos superiores. Na verdade, muitas pessoas são atraídas ao estudo da Kabbalah por causa da mitologia mágica que a cerca. Embora seja verdadeiro existir um aspecto mágico, mesmo dentro da linha judaica suas operações sempre foram relacionadas à Vontade Divina. Algumas pessoas, por exemplo, logo esquecem o que é Kabbalah, à medida que se envolvem em demasia na teoria e na prática de entrarem em contato com anjos; também aqueles que sentem curiosidade pelo demônio rapidamente cessam de se lembrar quem são, porque tais interesses abrem as portas à possessão. Agora, embora isso possa parecer medieval, a realidade desse fenômeno sobrenatural é reconhecida em todas as culturas. Em tempos modernos, podemos conhecê-la por nomes clínicos como “esquizofrenia”, ou empregar termos como “arquétipo” e subpersonalidades”, mas essas são apenas outras maneiras de descrever os pontos de contato e de entrada entre a psique do indivíduo e as hostes do mundo yezirático. De acordo com a Kabbalah tradicional, um anjo e um demônio observam a tríade da alma em cumplicidade à ação do livre-arbítrio. No psicótico e no insano esse privilégio é monopolizado pela expansão de uma das funções psicológicas, como Nezah, a qual pode ser possuída pela entidade arquetípica de Vênus que produz a ninfomania, ou a possessão hodiana do vigarista que alicerça o malandro e o cleptomaníaco. Possessões menores podem ocorrer dentro dos complexos emocionais ou conceituais, onde certas entidades vivem das obsessões ou dos medos, como parasitas vivem do sangue ou da seiva. Belzebu, o Mestre das Moscas, não era apenas um nome antigo estranho, mas uma descrição poética e precisa de Lúcifer em ação.
Lúcifer entrará no território do grupo quando um número suficiente de participantes começar a gerar uma estrutura coesa de energia, porque à medida que o grupo adquire um potencial coletivo, se torna vulnerável a testes. Assim, enquanto os participantes menos sensitivos nem suspeitam no início o que se passa sob a rotina semanal, aparecerá o lado-sombra da identidade do grupo. Esse elemento demoníaco pode surgir em qualquer direção em uma situação calmamente conduzida, porque fatores sinistros estão presentes em todos, inclusive no tutor. Pode se manifestar de maneira particular em confrontos pessoais de disputas ou atritos determinadas “panelinhas” do grupo. Pode se insinuar em uma obsessão ou surgir das pequenas politicagens de uma organização em crescimento. Pode também aparecer através de um fator-chave, como um dos estudantes-estrela precipitando dramaticamente a primeira crise maior do grupo, que poderia destruir tudo até então realizado.