PENSÃO POR MORTE DE POLICIAIS CIVIS NO ESTADO DE SANTA CATARINA: MAIS UM IMBRÓGLIO CRIADO PELO GOVERNO (Felipe Genovez)

Por Felipe Genovez | 24/02/2018 | Direito

 

Dispõe o art. 263 da Lei 6.843 – 1986 – Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina que “Em caso de morte em objeto de serviço ou em razão de atividade funcional, o valor da remuneração que o policial perceber em vida, deve ser pago integralmente, aos dependentes do policial, na forma da Lei. Parágrafo único. Na hipótese prevista neste artigo será devido a seus dependentes um pecúlio de uma só vez, equivalente a 5 (cinco) vezes o valor dos vencimentos do policial civil falecido”

Um dos primeiros questionamentos que se deve fazer é quanto a aplicabilidade do presente dispositivo ao dispositivo em comento e se ele teria sido revogado pelo art. 25, inciso I, da Lei Complementar n. 129, de 7 de novembro de 1994.

Até a vigência dessa legislação extravagante o entendimento era no sentido de não haver qualquer dúvida acerca da aplicabilidade desse direito aos policiais civis (vigência do arts. 263 da Lei 6.843/86). O preceito contido na legislação complementar  extravagante acima mencionada dispôs que: "são revogados: I - todos os dispositivos dos Estatutos dos Servidores Civis e Militares do Estado, referentes a pensão por morte".  

Como se vê não foi feita qualquer menção expressa à revogação do presente  dispositivo especial estatutário. Em assim sendo, poder-se-ia levantar alguma dúvida quanto à manutenção desse preceptivo contido no Estatuto da Polícia Civil, na medida em que o legislador não citou expressamente quais os dispositivos seriam afetados por meio da LC 129/94.

Pode até ter  havido intenção por parte do legislador no sentido de fazer com que se aplicasse indistintamente a Lei de Pensão Previdenciária (art. 25 inciso I, da LC 129/94) a todos os ordenamentos jurídicos que regem servidores públicos no Estado de Santa Catarina, o que na verdade não veio a ocorrer em razão da omissão do legislador de mencionar expressamente os dispositivos e legislações atingidas. 

Apesar do silêncio das lideranças classistas, a expectativa seria se aguardar que o Poder Judiciário viesse a ser instigado a se manifestar sobre a matéria, o que não veio ocorrer, digamos que o governo ganhou e levou no grito (ou no silêncio de seus destinatários), entretanto, a expectativa ainda persiste que a matéria seja oportunamente apreciada pelo Judiciário considerando que o dispositivo comentado ainda encontra-se em pleno vigor.

Registre-se que como morte em objeto de serviço, deve-se entender a realização de missão ou diligência de natureza policial. O termo utilizado "em razão de atividade" deve ser entendido como consequência direta ou indireta do exercício da atividade policial. "Direta" é a ocorrência do evento morte durante o horário de trabalho ou em casos de perseguição ou morte fora do serviço, mas em razão da atividade policial. "Indireta", nos casos de doenças, devidamente comprovadas por meio de exame médico ou laudo firmado por junta médica oficial, quando possível.

Há que se registrar que o período de deslocamento do policial de sua residência até o local de trabalho e vice-versa deve ser considerado para fins do evento morte em serviço. Idêntica disposição contida no art. 177, parágrafo 1°., da Lei 6.745/85 (Estatuto dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina) que trata sobre a concessão de pecúlio, no valor de 5 (cinco) vencimentos pagos de uma só vez aos dependentes. O parágrafo 2°., do referido artigo foi revogado expressamente pela Lei n. 6.902, de 05 de dezembro de 1986, entretanto, também não fez menção alguma ao diploma policial civil.

A Lei n. 8.245, de 18 de abril de 1991, em seu art. 12, parágrafo 1°., estabelecia que o Secretário de Segurança Pública poderia delegar competência ao Delegado-Geral da Polícia Civil (disposição revogada pelo art. 126, da Lei n. 9.831, de 17.02.95). Nesse mesmo sentido, a Portaria 0230/GAB/SSP/92, em seu art. 1°., inciso V, havia delegado competência ao Delegado-Geral da Polícia Civil para conceder pensão integral por morte de policial civil, em objeto de serviço ou em razão da atividade policial (revogada pela Portaria n. 329/GAB/SSP/95 – Secretária Lúcia Stefanovich - e que não reiterou essa delegação).

