PENSANDO COM O MARTELO
Por Abel Aquino | 05/05/2009 | FilosofiaAbel Aquino
A sociedade é replicadora de si mesma. As novas gerações se formam por acomodação e as virtudes e defeitos são repassados de pais para filhos da mesma forma com que transmitem os gens e as caracteristicas físicas. A cultura de um povo é nada mais que ritos, costumes, crenças e comportamentos programados e reprogramados ao longo das sucessivas gerações. Isso dá estabilidade, dá segurança e auxilia na manutenção da ordem social e da cooperação entre os membros da sociedade.
Mas quando há uma mudança brusca nos aspectos externos dessa sociedade – um avanço tecnológico, por exemplo – a sociedade se desestrutura. Daí nascem os conflitos, as crises existenciais, as neuroses individuais e os desajustamentos nas relações entre membros. A sociedade como um todo entra em crise.
Uma atitude individual iconoclasta, destruidora de ídolos, no sentido Nietzscheniano, possibilita quebrar essa rigidez dos costumes e crenças e facilita a adaptação às mudanças, típicas de nosso mundo moderno.
O iconoclasta questiona o papel das crenças, dos valores morais, dos rituais coletivos e das formas repressoras de enquadramento do indivíduo. É a busca de libertação mental e corporal pelo pensamento questionador.
No início, talvez, fique contra os causadores das mudanças. Depois, continuando a exercitar sua liberdade de pensamento, começa a ver que o problema está, na realidade, na rigidez da textura social, na luta pela permanência de crenças e valores num mundo em rápida transformação. Nesse momento o iconoclasta coloca-se contra os costumes, contra a tradição. Nesse ponto fica mais perto de romper as amarras que o prendem à tradição e consegue, então, torna-se rebelde. A rebeldia é um estagio fundamental para o individuo poder abstrair-se do meio social onde cresceu e pelo qual foi moldado e adquirir a capacidade de analisar as várias formas de rupturas que precisa fazer. O rebelde quebra a coesão da sociedade, torna-se anti e começa a escapar da força centrípeta que o impede de libertar-se.
O próximo passo é encontrar todas essas forças da sociedade incrustadas no mais profundo do seu ser, tornadas, na verdade, partes constitutivas de si mesmo. Agora precisa arrancar essas crenças, essas formas de padronização de pensamentos, essas correntes que o prendem ao pai, à mãe, à familia maior, ao professor, ao padre, ao pastor, ao mestre ou aos políticos.
Muitas pessoas ficam no primeiro estágio e passam a vida combatendo a modernidade, o progresso cientifico e tecnológico.
Muitos outros ficam no estágio de rebeldia, de desobediência civil permanente e tornam-se antissociais e misantropos.
Mas os que não temem o pensamento livre vão em frente; estudam a sociedade, analisam seus fetiches, mergulham-se em leituras de antigos filósofos, religiões exóticas, culturas diferentes. Chega a um ponto em que o rebelde começa a romper as amarras da tradição e do conformismo e caminha para novas indagações, renova sua curiosidade, encontra outros desafios a serem enfrentados. Nessa caminhada uma vida é pouco.
Mas na medida em que vai conhecendo e ampliando sua consciência, vai reconciliando-se, aos poucos, com a sociedade, já numa outra dimensão, liberto, acima dos conflitos que endoidecem os comuns dos mortais. Agora esse antigo rebelde compreende e sorri.
No dia em que conseguir sorrir das loucuras do mundo, sem se sentir cúmplice, atingirá mais um novo degrau rumo a sabedoria de viver.
Toma consciência de que a revolução da sociedade começa com a revolução dentro de si mesmo, que o individuo evolui enquanto interage com os outros, trabalha, conversas, debate e critica os seus semelhantes dentro do universo de suas relações. Sua postura rebelde vai ser acompanhada, de certa maneira, pela sociedade. Esta vai tentar enquadra-lo, tentará dobrar a sua espinha, quebrar as suas pernas. Nada será fácil, compreende-se; sua personalidade representará uma nota dissonante no seio da unanimidade social.
Mas o objetivo do rebelde é quebrar os ídolos, romper as barragens da tradição, desmantelar as hierarquias desniveladoras, talvez , num primeiro momento, numa batalha dentro de sua alma, no interior da mente condicionada, e, num segundo instante, irradianto-se à sociedade, enfrentando-a como quem desafia uma besta selvagem. Todo conhecimento adquirido será de absoluta importância nesse momento; suas leituras de antigos pensadores, de livros sagrados e nem tão sagrados, de testemunhos da vida, das conversas com Sócrates, com Buda, com Nietzsche, com Thoreau, com grandes filósofos e com insignificantes vagabundos do pensamento, todos serão decisivos nessa hora. O rebelde estará à par dos avanços das ciências, da psicologia, da sociologia, da antropologia e até da química, da física, da eletrônica e com o que mais lhe cair nas mãos. Tudo será processado em seu fenomenal cérebro. O caminho será longo, talvez, sem fim, mas também sem volta.
A liberdade é uma busca que vai crescendo, ampliando os horizontes, abrindo porteiras, subindo e descendo montanhas, cujo desfecho serão os anos de vida de cada um.