Outra questão que se apresentaria é a relativa a revogação do parágrafo único do dispositivo suso mencionado. Sucede que com uma pretensa revogação do 'caput' do artigo não haveria como manter-se o seu parágrafo único, muito embora a matéria nele tratada devesse constar de dispositivo  específico, eis que se trata de pecúlio e não de pensão.

No art. 25, da LC 129/94, como mencionado  anteriormente, o legislador dispôs expressamente sobre a revogação de diversos dispositivos de diplomas jurídicos que regem servidores públicos. No entanto, no inciso I, dispôs em termos genéricos  sobre o assunto, levando a crer que estaria se dirigindo tão somente ao Estatuto Geral dos Servidores Públicos do Estado de Santa Catarina. Assim, como já dissemos anteriormente, a investida do governo não teve o condão de revogar normas especiais, como no caso do Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, salvo se tivesse ocorrido expressa disposição nesse sentido, o que não foi o caso no que se pode inferir dos  incisos contidos no art. 25 da LC 129/94, em questão, pois, contraditoriamente, dispôs sobre  a revogação específica de preceitos de leis que tratam de pensão por morte. Com isso, entendemos que se deva  interpretar que os dispositivos revogados foram somente  aqueles relacionados, como no caso dos arts. 293 e 359, da Lei n. 5.624, de 9.11.79.

JURISPRUDÊNCIA CATARINENSE:

Pensão por morte:

" (...) Assim sendo, não pode haver controvérsias, fixados os limites dos vencimentos dos servidores em atividades, tem-se os limites dos proventos dos inativos e também das pensões dos pensionistas. Resumindo: a pensão por morte corresponde (a) ao valor dos vencimentos, no plural, ou dos proventos do servidor, respeitado o teto a que esse mesmo servidor estaria sujeito, se vivo fosse: (b) não é facultado ao legislador ordinário fixar, para efeito de concessão de pensão, outro teto que não seja aplicado ao servidor quando vivo. ( AI nº 00.013775-8, da Capital, rel. Des.  Cesar Abreu, DJ nº 10.510, de 31.07.2000, p. 13).

"(...) Pensão por morte - totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido - dicção do art. 40, parágrafos 5., da CF e 159, da CE - auto-aplicabilidade - limite estabelecido em lei - interpretação. 'A norma inserta na Constituição Federal sobre o cálculo de pensão, levando-se em conta a totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, tem aplicação imediata, não dependendo, assim, de regulamentação (...)' (STF - Min. Marco Aurélio)" (MS 7.865, da Capital, Rel. Des. Eder Graf, DJ 8.982, de 06.05.94, p. 16).

"Constitucional e administrativo - pensão por morte - direito líquido e certo à totalidade dos proventos do servidor falecido - mandado de segurança - aplicação do parágrafo 5°., do art. 40, da Carta Política - precedentes jurisprudenciais. 'O benefício da pensão pro morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei...', o que significa que os pensionistas recebem integralmente, pois 'o limite ali mencionado não é para a pensão em si mesma. É para os vencimentos ou proventos (art. 37, XI)". O parágrafo 5°., do art. 40, da Carta Magna é de aplicação imediata, nada obstando o direito dos beneficiários à falta de fonte de custeio prevista no parágrafo 5°., do art. 195, eis que tal determinação é dirigida aos responsáveis pela seguridade social ( MS 7.538, da Capital, Rel. Des. Amaral e Silva, DJ 9.002, de 09.06.94, p. 11).

"Constitucional e Administrativo - pensão por morte - direito líquido e certo à totalidade dos proventos do servidor falecido - mandado de segurança - aplicação do parágrafo 5°, do art. 40, da Carta Política - Precedentes Jurisprudenciais (...)" (MS 7.798, da Capital, Rel. Des. Amaral e Silva, DJ 9.61, de 26.08.94, p. 8).

“(...) Exegese dos arts. 40, par. 5°, da CF e 159, da CE. A norma do art. 40, par. 5°.,da CF e auto-aplicável, não dependendo assim de regulamentação(...). O teto de vencimentos estabelecidos pela Lei Complementar Estadual n. 141/95, encontra-se em dissonância com as disposições dos arts. 40, par. 5°., da CF e 159 da CE”  (Apel. Civil em MS n. 96.002654-1, Capital, Res. Des. Nelson Schaefer Martins, DJ n. 9.707, de 17.04.97, p. 7). 

“(...) Desta feita, os constituintes supunham garantir aos dependentes da esmagadora maioria do funcionalismo público que recebe salários modestos, o benefício da totalidade, posto que aqueles não seriam afetados pelo valor-limite, ao mesmo tempo em que seria evitada a institucionalização de exageros odiosos, que logicamente teriam potencial bastante para deformar o caráter decisivamente alimentar do instituto da pensão previdenciária. Todo esse relato é confirmado de modo categórico pelos anais do Diário da Assembléia Nacional Constituinte (CF - terça-feira, 15.03.88, p.8.424), documento de grande valor histórico e que constitui precioso instrumental hermenêutico para estudiosos e aplicadores do direito constitucional positivo. Dele se retira  a seguinte passagem, que registra fala de autoria do Deputado Miro Teixeira no calor dos debates constitucionais: ‘com relação às pensões...dizia o texto da comissão de sistematização: ‘O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido’. Aqui, então, incluímos na pensão ‘até o limite estabelecido em lei’, porque contra-argumentaram aqueles que se apunham a esses dispositivos que aqui poderia surgir o benefício de marajás’. ....para se afastar de pronto qualquer possibilidade nessa direção concordamos em estabelecer um limite, que será fixado na lei. As categorias de baixa renda, de renda média ou até certos níveis superiores poderão estar beneficiadas, sem que se beneficiem aqueles que têm remuneração incompatível com a média do serviço público (...)’. todavia, é forçoso reconhecer que, interpretando a regra do par. 5°, do art. 40, da CF, o STF tem entendido que a expressão ‘até o limite estabelecido em lei reporta ao art. 37, XII, que dispõe ‘in verbis’: ‘A lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do STF, e seus correspondentes nos Estados, no DF e  nos territórios, e, no municípios, os valores percebidos como remuneração em espécie pelo Prefeito’. (...). Postas essas premissas, com base na orientação do STF, pode-se concluir o seguinte: 1) os dependentes do servidor falecido têm direito a uma pensão correspondente a tudo aquilo que o mesmo percebia quando em vida, ou seja, à totalidade dos seus vencimentos, exceto na hipótese em que o montante apurado venha a extrapolar o valor da remuneração do membros do Poder do Estado ao qual dito servidor pertencia; 2) entende-se por remuneração apenas aquela fração estipendiária relativa ao cargo (por exemplo: vencimento básico, adicional de representação, etc.), isto é, não computadas eventuais vantagens de caráter pessoal que por ventura acompanham a renda global dos membros dos poderes públicos, tais como, o adicional por tempo de serviço; 3) sempre que a totalidade dos vencimentos do servidor público falecido superar o teto de remuneração fixado no âmbito de cada Poder, o valor da pensão a ele haverá  de eqüivaler, não podendo excedê-lo em hipótese alguma, sob pena de desconsideração do limite estabelecido em lei (...). Assim, em Santa Catarina, tem-se que o limite para as pensões no âmbito do Poder Executivo, seria o fixado na Lei Complementar n. 100, de 30 de novembro de 1993, todavia o art. 3°. Da recém sancionada  Lei Complementar Estadual n. 141, de 17 de agosto de 1995 (publicada no DOESC em 21.08.95),estabeleceu como limite máximo, o valor correspondente à remuneração fixada para Governador do Estado (vide Decreto Legislativo n. 16.380, de 20 de dezembro de 1994), (...); para o Poder Judiciário, entendo valendo o contido na Lei Estadual n. 9.411, de 04 de janeiro de 1994 (...); por fim, para o Poder Legislativo o limite... a teor do disposto no art. 27, par. 2°., da CF, fixado este valor pelo Decreto Legislativo n.16.379, de 20 de dezembro de 1994 (...)” (Agravo Regimental no pedido de Suspensão de Liminar n. 35, Capital, Rel. Des. João Martins, DJ n.9.353, de 8.11.95, p. 2).